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circo

por Sérgio de Almeida Correia, em 24.07.23

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Os romanos diziam panem et circenses (pão e espectáculos de circo), querendo com essa expressão simbolizar a política do governo desse tempo que se limitava a distribuir comida em banquetes e em proporcionar actividades lúdicas aos cidadãos.

A frase foi cunhada pelo poeta Juvenal e censurava a decadência dos romanos e da civitas que graças a esses artifícios dos maus políticos que ao tempo governavam, conseguiam controlar um povo que perdera o sentido crítico e a lucidez, e com esses logros ignorava aquilo que efectivamente lhe interessava e era importante para a vida colectiva. 

Quem tivesse ouvido a semana passada, no subserviente boletim oficioso do canal português da TDM, o Secretário para a Administração e Justiça, ladeado pelas excelências do Instituto Municipal de Macau (IAM), a pomposamente anunciar, como se fosse a coisa mais natural deste mundo e uma necessidade dos residentes, a construção de dois "projectos de lazer", um no local onde existia o velho canídromo, o outro nas imediações da praia de Hac Sa, envolvendo um custo estimado de MOP$ 1.600.000.000,00 (um milhão e seiscentos milhões de patacas), certamente que se beliscou e foi depois ouvir de novo para ter a certeza que ainda não tinha ensandecido por completo. A experiência recente em matéria de obras públicas mostra que não raro o valor da factura final pode facilmente duplicar ou triplicar.

A forma como a sociedade de Macau reagiu, com críticas intensas em diversos fóruns e nas redes sociais, gozando com a falta de senso da proposta, promovendo um abaixo-assinado para demonstrar a sua indignação, mostra que a população ainda não está suficientemente adormecida para embarcar em todos os dislates que o Governo lhe propõe do alto da sua presunção, jamais sufragada, de boa governação.

Não sei de quem partiu a ideia, mas temo que o IAM, que ainda recentemente, de forma totalmente inusitada, resolveu alcatroar, sim, leram bem, uma parte do trilho grande da ilha de Coloane, que é incapaz de preservar o património arquitectónico edificado, ignorando direitos de autor, que tem uma obra minúscula em curso nas escadas de acesso à praia de Choc Van que não há maneira de concluir, que não consegue erradicar as pragas de ratos, de baratas e de cães vadios, que deixa os contentores de lixo abertos e ao ar com temperaturas elevadíssimas, e que tudo enche de cimento e mau gosto, tenha aí uma parte relevante de responsabilidade.

Toda a população sabe o que fez o anterior Executivo e quantos milhões gastou em obras inúteis, enchendo os bolsos de algumas empresas e pessoas próximas do regime vigente, cujas ligações a alguns sectores empresariais são conhecidas de toda a população, mas há quem ainda não tenha aprendido a lição e pense que em Pequim e no Gabinete de Ligação todos dormem.

E a população também sabe que, actualmente, de cada vez que se quer fazer alguma coisa, se promove uma espécie de consultas populares, normalmente destinadas a conferirem a chancela ao que já foi antes superiormente decidido pelos génios que aconselham o Executivo e para fazer de conta que houve participação na decisão. 

Mas não deixa de ser estranho, eu diria muito estranho, que numa matéria destas, que vai dar cabo dos equilíbrios da ilha de Coloane, destruindo uma vasta área arborizada para se construir mais uns monos de betão, sem qualquer valor artístico, e onde serão investidos centenas de milhões de patacas, desfigurando e destruindo de forma irreversível, ainda mais, o único e último espaço com vocação verde e ambiental, não tenha sido realizada uma consulta pública dando conta aos residentes do que se pretendia fazer e gastar em duas obras faraónicas.

Numa terra onde as estradas estão cheias de buracos, em que de cada vez que chove tudo se inunda, em que diariamente se assiste à diminuição da qualidade de vida e do ar que respiramos, em que continua a não haver um serviço de táxis decente e civilizado, e em que não se investe o que é necessário para melhorar essa mesma qualidade de vida, é inacreditável que os decisores políticos e o IAM estejam tão apostados em gastar centenas de milhões de patacas na destruição do maior pulmão da RAEM, e um dos poucos espaços onde ainda se pode passear sem se ser incomodado pelo fumo dos escapes, pelos motociclos e demais veículos poluentes, pela música aos altos berros e pelos "pseudo-turistas" que nos invadem e vão distribuindo encontrões pelas ruas. 

Felizmente que há quem ainda não esteja totalmente adormecido pelo discurso para montanheses que tem vindo a ser veiculado, o que só prova que as pessoas não se deixam iludir apesar de todos os esforços que têm sido feitos nesse sentido. E têm sido muitos.

É notável que em tão curto espaço de tempo fossem recolhidas quase dez mil assinaturas através de uma associação chinesa ligada a um deputado que recebeu nas últimas eleições carta de alforria de patriota, o deputado Ron Lam, e que as pessoas se questionassem sobre a razão para que uma obra desta envergadura fosse dada por adjudicação directa (mais uma) à empresa "Cantão Shangguo", "quando ainda não foi concluída a concepção do Campo de Aventuras Juvenis".  

Essas dúvidas estenderam-se aos deputados ligados à Federação das Associações dos Operários, Ella lei, Leong Sun Iok, Lam Lon Wai e Lei Chan U, que pediram a suspensão da construção da estátua da Kun Iam, o que é sinal de vitalidade social e bom senso. As reacções da Associação Geral das Mulheres e do deputado Nick lei, citado pelo jornal Ou Mun, dizem bem do incómodo que tal decisão provocou em entidades que estão sempre ao lado das políticas oficiais e que não podem ser acusadas de falta de patriotismo. 

Dir-se-ia que a pressa e o modo como tudo isto foi feito pretende esconder alguma coisa e que há quem teime em permanecer agarrado aos desmandos do passado, esquecendo tudo o que nos últimos anos foi levado aos tribunais, analisado pelo CCAC e pelo Comissariado de Auditoria, e, nalguns casos, à falta de melhor, encaminhado para o "Coloane Hilton".

Em todo o caso, ainda se está a tempo de atalhar a mais um desastre político, urbano e ambiental ditado pela total falta de estratégia e de visão de quem decide estas matérias, pensando que o povo dorme e que basta pão e circo para o manter entretido e desatento ao que se vai passando na sua cidade.

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atrasados

por Sérgio de Almeida Correia, em 09.06.21

Parece que finalmente as autoridades de Macau resolveram empenhar-se a sério numa campanha de promoção da vacinação contra a COVID-19.

O problema é que uma vez mais chega tarde e numa altura em que o aumento de número de casos na província de Guangdong – não, os casos não vieram de países terceiros, nem foi nenhum gweilo que os trouxe na bagagem – fez aumentar os receios dos Serviços de Saúde de Macau. De qualquer modo, antes assim.

O lamentável é que só ao fim de mais de um ano é que se tenham lembrado de pedir a amostragem de códigos de saúde à entrada dos transportes públicos (como farão os velhotes que não usam telemóvel para irem ao mercado?) e que continue a não haver uma uniformização de procedimentos.

De que serve exigir-se esse mesmo código na entrada em hotéis, casinos, instituições médicas e departamentos governamentais se depois deixa de ser obrigatória a apresentação do código para quem vai a um supermercado, loja de conveniência, sauna, cinema, karaoke ou sala de exposições? Será que nestes locais o risco de transmissão do vírus é menor?

Por outro lado, é notório que a população continua a não compreender quais são as "vantagens" da vacinação, para além da óbvia protecção individual e grupal. As empresas privadas, nomeadamente bancos e concessionárias, à semelhança do que se passa em Hong Kong, oferecem dias de férias extra aos trabalhadores para os motivarem, entregam brindes, organizam sorteios que levem as pessoas a vacinar-se. Porém, em contrapartida, não existe qualquer diferenciação ou reconhecimento em relação a quem desde a primeira hora se colocou ao lado das autoridades de saúde e se disponibilizou para tomar as vacinas.

Os tempos de quarentena para quem tem ou não tem vacina são os mesmos. Os vacinados continuam a usar máscara, a mostrar o código de saúde, a enfrentar as mesmas dificuldades para se deslocarem, e ainda sujeitos a igual grau de exigência para entrarem ou saírem da RAEM como os não vacinados. Será que isto tem alguma lógica? Será que faz algum sentido? Se para se passar a fronteira é indiferente estar ou não estar vacinado, como justificar aos descrentes da vacina que convém tomá-la?

Depois, também não se percebe porque o Governo de Macau continua a não chegar a um entendimento com o Governo de Hong Kong para se ter um corredor entre a RAEM e o Aeroporto Internacional de Hong Kong, quando entre este e Shenzhen continua a haver carreiras regulares que permitem um acesso directo ao terminal sem que seja necessário passar pela cidade ou realizar qualquer quarentena.

Raia o absurdo, e é absolutamente incompreensível, de um ponto de vista científico, que uma pessoa vacinada e apresentando testes de ácido nucleico negativos no local de partida e à chegada à RAEM esteja obrigada a 21 ou 28 dias de quarentena em hotel.

