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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
O Governo da RAEM deve muitas explicações à população de Macau relativamente à situação do Macau Jockey Club., que soma perdas acumuladas de 260 milhões de USD.
Algumas dessas explicações estão por dar desde 2018 quando de forma totalmente inusitada e sem qualquer justificação legal, política ou económica compreensível aos olhos de todos se procedeu à renovação da concessão por um prazo perfeitamente estapafúrdio.
Na altura chamei-lhe um deboche em virtude do facto de se ter renovado por mais 24 anos e 6 meses uma concessão sobre a qual o Secretário para a Economia e Finanças revelou a existência de uma dívida acumulada de mais de 150 milhões de patacas aos cofres da RAEM e um comportamento recorrentemente relapso que se prolongava há vários anos e que inclusivamente levou à introdução de alterações e revogação de cláusulas do contrato de concessão.
Em causa não está, porque essa até podia ser uma simples decisão de gestão de uma empresa privada, o despedimento de 82 trabalhadores e sua posterior reversão.
Só que tratando-se de uma concessionária, obrigada por isso mesmo ao cumprimento de especiais obrigações para com o Governo e a RAEM, e admitindo-se como verdadeiras as afirmações veiculadas pela TDM, as quais implicam, uma vez mais, a violação de compromissos contratuais, em causa volta a estar a continuidade da concessão.
Há prazos para cumprir, obras que se deveriam ter iniciado para estarem concluídas em 2024 e de que não há notícia, com uma temporada de corridas à porta sem que da parte das autoridades sejam prestados os necessários esclarecimentos.
Haverá alguma coisa mais que se queira esconder à população? Será necessário, de novo, que venham ordens de Pequim para se fazer o que é devido em relação à concessionária e aos residentes de Macau?
Não estando previstas na lei "concessões de favor", a reportagem da TDM mostra que não há qualquer motivo razoável para a manutenção da actual concessão do Macau Jockey Club.
Se em 2018 não havia justificação para a renovação da concessão de uma concessionária que se devia dedicar a organizar festivais de dança de salão para não continuar a acumular prejuízos e a criar problemas à RAEM, agora há todas as razões e ainda mais algumas para a sua imediata rescisão.
Esta seria a única solução compatível com o interesse público e que poderia, embora tarde e a más horas, salvar a face do Governo e esse mesmo interesse público.
Existe um tempo para chegar, ficar e partir. E isso é válido em quaisquer circunstâncias.
Não me refiro ao evento cultural. Refiro-me ao acto de uma pessoa se expor.
A vida pública e cívica de um indivíduo é, ou pelo menos devia ser, um acto transparente de exposição orientado por valores e princípios em prol de um combate pelo bem comum, pela realização dos interesses superiores da comunidade. Um exercício de cidadania, um exercício de seriedade, de rigor ético e coerência moral, de correspondência entre o pensamento, o discurso e a prática.
O mesmo se diga quanto às instituições e as organizações colectivas.
Está tudo errado quando a exposição não é, ou deixa de ser, transparente (se é que alguma vez o foi), quando a acção se esconde através de decisões opacas e de um discurso redondo, quando se percebe que o acto de exposição apenas visa a realização de interesses egoístas, pessoais ou de grupo.
A exposição é um risco. Expõe os indivíduos, as instituições e as organizações à crítica, ao juízo de terceiros. Isso faz parte da própria da exposição e da essência da vida pública. Daí que a crítica rigorosa, fundamentada, também ela transparente, seja uma exigência da nossa vida colectiva.
Confundir isso com a crítica pessoal orientada, com a maledicência generalizada, é não só um erro como releva de um processo deficiente de formação da personalidade.
Quando não se percebe isto dificilmente se compreenderá o sentido da exposição e da acção colectiva. Perder-se-á o objectivo, o rumo, a clarividência.
E estes não poderão faltar quando se escolhe o momento de chegar, enquanto se está, e na escolha da hora de partir.
Por vezes é difícil, mesmo doloroso, como aconteceu com Churchill. Mas foi isso que fez a diferença em relação ao seu sucessor.
Hoje todos sabem quem foi Churchill. Ninguém sabe quem foi Eden.
