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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Algumas pessoas ficaram admiradas com o resultado da sondagem da Universidade Católica/Público/RTP, dada a conhecer no passado dia 28 de Novembro. Ainda todos estão lembrados dos resultados de outras sondagens aquando das últimas legislativas e do que veio a acontecer. O país não quis saber de empates técnicos nem de vitórias tangenciais e resolveu entregar uma maioria absoluta a António Costa. Por essa razão convém moderar as análises e o ímpeto das conclusões.
Ainda assim, atrevo-me a dizer publicamente o que penso, arriscando a crucificação num pelourinho por delito de opinião.
E neste momento em que se discute a liderança do PS e todos os outros partidos se afadigam a prepararem-se para as eleições – alguns na mira de conseguirem adiar por mais algum tempo o seu próprio funeral – parece-me evidente que a golpada marcelista, amplamente favorecida pelo descalabro da governação (seria difícil encontrar outro termo para o desastre que foi, salvo raríssimas excepções, a performance do XXIII Governo Constitucional), poderá vir a revelar-se como uma bênção para a reforma do sistema político e eleitoral. De uma assentada, os portugueses podem abrir caminho para se livrarem de quase todos os pantomineiros que fazem hoje a maioria da classe política que nos trouxe até ao imbróglio em que estamos.
Dos diversos cenários apresentados pela sondagem acima referida, há algumas conclusões que são inequívocas: i) Os portugueses não gostam de radicais; ii) Qualquer que seja o cenário dispensam Luís Montenegro; iii) Pedro Nuno Santos (PNS) não lhes merece o aval da confiança.
Quanto à primeira não constitui novidade. O país reconhece-se ao centro na extensa faixa que vai da democracia-cristã/liberalismo/social-democracia até ao socialismo democrático mais ou menos esquerdista.
Depois, em relação ao líder do maior partido da oposição, o PSD, verifica-se que apesar de tudo o que aconteceu com o Governo e com o PS, Luís Montenegro não consegue melhor do que um resultado sofrível qualquer que seja o cenário.
Não é de estranhar. Chegou a líder por ser tão anódino quanto foi deputado ao longo dos anos, sem um lampejo que o resgatasse à mediocridade carreirista da JSD ou da seita aventaleira que o ajudou a crescer. E agora que se vai apresentar a eleições traz consigo, como se viu no congresso do passado fim-de-semana, um camião com um atrelado de sarcófagos de onde vão saindo umas múmias que não deixaram saudades. Que seja castigado e as sondagens não lhe sejam particularmente favoráveis depois de tantos anos de PS no Governo não é uma fatalidade.
Mas se o teste havia de chegar com as eleições europeias ou com as autárquicas, o Presidente Marcelo fez o favor às hostes laranja de anteciparem o futuro e se livrarem de Montenegro e da sua tralha bem mais cedo, pois que quanto mais depressa o PSD iniciar a sua renovação e posicionar uma nova geração de líderes, que seja recrutada noutro lado que não seja entre as levas de imperiais do Ribadouro, menos difícil será construir uma alternativa na área política do seu eleitorado, colocando um ponto final na balbúrdia venturista à sua direita.
Em terceiro lugar, há o problema PNS para resolver. Este é um problema interno do PS e que só terá solução, acreditemos que sim, se nos próximos dias 15 e 16 de Dezembro os militantes socialistas o resolverem.
Os resultados da sondagem explicam por que razão é que PNS não quer debates com os outros candidatos à liderança do partido. Não se trata, evidentemente, de evitar dar trunfos à direita, mas sim de evitar o debate político e fugir do confronto com as suas próprias contradições, com o cataventismo socratista e a vacuidade petulante e oportunista do discurso.
Em 2017 (não vale a pena recuar mais), PNS, que já era crescidinho, afirmou que "O PS nunca mais irá precisar da direita para governar". Em 2018 sublinhou que "o PS não está refém da direita para governar". Depois, quando anunciou a sua candidatura, começou por atacar o candidato José Luís Carneiro, acusando-o de não ser suficientemente combativo contra a direita e vincando que com ele "o PS não vai ser muleta de ninguém", esclarecendo que o seu foco e o da sua candidatura "é derrotar a direita e não mais do que isso", antes de entrar na contabilidade cacical de saber quem apoia quem. Como se esta tivesse interesse para alguém com excepção dos bípedes que ficam com insónias ante a perspectiva de não saberem quem apoiar para manterem os tachos dentro do partido e fora dele.