O aumento das taxas de vacinação verificado nos últimos dias não ilude a gestão deficiente que se fez do programa de vacinação. De nada serviu o exemplo dado pelo Chefe do Executivo e por outros altos responsáveis de se voluntariarem desde logo para receberem a vacina. O gesto revelou-se inconsequente e veio desacompanhado dos estímulos que deviam ter sido transmitidos à população. Agora, é o andar ó tio, ó tio a ver se os residentes se vacinam porque se teme o pior.

É assim nas vacinas. Foi também assim com o que aconteceu na altura do tufão Hato. Continua a ser assim com as cheias no Porto Interior e outras zonas baixas da cidade, cujas soluções tardam para desespero da população afectada, como também é com os lixos, com o não tratamento das águas residuais e as suas descargas diárias e ao longo de muitos anos por falta de capacidade das centrais, com os maus cheiros ou a falta de limpeza de algumas zonas, com a má qualidade do ar ou com a falta de exigência e descontrolo das emissões de gases por autocarros, carros velhos e super poluentes e camiões de obras (que continuam a circular a toda a hora pelas principais avenidas do COTAI, sem que as contornem pelas vias laterais, como se aquelas fossem verdadeiros e próprios caminhos de estaleiros).

Depois da casa roubada é que se colocam as trancas à porta. Anda-se sempre a correr atrás do prejuízo. E dá-se cabo da saúde – e da paciência – dos sãos porque não se sabe cuidar destes e tratar do que está doente a tempo e horas e sem vacilar. Um drama permanente de um filme há muito visto na RAEM.

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perguntas

por Sérgio de Almeida Correia, em 26.02.21

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De facto, o artigo 43.º da Lei Básica afirma o princípio de que às pessoas não residentes, mas que se encontrem na RAEM, devem ser reconhecidos os direitos e deveres fundamentais previstos para os residentes de Macau, todavia, esse reconhecimento é apenas um princípio geral, não absoluto”;
(...)
“[A] Lei Básica remete para o legislador ordinário a tarefa de definir, em concreto, a extensão e âmbito dos diversos direitos, podendo o mesmo estabelecer limitações, reservas e especialidades – é esse o sentido e alcance da expressão ‘em conformidade com a lei’ usada no art.º 43.º da Lei Básica”, (Wong Sio Chak, Secretário para a Segurança, HM, 26/02/2021, p. 6)

 

Como o artigo 43.º que o Secretário invocou em defesa da sua tese esclarece que “as pessoas que não sejam residentes de Macau, mas se encontrem na Região Administrativa Especial de Macau, gozam, em conformidade com a lei dos direitos e liberdades dos residentes de Macau, previstos neste capítulo” [Capítulo II da Lei Básica, Direitos e Deveres fundamentais], isso também significa que, como o artigo não o refere, também não gozam das mesmas garantias e que estas podem ser limitadas “em conformidade com a lei”?

Então isso quererá também dizer que as pessoas que não sejam residentes, na sua perspectiva, também podem ver reduzidos todos os seus direitos e liberdades previstos no Capítulo II “em conformidade com a lei”?

Como nesse capítulo II da Lei Básica também figura, por exemplo, o artigo 28.º, isso quererá igualmente dizer que os não-residentes podem ser submetidos a tortura e tratos desumanos “em conformidade com a lei”?

E que nos termos do art.º 30.º a dignidade humana dos não-residentes não é absoluta, podendo ser violada “em conformidade com a lei”?

E será a vida humana um valor absoluto para os não-residentes, ou também pode ser objecto de “limitações, reservas e especialidades” de acordo com a expressão “em conformidade com a lei”?

Convém ser coerente até ao fim.

Por isso não sei se não estaria na altura, uma vez que o Senhor Secretário faz questão de ser membro do governo, legislador e intérprete da lei, de o Senhor Chefe do Executivo fazer um esclarecimento final, ou o Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional, nos termos do art.º 143.º da Lei Básica, avocar essa tarefa, para que todos, residentes, não-residentes, simples “blue card” e turistas, possam saber com o que podem contar na RAEM de cada vez que a Polícia e o Secretário para a Segurança interpretam a Lei Básica. Ou então promoverem a sua alteração, seria o mínimo, para que a Lei Básica se adapte às interpretações do Senhor Secretário para a Segurança.

O mundo dá muitas voltas. E aqui têm-se dado cambalhotas “em conformidade com a lei”. 

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perversidade

por Sérgio de Almeida Correia, em 22.07.20

3581-2020-07-22.jpg(Macau Daily Times)

Se há coisa que o chamado processo do IPIM, onde estão a ser julgados antigos dirigentes desse organismo, tem revelado é a perversidade da actuação de alguns responsáveis e funcionários por ignorância, má-fé ou incompreensão dos mecanismos procedimentais, dos seus deveres e do alcance das exigências legais.

Quem tem acompanhado as peripécias do julgamento, em boa hora abundantemente relatadas pela comunicação social, não pode deixar de se interrogar sobre a formação que foi dada a alguns dirigentes antes de se alcandorarem às posições que exerceram ou ainda ocupam.

Considerar que os critérios da Administração Pública não podem ser conhecidos, por secretos ou confidenciais, e que os cidadãos não devem ser esclarecidos sobre o que devem fazer e como fazer para preencherem as condições que devem ser cumpridas para obterem aprovação nos  processos administrativos em que são interessados, porque tudo é "secreto" e "confidencial", é revelador de uma formação muito deficiente, de uma mentalidade policial, ignorante, arcaica, irresponsável e desrespeitadora da lei.

Mas se, para além disso, houver quem, além de considerar tudo isso como normal, ainda admita que existem regras, ao arrepio da lei, não escritas e de natureza confidencial e secreta, a regularem vulgares procedimentos administrativos, remetendo para o domínio da arbitrariedade pura aquilo que de todos deverá ser conhecido, então já se está no domínio da perversidade.

A aplicação da lei e as regras da sua interpretação e aplicação na Região Administrativa Especial de Macau são em cada dia que passa cada vez mais esotéricas, não obstante não haver ninguém com poder de decisão que não esteja sempre a invocá-la, tal e qual como algumas beatas que estão constantemente a invocar os nomes do Senhor e dos Santos para tudo e mais alguma coisa.

E o que é mais triste, e revoltante, é que tal acontece não apenas ao nível da actuação da própria Administração Pública. Essa contaminação é agora vulgar, como tem sido denunciado e é visível pela simples leitura dos jornais, em muitos casos da actuação das polícias, do Ministério Público e, pior do que isso, da forma como alguns julgamentos são conduzidos e as decisões fundamentadas.

Se virmos bem, o entendimento que a testemunha Irene Lau tem das regras que regem a actuação de um ente público e das suas chefias vai ao encontro das teses de um proeminente académico da Universidade de Pequim, Jiang Shigong, quando considera que o constitucionalismo chinês só pode ser entendido numa perspectiva de uma constituição não-escrita, que esta é que corresponde à verdadeira Constituição, pois que inclui as doutrinas e comentários do Partido e dos líderes do Estado, bem como os relatórios e decisões do Comité Central sobre as questões constitucionais (Jiang Shigong, 2010, in Modern China, 36/1, 12-46). Ou seja, o que não vem na Constituição, o que não vem na lei também serve conforme as circunstâncias.

Aqui em Macau a lei relevante também começa a ser a lei não-escrita. Isto é, a que resulta da interpretação, da apropriação e do uso que dela seja feita pelos responsáveis políticos, administrativos e policiais.   

Primeiro passámos do legal para o domínio do surreal. Neste momento torna-se evidente, até pelo depoimento prestado em juízo pela madame Lau, que se confirma o que há muito se suspeitava, ou seja, que já vivemos no campo do arbítrio (louvado) sob uma capa de legalidade.

A aproximação ao primeiro sistema está praticamente concretizada. Quando todo o sistema judicial, o legislativo e a Administração Pública estiverem ao serviço de quem exerce o poder, a segurança nacional estará totalmente garantida. O resto não conta.

É esta a perspectiva. E a última prova que faltava de que a formação de quadros locais por parte da Administração portuguesa no período de transição foi um rotundo fracasso.

Formatar autómatos, mesmo com viagens pelo meio a Portugal, não é o mesmo que formar bons dirigentes e bons quadros técnicos, incutindo-lhes uma mentalidade e uma ética de serviço público e de verdadeiro respeito pela lei.

E isto também se aplica, cada vez mais, pelo que se tem visto, à formação de advogados, polícias e magistrados.

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incertezas

por Sérgio de Almeida Correia, em 13.07.20

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(créditos da foto: Robert Harding Picture Library, Nat Geo Image Collection)

O médico Alvis Lo, que no acompanhamento da situação epidemiológica provocada pelo COVID-19 em Macau se tem revelado uma aposta segura dos Serviços de Saúde, tanto em termos de comunicação para o público como no domínio das matérias que normalmente aborda (deixo de fora as que têm manifesta dimensão política e para as quais não está preparado, nem é pessoa adequada para referi-las), revelou-nos que o Secretário para a Economia e Finanças, Lei Wai Nong, e o antigo Chefe do Executivo, Edmund Ho Hau Wah, que estiveram nas exéquias de Stanley Ho, serão obrigados a acatar e cumprir as medidas de saúde pública aplicáveis à generalidade das pessoas que chegam do exterior.

Tirando o facto de não se saber qual o local destinado ao segundo, a decisão é à partida compreensível e reveladora da saudável preocupação em se assegurar, pelo menos na aparência, que a lei é igual para todos, o que sabemos nem sempre ser verdade por estes lados.

