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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Não é de hoje, nem de ontem. A violência, sempre estúpida e sem sentido, tem vindo a impor-se ao desporto em momentos que deviam de ser de festa e de alegria. E tratando-se de um fenómeno que tem décadas, que tem crescido à sombra da tolerância do Estado democrático, não se percebe por que razão as entidades com responsabilidades continuam a ser tão brandas na erradicação desse fenómeno.
Fruto do desinvestimento na educação, resultado da cultura do boné e smartphone, de uma cultura de laxismo e irresponsabilidade que perpassa por toda a estrutura do Estado e da sociedade portuguesa, dos mais altos cargos aos estratos mais desfavorecidos, onde a violência e as imagens que lhe estão associadas promovem valores que nada têm a ver com aqueles que se pretendem para uma sociedade civilizada, os comportamentos que se têm visto dentro e fora dos estádios não são apenas o resultado da actuação de grupos organizados, de claques de vândalos que aproveitam o fenómeno desportivo para extravasar toda a sua boçalidade, seja sob a forma de verylights, destruição de bombas de gasolina, assaltos na via pública, danos em veículos, provocação de incêndios em recintos desportivos e bens públicos, mas também de actuações policiais próprias de estados autoritários que fazem da violência sobre os seus cidadãos uma marca de lei.
As condições de vida não explicam, ainda menos justificam, o que se tem visto, porque a violência acontece tanto em alturas de crise como de prosperidade, em nações ricas e em velhas democracias como em países pobres onde grassa o espectro da fome e da miséria. As causas e as razões serão certamente mais profundas.
Se é intolerável que os estádios de futebol e as claques estejam recheadas de bandidos, de marginais, de traficantes, de neo-nazis disfarçados, de pulhas ignorantes, de gente xenófoba e racista, menos ainda se pode tolerar que quem tem a obrigação e a responsabilidade de assegurar a ordem e a paz públicas reincida em comportamentos próprios desse tipo de marginais. Infelizmente, tenho tido conhecimento e sido testemunha de algumas actuações por parte de agentes de autoridade que em nada abonam ao bom nome das corporações que representam e que em vez de induzirem a confiança na sua actuação provocam o medo e o receio, levando muitas vezes a que quem necessita de ajuda e protecção não apresente queixa por receio da forma como será recebido e encarado por quem tem a responsabilidade de acolher as participações. As forças de segurança não podem ser o porto de abrigo de marginais, de verdadeiros delinquentes, que à falta de melhores oportunidades procuram ali encontrar a protecção necessária para darem vazão aos seus instintos mais primários.
O que aconteceu em Lisboa e em Guimarães só é objecto de notícia e censura porque foi testemunhado por muita gente, porque foi filmado e visto de muitos ângulos. Não raro nos tribunais há cidadãos indefesos que são confrontados com queixas de energúmenos que fazem uso da farda e do estatuto para fazerem justiça e obterem indemnizações a que sabem não ter direito, sabendo que à falta de outras testemunhas é sempre a sua palavra que se impõe ao Ministério Público e ao juiz. Recordo-me inclusivamente de um caso ocorrido no Algarve, há uns anos, em que um visado depois de saber por um colega que tinha sido apresentada queixa contra si, devido ao seu comportamento de gangster, foi a correr apresentar queixa contra o desgraçado que tinha sido agredido, humilhado e insultado por não lhe ter dado prioridade num cruzamento. Por não ter tido a prioridade que desejava fez uma ultrapassagem perigosa com a sua viatura de uso pessoal, estancou à frente do outro veículo, atravessando-se na via, numa atitude de tão grande prepotência e abuso que alguns colegas referiram ser típica, embora ninguém denunciasse o fulano para não ser acusado de bufaria.
Espero que o inquérito que foi mandado instaurar pela ministra da Administração Interna seja célere, que o Ministério Público não vacile, ao contrário do que por vezes acontece, e que os senhores juízes tenham mão pesada. Se não podemos tolerar gangues de vândalos nas claques desportivas, menos ainda se pode aceitar que graduados de uma corporação policial actuem da forma que aqueles homens actuaram, contra gente indefesa, que nada tinha feito que justificasse a brutalidade das agressões. E mesmo que tivesse havido um insulto prévio, ou uma "cuspidela", o que eu não acredito, a um agente ou a um graduado da PSP, que estava armado, sempre seria exigível ao "ofendido" outro tipo de actuação. Nada pode servir de atenuante para a actuação de cavalgaduras, seja para com as que ostentam a tatuagem da claque ou as que usam o estatuto ou a farda como carta de alforria para fazerem a "justiça" que entendem, não se coibindo de mentir e inventar histórias para se defenderem daquilo que está à vista de todos e assim justificarem os desmandos que praticam quando apanhados em flagrante.