Bastou passarem dois dias, depois de acusar JLC de desvio direitista, e logo começou, de mansinho, a chegar-se para o centro, não fosse o diabo tecê-las. Daí que tivesse saído a terreiro para dizer que "o diálogo à direita e ao centro é fundamental" e que "há matérias onde o entendimento com o PSD é desejável e importante" (quais?), ao mesmo tempo que dizia que "a memória da geringonça é boa". Ora bem. E ainda disse que até a uma coligação pré-eleitoral não fecha portas. Colocou a primeira cereja no topo do bolo da coerência, qual franciscano, com que pretende desfilar nos próximos dias.
Em rigor, para PNS o que é preciso é estar em todas, com todos "e com todas" desde que isso lhe garanta o poder. E se possível também com "todes", que foi para isso que o talharam, no "berço de oiro", na humilde loja do sapateiro, e em especial no albergue onde lhe construíram as ambições conforme as ocasiões.
Percebe-se, ademais, qual o motivo para que directas abertas, como mostram as sondagens, também sejam dispensadas por PNS, pois que é muito melhor deixar a escolha do líder do PS nas mãos dos caciques que controlam as concelhias e o aparelho do que confiar na decisão dos simpatizantes que não têm tempo para a militância e dos quais dependem os resultados eleitorais do partido.
Como lá mais acima dizia, se os militantes socialistas quiserem dar um contributo ao país poderão começar por se livrarem de PNS, mandando-o tomar conta das empresas familiares, de maneira a que não mais tenha necessidade de esconder os carros quando for para a campanha eleitoral. Esta é uma oportunidade única e irrepetível.
Seria uma pena se os portugueses, que de uma assentada se podem livrar do neo-socratismo e do basismo cavaquista e passista, encetando um caminho de renovação das suas elites políticas, não aproveitassem os ventos fortes que sopram de todos os quadrantes, e a chuvada que se prepara nos próximos dias, para lavarem o terreiro e removerem de lá toda a barracada de feira que se foi instalando, dispensando os vendedores de tapetes, ligaduras e sarcófagos, os milhares de arrumadores e de traficantes de influências, os penduras de ocasião, a malta das sementes dos vários tipos de relva, enfim, livrando-se de toda a tralha de gigantones, coristas e emplastros acumulada nos últimos carnavais.
A propósito da notícia de um jornal de que "as autoridades insistiram ontem na necessidade de criminalizar a realização de sondagens", entretanto corrigida, de acordo com um esclarecimento revelado pela TDM, de que "o Governo não quer impedir a realização de inquéritos de opinião ou sondagens eleitorais, mas apenas proibir e punir a respectiva divulgação durante os períodos de eleições", remeto os leitores para o capítulo VII (Ma vie de sondeur de opinion), já aqui referido, do livro recentemente publicado de Roland Cayrol.
Como o autor tem sobre a matéria alguma autoridade, conhecimento e experiência, deixo nesta breve nota alguns extractos do original em francês, mas com tradução para português, de modo a que os nossos governantes e legisladores possam, eventualmente, interessar-se pela sua leitura e melhorarem os seus conhecimentos, afastando as ideias erradas e os preconceitos em que possam laborar.
Nada como as pessoas se esclarecerem antes de começarem a opinar e a legislar sobre o que não sabem, embora todos percebamos quais são as intenções por detrás das medidas tomadas e das que se anunciam.
A bem dizer, sempre me fizeram confusão os elefantes que têm medo de formigas.
"Il faut aussi dire et redire que le sondage ne prévoit rien! Entre la date de la publication d'un sondage et un scrutin, il peut s'écouler des heures, des jours, où l'opinion peut encore être sensibilisée, modifiée, se cristalliser, décider d'aller ou non voter et infléchir ce qui semble devoir être les résultats attendus. Cela peut expliquer des écarts entre les derniers sondages et les résultats réels du scrutin.
(...)
Le plus important est évidemment que les sondages permettent de suivre les évolutions de l'opinion et des intentions de vote, de dessiner les courbes qui montrent comment et à quel moment se prennent progressivement les décisions électorales, quelle est la sociologie du vote, à quel degré les citoyens s'impliquent dans une élection ou dans la politique en général, et là les sondages sont irremplaçables.
(...)
L'activité sondagière est liée à l'existence même de la démocratie. Aucun pays autoritaire, quelle que soit la nature de l'autoritarisme, n'autorise des sondages libres. Le sondage n'existe que parce que la démocratie politique existe. La démocratie libérale n'est pas complète si n'existe pas l'intervention de l 'opinion. (...) Les dirigeants politiques sont au service de l'opinion et craignent forcément l'opinion, qui est leur juge permanent. Parfois trop d'ailleurs. L'important pour le personnel politique devrait être de savoir garder un cap, au lieu de s'arrêter à chaque mini-événement, d'imaginer à chaque fois une petite mesure pour colmater une brèche et espérer que 'ça se calme'.