Porém, essa decisão acaba por esconder um outro problema e que decorre da questão de se saber quando terminarão as actuais restrições à circulação de residentes e à entrada e saída de pessoas, turistas ou não?

Já se percebeu que depois da forma atempada com que o problema do COVID-19 e o esquema de entradas e saídas de Macau foi gerido numa fase inicial, o prolongamento da situação presente se por um lado começa a revelar uma inquietante falta de respostas, por outro denota dificuldades em se assumir o risco inerente às decisões que mais dia menos dia não poderão deixar de ser tomadas.

Governar é mais do que controlar as entradas e saídas de uma região minúscula, gerir a distribuição de máscaras e concessões, controlar manifestações e activistas, contar fichas em casinos ou um simples negócio de importação e exportação.

A dependência da RAEM em relação a Hong Kong para voos de médio e longo curso, aliada à incapacidade, mais uma entre muitas, do governo de Carrie Lam em controlar o aparecimento de novos focos locais da doença, acentuam as nossas dificuldades.

Muitos não percebem quais os obstáculos na manutenção em aberto de um corredor para as chegadas e partidas do Aeroporto Internacional de Hong Kong, que não causasse maiores transtornos do que aqueles que têm sido impostos, e que garantisse na medida do possível a segurança sanitária dos passageiros e dos residentes.

Como também não se compreende por que podem residentes de Macau deslocarem-se às demais cidades da Grande Baía, contactando com quem aí reside e regressando sem qualquer problema, mas o contrário não se admite.

O estrangulamento da actividade económica vai dando sinais de não ser comportável sine die por muito vastas que sejam as reservas financeiras da RAEM e dos seus maiores empresários.

As consequências para já têm sido de índole económica e financeira, mas são hoje igualmente de índole psicológica. Muito dos que habitualmente residem em Zhuhai têm enfrentado dificuldades para se deslocarem à região vizinha, passando longas temporadas afastados de suas casas e dos familiares, praticamente acampados deste lado em condições de vida deploráveis, alimentando-se mal, repartindo apartamentos e quartos, enfrentando custos acrescidos e com as suas vidas, e dos seus filhos, permanentemente desreguladas.

Entre a proibição absoluta de deslocações, a existência de entraves burocráticos desproporcionados e a necessidade de manter o controlo da situação epidemiológica, haverá certamente um meio termo, sendo a falta deste que começa a tardar num momento em que um pouco por todo o lado onde a situação se apresenta controlada se procuram aliviar as restrições à circulação de pessoas.

O quadro que vivemos poderá, com mais ou menos esforço do Governo de Macau, ser mantido durante mais algumas semanas, ou meses, mas haverá um dia em que será necessário começar a pensar em tomar decisões.

A situação afigura-se a longo prazo insustentável, pois que não é com os subsídios que têm sido dados às empresas e a particulares, alguns discutíveis visto que houve trabalhadores que não sofreram cortes salariais a receberem “bónus” de MOP15.000 (que deveriam ter sido desde logo “endossados” aos empregadores pelos assalariados que não sofreram cortes, ou retendo estes apenas a parte proporcional aos que tivessem sido concretizados), nem com o turismo “interno”, transportando-se residentes da Areia Preta para o Parque de Seac Pai Van, ou com vales de consumo ou os descontos em refeições proporcionados por alguns espaços, que será possível voltar a uma normalidade mínima e dinamizar uma actividade económica que represente, pelo menos, cinquenta por cento daquilo a que estávamos habituados nos últimos anos.

E não será com alterações à lei de segurança, educação patriótica, a habitual propaganda e as “distracções” similares em que os nossos "comissários" são exímios, que se resolverão os verdadeiros problemas e se dará esperança às pessoas.     

Espera-se, pois, e isso não será exigir muito, atendendo a que estamos quase em Agosto e há meses que não temos casos, que o Chefe do Executivo e o seu governo, sozinhos ou em articulação com o Governo central e os das regiões vizinhas, apresentem com urgência um quadro de soluções que reduzindo a nossa dependência em relação a Hong Kong, cuja situação política com ou sem a nova lei de segurança nacional irá manter-se efervescente durante muitos e bons meses (ou anos), nos traga alguma esperança quanto à sua capacidade de pensar os problemas e apontar caminhos que nos permitam sair do marasmo em que nos encontramos.

Está na altura de começarem a mostrar que para lá da gestão corrente, da distribuição de cheques, da instalação de câmaras, da pintura de passadeiras e abertura de buracos nas ruas, e de vagas promessas, serão capazes de fazer mais alguma coisa.

É nas crises, e na confiança que transmitam, na capacidade de liderança demonstrada e na dinamização que consigam imprimir para se ultrapassarem situações adversas, que se reconhecem os bons dirigentes e se identificam os maus governantes. Haja esperança.

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apêndices

por Sérgio de Almeida Correia, em 04.05.20

Por uma notícia de hoje da Rádio Macau, fiquei a saber da publicação do Despacho n.º 112/2020, do Chefe do Executivo, pelo qual este procedeu à extinção do Centro de Arbitragem de Administração Predial. Esta estrutura havia sido criada em 2011 por decisão do seu antecessor.

O notável não está na extinção dessa entidade; antes no facto de não ter resolvido um único caso, que aliás nunca lhe foi submetido, durante toda a sua existência. 

Quer isto dizer que nunca serviu para nada daquilo que esteve na base da sua criação, isto é, "promover, através da conciliação e arbitragem, a resolução de litígios na área da administração predial". Limitou-se durante nove anos a dar resposta a pedidos de informação.

Para quem se fartava de apregoar e promover a necessidade de "decisões científicas", a secura do despacho de extinção diz bem da cientificidade da decisão que esteve na base da sua criação e da qualidade dos "cientistas" e "talentos" que projectaram a necessidade do Centro de Arbitragem de Administração Predial.

O Centro foi uma verdadeira inutilidade. Para além de não ter contribuído para a difusão e promoção da arbitragem, serviu para se perder tempo e gastar dinheiro, e é demonstrativo da necessidade imperiosa de ser conferida racionalidade à decisão político-administrativa, coisa que há mais de uma década estava prescrita na RAEM.

Ho Iat Seng vai, pois, por bom caminho. Espera-se que continue, para já, no processo de eliminação de inutilidades, apêndices e excrescências antes de reformar de alto a baixo a pesada, e em muitos casos ineficiente, estrutura da administração pública de Macau. A ver se isto começa a funcionar.

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corona

por Sérgio de Almeida Correia, em 23.01.20

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Houve tempo em que corona era nome associado a uma marca de cerveja mexicana. Ou a charutos. Nos dias de hoje é sinónimo de perigo, medo, epidemia, susto, por vezes também de morte. O coronavírus, nas suas diversas variantes, é o perigo que aí anda à solta. Mesmo que não se queira corre-se o risco de lhe dar boleia. E de o disseminar com a ajuda da globalização e da irresponsabilidade.

Nos últimos anos não há doença que não chegue a Macau e a Hong Kong transportada pelas dezenas de milhões vindos do continente chinês e que anualmente visitam estes territórios. Os anos de socialismo puro e duro só trouxeram miséria e foi preciso esperar pelo processo de reformas e abertura de Deng Xiao Ping para que alguma coisa melhorasse e se corrigissem erros crassos em que o regime laborava e se recusava a reconhecer.

No entanto, a mentalidade manteve-se, e se há coisa que o regime, com ou sem abertura, não conseguiu incutir na população foram hábitos saudáveis de higiene. Em Macau, o problema também existe, mas com menor dimensão.

O Presidente Xi já tinha chamado a atenção para a necessidade de ser melhorada a higiene global do país, começando, evidentemente, pelas casas de banho. De cada vez que surge uma epidemia percebe-se imediatamente que o problema está nos baixos padrões de higiene e saúde pública e nos maus hábitos da população. A tradição, neste caso a porcaria, continua a ter muita força, e a ser exportada. A melhoria dos níveis económicos e a criação de riqueza trouxeram novos hábitos de consumo; não trouxeram educação e higiene.

E depois há um sempre presente problema de secretismo, de excesso de burocracia, e uma cultura permanente de medo, de negação da verdade e da realidade, também de irresponsabilidade e de falta de transparência. Como isso começa logo nas declarações oficiais dos principais responsáveis, depois vem por aí abaixo até chegar aos centros de saúde e hospitais que estão longe das grandes metrópoles.

Parece que, finalmente, em Macau, há alguém que mande na Saúde e no Turismo.

Depois da surrealista conferência de imprensa de imprensa de ontem dos SSM, onde o ponto alto e mais sensato foi a intervenção daquele especialista que lembrou que o problema não era de máscaras mas de limpeza, e em que se chegou ao ponto de afirmar que só os residentes teriam direito a máscaras (como se os não-residentes não fossem gente como todos os outros), em mais uma decisão ao arrepio da letra e do espírito da Lei Básica, discriminando onde não pode haver discriminação e fazendo-o de forma tão imbecil que se iria permitir aos não-residentes eventualmente infectados que continuassem a transmitir alegremente os vírus que transportassem, que adoecessem e causassem problemas a todos, vieram hoje dar o dito por não dito. Ainda bem que alguém deu a tempo por mais essa asneira, porque um erro desses nem sequer podia ter existido.