É sempre mau sair empurrado pelas circunstâncias porque não se percebeu qual a hora de sair. Ou depois dessa exposição se ter tornado prejudicial, indiferente e/ou irrelevante. Dar o lugar aos outros também pode ser um acto de grandeza se se souber sair de cena.
"O aborrecimento é o sintoma da deterioração da nossa relação com o mundo e, também, connosco próprios. O aborrecimento apenas desaparece voltando ao mundo, ou seja, aceitando o desafio. Procurando, portanto, a nossa nova identidade" — Francesco Alberoni, A Amizade, 1984
Não é a primeira vez que a nossa vida pública é confrontada com um caso em que alguém é chamado a colaborar com o Estado, neste caso através do gabinete do primeiro-ministro, sendo levantadas dúvidas sobre o tipo de colaboração, a forma de vinculação e a relação existente entre convidante e convidado.
Nos dias que correm, num país e num mundo assolado por sucessivos casos de corrupção, burlas, aproveitamento ilegítimo de cargos de poder em benefício próprio, do partido, de amigos, de confrarias e até de seitas que funcionam à margem de qualquer controlo político-democrático, longe de qualquer escrutínio, onde se movimentam múltiplos e milionários interesses, alguns de origem e objectivos obscuros, é natural que muita gente se questione sobre a colaboração que tem vindo a ser dada por Diogo Lacerda Machado ao primeiro-ministro António Costa.
É natural, mas também é desejável que numa democracia tudo o que interessa aos seus destinatários e possa bulir com o interesse público seja devida e rigorosamente escrutinado. O que, evidentemente, não dá qualquer autoridade moral a quem protegeu os amigalhaços e a camarilha para vir agora dizer que "se possa confundir uma relação pessoal com uma relação institucional e contratual”.
Tal como aconteceu noutros casos, o problema que está em causa não é só de legalidade. Também é de ética, de transparência e de confiança nas instituições e nos seus agentes.
Que o primeiro-ministro, o actual ou qualquer outro, necessite de se rodear de pessoas da sua confiança para levar a cabo as tarefas que se propôs, as que são necessárias para salvaguarda dos interesses nacionais ou cumprir o programa de Governo que a Assembleia da República aprovou, não causa qualquer rebuço aceitá-lo. Como também é normal que numa democracia não baste à mulher de César ser séria e parecer séria. É também preciso que o que transpareça para a opinião pública, para além de uma mulher saudável e fisicamente atraente, seja uma relação sã, séria e salutar.
Não tenho dúvidas nenhumas, nunca as tive, quanto à honradez ou a seriedade do primeiro-ministro ou de Diogo Lacerda Machado. Conheço-os há anos suficientes para as poder atestar. Mas este facto, ou a amizade existente entre eles ou aquela que eu próprio lhes possa ter, não se confunde com a exigência de escrutínio e de transparência da nossa vida política.
Sabe-se que o Estado tem quadros cada vez menos qualificados em diversas áreas. Porque os seus técnicos são mal pagos, como o são os políticos. Só que não será por causa disso que as tarefas que se lhes impõem podem deixar de ser realizadas com seriedade e competência, sob pena de passarmos a vida, enquanto cidadãos e contribuintes, a sermos enganados por meia dúzia de burocratas ou de trapaceiros, consoante o pelouro, que vão aproveitando a sua incompetência e irresponsabilidade para se irem safando e criando as PPP’s que a todos nos enterram. As mesmas que hipotecaram o futuro de várias gerações de quadros qualificados, muitos obrigados a viverem e trabalharem no estrangeiro para poderem manter condições dignas de sobrevivência e valorização profissional e académica.
Mas é igualmente verdade que a democracia e a república não se esgotam nas leis. E é na forma como o poder é encarado, assumido e exercido, no modo como se faz a política, como as regras são ou não são cumpridas, que é possível julgar os actos de governo e as acções dos agentes políticos.
A transparência, tal como já antes o afirmei em relação a outros governos, não é uma palavra vã. E tão importante como ela é o que está acima dela e das leis: o compromisso ético. Numa democracia adulta o respeito por uma ética pessoal, política e de governo implica que seja esse o primeiro juízo a ser efectuado por quem escrutina. E é sobremaneira importante que o que tem de ser feito o seja em termos tais que seja tão transparente que até aos mais cépticos e aos mais mal intencionados não seja possível levantar-se a mais pequena dúvida sobre o que foi feito, como foi feito e com base em que pressupostos se fez. Foi isto que falhou no caso da contratação de Diogo Lacerda Machado.
