Voltar ao topo | Alojamento: Blogs do SAPO
Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Na passada sexta-feira, 11 de Novembro, as autoridades da RPC anunciaram a redução das suas quarentenas para observação médica para um período de cinco dias mais três, sendo os primeiros em hotel.
Como seria de esperar, logo o Governo da RAEM e os Serviços de Saúde de Macau, que, ao contrário do que acontece com os seus homólogos de Hong Kong, seguem acriticamente tudo o que seja feito do outro lado da Porta do Cerco, sem ao menos curarem da respectiva utilidade para Macau, copiaram a decisão do Governo Central e reduziram as quarentenas em Macau, para quem chega de Hong Kong, de Taiwan ou do estrangeiro dos anteriores sete dias mais três (7+3) para cinco dias mais três (5+3).
Aparentemente tratar-se-ia de uma redução. Na prática não é, e isto foi desde logo notado pelo Macau Daily Times e por todas as pessoas que não embarcam na conversa para tontos das autoridades locais. A redução é afinal um aumento de quarentena de 7 para 8 dias.
Na verdade, se antes uma pessoa estava em quarentena sete dias e depois saía, poderia fazê-lo com código amarelo, o que sendo limitativo da sua liberdade de deslocação e para poder levar uma via normal, pelo menos permitir-lhe-ia deslocar-se livremente durante os três dias seguintes sem necessidade de ficar confinado às paredes de uma casa.
Agora, com a tal "redução", as pessoas saem com código vermelho, são obrigadas a ficar em casa, só podem sair para irem fazer testes nos três dias seguintes, os táxis podem recusar-se a transportá-las, não podem andar de transportes públicos, não conseguem sequer ir às compras, caso não tenham nada em casa, e as próprias habitações devem cumprir regras especiais se as pessoas não viverem sozinhas. O único benefício será uma redução do custo do hotel para quem tem de pagá-lo. Mas se houver uma única dessas pessoas que nos três dias seguintes à saída do hotel testar positivo, todos os que o rodeiam, e que vivam na mesma casa e no mesmo prédio, estarão em risco. Os transtornos serão superiores aos benefícios.
É óbvio que esta "redução" não tem qualquer impacto para o turismo, para a melhoria da economia da RAEM ou para a vida das pessoas, servindo apenas a propaganda oficial e para enganar os tolos para quem os SSM continuam a falar nas conferências de imprensa.
A notícia de que pessoas que se encontravam em quarentena no Hotel Tesouro foram avisadas ao fim de sete dias e cerca de quarenta minutos antes da hora prevista para a sua saída de que a sua quarentena havia sido alargada por mais cinco dias é mais uma evidência da arbitrariedade e irracionalidade da gestão epidémica e da política seguida em Macau.
Durante todo o tempo que estiveram em quarentena essas pessoas testaram negativo à Covid-19. Obrigá-las a continuar presas no Hotel Tesouro, em quartos sem arejamento e sem limpeza, não tem qualquer justificação.
Desde logo porque não é verdade que as pessoas em quarentena tenham qualquer contacto com o pessoal do hotel. Este pessoal não ajuda ninguém a transportar as bagagens nem à chegada, quando falam com as pessoas através de um vidro, nem à saída, mantendo-se sempre afastados, sempre a mais de metro e meio, mesmo sabendo que todos tinham acabado de testar negativo e permaneceram durante horas numa sala do aeroporto e depois em quarentena.
Durante todo o tempo de quarentena a única pessoa que contacta com os sequestrados é quem faz as colheitas para os testes de ácido nucleico, mas mesmo esta pessoa vem toda equipada e protegida. As próprias refeições, por sinal de péssima qualidade, são largadas à porta dos quartos. Quando o hóspede do hotel abre a porta do quarto já há muito desapareceu a pessoa que largou a caixa plástica na mesinha que se encontra do lado de fora.
Não foi esclarecido, mas devia ter sido, quais as funções desempenhadas por esse trabalhador e como foi possível testar positivo com todas as medidas de segurança que impuseram.
E também terá de ser esclarecido se os sequestrados terão de pagar um adicional pelo sequestro aos seus sequestradores e qual a razão para que aqueles, ainda que tenham direito à primeira estada paga, tenham de avançar com o pagamento do custo da quarentena até que os senhores do hotel procedam ao reembolso, depois da aprovação pela DST.
É, ademais, particularmente grave que já não seja a primeira vez que hóspedes corram risco de contaminação por parte de empregados de um hotel.
Se uma pessoa em quarentena arrisca ser contaminada pelos trabalhadores que dela cuidam, então isto só quer dizer que as quarentenas dos SSM não são seguras, e que a somar à arbitrariedade, ao custo elevadíssimo, à destruição da economia, aos problemas físicos e psicológicos, agora temos também a insegurança e o risco decorrentes da má governança.
Numa altura em que até o primeiro-ministro Li Keqiang reconhece que os efeitos da política de tolerância zero foram mais graves do que o esperado, e é ordenado que seja encontrado um "equilíbrio entre as medidas de controlo do vírus e a necessidade de dar um impulso ao crescimento", as políticas do Governo de Macau retrocederam décadas, mostrando a falta de talento dos "talentos" que gerem a crise.
Dir-se-ia que esta gente saiu de um episódio dos Flintstones. A desgraça que caiu sobre Macau não podia ser maior.