A interrupção de voos e de ligações devia ter sido, desde logo, prevista, bem como a suspensão de eventos festivos e outras manifestações susceptíveis de provocarem a concentração de multidões, pelo que é de saudar a decisão do Governo da RAEM. Os residentes de Macau andam há anos a pagar o preço da irresponsabilidade pelo que é bom saber que o Chefe do Executivo e a nova Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura tiveram o bom senso de se imporem, evitando que os SSM e a DST continuassem a disparatar. Se não se pode fechar as fronteiras com a Pátria, ao menos que se impeça os patriotas de espalharem o vírus.

E depois de passada a crise e da entrada novo Ano Lunar, talvez seja tempo de se aproveitar o calendário do zodíaco chinês para se começar a tratar dos ratos que por cá correm. Alguns já perceberam que está na hora de debandar, mas para os mais obesos, com dificuldade em mexerem-se, o melhor mesmo é dar-lhes umas pauladas no lombo, em sentido figurado, claro, para ver se a RAEM os consegue apanhar e metê-los numa bacia com água e sabão, para os esfregar bem e vaciná-los antes de começarem uma dieta de sólidos.

E, finalmente, quanto à meta dos 40 milhões de turistas/ano que a DST tão ardentemente anseia atingir, só se pode dizer uma coisa: tenham juízo. Curem-se.

Entretanto, Bom Ano do Rato para todos vós. E protejam-se.

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perspectivas

por Sérgio de Almeida Correia, em 13.01.20

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(Philip FONG / AFP)

Os tempos que aí vêm vão ser muito difíceis. Dentro e fora da China.

Para quem vive neste canto tranquilo, “super-vigiado”, controlado e policiado, e cada vez mais poluído do império do Meio, os acontecimentos dos últimos meses e dias não nos podem ser indiferentes. Seria bom, por isso mesmo, que todos estivessem conscientes das dificuldades que vamos enfrentar.

Estamos a assistir aos primeiros resultados a que conduziu a reforma constitucional de 2018, saída do XIX Congresso do PCC. Como muitos se recordarão, em Outubro de 2017 foi aprovada a linha de rumo a seguir nos anos seguintes, tal como desejado pelo Presidente Xi Jinping e a elite dirigente.

Os últimos anos reforçaram o poder do Presidente, tornando-o num dos magníficos cuja doutrina mereceu assento constitucional e implicou, a coberto de uma pretensa vontade de acertar o período de exercício dos mandatos do Presidente da República e do Secretário-Geral do PCC, a eliminação da proibição do exercício de mais do que dois mandatos consecutivos no cargo de Presidente da República.

Como não existia limitação de mandatos para o Secretário-Geral do partido, em vez de se manterem as coisas como estavam, ou então de também se limitarem os mandatos do Secretário-Geral, alinhando-os com o de todos os restantes dirigentes dos principais órgãos de Estado, cujos termos continuam a ter acolhimento constitucional, optou-se por satisfazer a vontade do Presidente dando-lhe carta branca.

Sabemos que o combate à corrupção recebeu um forte impulso interno e o controlo da fuga e branqueamento de capitais reforçou-se, o que também contribuiu para o início de uma limpeza do aparelho central, regional e local que, todavia, ainda necessita de continuar e de se aprofundar a todos os níveis para que se acabem de vez com os maus hábitos do laissez faire anterior.

A personalidade forte e o carisma do Presidente Xi, que é ao mesmo tempo cultivada com uma aura simpática e bonacheirona, tem-lhe granjeado crédito e prestígio interno e externo. No entanto, se nesta última vertente isso é por demais compreensível, atento o estatuto que a RPC aspira vir a desempenhar na cena internacional, é na frente interna que se avizinham as maiores dificuldades da liderança chinesa. E não serão os inflamados, e cada vez mais distanciados da realidade, editoriais e artigos do China Daily, da Xinhua ou do Global Times que irão transformar más decisões em boas políticas.

Na verdade, toda a gente já percebeu, incluindo os mais fiéis, acríticos e submissos, que o desastre (não há que ter medo das palavras e continuar a escamotear a realidade) do princípio “um país, dois sistemas”, em Hong Kong, foi o resultado da intransigência e da falta de visão estratégica e política dos responsáveis pelos assuntos da Região vizinha, aliada a uma ostensiva incapacidade de obter conselho junto de gente informada, com capacidade, lealdade, espírito crítico e conhecimento da realidade social; preferindo-se antes ouvir a desde sempre desinteressada, egoísta e oportunista oligarquia política-empresarial local, que se curva hoje a Pequim da mesma forma como antes dobrava a espinha perante a potência colonial, procurando aproveitar o melhor dos dois mundos para se safar e aos seus. Nada de novo.

A entrega a essa visão mesquinha, comprometida com os seus próprios botões e com as corporações familiares e empresariais, só podia dar mau resultado, tanto mais que os seus enviados, tanto para Hong Kong como para Macau, isto é, os representantes oficiais, foram rapidamente capturados por essas elites locais, tornando-se seus íntimos e começando a beneficiar e a gozar os luxos do segundo sistema, não curando devidamente dos interesses de Pequim e das regiões que, de acordo com a velha tese de Deng, seriam também os interesses do PCC e das suas populações.

Os resultados que começam a chegar não podiam ser mais desanimadores: falta de estabilidade ao nível dos representantes oficiais locais em Hong Kong e Macau, maus resultados eleitorais sucessivos nas duas regiões, caos económico e social em Hong Kong, contestação elevada e sempre na rua, embora mais contida em Macau (veja-se o que se passa com os trabalhadores dos casinos, por exemplo), situações agora agravadas com os resultados eleitorais de Taiwan que deixaram de rastos o partido do Kuomintang, reelegendo à primeira volta e sem apelo nem agravo a Presidente Tsai Ing-we do Partido Progressivo Democrático, cujas ideais se encontra nos antípodas de Pequim.

É claro que a reacção da Agência Xinhua, fruto do seu impenitente seguidismo e teimosia, que a leva a ver uma realidade paralela e em perfeito delírio, vindo afirmar a existência de fraude eleitoral, que só ela viu, e que toda a gente logo se percebeu não ser verdade quando se ouviu o discurso do líder derrotado do partido do Kuomintang, e o seu reconhecimento da justeza da derrota sofrida ao apresentar um pedido de desculpa aos seus eleitores, indiciam o mau serviço que alguns órgãos oficiais e oficiosos continuam a prestar ao País e à sua liderança.

Naturalmente que na próxima reunião de Março da Terceira Sessão Anual da Assembleia Popular Nacional, que terá lugar em Pequim a partir do dia 5, muita coisa vai estar em discussão, a menor das quais será a análise da situação económica, da evolução verificada e as perspectivas de futuro. A maior será o acerto de contas dos últimos dois anos e meio.

A conclusão da primeira fase de negociações com os Estados Unidos da América e a assinatura de um novo acordo que abra caminho à melhoria das relações comerciais entre os dois países, libertando alguma tensão acumulada, pode contribuir para uma distensão do ambiente pesado que se vive.

Porém, como ainda esta manhã se viu pela crónica de Alex Lo, no South China Morning Post*, até os mais nacionalistas e patriotas que mantêm algum discernimento e espírito crítico, não se deixando engolir pela retórica oficial, já perceberam que o Partido vai te de pedir responsabilidades à actual liderança pelos resultados insuficientes a que tem chegado.

O sonho da unificação com Taiwan está agora cada vez mais distante; não se adivinham avanços na direcção correcta em Hong Kong, quer pela reafirmação de confiança no actual Governo, que perdeu o controlo da situação, quer pela nomeação de Luo Huining para o Gabinete de Ligação do Governo Popular Central em Hong Kong, um político tecnocrático sem qualquer conhecimento e experiência da realidade do segundo sistema e da forma de actuar que se exige neste para se garantir um módico de legitimidade que permita a realização das tarefas que se impõem, o que não augura grandes auspícios.

Como ainda há relativamente pouco tempo era sublinhado, “the Rule of Law has not been realized, despite the considerable progress made in building a legal system in China in the post-Mao era. In particular, it seems that the Chinese legal system is not moving towards a system in which top Party leaders who violate the law would be equally treated by the law and before the courts as others, and dissidents and others targeted by the regime would be accorded the same fair trials and due process that are accorded to others. It is probably true that China is making progress in extending some form of governance by law and adjudication in accordance with law in some domains of social and economic life. But insofar as the Party reserves the right to intervene selectively in any “politically sensitive” matter or case relating to the Party’s important interests and in which the Party leadership considers it necessary, expedient or desirable to intervene, the system cannot be regarded or described as “Rule of Law”, because Rule of Law is the antithesis of arbitrary power” (Chen, Albert, 2018). Este é um ponto crucial que continua a merecer atenção e que tem vindo a ser descurado, pelo que seria bom que, por exemplo, em relação a Macau fossem enviados alguns “recados” consistentes para alguns dos que agora tomaram posse.

Ninguém espera por aqui uma “caça às bruxas” embora seja evidente que há situações que precisam de ser devidamente esclarecidas. E se for necessário mandar mais alguém fazer companhia a alguns condenados, respeitando escrupulosamente o império da lei, a independência e autonomia dos tribunais, não fazendo interpretações manhosas e abusivas, e fazendo prova com factos cristalinos, então que se mande.   

