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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
(Créditos: João Relvas, LUSA)
Ouvi esta manhã, com a atenção que lhe é devida, e esquecendo aquela "achega" final da jornalista, a entrevista que o general Ramalho Eanes concedeu à RTP.
Num registo franco, directo e com a ponderação habitual, Eanes mostra que continua, aos 85 anos, a destilar humanismo e sentido cívico por todos os poros.
É bom escutar nesta altura o que o nosso antigo Presidente da República tem para nos dizer.
No tom adequado, com a calma e a reserva conhecidas, sem o espalhafato e a pesporrência de outros, com equilíbrio e o lastro da sua experiência, mostrou como é possível atravessar uma revolução, todas as suas peripécias, e percorrer mais de quatro décadas de democracia, recheadas de altos e baixos – que foram muitos, longos e nalguns casos também epidémicos –, mantendo a mesma honradez, a mesma dignidade e o sentido de Estado, independentemente das escolhas e opções que fez ao longo da vida.
E não é preciso concordar com tudo o que ele disse para reconhecer o serviço que uma vez mais prestou à nação.
Um senhor que continua a ser um exemplo de elevação, seriedade e dedicação à causa pública.
(foto DN/Reuters)
É legítimo que quem ganhe eleições tenha pretensão de formar governo. Já não é legítimo que quem ganhe eleições sem programa eleitoral ou com o programa das anteriores eleições faça depois o pino e se predisponha a incluir no Programa de Governo que irá submeter ao parlamento, caso venha a conseguir formar um executivo apresentável, as medidas que sempre rejeitou e que durante toda a campanha eleitoral afirmou serem perfeitamente inexequíveis porque colocariam em causa a retoma das finanças públicas e em risco a recuperação nacional e a reputação internacional do país.
É legítimo que quem tendo perdido eleições admita vir a encontrar uma solução governativa se chamado a tal pelo Presidente da República. Já não é legítimo que essas iniciativas sejam tomadas antes mesmo do vencedor das eleições perceber que deixou de ter condições para se manter no poder e apresentar num prazo razoável a solução governativa estável que o Presidente da República pediu nas suas orações.
É legítimo que os partidos que representam mais de cinquenta por cento dos votos dos eleitores que votaram contra as soluções propostas pela coligação vencedora não estejam dispostos a viabilizar, contra a vontade dos seus eleitores que nunca foram confrontados com essa possibilidade, uma solução de governo da qual faça parte essa mesma coligação. Já não é legítimo que as soluções propostas desrespeitem a vontade dos eleitores expressa nas urnas em função dos programas eleitorais apresentados.
É legítimo que quem tenha uma solução de governo para o país a apresente ao Presidente da República. Já não é legítimo que o Presidente da República queira forçar uma solução de governo da sua conveniência.
É legítimo que os partidos conversem, se reúnam, discutam, apresentem soluções. Já não é legítimo que ao mesmo tempo se esteja a negociar em várias sedes soluções opostas.
É legítimo, à semelhança do que já aconteceu em qualquer democracia civilizada, estável e consolidada do Velho Continente, qualquer governo maioritário saído do quadro parlamentar, ainda que deste não faça parte o partido ou a coligação vencedora das eleições. Já não é legítimo falar em golpe de estado constitucional, acenar com papões ou fazer de conta que as soluções que vêm da Europa só nos convêm quando não coloquem em causa as nossas próprias pretensões de exercício do poder.
É legítimo que todos queiram chegar ao poder ou, aqueles que já lá estão, queiram conservá-lo. Já não é legítimo que isso seja feito de forma tão pouco séria, recorrendo a estratagemas variados e argumentos opostos àqueles que sempre utilizámos.
É legítimo que todos os que reúnam condições se queiram candidatar ao lugar que está vago, há anos, na Presidência da República. Já não é legítimo que perante as condições tão graves que o país atravessa haja quem se entretenha a apresentar candidaturas presidenciais, tendo tido antes todo o tempo do mundo para fazê-lo, sem que ao menos se vislumbre uma solução provisória no horizonte que possa conferir um mínimo de normalidade à vida dos portugueses.
