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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Quem tenha ouvido e lido as notícias relativamente ao que aconteceu com um avião da Ryanair, num voo entre Atenas e Vilnius, no exacto momento em que se preparava para sair do espaço aéreo da Bielorrússia, não pode deixar de ficar apreensivo com o que aconteceu.
O rumor da eventual existência de uma bomba a bordo para mandar um caça Mig-29, de fabrico russo, obrigar o avião civil a fazer meia-volta e escoltá-lo até que aterrasse em Minsk foi apenas o pretexto para encobrir um verdadeiro acto de pirataria e terrorismo de Estado, típico de governos autoritários dirigidos por autocratas corruptos.
Não se ignorará que o avião estava mais perto do destino final do que da capital da Bielorússia e que aterraria mais depressa em Vilnius do que no aeroporto onde foi obrigado a interromper o voo durante longas horas. Pelo que se em causa estava a segurança do avião e passageiros teria sido mais rápido e seguro deixá-lo seguir até ao seu destino final, avisando as autoridades da Lituânia da eventual existência de um engenho explosivo, em vez de interromper-lhe abruptamente a rota.
Terrorismo de Estado sim, mas também um acto de vingança bem revelador da baixeza de Lukashenko, que não hesitou em usar os meios do Estado e a Força Aérea para se proteger e ao seu regime de um jornalista e blogger de apenas 26 anos cuja única arma que possui é o que escreve.
Para além do risco da operação e do medo e incómodo que causou aos passageiros, já que o desvio de um avião comercial num voo regular, contra a sua vontade, por razões políticas, será sempre um acto de pirataria ainda que conduzido por um Estado ou uma organização política, a acção das autoridades da Bielorrússia constituiu uma violação grosseira do direito internacional aéreo e das convenções em matéria de aviação civil, pelo que suscitou uma reacção enérgica da maioria da comunidade internacional.
Reacção que não poderá ficar apenas pelas sanções económicas. A comunidade internacional não pode tolerar a existência de regimes corruptos que infernizam a vida do seu próprio povo e colocam em causa a segurança colectiva.
À margem desta reacção, uma vez mais, ficaram os aliados de Lukashenko. A Rússia de Putin, pela voz do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, e de outros altos dirigentes saiu de imediato em sua defesa, considerando que um acto de pirataria contra um avião comercial para detenção de um opositor político é uma acção razoável e legítima.
Enquanto isso, em Pequim, o editorial do Global Times dedica-se a levantar dúvidas e a desvalorizar o incidente, chegando a colocar a hipótese de que tivesse sido a própria tripulação do avião a pedir socorro, defendendo que a prisão de Roman Protasevich e da namorada foi praticamente um caso fortuito, e referindo que são precisos mais factos, devendo dar-se o direito de defesa às autoridades da Bielorrússia. Como se não entrasse pelos olhos de todos o que aconteceu e não se soubesse que a Bielorrússia é um "parceiro estratégico abrangente".
O editorial em causa é tão surreal que vai mesmo ao ponto de questionar por que motivo as autoridades da Bielorrússia iriam deter um jornalista que nem sequer é o mais "proeminente líder da oposição", se até existe uma "oposição" e há "eleições multipartidárias", certamente esquecendo o que ainda recentemente aconteceu aqui ao lado com a aprovação de legislação destinada a reduzir a democraticidade do sistema eleitoral para não se perderem eleições, se decapitarem os partidos da oposição democrática e se prenderem e condenarem dezenas de jovens estudantes, políticos e advogados.
O que aconteceu com o avião da Ryanair é a prova de que a violência, a repressão, a mentira oficial, a desinformação e o uso da força continuam a ser os argumentos dos autocratas, dos fracos, dos corruptos, e de todos os que temem a verdade e há muito perderam a razão.