A população de Macau precisa de reconquistar a confiança nos seus dirigentes. Para que não aconteça o que se está a passar em Hong Kong. De qualquer modo, vamos aguardar para ver o resultado das mexidas que se começaram a verificar.

A nomeação de André Cheong para a Secretaria da Administração e Justiça e como porta-voz do Conselho Executivo, bem como as indicações para as novas pastas da Economia e dos Assuntos Sociais e Cultura poderão vir a revelar-se boas apostas a partir do momento em que dominem os respectivas assuntos.

Há aqui, claramente, um reforço do pragmatismo e a compreensão da necessidade de se realizarem reformas urgentes, controlando o despesismo, a corrupção que continua latente e a medrar na sombra, dando maior transparência e vigor à acção governativa.

A manutenção dos actuais Secretários para a Segurança e Obras Públicas vejo-a como um compromisso com Pequim, mas que ninguém se iluda porque também vão ser pedidas responsabilidades a breve trecho.

Por isso mesmo, é a meu ver totalmente contraditória com esta postura de introdução de mais rigor a nomeação do agora caído em desgraça Alexis Tam, admoestado em público em termos a que não estávamos habituados, para a sinecura de Lisboa e Bruxelas, onde continuará a decidir da aplicação de verbas do erário que acabou há semanas de ser acusado de não saber gerir.

Como incompreensível é a criação de um gabinete para colocar a ex-Secretária Sónia Chan. Quanto a esta decisão continuo a pensar, volvidos todos estes anos, que a fiscalização das contas públicas devia ser feita por um órgão totalmente independente, isto é, entregue a um verdadeiro tribunal, a um verdadeiro tribunal de contas, composto por magistrados e que pudessem fiscalizar com autonomia, informação atempada, transparência e competência a acção do Chefe do Executivo e dos serviços que dirige, já que a AL se tem mostrado incapaz de fazê-lo, em parte também devido à passiva acção do anterior presidente e actual Chefe do Executivo enquanto conduziu os seus trabalhos, e à fraca qualidade geral e impreparação da maioria dos parlamentares.

Convém, finalmente, ter presente o momento delicado e a efervescência que se começa a verificar no sector do jogo, face à indefinição actual. Muitas das apostas feitas por alguns, em termos pessoais, não irão dar os frutos esperados. As apostas em homens, e não em princípios e valores, sempre deram mau resultado. Os bons resultados, quando surgem, são meramente conjunturais, e só se reflectem nos bolsos dos mamões habituais. Basta olhar para o desperdício das terras concessionadas ao longo destas décadas, e para o que serviram e a quem beneficiaram, e o desastre a que se chegou em termos sociais, urbanos e ambientais. 

É por isso de esperar que os novos cadernos de encargos se afigurem mais pesados e rigorosos, e com muito menos poder para as concessionárias, obrigadas como serão a abrir mão de alguns dos seus privilégios para ajudarem à dinamização e diversificação da economia local, contribuindo para a criação de novas oportunidades no sector dos serviços e dos transportes, ajudando a dinamizar a iniciativa empresarial local, quem sabe, e talvez seja isso o desejável, associada a empresas do continente e de outras partes do mundo que transfiram efectivo know-how para Macau, com estruturas tecnologicamente avançadas e bem geridas, o que também implicará uma nova filosofia na contratação da mão-de-obra externa qualificada. Para todas as tarefas. Das mais humildes às mais exigentes.

As concessionárias não podem ser responsabilizadas pela má gestão pública, nem por não terem dado um contributo mais duradouro à RAEM – nenhuma comunidade sobrevive à custa de elefantes brancos. Tivessem-lhes sido dadas as indicações devidas e o resultado teria sido outro. A iniciativa a esse nível tem de partir do Governo. O Governo tem de ter gente e ideias com cabeça, tronco e membros. Chega de artolas.

De igual modo, Macau não pode ficar eternamente prisioneira de uma política de contratação de mão-de-obra que apenas serve os interesses de alguns empresários e de uma meia-dúzia de agências de emprego, que com outro Governo já teriam sido encerradas por manifestamente nefastas ao interesse público, sendo prejudiciais quer a empregadores quer, ainda mais, aos trabalhadores.

Em todo o caso, estas serão contas para outro lençol, pelo que me restará desejar, desde já, votos de bom trabalho ao novo Chefe do Executivo e à sua equipa.

Macau precisa como de pão para a boca de uma boa governança. Espero que o novo CE aproveite o momento e apresente um programa suficientemente sério para conquistar a confiança dos cidadãos.

As ideias do seu antecessor, e a incapacidade de gestão que penosamente se arrastou até final do mandato, só trouxeram atrasos, incómodos, despesa e má gestão, como foi aliás reconhecido na entrevista que o Chefe do Executivo recentemente deu.

Não fosse, como alguém dizia, o investimento feito pelos concessionários do jogo e seríamos hoje um subúrbio de Zhuhai e Shenzhen, tão grande foi a falta de vistas e a má gestão dos dinheiros públicos na última década.

É tempo de arrepiar caminho e de se construir rapidamente algo decente para as gerações futuras.

Algo que não envergonhe o futuro e não desmereça a confiança depositada e reforçada nos residentes por ocasião da última visita do Presidente Xi Jinping. Tirando, finalmente, partido do contributo que ao longo destes anos foi realizado por algumas das concessionárias do jogo para transportarem a RAEM para um outro patamar. Seria uma pena que tivesse sido em vão e que todo esse trabalho se voltasse a perder por falta de adequada planificação, provincianismo e incapacidade da Administração Pública, enredada nas suas burocracias, em realizar o básico.

A começar pela limpeza da cidade e pela purificação do seu ar e das suas águas. Para que todos nos sintamos melhor na nossa pele.   

 

* “(...) Beijing must readjust its cross-strait-policies”; “Beijing old game of playing nice with the KMT and rough with Tsai’s Democratic Progressive party no longer works. In fact, it has become counterproductive”; “Beijing must learn to work with both parties, no matter which one is in power”; “Beijing should stop thinking about Taiwan in terms of Hong Kong and vice versa”; “After 2047 when the guarantee of 50 years of no change ends, China can do whatever it likes in the city. In other words, Beijing can make all the mistakes possible and still gets to keep Hong Kong, even if the city is reduced to wasteland”; “One country, two systems is dead as political option for the island voters”; “the diplomatic isolation of Taiwan is a pyrrhic victory for Beijing (…)”(SCMP, 13//01/2019, 2)  

(texto editado para correcção de gralhas)    

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aniversário

por Sérgio de Almeida Correia, em 20.12.19

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HÁ VINTE ANOS EM TRABALHO DE PARTO

Quando há vinte anos se cumpriu o (desde sempre) irreversível destino da reunificação de Macau com a velha China, todos os residentes permanentes da RAEM estavam cientes de que seria apenas uma questão de tempo até que o sentido das coisas começasse a mudar.

A transformação social, cultural e política que estava associada à mudança de governo, e as dificuldades da transição, por vezes em questões tão básicas como a localização de quadros e a continuidade do português nas instituições oficiais, isso mesmo indiciavam.

Porém, mais do que a acordada e prometida permanência dos instrumentos jurídicos negociados entre Portugal e a China, e as garantias dadas por esta quanto à continuidade da nova Região Administrativa, com um “elevado grau de autonomia”, importava dar tempo ao tempo para se ver como a vida da comunidade dos que já cá estavam se iria processar, e a afirmação da nova RAE na grande nação chinesa aconteceria.

Volvidos estes anos, é de justiça afirmar-se que a RAEM cresceu, desenvolveu-se, enriqueceu, o que já não é pouco tendo em atenção os tempos conturbados que vivemos, em especial desde o dia 11 de Setembro de 2001. Dia em que a liberdade e a segurança de todos nós, onde quer que estejamos, mudou.

Quem aqui vivia por cá continuou. Outros que haviam partido regressaram. E chegou gente nova, gente sem história, sem passado, sem verbo e sem distância. Gente desenraizada; uns vindos do interior da China, outros da Europa, dos EUA, da Austrália, e mais alguns montanheses que ainda estamos todos para descobrir de onde é que vieram, e que também por aqui se instalaram beneficiando da hospitalidade local e da indiferença de quem nos governava, comportando-se como se fossem os donos disto tudo, olhando com desdém e indiferença para quem cá estava e, mal ou bem, falava cantonense, patuá, português, inglês ou uma qualquer língua de trapos.

Ao contrário do que aconteceu em Hong Kong, apesar de integrada na RPC com mais de dois anos de antecipação em relação a Macau, a população daqui não cresceu 10% em vinte anos. Foram mais de 50% os que para aqui se predispuseram a vir acampar, dividir apartamentos, repartir camas, beliches e esteiras, mesmo com as perseguições ao AirBnb e à Uber, o que sendo suficiente para criar fortes desequilíbrios sociais, alimentar tensões e, aos poucos, desidentificar e fomentar a descaracterização da região, não deixou de ser, pelo que tenho ouvido, mais um grandioso sucesso do princípio “um país, dois sistemas”.