Não vale a pena discutir se um tipo pode ou não trabalhar pro bono ou a receber uma quantia simbólica pelos valiosos e competentes — o Diogo merece que isto seja dito — que prestou ou pode vir a prestar. Todos sabemos que se pode trabalhar à borla, não só no voluntariado, e que nem todos são mercenários ou arrivistas ignorantes sedentos de poder e de dinheiro. A educação, o sentido de responsabilidade, a ética e a noção do dever não se compram, embora haja muitas “escolas” a vendê-las. Aquelas são coisas que se aprendem, que se cultivam e que se interiorizam porque nos são úteis ao longo de toda a vida.
Por isso mesmo, qualquer que seja a leitura que possa ser feita do passado próximo, mas também do mais distante, estiveram bem os que exigiram ver toda esta situação esclarecida. Espero que isso seja feito. Estou certo que o será rapidamente. E quero acreditar que situações de falta de transparência não se voltarão a verificar.
A amizade é um valor intemporal, uma projecção da alma de cada um, um pilar da vida e da confiança em nós próprios e nos que nos rodeiam. É também um valor que deve ser protegido e estimulado, mas que em matéria de assuntos de Estado deverá estar sempre abaixo deste e das sua leis e regulamentos. E todos estes devem subordinar-se a regras éticas e de transparência que são fundamentais para a confiança na democracia e nos homens que a fazem.
Em política há emoções, há sentimentos, há pessoas, há regras. Para alguns há, felizmente, ainda valores. Mas também deve haver inteligência e bom senso. A amizade, essa, coloca-se noutro patamar. Convém ter isso sempre presente porque qualquer amigo o compreende. Para que não se comprometa a amizade, para não nos comprometermos aos olhos dos que servimos comprometendo a imagem das instituições que servimos. Preservando, em especial, a confiança em quem em nós confiou. Tornando mais firme o compromisso ético a que estamos obrigados no serviço aos outros. Criando riqueza que não pode ser avaliada em acções, cotada em bolsa ou pendurada na lapela do casaco.
(Visto de Macau, em Cascais)
“Se se divulgar publicamente o contrato pode haver lugar ao pagamento de uma indemnização”, "Não há garantia de preço pela Christie’s relativamente à venda, não há prestação de serviços”, "O Governo não assinou nenhum contrato”, “O Governo e a República Portuguesa tutelam as empresas [a Parvalorem e a Parups, proprietárias das obras], mas não são parte nesses contratos” - Público, 17/04/2014, página 17
As frases acima transcritas são atribuídas pela edição matutina do Público à secretária de Estado do Tesouro, Isabel Castelo Branco, e foram proferidas no Parlamento, perante a Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, quase 40 anos depois da revolução de 25 de Abril.
Esclareço desde já que não é da minha família, não a conheço de nenhum lado e não tenho nada contra ou favor. O que sei da senhora é o que diz respeito à sua vida pública enquanto membro do XIX Governo Constitucional e é por causa do exercício destas funções, para as quais contribuo com os meus impostos para o pagamento dos seus salários, que me interrogo.
Os portugueses, pelo menos os que estão em Portugal, têm tido o privilégio de acompanhar em primeira mão o imbróglio causado pela exportação ilegal de obras de arte que eram pertença dessa notável instituição produzida pela "crème de la crème do cavaquismo" e que têm custado aos portugueses os poucos anéis recebidos dos seus antepassados. Mas quem está fora e se limita a acompanhar à distância o que se passa através das notícias que lhe vão chegando, não pode deixar de se questionar sobre o tratamento que este assunto tem merecido.
Independentemente de se discutir qual seria a melhor solução para o problema, partindo do princípio que aquela será sempre a que melhor servir o país, aflige-me a forma como tudo tem sido conduzido, as despesas que já foram feitas sem se saber qual o retorno, a imagem de rebaldaria interna que já foi transmitida interna e externamente e, em especial, a indigência política e, pelos vistos também, de gestão, de quem recebeu por missão desenvencilhar-se das obras para o erário poder arrecadar alguns cobres.
