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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
(foto Ponto Final)
É difícil ter um sistema de justiça a funcionar quando as preocupações manifestadas pelos discursos dos responsáveis não se conjugam. Tirando o apreço pela estatística e pelos problemas dos móveis e imóveis, em tudo o mais divergem. Este ano a cerimónia de abertura do ano judicial também não constituiu novidade.
Novidade foi o discurso do Presidente da AAM. Não pela forma, que é a usual, mas por deixar perceber que anda cada vez mais desfasado dos tempos, angustiado e correndo atrás do prejuízo. Com os passos trocados.
Eu compreendo-o. Há um ano deixou uma brevíssima nota com seis linhas sobre o problema da língua portuguesa nos tribunais. Uma nota menor, tímida, que passou despercebida, talvez por não achar que o assunto fosse então suficientemente importante para que a AAM assumisse um papel de charneira na defesa da língua portuguesa e dos direitos dos cidadãos de Macau. Este ano tentou acertar o passo e as seis linhas passaram para mais de duas páginas. O ano passado não disse nem uma palavra sobre a Lei de Terras e os problemas que aí vinham, confiando que sem fazer ondas tudo se resolveria. Este ano erigiu este assunto em sua bandeira, vá-se lá saber porquê.
Eu não quero dizer que o Presidente da AAM só fala nos problemas quando a casa começa a arder e o fogo já é visível da Muralha da China. Ou que se sente mais protegido para falar nos problemas depois de quem tem o poder, o político e o dos cifrões, enviar os seus recados assim que pisa o sagrado solo de Macau. Seja porque Li Keqiang, António Costa e Tiago Brandão Rodrigues estiveram em Macau e mostraram o quanto estão interessados na promoção do bilinguismo e na defesa da língua portuguesa como reserva estratégica da China, de Portugal e da RAEM, seja porque no último ano a Administração da RAEM começou a declarar a caducidade de muitas concessões cujo estatuto há muito devia ter sido revisto de tão ostensivo o abuso e escandalosa que era a sua gestão, o certo é que só este ano se amofinou e deu dimensão a estes problemas que há muito pairam por aí.
Em relação às preocupações com a língua portuguesa, nas quais aliás me revejo, voltou a chegar muito tarde, não tendo falado grosso em devido tempo. Quanto às terras confirma-se que enviar pareceres a desoras, discretamente, de pouco serve quando há pirómanos a legislar.
Estas coisas também me preocupam, embora as nossas preocupações não sejam iguais. E eu não saiba quem são os tais "investidores" e "empresários" que preocupam o Presidente da AAM, que andam a fugir para outras jurisdições e foram surpreendidos pelo "radicalismo das opções legais". Em todo o caso, deixem-me dizer que há alguns que não fogem: ficam apenas de férias e impedidos de continuar a "investir" como sempre fizeram, nem que seja num cafezinho na Times Square. Quanto aos outros, os que ficaram surpreendidos, é pena que não tivessem sido caçados pelo "radicalismo" das soluções legais ainda no tempo da Administração portuguesa. E tenha sido necessário aguardar tanto tempo, e tantas concessões e condecorações depois, para perceberem que ainda não eram os donos disto tudo. Do mal o menos.
Em todo o caso, com a estima que me merece, a única coisa que daqui posso humildemente sugerir ao Presidente da AAM, já que não conheci o discurso antes nem me foi perguntado se estava de acordo para assim falar em meu nome, é que para futuro se antecipe ao tempo. O tempo não resolve problemas; e normalmente só os agrava, a não ser para os burocratas, que não é o seu caso. É melhor que não espere pelas sessões de abertura do ano judicial para dizer que preceitos legais não se revogam pelo "desuso", e que deixe de confiar, sentado, "em soluções de transição". Que não fique à espera que os fundilhos de terceiros, sejam advogados, empresários ou simples cidadãos tesos e anónimos comecem a arder para manifestar publicamente as suas preocupações. Os fundilhos de terceiros de boa fé, evidentemente, que presumo que sejam os que foram enganados por alguns dos tipos que conseguiram as concessões (e de algumas ainda estamos para saber como, mas há quem esteja a tratar disso a todo o vapor).
A Administração tem culpa? Também tem. E não é pequena. Mas o problema é que, às vezes, a gestão do tempo não é boa conselheira. Não serve para nada e depois não há arbitragem, por muito bem paga, discurso ou pedido de desculpas a quem em nós confia, e confiou, que safe o que já ardeu. Ardido, ardido está.