Cientes da importância das mudanças, e nalguns casos também da sua necessidade, tal o atraso em que nos deixou a defunta administração colonial militar, que até ao fim, não obstante a sua incontornável cegueira e propensão para o esbulho, recebeu as contemporizadoras bênçãos de Soares, de Sampaio e daquele sujeito que em 2006 viria a ascender à Presidência de Portugal, os residentes de todas as etnias e credos ergueram bem alta a bandeira da esperança e aguardaram o devir dos tempos.

Ao impulso dado pela pragmática e arrojada visão do primeiro Chefe do Executivo, ao tempo apoiado por uma Assembleia Legislativa que, dirigida por Susana Chou, não descurava a sua função fiscalizadora, apesar do desequilibrado sistema de checks and balanceslegado pela Lei Básica, e onde em cada dia que passava mais se afirmava o peso de Edmund Ho, sucedeu-lhe alguém com feitio para a procrastinação e cuja ambição estratégica o mais que lhe permitiu, ao longo de uma década, foi forjar uma proposta de lei visando proteger e desresponsabilizar, política e criminalmente, uma clique de titulares de cargos políticos, dos desmandos cometidos e dos que viessem a ser cometidos à sombra do novo maná, o que durante uns dias, em 2014, acabou com o tradicional quietude trazendo para as ruas dezenas de milhares de pessoas.  

Tirando isso, e a contribuição dada pelo erário público para o desmedido enriquecimento de uma meia-dúzia de famílias e respectivos compinchas, alguns, entretanto presos, outros ainda a monte; e de mais uns quantos ainda à espera que se lembrem de lhes pedir contas sobre a obra legada, pouco ficará que seja digno de nota. Talvez, com excepção das declaradas caducidades de algumas concessões e daqueles milhões de metros cúbicos de águas residuais que há décadas cavalgavam intrépidos, a céu aberto, para o estuário do Rio das Pérolas. Se com milhões se aumenta o caudal, com outros milhões se fazem as alegrias de todos.

E estes, os milhões, são a parte feita da história, a que não se recuperará nunca, já que aos milhões dos superavits se juntam os milhões da Viva Macau, da Nova Era, do Centro de Ciência, das obras do Museu do Grande Prémio, do solavancos do Festival de Cinema, com passadeira vermelha, evidentemente, para que os novos bimbos que chegam de smoking pela nova ponte do delta possam limpar as sapatilhas. Sem esquecer o novíssimo Hospital das Ilhas, há uma década um símbolo do progresso da terra e da excelência da sua medicina pública, bem como o metro ligeiro, as múltiplas barreiras arquitectónicas, reproduzidas como cogumelos em benefício de quem as fornece, as câmaras e os circuitos de CCTV dos novos pastores, os 13 em final de concessão, enfim, dos “Aos”, dos “Hos”, dos conselheiros cegos, surdos, mudos e carregados de fichas de jogo que ao longo de mais de uma década enxamearam múltiplos conselhos.

Não foi por em Macau se ter saído à rua a pedir o sufrágio universal e a prestação de contas dos governantes que a inflação cresceu, que os preços nos supermercados se tornaram escandalosos em termos internacionais, que doenças quase extintas reapareceram, que as praias estiveram encerradas por causa da cólera, que os ratos se reproduziram, que surgiu legionella em hotelaria de luxo, que os bandoleiros dos táxis prosperaram impunes, que entraram hordas pelas Portas do Cerco, para que uns deambulassem pela Ilha Verde e outros subissem a escadaria de São Paulo, até aportarem aos lupanares instalados nos hotéis da família.

Não foi por em Macau se ter exigido mais transparência nos negócios públicos que se deixou de adjudicar sem concurso, e mal, enquanto uns expatriados acomodados fechavam os olhos à marosca até quando havia concurso. Sim, que a reforma está a caminho e é uma chatice voltar ao ramerrão da pátria. Eles que se desidentifiquem sozinhos. O Estado existe para nos proteger das ameaças externas e internas. A RAEM serve para nos pagar e nos encaixotar, mais aos princípios, aos livros e aos códigos.

É claro que haver hoje quem clame por mais democracia – a pouca que existe, do alargamento do sufrágio à eleição directa de deputados foi legada pelos tímidos colonialistas, também convém recordá-lo nesta hora – é uma desgraça. Pedi-lo uma heresia de lesa-pátria. Uma hipocrisia, diz Sua Excelência, e diz muito bem (vénia, a sua bênção senhor ministro), como se os que antes de 1999 pediram o sufrágio universal para escolherem o Chefe do Executivo e os deputados da AL ficassem inibidos, após 1999, de continuarem a exigi-lo.

Como se isso fosse incoerente, e fosse aceitável, por exemplo, um filho, com capacidade para se sustentar e à família, querer casar-se e o pai autoritariamente dizer-lhe “está bem, mas eu é que vou escolher três raparigas para tu depois escolheres uma delas para casar”. Isto foi proposto do outro lado e há quem acredite ter sido uma proposta razoável.

É claro que um homem decente, um “kota” para os do quimbundo, teria de recusar tão indecente proposta e continuar a clamar pelo seu direito a escolher livremente a noiva, nem que fosse uma gaja qualquer para depois ter de ficar a viver com ela num anexo existente no jardim da casa da família.

Vinte anos passaram num ápice. Mais depressa com a ajuda dos fogareiros e das tinas cheias de água e creolina ordinária que para cá mandaram para nos purificarem da herança colonial sob o olhar atento dos novos capatazes, alguns bilingues até ao tutano, outros trilingues, porque também há os que sempre falam de cócoras para não incomodarem, e usando casaca de duas cores nas ocasiões solenes, verde por fora vermelha por dentro, e vice-versa, dependendo do convidado. Que dá sempre jeito na hora da refeição, quando fecharem as estradas, e chegar a hora da distribuição do saco de ossos aos fiéis, um tipo estar apresentável. E bem cheiroso, não vá a cerimónia ser perturbada pelo cheiro que se eleva de uma ETAR vizinha a transbordar.

As próximas décadas passarão ainda mais depressa. Posso garantir-vos. E com toda a segurança. Em especial na forma como nos aproximaremos do primeiro sistema.

Temos todos o dever de nos empenharmos na realização das encomendas para que nos escalarem, naturalmente que com a compreensão do ministro portuense, pois de outro modo seria hipócrita; a começar pela tarefa de apoio ao reforço da segurança interna, incentivando a que esse desagradável fardo da realização da justiça, da resolução de litígios, seja retirado aos tribunais e entregue a árbitros e mediadores, todos devidamente encartados e generosamente remunerados. Para arbitrarem com segurança. Para que a gente segura se sinta no futuro ainda mais segura na hora de se colocar na fila para receber o subsídio da fundação da praxe.

O que vale é que o tempo voa. Ainda bem. E se patrioticamente daqui assoprarmos ainda será mais rápido o caminho. E seguro.

Não há nada como ter a garantia de que depois de mortos poderemos ir todos arranjadinhos, com um fato de treino preto, daqueles da Versace, cheio de leões e ursinhos dourados, cravejado de lantejoulas, caveiras horrorosas e diamantes certificados na RAEM, levando connosco uma bolsinha L.V., um telemóvel da Huawei, um terço e um livrinho vermelho para afastar os diabos, uma carrada de latas de leite em pó para vender lá em cima e, claro, um ábaco.

Sim, um ábaco, porque dá sempre jeito para que nos sintamos todos seguros, e agradecidos, na hora da cremação, quando começarmos a prestar contas pelos chouriços que andámos a comer, e pelos arraiais que frequentámos, antes e durante o período de transição.

Agora alegrem-se, gentes. E celebrem. Cada um com o seu copo de maotai. Só faltam vinte e nove anos. Se isto continuar a ser um sucesso ninguém dará pelos anos que faltam. Nem pelos turistas. É preciso continuar o trabalho de parto. Crescer é glorioso, ricos já somos.

A nova Longa Marcha ainda está a começar. O paraíso é já ali.

E nós, residentes, felizes, seguros e todos identificados. Demos graças a Deus.

 

(texto publicado no suplemento da edição de 20/12/2019 do Ponto Final)

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cardinal

por Sérgio de Almeida Correia, em 20.11.19

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No mesmo dia em que o High Court da região vizinha, sem vacilar, se pronunciou sobre a inconstitucionalidade da "lei anti-máscaras" do governo de Hong Kong, numa reafirmação clara do princípio da separação de poderes, do rule of law e da autonomia da Região, foi finalmente lançado publicamente o livro "Lições de Procedimento Legislativo no Direito Parlamentar de Macau", a última obra de Paulo Cardinal.

O espaço foi a Livraria Portuguesa, tendo o Ricardo Pinto feito as honras. A comunicação social não faltou. Gostei de ver a casa cheia. Gostei de ver o autor, insigne jurista e académico que durante mais de duas décadas deu o seu contributo ao direito de Macau, em especial quanto à sua produção legislativa, acarinhado por actuais e antigos colegas, amigos, também alguns magistrados; por gente que não se distingue pela língua, pela classe social, pela etnia ou pela nacionalidade, mas que tem em comum o amor a Macau e ao Estado de direito, o apego à defesa dos valores que enformam o princípio "um país, dois sistemas" e o reconhecimento pelo trabalho dedicado e sério em prol do progresso, em defesa do que distingue a civilização da barbárie, e do verdadeiro engrandecimento das gentes da terra.

