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khmers (2)

por Sérgio de Almeida Correia, em 28.12.16

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O aeroporto de Siem Reap fica relativamente perto da cidade. Em vez de um táxi tinha um simpático e rechonchudo motorista local à minha espera, disponibilizado pelo primeiro hotel onde fiquei, que logo tratou de acomodar a escassa bagagem que trazíamos no tuk-tuk que nos iria transportar. Foi este o primeiro contacto com o mais popular meio de transporte daquelas terras. Táxis, daqueles que conhecemos, não vi um único e desconheço se a Uber já se aventurou por tais paragens, apesar de também ter andado em jipes da Lexus.

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A cidade é pequena e só começou a desenvolver-se quando se tornou conhecida depois da descoberta de Angkor Wat. Ao tempo sob domínio francês, consta que terá recebido os primeiros turistas a partir do início do século XX. O Grand Hotel d´Angkor abriu as suas portas em 1932. Hoje tem à volta de 200.000 habitantes, de acordo com o último censo (2008), mas os que chegam para visitar a região são cada vez mais. O maior fluxo chega da China, que à sua conta representa cerca de 80% dos visitantes, mas também os há do Japão, da Coreia do Sul, do subcontinente indiano, australianos, estado-unidenses e europeus, em especial franceses e ingleses.

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Aqui apercebi-me do primeiro grande problema do país: o pó. O pó está em todo o lado e o ideal quando se circula de tuk-tuk, entre milhares de outros veículos idênticos, autocarros de excursionistas, camiões velhos e automóveis que largam enormes nuvens negras, é ir prevenido com uma máscara para a boca e nariz ou um lenço que nos proteja as vias respiratórias. Os tradicionais lenços khmer, em algodão, são baratos e custam entre 3 e 6 USD, dependendo do tamanho, o que é ridículo face à sua qualidade. O dólar tem curso legal, dentro ou fora das cidades. É normal só haver preços em dólares e o câmbio informal em qualquer lado é de 40.000 Riéis para 1 USD, o que me levou a arrepender-me de ter trocado alguns dólares no balcão de câmbios do aeroporto a 38.000. 

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A oferta hoteleira e culinária é vasta. Não faltam hotéis acolhedores das cadeias internacionais, alguns depositários da escola colonial, e pequenos locais de muito bom nível, com pessoal qualificado, afável e de uma educação extrema em quaisquer circunstâncias, a preços muitos razoáveis para a qualidade do serviço. Eu prefiro hotéis calmos e sossegados, sem a confusão dos excursionistas. Em Siem Reap e Phnom Penh há imensos. Os hotéis-boutique estão na moda. Aqui, onde iniciei a minha jornada, são quase todos “D´Angkor” ou de “Indochine”, ou as duas coisas, para todas as bolsas e com diferentes níveis de sofisticação, mas convém ter cuidado porque por vezes o nome ilude uma espelunca a 20 ou 25 USD ou um hostel entre os 5 os 10 USD para aqueles que não se importam de viajar sem tomar banho e convivem sem pruridos com a abundante fauna rastejante, roedora e voadora. Sinais, aliás, de outro gravíssimo, e de mais difícil solução, problema nacional: o tratamento dos lixos. Jazendo a céu aberto, sem contentores, por vezes dentro de sacos plásticos largados à beira dos passeios, sujeitos à fúria da cachorrada e dos desgraçados que remexem o seu interior, na maioria dos casos atirado para a beira dos passeios, das estradas ou dos cursos de água ou, nesta altura do ano, os leitos secos dos ribeiros, assume contornos assustadores, o que explica epidemias, doenças e o cheiro nauseabundo de que quando em vez nos assole.