São muitos os peixes podres, os plásticos, as latas, os detritos que agora vêm à superfície. Mas tudo o que está a acontecer em Portugal na sequência das eleições de 4 de Outubro era demasiado previsível para qualquer pessoa séria e medianamente informada. Só para quem estivesse de má-fé, e publicamente fosse dizendo o contrário para ganhar votos, audiências ou intenções nas sondagens, ou então para quem acreditasse piamente nas propriedades sobrenaturais e anticancerosas da água benta é que não. Se virmos bem as coisas, tudo se resume, há duas décadas e uma vez mais, a um problema de seriedade na política. Ou de falta dela. De montante a jusante.
"Aquilo que digo é aquilo que sempre disse - e que tive oportunidade de dizer na comissão de inquérito ao BES (Banco Espírito Santo): que os contribuintes não serão chamados a cobrir qualquer prejuízo com este processo. Isso cabe ao Fundo de Resolução."
"É verdade que há um banco público (CGD - Caixa Geral de Depósitos), que faz parte dos bancos do sistema, mas isso decorre da existência de um banco público, que é um banco igual aos outros em termos de direitos e obrigações para esta matéria. Em todas as outras questões, os contribuintes não serão chamados. E no caso da CGD é uma via indire[ct]a, que decorre do facto de o banco ser público." - Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças
A senhora ministra também pode dizer de dedo espetado que os alunos das universidades portuguesas não pagam propinas, que não têm que se preocupar com o seu valor porque quem paga não são eles, são os seus pais. Qualquer aluno, por muito cábula que seja, mesmo um jotinha, sabe que isso não é verdade. E se perder o ano, sendo um aluno e filho minimamente responsável, ficará envergonhado perante os pais. Porque sabe que o dinheiro dos seus pais, se não tiver sido roubado nem caído do céu, lhes custou a ganhar, saiu-lhes do pêlo para que as propinas fossem pagas e ele pudesse frequentar a universidade. E sabe que esperavam que ele também tivesse correspondido ao esforço que fizeram.
Por isso, declarações como as transcritas só são boas para serem aplaudidas nos comícios da Universidade de Verão. Lá é que a senhora ministra pode fazer dos outros parvos, ser aplaudida em cada frase que profere, dar a volta à praça e sair em ombros.
Na vida real não é assim. Directa ou indirectamente, o dinheiro vai sair do bolso de sempre. Umas vezes é pescado pela mão direita do contribuinte, de outras pela sua mão esquerda. Depende das legislaturas. Mas às vezes o dinheiro é-lhe tirado antes de entrar na conta bancária, antes de lhe chegar ao bolso, sem que lhe tenha sido perguntado se está disposto a pagar. E, às vezes, até depois do primeiro-ministro lhe ter dito que podia ficar tranquilo. É este o caso.
Está explicado como conseguiu ele que fosse levada a bom termo a legislatura. Estas coisas devem ser ditas na primeira pessoa e seria injusto culpar Cavaco Silva. Eu só tenho que aplaudir.
Ainda bem que não tenho as nádegas de alguns militantes. Sempre sou poupado ao festim.
(e é bom que os estafermos que deambulam por aí, escutando quem não devem, se lembrem de que nem todos os vertebrados são vulgares)
"Mas o que sobressai são as aplicações financeiras que António Varela, que tem uma larga carreira no sector financeiro e foi indicado pela ministra das Finanças para o cargo que actualmente exerce, possui em diferentes bancos. De acordo com o documento, que, como manda a lei, chegou ao Palácio Ratton após a nomeação, o gestor detém 1357 acções do Santander e uma acção do BCP, além de títulos de outras cotadas portuguesas, como a Mota- Engil e a Portugal Telecom. E é ainda dono “de metade”, como o próprio refere, de outras 506.261 acções do BCP, de 37.824 do suíço UBS, de 1253 do Santander Central Hispano, de 110 do Deutsche Bank e de 25 acções preferenciais do Banif (com o valor nominal de 1000 euros).
O portefólio de investimentos do administrador do Banco de Portugal abrange ainda obrigações (dívida) de diferentes entidades, incluindo uma do Santander US, com um valor de 100 mil euros, duas do BCP (avaliadas em 50 mil euros cada), uma do BBVA no mesmo montante e ainda 50 do Banif (a 1000 euros cada). António Varela também é detentor de obrigações de outras empresas, como a EDP ou a Telefónica, tendo investido igualmente em dívida grega.
