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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
"Temos um nível de transparência como nunca existiu em 40 anos"
Partindo do princípio de que o cavalheiro não estava a referir-se ao reembolso de umas despesas feitas em nome de uma entidade qualquer, de cujo montante não se recordava, embora ascendessem a uns míseros cinco mil euros mensais, e que ainda hoje estamos à espera de saber quais foram, aos submarinos, aos veículos do BPN e da SLN, aos sobreiros, à "Tacho Easy", e que não estava falar do pódio do Calçadão de Quarteira, queria dizer a todos, mesmo a todos, até ao Quim Barreiros, que só posso estar de acordo com o senhor primeiro-ministro.
Seja quanto ao Citius, a colocação de professores, os programas informáticos do fisco, a dificuldade da saída de Miguel Relvas do Governo, os chumbos no Tribunal Constitucional, as promessas feitas em campanha - aldrabando as criancinhas e os seus papás à porta da escola -, a demissão de Vítor Gaspar, a substituição da administração da INCM - a ministra tem medo de alguma coisa? -; sem esquecer as visitas de José Cesário a Macau, as diplomacias paralelas, as nomeações para a CGD, a protecção conferida à vergonhosa actuação recente do supervisor no caso BES, mantendo em funções quem devia ter sido logo posto em quarentena no mercado da Ribeira, passando pela rápida nomeação e ainda ainda mais pronta escapadinha de Vítor Bento, e ao seu aguardado regresso ao Banco de Portugal, como se nada se tivesse passado; sem esquecer, também, os recados para Marques Mendes poder exibir a qualidade das suas fontes, a adesão da Guiné-Equatorial à CPLP, passando pelo sapo do Acordo Ortográfico, que o saudoso Vasco Graça Moura lhe fez engolir, sem que o cavalheiro se engasgasse, ou os sucessivos aumentos de impostos; ah, e já me esquecia, entre tanta coisa, das mais recentes revelações sobre matérias secretas por parte do ministro Machete e daquela espécie de PPP do Álvaro, por causa das contrapartidas dos submarinos, e das PPP's com os hospitais dos nossos amigos de sempre, do antigamente, tem sido tudo de uma clareza e de uma transparência tal que me faz lembrar as paredes de vidro do Dr. Cunhal. Ou o discurso de Almada do camarada Vasco, que até fez arrepiar o Dr. Cunhal. Ou as conversas em família do Prof. Marcelo Caetano. Ou as condecorações e comendas do Dr. Cavaco.
Confesso que neste momento a única coisa que me aflige é que um dia, com este nível de transparência, todos, velhos e novos, andem de pelota ao léu. Mais a D. Laura e a D. Maria. Todos, elas e nós, comprando o pão na Manta Rota ou na Coelha, ou às compras no supermercado daquele senhor que não quer o dinheiro dos chineses mas vende nas suas lojas os aspiradores deles e as varinhas e os micro-ondas made in China (para compor as contas na Holanda), e elas ali, e as nossas mulheres, todas empurrando o carrinho, com os pendentes ali à vista de todos, em nome da transparência do companheiro Passos Coelho. Todos nuzinhos pelas ruas, sem roupas nem carteiras, vendendo transparência, exportando-a aos molhos, como o alecrim, para a Venezuela e Angola, para depois facturar nas off-shores que desaparecem sempre antes do MP conseguir lá chegar, por causa da transparência da nossa investigação criminal. Enfim, transformando o mundo todo numa espécie de praia do Meco ou ilha de Tavira com a chancela do Dr. Frasquilho das exportações.
Os reformados, que já estão nus há muito tempo, ainda têm o pudor suficiente para não saírem à rua. Mas com os mais novos o problema é diferente, porque os pais têm de ir à procura dos iogurtes para os filhos e não podem ficar em casa. Com este nível de transparência, verdade seja dita, podemos andar todos nus. Nós e o Pedro Mexia, que deve adorar a perspectiva de se passear nuzinho pelos cinemas da capital, com um pacote de pipocas enquanto revê o Nosferatu.
Sim, porque tesos como os portugueses estão - embora alguns camaradas mais dados à filosofia tenham procurado disfarçar, seguindo os exemplos daquelas ONG's que com toda a transparência viviam a catar subsídios como quem cata piolhos -, entra pelos olhos dentro que o problema não será do Viagra. A transparência é que é uma "porra".
Mas lá que há 40 anos não havia disto, lá isso é verdade. Se a transparência não nos entra pelos olhos adentro pelo menos há-de sair-nos dos bolsos até ao resto dos nossos dias. Em notas de cinco euros. Numeradas. Com os carimbos do centrão. E da Câmara de Vila de Rei. Para que não fuja nenhuma para o Panamá ou as contas de um sobrinho que tenha emigrado para a Suíça, enquanto os que ficarem tentarão processar a Red Bull. Elas hoje em dia, as notas, é claro, também deram em tomar Red Bull. É que nos dias que correm o raio da bebida dá-lhes asas. E os portugueses a vê-las partir, de fórmula um ou playstation, antes de desaparecerem na caixa de um supermercado nacional, antes de empreenderem a viagem para o aeroporto da Portela. Com passaporte electrónico e imunidade total. Com toda a transparência.