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rajadas

por Sérgio de Almeida Correia, em 26.04.21

Paul-Harris.jpg(créditos: Stand News)

Uma notícia publicada ontem à noite pelo South China Morning Post, na sua página digital, com o título "Beijing’s top office in Hong Kong ratchets up attack on Bar Association chief Paul Harris, denouncing him as an ‘anti-China politician", despertou a minha atenção. O que ali se escreve levanta questões igualmente em Macau.

Em causa estão as declarações proferidas por Paul Harris, presidente da poderosa Bar Association, entidade fundada em 1949 que congrega os advogados (barristers) de Hong Kong, numa entrevista que deu ao Stand News website.

Essas não terão sido as primeiras e únicas declarações, visto que já em Janeiro, após a sua eleição, afirmou ser a nova Lei de Segurança Nacional "uma desgraça" e que iria fazer o que pudesse para promover algumas alterações ao diploma por parte do Governo de Hong Kong, atentas as suas discrepâncias em relação à Lei Básica.

Independentemente do teor das declarações, que não vou aqui discutir, a vigorosa reacção do porta-voz do Gabinete de Ligação do Governo Popular Central em Hong Kong (The Liaison Office of the Central People's Government in the Hong Kong Special Administrative Region) pode ter consequências imprevisíveis para o desempenho da profissão de advogado e o rule of law, acelerando a sua já mais do que irreversível erosão. 

Desde logo, porque sendo Harris um advogado que se tem empenhado na defesa da Lei Básica de Hong Kong e trabalhado em causas relativas aos direitos humanos, que começou o seu mandato há apenas três meses, uma posição como a que foi veiculada no sentido da organização promover a destituição do seu próprio chairman, não poderia nunca deixar de ter uma leitura política.  

Depois, também, porque se trata de uma claríssima intromissão numa esfera profissional cuja independência, disciplina,  autonomia do poder político e auto-regulação e organização é reconhecida e salvaguardada pelos Estados de direito há séculos.

Em terceiro lugar, porque o referido porta-voz veio esclarecer que o princípio de salvaguarda da ordem constitucional estabelecida, passando pela aplicação prática da Lei de Segurança Nacional e da extensão do princípio "of patriots governing Hong Kong", também se aplicaria à Bar Association, o que foi rejeitado por Ronny Tong, um dos mais exuberantes apoiantes das posições do Governo Central em Hong Kong.

De igual modo, Lau Siu-kai, vice-presidente de um think thank semi-ofical, a Chinese Association of Hong Kong and Macau Studies, veio dizer que aquele era um sério aviso à Bar Association e que, calcula-se, se não for resolvido nos termos que Pequim considera adequados aquela organização – uma associação de profissionais do foro – poderá ser vista como tendo natureza política e capaz de ser uma ameaça à segurança nacional. 

Tal como em Portugal, com a Ordem dos Advogados, ou em Macau, com a Associação dos Advogados, a Bar Association de Hong Kong desempenha importantes funções públicas. E à semelhança da sua congénere de Macau também tem assento na Comissão Eleitoral que escolhe o Chefe do Executivo, manifestação de uma incontornável e indelegável função política que por vezes se quer ignorar e esconder.

A posição veiculada pelo representante de Pequim, através de mais esta rajada que foi disparada, torna clara uma politização das questões da advocacia.

Para quem em Macau tinha medo dessa politização, preferindo a tibieza e as meias-tintas dos discursos redondos e subservientes ao compromisso ético e deontológico com a advocacia, aqui está a resposta na primeira pessoa.

Essa posição volta a colocar em causa a margem de autonomia da "legal profession", os direitos consagrados na Lei Básica e os princípios inerentes ao Estado de direito, tanto mais que Paul Harris se sentiu na necessidade de vir esclarecer que é um cidadão britânico, que por essa razão tinha necessárias ligações ao seu país, mas que é igualmente residente permanente de Hong Kong, onde paga os seus impostos desde 1993, ano a partir do qual se tornou membro da Hong Kong Bar Association.

Duvido que a Paul Harris tenha sido atribuída a nacionalidade chinesa, ou que seja titular de documentos de viagem chineses, mas o facto de ser inglês e ter desempenhado há muitos anos algumas funções políticas inócuas parece colocar em causa o seu "patriotismo" e o reconhecimento da sua qualificação para desempenhar o cargo na ordem profissional para que foi eleito pelos seus pares.

É que se Paul Harris, pelo facto de ter sido um eleito autárquico não remunerado dos Liberais-Democratas, em Oxford, antes de 1993, tem o "patriotismo" e o amor a Hong Kong em xeque, então seria interessante saber, sendo público e notório que o patriotismo de alguns é paixão recentemente descoberta deste lado do rio, e que esteve sempre mais ligado ao subsídio, à pataca, ao dólar e aos meandros da política – nalguns casos pelo exercício de funções remuneradas – do que à comunidade e aos valores constitucionais, o que pensarão o referido porta-voz e os maiorais de Pequim desse melindroso passado que trazem no currículo e do modo como este se articula hoje com as posições oficiais. 

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