A violência gera mais violência. A desconfiança gera mais desconfiança. Os cidadãos têm de confiar na sua polícia. Eu quero confiar na polícia do meu país. E tenho o direito e o dever de exigi-lo. A polícia de um Estado de direito democrático não pode ser confundida com a bandidagem fardada dos estados policiais.
"The rhetoric of US foreign policy proclaimed the universal values of liberal democracy as the foundation for world peace, but the practice was often quite different. The odd mixture of inclusive civic ideals with exclusive racist and nationalist prejudices, which Wilson’s friendship with Dixon and his contributions to The Birth of a Nation had epitomized, continued to influence American democracy and international relations. Deciding which cultural values to give higher priority after 9/11 during President George W. Bush’s global war on terrorism was still a critical question for Americans in the twenty-first century. Once more, in this new historical context, they needed to decide which aspects of the Wilsonian legacy—its best universal ideals of freedom and democracy or its worst prejudices of racism and religious intolerance—to embrace at home and abroad."
A violência inaudita do crime de Powell, cujas imagens podem ser vistas em múltiplos vídeos colocados no You Tube e que aqui me recuso a reproduzir ou encaminhar, fez-me regressar a Lloyd Ambrosius e ao seu texto de 2007, na Diplomacy and Statecraft (vol. 18, 2007, 689-718), sobre o legado do Presidente Wilson e tudo o que nos conduz até ao filme de Griffith (The Birth of a Nation) e à novela de Dickson (The Clansman).
Quando olho para o sistema de justiça norte-americano, quando vejo a forma estúpida como se continua a morrer nos EUA, seja pela acção de loucos ou a simples inacção do Congresso, ou quando leio as macabras descrições da agonia de condenados à pena capital, que devido à incompetência dos carrascos nem sequer têm direito a uma morte digna e sem sofrimento, não posso deixar de reler e reflectir no que Ambrosius escreveu.
O facto de Obama ter chegado à Casa Branca não mudou nada. A mentalidade continua a ser a mesma. E a quantidade de casos em que a violência se repete sem qualquer justificação continuará a fazer dos EUA um país semimedieval, onde a conquista do espaço se confunde com o barbarismo dos seus polícias, onde o último grito em novas tecnologias se confunde com o radicalismo da NRA, a ignorância de uma Pallin ou o primarismo de alguns congressistas. Contrastes pelos quais depois pagam os James Fowley que um dia tiveram o azar de nascer norte-americanos.
O que aconteceu em Powell, independentemente do desgraçado ser um malandro, ou continua a passar-se em Gaza, acaba por ser o resultado de uma pesada herança de violência, ignorância, preconceito e atavismo religioso. E se um legado desses é inaceitável na Síria, na Líbia, no Irão ou em Israel, nada havendo que justifique as carnificinas que diariamente nos entram em casa, menos ainda se pode tolerar que num país como os EUA ainda não tenha sido possível ultrapassar os traumas da sua fundação. Como John A. Thompson também já sublinhou, continua a haver uma grande dificuldade em conciliar a realidade externa de um mundo recheado de conflitos e o papel que o país quer assumir em termos mundiais com a pressão da realidade interna e da sua própria opinião pública (International Affairs, 86, I, 2010, 27-48), mas isso não pode servir de desculpa para o que continua a acontecer sem que haja uma tomada de posição por parte dos países europeus.
De qualquer modo, em matéria de direitos humanos, em Powell ou no Iraque, só pode existir um caminho: o do inaceitabilidade da violência quaisquer que sejam as circunstâncias e a roupagem com que se apresente. Venha ela de onde vier. O único compromisso das nações civilizadas só pode ser o da luta contra a barbárie e pela elevação dos padrões de justiça e de vida. A começar pelo respeito por esta.
A triste herança de Wilson, que muitos ainda continuam a adular por desconhecimento histórico e preconceito ideológico, não devia continuar a envergonhar a humanidade e a motivar as acções de loucos. Não pode haver tolerância com as bestas. Menos ainda com que as que juram com uma mão sobre a Bíblia, a Torá ou o Corão, enquanto com a outra primem o gatilho.