Le sondage, pour peu qu'il soit correctement mené, exerce une fonction essentielle dans nos démocraties modernes , il donne la parole au peuple, il porte sa parole. Grâce aux sondages, on ne peut plus avoir des orateurs qui prétendent que 'l'opinion ne comprendrait pas que ...'ou que 'l'opinion n'admet pas que ...', faisant parler les électeurs comme s'ils faisaient campagne depuis le fond d'une arrière-salle de bistrot. L'opinion s'exprime désormais directement. "
(tradução)
"Também é preciso dizer, uma e outra vez, que uma sondagem não faz previsões! Entre a data de publicação de uma sondagem e uma eleição, podem passar-se horas ou mesmo dias, durante os quais a opinião pública pode ainda ser sensibilizada, modificada, cristalizada, decidir se vai ou não votar e influenciar o que parece ser o resultado esperado. Este facto pode explicar as discrepâncias entre as últimas sondagens e os resultados reais.
(..)
O mais importante, evidentemente, é que as sondagens de opinião permitem seguir a evolução das opiniões e das intenções de voto, traçar as curvas que mostram como e quando as decisões eleitorais são gradualmente tomadas, qual é a sociologia do voto e em que medida os cidadãos estão envolvidos numa eleição ou na política em geral, e aqui as sondagens de opinião são insubstituíveis.
(...)
A actividade de sondagem está ligada à própria existência da democracia. Nenhum país autoritário, seja qual for a natureza do seu autoritarismo, permite sondagens de opinião livres. As sondagens só existem porque existe a democracia política. A democracia liberal não está completa sem a intervenção da opinião. (...) Os dirigentes políticos estão ao serviço da opinião pública e temem inevitavelmente a opinião pública, que é o seu juiz permanente. Por vezes demasiado. O importante para o pessoal político deveria ser saber manter o rumo, em vez de parar em cada mini-acontecimento, inventando sempre uma pequena medida para colmatar uma lacuna e esperar que "as coisas acalmem".
As sondagens, desde que sejam bem conduzidas, desempenham uma função essencial nas nossas democracias modernas: dão voz ao povo, transmitem a sua mensagem. Graças às sondagens de opinião, já não podemos ter oradores que afirmam que "a opinião pública não compreenderia isso..." ou que "a opinião pública não admite isso...", fazendo com que os eleitores falem como se estivessem a fazer campanha nas traseiras de um bar. A opinião é agora expressa directamente."
Considerando as intenções de voto da era de Seguro e o centrão convergente de Francisco Assis, calculo que a única coisa que aqueles tenham a dizer sobre estes resultados é que são apenas sondagens.
Eu acrescentaria, também, que falta um ano para as eleições e que esta sondagem ainda não reflecte os acontecimentos da semana passada, nomeadamente a prisão preventiva de José Sócrates, o Congresso do PS e a peregrina decisão da Convenção do BE sobre a respectiva liderança.
Vai ser importante saber quais os efeitos destes factos no estado de espírito dos eleitores, e se estes lhe atribuem alguma importância, designadamente confundindo o arguido José Sócrates com o PS e o seu actual líder.
Os resultados desta sondagem são apenas sinais que poderão determinar as estratégias que serão seguidas pelos partidos nos próximos meses. Em relação ao PS e a António Costa eu diria que se abre uma janela de esperança em relação à maioria absoluta, que não permitindo lançar foguetes parece ser consentânea com a vontade dos inquiridos. Quanto ao PSD, 28% é apesar de tudo um bom resultado, pois parece demonstrar a contenção da sangria. O PCP segura o seu eleitorado tradicional e o BE e o CDS/PP prosseguem no processo de esvaziamento, o que revela o desacerto das decisões que as respectivas lideranças têm tomado. Vai ser interessante saber se as próximas sondagens já incluirão o Livre e Marinho e Pinto para se perceber até que ponto estes dois poderão influenciar as escolhas. Finalmente, registe-se também o elevado nível de popularidade do líder do PS, o mais alto entre todos os que surgem na sondagem.
O que mais impressiona é a velocidade com que querem sobrepor a sua voz à voz do chefe. O eco deixa de o ser para se tornar na própria voz, acentuada, redobrada, elevada. De repente o eco assume-se como o guardião da voz. Do bem-estar, da moral cristã, apostólica e romana, da Lei Básica, da Constituição. E para o caso é indiferente ser ateu ou católico. A voz pertence ao eco.
Ilegal já não é o que está contra a lei, que a ofende ou desrespeita. Ilegal é o que não vem na lei. Ilegal é o que se pensa. O papel do eco é tornar a consciência ilegal.