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O assunto não é tabu, mas o convívio de diferentes tradições culturais e heranças religiosas naquela zona de cruzamento ente o hinduísmo e o budismo, onde a cristandade sempre teve dificuldade em se afirmar, não se afigura fácil. Talvez isso também explique a inexistência de discussões, de vozes alteradas, gritos, gestos obscenos ou empurrões, em cidades onde o trânsito é caótico, a confusão imensa, não raro com vacas e cães que circulam pachorrentamente pelo meio da via, mas que apesar disso flui, e onde se vêem piscas-piscas, braços esticados e raramente se ouvem buzinas. As que se ouvem não são de protesto, tratando apenas de saudar ou avisar quem circula que convém manter o rumo e o ritmo para não haver uma desgraça. 

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Normalmente, onde há especiarias é possível comer bem. O Cambodja não foge à regra e é possível aliar a tradicional culinária khmer, o saborosíssimo peixe amok no coco, sem pele nem espinhas, os caris vermelhos e verdes, o camarão, o coco, os lagostins, as perninhas de rã ou as vieiras com a excelência da herança culinária francesa, as influências vietnamita, chinesa, indiana e tailandesa com os sabores tradicionais, onde pontifica o incontornável travo de “lemon grass”, a erva aromática que produz um óleo deliciosamente perfumado a limão que é de utilização obrigatória em muitas cozinhas asiáticas. Aqui é especialmente saborosa e o seu uso, como noutros locais onde estive, vai muito para além da culinária, sendo frequente o seu aproveitamento em saboaria e cosméticos, chás, bebidas refrescantes, produtos medicinais e como óleo para alguns tipos de massagens, já que a massagem tradicional khmer é a seco.

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Não há nada de mais confortável do que entrar numa casa recuperada, com a velha arquitectura colonial, ou com as linhas simples e modernas de algumas das novas construções, num spa ou casa de massagens, num quarto limpo, decorado de forma simples, impregnado com a luz e as cores do fim de tarde, de onde se liberta o refrescante aroma a “lemon grass”. Uma bênção para os sentidos depois de um dia de tuk-tuk, subindo e descendo as escadarias de templos, percorrendo museus vivos e palácios com a roupa colada ao corpo, observando a vida nos fascinantes mercados onde é possível tudo comprar e obter, de objectos de prata a peças para motas, de sedas a pedras semi-preciosas, lado a lado com os vernizes para as unhas, as estatuetas de cobre ou as fardas escolares, antes de um bom banho ou de umas braçadas retemperadoras numa qualquer piscina escondida num jardim interior disfarçado pela abundante vegetação que os cerca. 

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Na maioria dos locais onde merendei ou jantei vi muitas cozinhas abertas e asseadas, mesas limpas, toalhas de pano e jogos americanos sem manchas. Mesmo em restaurantes de estrada, onde a comida ficava a desejar, como num que é habitual parar para quem vai por estrada para Phnom Penh e cujo nome “Banyan Tree” homenageia a frondosa árvore da frontaria e não pretende confundir-se com a afamada cadeia de hotéis de luxo, não se vê louça lascada ou há talheres encardidos como é habitual encontrar em muitos dos nossos tascos com pretensões a restaurantes finos. Em Siem Reap há várias casas que se recomendam. Para além do F.C.C., o famoso clube dos correspondentes estrangeiros, também com aposentos para viajantes, elogiado pelo The Guardian e por onde passaram tantos escritores, jornalistas e simples curiosos, de que falarei noutra altura e que não se confunde com o seu homólogo da capital, gostei do Embassy, em King´s Road, perto do Hard Rock, numa casa só de mulheres, com uma Chef oriunda da escola do Sofitel e com experiência anterior em Singapura, que tem um excelente menu de degustação, onde sem qualquer rebuço me substituíram o pato que aparecia lá pelo meio pela carne decente de um animal sem penas. 

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Em lugares onde o Sol nasce muito cedo é também natural que tudo termine mais cedo. É por isso normal que se jante mais cedo, por volta das 20:00, e a vida nocturna também antecipe os seus períodos de abertura e termo, o que é gratificante para quem gostando de dias intensos não dispensa estar sentado numa esplanada acolhedora, ouvir um pouco de música entre dois dedos de conversa com outros viajantes, trocando experiências e conhecimentos na língua que se proporcionar.

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