A apresentação, informada e competente, foi do Pedro Sena, outro ilustre jurista que deu o seu melhor a Macau durante vinte cinco anos, que dentro de dias partirá para outros voos e a quem desejo os maiores sucessos na sua próxima jornada.

Quanto ao livro, convém lê-lo para se aprender alguma coisa, lamentando-se apenas que tenha sido necessário fazer uma edição de autor para que aquele chegasse ao grande público.

Nestas alturas, e também quando se trata de prestar uma singela homenagem a outros que dentro e fora dos tribunais muito deram a Macau e ao seu direito e que na hora da despedida são ignorados, é que se vê o empenho desse mecenato do direito de Macau e das arbitragens que para aí anda a cortar fitas de flor ao peito. A sua verdadeira especialidade.

Quando se tratou de publicar uma obra essencial, a única até hoje produzida sobre o processo de produção legislativa em Macau, fundamental para se compreender a forma como se articulam na RAEM o poder executivo e o legislativo e o papel desempenhado pela Assembleia Legislativa no sistema actual, desapareceram todos. Eles e os patrocínios. O seu nome jamais ficará gravado nas colunas do templo. 

Gente sem visão, interesseira, com pouca vergonha e muito dinheiro, o máximo a que pode aspirar é a ter o seu nome gravado em livros de cheques. Pagos, naturalmente. Como as honras em vida. O esquecimento virá logo a seguir e durará o tempo da Eternidade. Convém lembrar-lhes.IMG_4417.jpg

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excelência

por Sérgio de Almeida Correia, em 16.09.19

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A saúde que é ministrada pelos serviços sob a tutela de Alexis Tam continua a dar provas de que o seu desajustamento da realidade é notável. Os serviços prestados são o espelho de quem os dirige.

Os prazos que são cumpridos, a dificuldade que é arranjar uma consulta urgente num especialista (a propósito: quantos especialistas já chegaram das dezenas cuja contratação foi anunciada?) ou realizar um exame continuam a aproximar-se rapidamente dos piores padrões a nível mundial. 

É claro que depois se pode contratar uma empresa qualquer vinda do exterior, normalmente bem paga, para carimbar a "excelência" da incompetente burocracia oficial, mas os doentes que aguentem.

Uma pessoa está com um problema do foro dermatológico a necessitar de resolução urgente, vai a um Centro de Saúde, emitem-lhe uma requisição para um dermatologista do Centro Hospitalar Conde de S. Januário e agendam-lhe a consulta para daí a uns meses. Solução: ir ao privado antes que a coisa se agrave e alastre ainda mais.

Ontem chegou-me mais um exemplo dos medíocres serviços que são prestados: um tipo queixa-se de dores no estômago há vários dias, foi duas vezes às Urgências, depois vai ao Centro de Saúde, mandam-no fazer uma endoscopia imediatamente, emitem-lhe uma requisição e o exame é agendado pelo CHCSJ para Outubro ... de 2020!!! Sim, não é engano. Até lá o paciente pode sofrer e morrer, se for o caso, com a maior tranquilidade.

A seguir, esse desgraçado em vez de ficar mais de um ano à espera, resolveu ir perguntar ao Hospital Kiang Wu se lhe podiam fazer o exame. Claro que lhe fazem o exame num prazo curto, mas as centenas de milhões que recebem da RAEM não chegam para reduzir o custo de uma endoscopia  pela qual cobram vários milhares de patacas.

A única solução para contornar o problema e que continua a funcionar é a tão colonial "cunha". 

Em vinte anos, a saúde pública de Macau em vez de se aproximar dos padrões de Singapura ou da Suíça ficou cada vez mais próxima do que se faz nos países mais atrasados, naqueles onde não há recursos públicos disponíveis para fazer face às necessidades da população. Mais uma vergonha patriótica em matéria de gestão de recursos e prestação de serviços à população numa região que caminha para ter o PIB per capita mais elevado do mundo.

O futuro Chefe do Executivo devia pensar nisto antes de pensar em reconduções.

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silêncio

por Sérgio de Almeida Correia, em 28.06.19

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(créditos: Ponto Final)

Há muito que se afigurava inevitável. E o inevitável chegou ontem por via do Comité Disciplinar da FIFA. Dez mil francos suíços de multa e derrota na secretaria por 3-0, perante uma selecção perfeitamente ao alcance de Macau, por violação do art.º 5.º da Taça do Mundo de 2022 e do art.º 56.º do Código Disciplinar da FIFA.

À desonra, à vergonha, soma-se agora o silêncio. O silêncio dos responsáveis pelo futebol da RAEM, que a esta hora já deviam ter apresentado a sua demissão por manifesta falta de vocação e competência para o exercício das funções em que foram investidos. Deles e dos responsáveis governamentais pela área do desporto.

Será que o Chefe do Executivo, que Alexis Tam ou Pun Weng Kun sentem alguma vergonha pelo que aconteceu com a Selecção de Futebol de Macau? E ainda assim entendem nada dizer perante o que aconteceu? Logo eles que estão sempre prontos a agitar o papão da lei até para justificarem a sua própria inércia? E o Dr. Alexis como explica que seja exactamente no Egipto, que ocupa, juntamente com o Sri Lanka e a Turquia o nível 2 de alerta de viagens da Direcção dos Serviços de Turismo, que se esteja a realizar a CAN 2019, o Campeonato Africano das Nações? 

Posso compreender, perante tantos e tão promíscuos que são os interesses que envolvem a política, o desporto e os negócios locais, que seis anos depois dos primeiros alertas internacionais ainda o Governo da RAEM não se tenha preocupado, nem se preocupe, em apresentar uma proposta de lei na Assembleia Legislativa destinada a criminalizar o tráfico de influências. Ninguém quer que a RAEM pare para ter a sua elite empresarial e política no xilindró*, fazendo companhia a Ao Man Long e Ho Chio Meng. E todos sabemos que o que aconteceu em Hong Kong com Donald Tsang e outros membros dos Governos de HK seria impensável por cá. Mas, que diabo, uma palavrinha não custava nada.

E permitiria à opinião pública perceber que o facto de haver indíviduos que dependem da casta para sobreviver não os transforma automaticatamente em mudos, nem faz deles tipos intelectual, ética e moralmente eunucos.

Há silêncios que dizem tudo. Como há mínimos para quem exerce funções públicas. Ou devia haver.

 

(* - grafia brasileira, chilindró na grafia da norma portuguesa)

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míssil

por Sérgio de Almeida Correia, em 09.05.19

É natural que o Chefe do Executivo da RAEM, os senhores do Gabinete de Ligação e o Governo Central não gostem de ver críticas à má governação de Macau, em especial quando aquelas têm origem em residentes chineses ligados ou próximos dos movimentos pró-democráticos, em pessoas da comunidade macaense ou em expatriados portugueses ou de qualquer outra nacionalidade.

Se quanto a estes ainda podem dizer que "são do contra", já o mesmo será mais difícil de afirmar quando os críticos sejam cidadãos chineses ligados às associações tradicionais próximas do Partido Comunista Chinês, cujo patriotismo é sobejamente reconhecido, enaltecido e aplaudido pelo poder político de cá e de lá.

Tornam-se por isso cada vez mais indisfarçáveis os sinais de mal-estar que nos vão chegando, quase diariamente, destes sectores que constituem o grosso da população de Macau e que de há muitos anos a esta parte são os alicerces das políticas oficiais.

Desta vez, e na linha das críticas anteriormente veiculadas pela sua colega de bancada na Assembleia Legislativa, Ella Lei, li no JTM as declarações do deputado, eleito pelo sufrágio directo, Leong Sun Iok. Recorde-se que este deputado integrava as listas da União para o Desenvolvimento (UPD) ligada à Federação das Associações dos Operários de Macau. Povo chinês, portanto, gente patriota que trabalha, que não vive da especulação imobiliária e dos casinos, nem dos cambalachos habituais.  

E que disse Leong Sun Iok?

Apenas que "a sociedade espera que o novo Governo acabe com os maus hábitos, contribuindo com o seu melhor para governar Macau e criando uma nova imagem do Governo”, que a capacidade de governação não conseguiu acompanhar o ritmo do desenvolvimento, dando origem a “vários conflitos e problemas sociais”, sublinhando que "os residentes continuam muito insatisfeitos com a má governação e a falta de integridade", com o desenvolvimento urbano, com o sistema jurídico, com a fiscalização financeira, com a formação de talentos, com a legislação laboral, com a habitação, com o trânsito e a distribuição das receitas". Ou seja, com quase tudo. Notável.

Como se o que disse não fosse já suficiente, ainda se referiu a "actos ilegais" que deram origem a situações de “corrupção, abuso de poder e prevaricação por parte de titulares dos principais cargos e chefias dos serviços públicos”,  para concluir que "a sociedade espera que o novo Governo faça uma revisão e resolva as insuficiências do passado, reforce a aplicação das políticas e resolva os problemas relacionados com a economia e a vida da população, que reforce especialmente a construção de uma cidade íntegra e resolva o problema dos dirigentes que nada fazem ou actuam à toa”.

Eu fico satisfeito por ver isto dito de forma tão clara por um residente de Macau, chinês, patriota aos olhos de Pequim e eleito pelo sufrágio directo no ano em que se celebram 20 anos de integração na RPC. 