Ontem ouvi, esta manhã li, que “[o] período de observação médica mantém-se inalterado. Para quem vier de Hong Kong são 14 dias. Quem vier de Taiwan são 21 dias e para alguns países em particular, como Índia, Nepal, Filipinas, Brasil ou Paquistão será prolongado para 28 dias, sendo que para além destes cinco países o período de observação mantém-se nos 21 dias. Se verificarmos um caso positivo de anticorpos, ou seja, sujeitos que tenham sido anteriormente infectados, como foi o caso do cidadão nepalês, iremos solicitar às pessoas que prolonguem o período de observação médica em 7 dias. No caso de quarentenas de 21 dias serão prolongadas até 28 dias e nos casos de quarentenas de 28 dias prolonga[das] até 35 dias”.
De acordo com a informação disponível, o período de incubação varia entre 1 e 14 dias, sendo a média entre 5 e 6 dias.
Informações acessíveis na Internet esclarecem que:
a) Para a OMS (The World Health Organization) o período de incubação do COVID-19 varia entre 2 e 10 dias (fonte: Novel Coronavirus (2019-nCoV) Situation Report-7 - World Health Organization (WHO), January 27, 2020);
b) Para a China’s National Health Commission (NHC) o período de incubação vaira entre 10 e 14 dias (fonte: China's National Health Commission news conference on coronavirus - Al Jazeera, January 26, 2020);
c) Para as autoridades de saúde dos Estados Unidos da América o período de incubação é estimado entre 2 e 14 dias (fonte: Symptoms of Novel Coronavirus (2019-nCoV) - CDC);
d) Para a DXY.cn, um grupo de médicos chineses e profissionais de saúde da primeira linha, fala-se em períodos de incubação de 3 a 7 dias, até 14 dias.
Em Macau, talvez porque houve um caso no exterior em que o período de incubação foi de 21 dias, resolveram alargar desmesuradamente, sem qualquer apoio científico sólido, e transformando uma excepção em regra, o período de quarentenas.
Se uma decisão dessas fosse tomada por um chefe de posto, no tempo colonial, em Morrumbala, ainda poderia compreendê-la? Mas em Macau, em 2021?
Pois, é assim que estamos.
Enquanto em Macau no pasa nada, seguindo o rebanho tranquilo e contente, ali ao lado, em Hong Kong, começam a ser muitas as vozes críticas relativamente à gestão da pandemia e à obrigatoriedade de se fazerem 21 dias de quarentena.
Quanto a este ponto, um texto no South China Morning Post, que mereceu a minha atenção, sublinhava o facto de um conselheiro do Governo de Hong Kong (Professor David Hui Shu-Cheon) se ter atrevido a aventar a hipótese do período de quarentena, que está fixado em 21 dias, poder ser aumentado para 28 dias.
Ao mesmo tempo, um seu colega, Albert Au Ka-wing, médico e o principal epidemiologista responsável pelo Centre for Health Protection de Hong Kong, terá chamado a atenção para o facto de não serem conhecidos períodos de incubação do vírus superiores aos 14 dias, o que colocaria em causa a necessidade de se fazerem quarentenas de 21 e mais dias, devendo as pessoas serem testadas e "libertadas" do cativeiro no final das duas semanas.
E se do ponto de vista científico são questionáveis as razões para quarentenas tão prolongadas, coisa que em Macau ainda não vi nem ouvi ninguém questionar, também se verifica que mesmo nos países ou regiões em que a COVID-19 foi mais bem controlada não se impuseram quarentenas com tal extensão.
As razões para que a situação continue estagnada entre nós são cada vez menos razoáveis de um ponto de vista económico, social e sanitário quando é a própria Secretary for Food and Health do Governo de Hong Kong, Professora Sophia Chan, que expressamente diz ao Legislative Council, na sequência de uma questão colocada por Holden Chow, que o executivo de que faz parte está empenhado em alargar o programa Return2hk Scheme a partir de meados de Maio para os residentes de Hong Kong e Macau sem sujeição a quarentenas compulsórias e desde que preenchidos alguns requisitos.
Enquanto não se sabe quais são esses requisitos, seria interessante perguntar ao Governo da RAEM até quando pretende prolongar a actual situação para quarentenas de 21 dias, cujas razões para a sua manutenção se afiguram cada vez menos cientificamente justificáveis à medida que avança o programa de vacinação, o qual só não evolui mais depressa porque os Serviços de Saúde e o Governo da RAEM não conseguem convencer a população a vacinar-se.
Uma vergonha porque além do mais as vacinas são um bem escasso e que escasseia em quase todo o mundo, pelo que não se compreende qual a dificuldade em motivar a população e acelerar o programa de vacinação.
Este último ponto coloca uma outra questão: se o Governo da RAEM não consegue convencer os residentes de Macau a fazerem uma coisa tão básica e fundamental para a sua própria saúde, bem-estar e melhoria da sua vida colectiva, como seja levá-los a voluntariamente vacinarem-se numa situação de pandemia, então como conseguirá convencer a população de alguma coisa quando em causa estiverem decisões e medidas que não afectem directamente um bem tão precioso como é a sua saúde?
No lugar do Chefe do Executivo, dos membros do governo ou na pele de alguns deputados, eu estaria muito preocupado.