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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Umas são mais do domínio da intriga, da baixeza de comportamentos éticos e morais.
E, depois, ainda há outras que pertencendo ao mundo das leitarias e mercearias de vão de escada são convenientemente polidas para se darem ares de scones de casa de chá no Estoril. O resultado é o que tristemente se vai lendo por aí:
A mim, o que me faz mais espécie, foi que ninguém tivesse percebido logo isto quando surgiram os primeiros alertas. Agora quem responde? É que não basta dizer que se quer um manual de procedimentos porque alguém tomou a decisão política de pôr o comboio em andamento sem maquinista e com os assuntos entregues ao pessoal do vagão-restaurante das Necessidades.
Quem vai aparecer para dar a cara? Quem criou, anunciou e propagandeou os méritos da criação do programa? Quem fez o marketing da "trapalhada"?
Ou querem que seja a ministra, que ainda agora entrou e que nunca andou metida nestas andanças, tão típicas e tão trapalhonas de uma certa direita nacional, que dê a cara por esta monumental borrada pela qual só os partidos da coligação e os seus principais dirigentes, a começar pelo primeiro-ministro, que andou a querer dar lições de rigor aos outros, logo ele que andou naquelas confusões das despesas de representação e das "viagens pro bono a Bruxelas", e os ministros dos Negócios Estrangeiros podem responder? Há alguém que responda politicamente por este caos no interior de um sector tão sensível do Estado, uma situação que envergonha o País, os portugueses que não andam a garimpar nos negócios do regime e a sua Administração Pública?
Recorde-se, por fim, que a actual responsável pela IGAI foi convidada pelo ex-ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, um dos três que levou o PSD ao Governo, para exercer as actuais funções, pelo que o Governo nem sequer se pode queixar do inquérito ter sido conduzido por gente que não lhe merecesse a máxima confiança, o que torna sobremaneira grave e inaceitável o silêncio de Passos Coelho e Paulo Portas.
“Este caso é o mais mediático e emocionante para o país. (...) Mas o caso para mim mais preocupante para o futuro das instituições democráticas portuguesas é o dos vistos gold. Do ponto de vista do funcionamento do Estado português. E aí é que está a questão do regime.”
Sim, convém não perder de vista o âmago do problema e não confundir as coisas, ainda que isso pudesse dar jeito politicamente a alguns. O "caso Sócrates" pode ser uma chatice, um problema político (que não é), um incómodo, mas a partir de agora será cada vez mais apenas um caso pessoal. E também um problema do Ministério Público, dos seus advogados, dos seus amigos e da desacreditada, e recorrentemente condenada nas instâncias europeias, justiça portuguesa. Casos pessoais não são casos nacionais.
Tirando os habituais comentários e os textos indignados de meia dúzia de articulistas encartados, o que torna tudo mais real e ao mesmo tempo assustador é a indiferença com que tudo isto é visto pelo cidadão comum. Como algo normal e corriqueiro. Porque o pagamento de comissões, a troca de favores, a agilização de procedimentos e a facilitação de negócios duvidosos está institucionalizada. Como se não houvesse vida depois de amanhã. Como se esta pessegada dos "vistos gold", patrocinada pelo Presidente da República e o Governo, fosse uma coisa normal num Estado de direito respeitável. Como se o significado da diplomacia económica fosse vender apartamentos de cento e tal mil euros por mais de quinhentos mil e repartir o remanescente em comissões entre portugueses e intermediários chineses. Como se isto fosse uma actividade respeitável. Como se pudesse haver seriedade no limbo. Como se o trigo e o joio se tivessem por milagre reunido para constituírem a nossa natureza. Como se mil milhões, dos quais seguramente trinta a quarenta por cento foram para o pagamento de "comissões", valessem o escândalo, a imagem de abandalhamento que fica das instituições, a credibilidade e a reputação do Estado. Como se tudo isto fossem coisas menores.
De um povo de indiferentes resignados só se pode esperar a indiferença. A moleza. É este o preço que andamos a pagar há décadas enquanto nos acenam com a esperança. E que vamos continuar a pagar. Com toda a indiferença.