As declarações de Leong Sun Iok devem ter feito corar de vergonha o Chefe do Executivo e os senhores do Gabinete de Ligação porque será difícil continuar a tapar a realidade com uma peneira ou acusá-lo, e aos milhares de operários que a federação representa, de anti-patriotismo.

Leong Sun Iok disparou um míssil que deverá servir de aviso a Pequim sobre o que Macau e os seus residentes esperam do próximo Chefe do Executivo. É que se este vier a ser, como tudo indica, o até agora único candidato que se apresentou, estaremos perante mais um tiro no princípio "um país, dois sistemas", embora aquele possa ter o apoio dos acomodados e subservientes da praxe que vêm nele um talento de proporções bíblicas.

Sem alguém com capacidade política (repito para os mal intencionados: política), vontade ou liberdade para mudar o actual estado de coisas e cumprir os desígnios de Pequim em matéria social, sem alguém que esteja suficientemente distante dos lobbies e dos interesses dos baronetes locais que têm (des)governado a RAEM e permitiram que se chegasse ao estado actual de insatisfação geral, será muito difícil mudar.

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integridade

por Sérgio de Almeida Correia, em 30.04.19

HM-30-4-19-1.jpg

Volvidos oito meses sobre a data em que de forma totalmente inusitada lhe foi comunicada, bem como ao seu ilustre colega Paulo Cabral Taipa, a não renovação do seu contrato de trabalho na Assembleia Legislativa de Macau, Paulo Cardinal veio finalmente quebrar o silêncio a que a si próprio se tinha imposto para deixar assentar a poeira, arrumar as ideias e começar a preparar o seu futuro e o dos seus.

Passado o imprescindível período de nojo, no mesmo dia em que o Presidente da República desembarcará em Macau, para um curta visita de cerca de 12 horas, é publicada a entrevista dada pelo insigne jurista e constitucionalista aos Jornais HojeMacau, Macau Daily Times e à TDM – Televisão de Macau (aqui um extracto apresentado no Telejornal de 28/04/2019).

Trata-se de um verdadeiro documento que deverá ser analisado com a devida atenção pelos titulares do poder político que têm a obrigação, indelegável, de fiscalizarem o cumprimento da Declaração Conjunta Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau, tratado internacional que vincula Portugal e a República Popular da China, bem como lido à luz da Lei Básica da RAEM, a mini-constituição outorgada por Pequim.

Se dúvidas houvesse sobre a forma vergonhosa como os dois mais antigos e experientes assessores da Assembleia Legislativa de Macau foram afastados, elas ficam agora totalmente dissipadas e na primeira pessoa.

Paulo Cardinal volta a prestar um indiscutível serviço ao Direito de Macau, à RAEM e aos seus residentes, a Portugal e a todos os seus cidadãos, juristas, magistrados, advogados e assessores que aqui laboram, de modo digno, sério e frontal, tal como à R.P.C. e aos que neste país se preocupam com a vigência do "segundo sistema" e a sua imagem internacional.

E fá-lo com a elevação, a dignidade, a transparência e o carácter a que a todos habituou, durante cerca de três décadas, dando-nos mais uma prova de toda a sua grandeza e humildade.

Um exemplo que tem de ficar aqui registado. Porque a integridade dos homens decentes não é negociável.

 

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aterradora

por Sérgio de Almeida Correia, em 28.03.19

CESL-Asia_Booth-O15.jpg

(foto Macau Daily Times)

Oportuna e corajosa. É o mínimo que se pode dizer da entrevista dada pelo Presidente da CESL-ASIA e publicada no jornal Macau Daily Times, no mesmo dia em que se inicia o Fórum e Exposição Internacional de Cooperação Ambiental de Macau, conhecida em inglês pelo acrónimo MIECF (Macau International Environmental Cooperation Forum and Exhibition).

Já todos, os que aqui residimos, sabíamos da situação ambiental assustadora que se vive em Macau. E da forma como a incompetência se foi arrastando ano após ano, sem que os enfeudados às famílias e poderes tradicionais e aos seus negócios tomassem as medidas apropriadas para defesa do interesse público. De tal forma que para se exercer o poder e manter o status quo se conseguiu arruinar a qualidade de vida dos cidadãos de Macau, aquele que era o seu bem mais precioso, transformando o seu dia-a-dia num inferno poluído, sujo, doentio e mal cheiroso.

Inferno que, embora possa ser mascarado, a bem dizer envergonha localmente a República Popular da China e o Governo Central. E é uma humilhação para Macau e as suas gentes quando vê a sua governança colocada ao lado de uma cidade como Shenzhen, que com muito menos milhões e sem os recursos proporcionados pelo jogo, é incomparavalmente melhor gerida, e onde não existem os aterradores problemas ambientais de Macau, lugar em que até os peixes, dizem os serviços oficiais, morrem aos milhares por falta de oxigénio na água.

Triste, muito triste e revoltante.

Do que foi dito por António Trindade retive algumas considerações que, pela sua pertinência e manifesto interesse público, aqui traduzo, desde já me penitenciando por qualquer lapso de tradução:

"Eu diria que mais de 80% da água de esgoto produzida em Macau é descartada, sem tratamento, em águas costeiras, e isso significa que não há possibilidade de uma economia marítima. Mas o problema é muito mais amplo, porque não são apenas os peixes que morrem. É que depois surgem problemas de saúde como, por exemplo, gastroenterite, que aumentam quando ocorrem tufões e inundações. Toda essa poluição afecta o meio ambiente e o lugar em que vivemos”;

"Infelizmente a situação está a deteriorar-se e precisamos de ter uma solução";

Essa poluição não aparece por acaso; ocorre porque nenhuma das estações de tratamento de esgoto [ETARs] funciona adequadamente, e está provado que a Administração sabe disso há muito tempo e confunde a opinião pública sobre a verdadeira situação”;

"Trindade observou que, ao contrário da poluição resultante dos resíduos plásticos, o impacto das águas residuais não tratadas tem consequências diretas e imediatas, embora a maioria da população não tenha consciência da gravidade da sua exposição";

Não estamos falando apenas de gastroenterite, há muitas coisas envolvidas. Houve explosões ocorrendo no esgoto de Macau há alguns meses [devido a concentrações de gás metano], o que poderia ter conseqüências muito piores ”. O CEO da CESL Asia também disse que outros casos estão sendo relatados. Por exemplo, as pessoas que ficam intoxicadas por gases residuais em suas próprias casas são uma situação que normalmente ocorre durante a noite, quando há menos uso da tubulação de esgoto, disse ele. "O mesmo acontece com as toneladas de peixe que morrem a cada semana ou mais e a administração responde que isso se deve à falta de oxigênio, que é uma afirmação quase grotesca." "As pessoas comuns provavelmente não sabem, mas os especialistas sabem que a falta de oxigénio é um termo técnico para a poluição extrema";

Há 15 anos, Macau era considerado um centro de excelência em termos de infra-estrutura ambiental pública. Os problemas foram claramente identificados, mas infelizmente nada mudou ”;

"(...) passados mais quatro ou cinco anos, não há ETAR e não o teremos - pelo menos nos próximos três ou quatro anos. Então, o que estamos vendo é um atraso que chega a quase 10 anos, algo completamente impensável ”;

Macau não pode ser transformada em um Centro Mundial de Turismo e Lazer para a Grande Baía em condições tão precárias”. 

Recorde-se que o número dois da CESL-ASIA, e também seu accionista de referência e membro do Conselho de Administração, é o antigo deputado Dominic Sio, actualmente membro do 13.º Congresso Popular Nacional da RPC.

Dada esta sua qualidade, responsabilidades que tem na RAEM e perante a sua população e inerente sentido patriótico, certamente que não deixará de colocar ao corrente do que se está a passar em Macau a liderança chinesa em Pequim, a qual deverá extrair todas as consequências do trágico quadro actual (que deverá incluir ainda uma análise séria sobre a situação da saúde pública local, em que inclusivamente doenças praticamente erradicadas aparecem em força e numa instituição hospitalar privada largamente subsidiada pelo Governo) quando chegar o momento de emitir as suas "instruções" para a escolha do futuro Chefe do Executivo.

Se ao quadro ambiental actual juntarmos aquele que foi apresentado pelo Comissário Contra a Corrupção (CCAC), no seu último relatório, onde se denuncia o aumento de casos de abuso de poder, burlas e fraudes, roubos de materiais e até férias pagas com dinheiros públicos, mais o que se sabe sobre a falta de profissionais qualificados a todos os níveis – de médicos e enfermeiros a motoristas –, atraso e derrapagem nas obras públicas, crítica a diligências de altos titulares para admissão de familiares na função pública, então o panorama na RAEM, em final de ciclo do actual Chefe do Executivo, é o de um verdadeiro filme de terror. 

Uma coisa é certa: persistir nas soluções do passado, apenas porque estas têm o apoio de alguns ricaços maiorais locais, que há muito perderam a vergonha e apenas possuem um sentido patriótico de fachada para garantirem os seus privilégios em prejuízo de todos, só vai servir para agravar os problemas.

Hoje falta na água o oxigénio aos peixes. Em matéria de decisão política e boa administração, a avaliar pelo deserto de ideias, há muito que também vem rareando o oxigénio. Esperemos que amanhã o oxigénio não acabe de vez para todos os outros que não têm culpa nenhuma e que nem sequer podem escolher os seus governantes.

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