A carteira declarada ao Tribunal Constitucional estende-se ainda a participações em diversos fundos de investimento, alguns dos quais rela- cionados com a evolução de títulos da banca, de divisas ou de dívidas soberanas. (...)" - Público, 21/04/2015, p. 18
Como é possível transmitir uma imagem de seriedade e confiança aos portugueses - já nem falo em garantir a isenção e a independência de actuação e decisão - quando se nomeia para regular quem tem interesses naquilo que regula?
Enfim, depois de tudo o que aconteceu no BPN/SLN e na respectiva Comissão de Inquérito, e das criticas que aí foram feitas à supervisão do Banco de Portugal (em 2008, no auge do "socratismo", eu chamei-lhe "supervisão congolesa"), em especial por Nuno Melo (CDS/PP) e João Semedo (BE), não houve hipótese de modificar nada.
Estamos em 2015 e vê-se que durante sete anos, sete anos, porra, não foi um nem dois, ficou tudo na mesma. Os vícios são os mesmo de sempre. As explicações idem. O padrão é sempre o mesmo.
E depois vem a gente que há décadas vegeta e mantém esta choldra em ponto-morto dizer que eu tenho asco. Tenho sim, tenho asco, muito asco. Tenho asco a quem politicamente é estruturalmente indecente. A gente politicamente desonesta. A gente que se alimenta do padrão para sobreviver e singrar. A gente que é ética e moralmente desestruturada (na minha perspectiva, é claro). À direita, à esquerda, em cima e em baixo.
(Quando me cansar de escrevê-lo, de dizê-lo, limitar-me-ei a articular com os maxilares doridos os movimentos que produziriam essas palavras. Como Marceau faria com o movimento, com o gesto. Ou como Herberto com as palavras. Em silêncio e às escuras para não incomodar os ouvidos e os olhos sensíveis da canalha)
(a foto pertence ao Expresso e foi tirada daqui)
Gente séria tê-lo-ia admitido desde o princípio, tal como muitos atempadamente alertaram.
É mais um "tecno-embrulho" que, de novo, não constava do pacote testamentário recebido dos antecessores. E volto a dizer que não estou a discutir a bondade da solução encontrada, nem se é melhor ou pior que a do BPN, apesar de sem rebuço admitir que em princípio será menos má.
Em causa está, porque é isso que me preocupa no padrão comportamental dos dirigentes políticos, a actuação política em concreto de quem decidiu e as declarações que a suportaram, destinadas a atirar areia para os olhos dos contribuintes.
Se pode ser estabelecido um paralelo entre este caso e o BPN, para lá da inenarrável actuação do supervisor, ele encontrar-se-á na forma como em ambos os casos se assumiram riscos iludindo a opinião pública sobre os custos inerentes. Sem frontalidade, sem transparência, fazendo dos outros tolos. A começar pelo Presidente da República.
Continuo a pensar que ver portugueses em lugares de destaque em instituições internacionais é bom para os próprios e para o País. E é natural que os melhores técnicos sejam contratados. De qualquer modo, ao saber da notícia de que o ex-ministro das Finanças vai assumir um lugar no FMI de aconselhamento sobre finanças públicas e assuntos fiscais de países membros dessa organização, não posso deixar de pensar, face às declarações de madame Lagarde, se essa escolha, tão pouco tempo passado sobre a demissão de Gaspar fará sentido. Caso semelhante já se tinha passado com Manuel Pinho com uma cátedra nos USA subsidiada por uma empresa anteriormente dependente do ministro. Em causa não está o mérito dos escolhidos. Era importante, sim, saber, ainda que apenas numa perspectiva ética, qual o período de nojo que em política deve ser considerado razoável para se regressar à actividade política - casos de José Sócrates, como comentador televisivo, ou de Miguel Relvas, como conselheiro nacional do PSD -, ou para que alguém possa ir trabalhar, ser pago ou beneficiar dos apoios, contrapartidas ou salários, de uma entidade que pouco tempo antes negociava com esse mesmo contratado. Mesmo que não seja esse o caso, e não creio que o seja, na opinião pública pairará sempre a ideia de que se tratou de um pagamento de favores. E isto não é bom nem para o contratado, nem para a imagem das instituições. Em especial, neste último caso, para o governo de onde se saiu. Que por acaso, e talvez mesmo só por acaso, é o Governo de Portugal.