De tudo o que tenho lido e ouvido, dos responsáveis das empresas aos leiloeiros, sem esquecer essa inenarrável sumidade que gere os destinos da secretaria de Estado da Cultura, as afirmações acima citadas da secretária de Estado do Tesouro, revelam um profundo desprezo pelos portugueses, pela política e até pelo próprio programa do Governo que integra.
A este propósito, atente-se que no que ficou vertido a fls. 13 desse documento e confronte-se com o que já se sabe e com as referidas declarações. Para poupar trabalho aos leitores fica aqui transcrito o que de pertinente para esta discussão ali se contém: "O Governo propõe-se melhorar o quadro institucional da vida portuguesa, o que pressupõe um poder político transparente, sujeito a escrutínio efectivo e suscitador de mais e maior confiança. Para o alcançar, o Governo estabelecerá regras claras e iguais para todos, de modo a que as iniciativas e projectos individuais e colectivos possam ser levados a cabo em igualdade de circunstâncias. O Governo tomará iniciativas para que o País tenha um sistema eficaz de combate à corrupção, à informalidade e a posições dominantes, e que seja dotado de um sistema de regulação mais coerente e independente. Aperfeiçoará o funcionamento das instituições (...)".
Posto isto, entendo ter a obrigação de perguntar com que direito se pretende sonegar aos portugueses o conhecimento da negociata, ou negociatas, que estão por detrás do secretismo em que se pretende manter o contrato assinado com a leiloeira londrina? Se não há garantia de preço por que razão haveria lugar ao pagamento de uma indemnização? Se não há prestação de serviços, então estaremos perante que tipo de figura jurídica, perante que tipo de contrato? E que cláusulas foram negociadas, tão gravosas para o Estado português ou as suas empresas a ponto delas deverem permanecer sigilosas e longe do juízo da opinião pública? O facto do Governo não ser parte nesse contrato (ou contratos), invalida o acesso à informação que, por natureza, a todos os contribuintes interessa e diz respeito? Como pensa o Governo concretizar o seu desígnio de "melhorar o quadro institucional da vida portuguesa" quando pretende subtrair ao conhecimento dos cidadãos as condições de alienação dos bens que, directa ou indirectamente, pertencem à comunidade? Em que medida as declarações da senhora secretária de Estado, e outras ainda mais despropositadas, comprometedoras e reveladoras de total inabilidade e desprezo pelos contribuintes que já foram proferidas pelos responsáveis das empresas e Barreto Xavier, contribuem para um "escrutínio efectivo e suscitador de mais e maior confiança"? Quando pensa o Governo que este escrutínio deverá ser feito? Só depois da alienação, quando tudo se tiver tornado irreversível e sem remédio? Como afirmar a transparência da acção do poder político quando em questões tão básicas se esconde a verdade dos portugueses? É assim que se contribui para a criação de "um sistema eficaz de combate a corrupção, à informalidade e a posições dominantes"? De quê ou de quem é que têm medo os responsáveis políticos? Quem se quer proteger e porquê?
Causa-me estranheza e perplexidade que tudo isto permaneça sem resposta, e que esteja de novo em marcha o processo de venda dos quadros sem que se esclareça previamente o que devia ter sido esclarecido espontaneamente, de forma clara e sem subterfúgios, sem que fosse necessário perguntar. Os portugueses, os contribuintes, têm o direito de ser informados e de saber o que se passa com este assunto, do mesmo modo que têm o direito de saber tudo o que se passa com as PPP's qualquer que seja a cor do poder do momento. E têm o dever de exigir que lhe seja prestada informação correcta, séria, actual e transparente.
Este não é um problema de mera chicana política que deva ser desvalorizado. Nem deve ser assunto para ser tratado às escondidas. Estamos perante um assunto fundamental para se aferir da transparência do sistema político, da actuação dos governantes, do mundo empresarial em que se movem as empresas participadas, que urge esclarecer em todos os seus contornos, que importa retirar da obscuridade para que todos os cidadãos percebam como são geridos e administrados os seus interesses pelos seus comissários, por aqueles a quem pagamos (alguns contrariados) os respectivos ordenados. E para que no fim, se alguma coisa correr mal, possam ser extraídas consequências e exigidas responsabilidades a todos, sublinho, a todos os que tiveram intervenção neste assunto.