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eleições

por Sérgio de Almeida Correia, em 20.02.24

Bolteim Voto 2024 legisaltivas.jpg

Enquanto não for operada uma reforma da legislação eleitoral, que mantendo a segurança diminua a burocracia, reduza custos e assegure maior rapidez do processo de votação e escrutínio, lá começaram a chegar as cartas da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna contendo a documentação necessária ao exercício do direito de voto por correspondência, por parte dos cidadãos residentes no estrangeiro, para as eleições legislativas de 10 de Março.

Pode ser que desta vez, não havendo mais feriados e greves pelo meio, sejam contabilizados os milhares de votos que nas últimas eleições ficaram por contar.

Entretanto, gostaria de perceber qual a razão para que nos boletins de voto os nomes dos partidos e coligações que se apresentam a sufrágio surjam nalguns casos só em maiúsculas.

Quem olha para o boletim não pode ficar indiferente, visto que aquelas saltam de imediato à vista e, nessa medida, as forças concorrentes que têm o seu nome impresso exclusivamente em maiúsculas acabam por ser favorecidas.

Desconheço qual seja a magna razão que leva a que nos boletins de voto os nomes de "Nós, Cidadãos!", "Reagir Incluir Reciclar", "Bloco de Esquerda", "Iniciativa Liberal", "Juntos pelo Povo", "Ergue-te", "Partido Socialista" e "Volt Portugal" não surjam grafados nos mesmo termos em que aparecem "ALTERNATIVA 21", "ALTERNATIVA DEMOCRÁTICA NACIONAL", "ALIANÇA DEMOCRÁTICA", "CHEGA", "NOVA DIREITA", "LIVRE" e "PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA"? E a "CDU - Coligação Democrática Unitária" também é diferente porquê? Não faria sentido que os nomes surgissem todos uniformizados, com o mesmo tipo de letra e recorrendo a igual critério no uso de maiúsculas, tal como acontece com as siglas?

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sondagens

por Sérgio de Almeida Correia, em 01.12.23

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Algumas pessoas ficaram admiradas com o resultado da sondagem da Universidade Católica/Público/RTP, dada a conhecer no passado dia 28 de Novembro. Ainda todos estão lembrados dos resultados de outras sondagens aquando das últimas legislativas e do que veio a acontecer. O país não quis saber de empates técnicos nem de vitórias tangenciais e resolveu entregar uma maioria absoluta a António Costa. Por essa razão convém moderar as análises e o ímpeto das conclusões.

Ainda assim, atrevo-me a dizer publicamente o que penso, arriscando a crucificação num pelourinho por delito de opinião.

E neste momento em que se discute a liderança do PS e todos os outros partidos se afadigam a prepararem-se para as eleições – alguns na mira de conseguirem adiar por mais algum tempo o seu próprio funeral – parece-me evidente que a golpada marcelista, amplamente favorecida pelo descalabro da governação (seria difícil encontrar outro termo para o desastre que foi, salvo raríssimas excepções, a performance do XXIII Governo Constitucional), poderá vir a revelar-se como uma bênção para a reforma do sistema político e eleitoral. De uma assentada, os portugueses podem abrir caminho para se livrarem de quase todos os pantomineiros que fazem hoje a maioria da classe política que nos trouxe até ao imbróglio em que estamos.

Dos diversos cenários apresentados pela sondagem acima referida, há algumas conclusões que são inequívocas: i) Os portugueses não gostam de radicais; ii) Qualquer que seja o cenário dispensam Luís Montenegro; iii) Pedro Nuno Santos (PNS) não lhes merece o aval da confiança.

Quanto à primeira não constitui novidade. O país reconhece-se ao centro na extensa faixa que vai da democracia-cristã/liberalismo/social-democracia até ao socialismo democrático mais ou menos esquerdista.

Depois, em relação ao líder do maior partido da oposição, o PSD, verifica-se que apesar de tudo o que aconteceu com o Governo e com o PS, Luís Montenegro não consegue melhor do que um resultado sofrível qualquer que seja o cenário.

Não é de estranhar. Chegou a líder por ser tão anódino quanto foi deputado ao longo dos anos, sem um lampejo que o resgatasse à mediocridade carreirista da JSD ou da seita aventaleira que o ajudou a crescer. E agora que se vai apresentar a eleições traz consigo, como se viu no congresso do passado fim-de-semana, um camião com um atrelado de sarcófagos de onde vão saindo umas múmias que não deixaram saudades. Que seja castigado e as sondagens não lhe sejam particularmente favoráveis depois de tantos anos de PS no Governo não é uma fatalidade.

Mas se o teste havia de chegar com as eleições europeias ou com as autárquicas, o Presidente Marcelo fez o favor às hostes laranja de anteciparem o futuro e se livrarem de Montenegro e da sua tralha bem mais cedo, pois que quanto mais depressa o PSD iniciar a sua renovação e posicionar uma nova geração de líderes, que seja recrutada noutro lado que não seja entre as levas de imperiais do Ribadouro, menos difícil será construir uma alternativa na área política do seu eleitorado, colocando um ponto final na balbúrdia venturista à sua direita.

Em terceiro lugar, há o problema PNS para resolver. Este é um problema interno do PS e que só terá solução, acreditemos que sim, se nos próximos dias 15 e 16 de Dezembro os militantes socialistas o resolverem.

Os resultados da sondagem explicam por que razão é que PNS não quer debates com os outros candidatos à liderança do partido. Não se trata, evidentemente, de evitar dar trunfos à direita, mas sim de evitar o debate político e fugir do confronto com as suas próprias contradições, com o cataventismo socratista e a vacuidade petulante e oportunista do discurso.

Em 2017 (não vale a pena recuar mais), PNS, que já era crescidinho, afirmou que "O PS nunca mais irá precisar da direita para governar". Em 2018 sublinhou que "o PS não está refém da direita para governar". Depois, quando anunciou a sua candidatura, começou por atacar o candidato José Luís Carneiro, acusando-o de não ser suficientemente combativo contra a direita e vincando que com ele "o PS não vai ser muleta de ninguém", esclarecendo que o seu foco e o da sua candidatura "é derrotar a direita e não mais do que isso", antes de entrar na contabilidade cacical de saber quem apoia quem.  Como se esta tivesse interesse para alguém com excepção dos bípedes que ficam com insónias ante a perspectiva de não saberem quem apoiar para manterem os tachos dentro do partido e fora dele.

Bastou passarem dois dias, depois de acusar JLC de desvio direitista, e logo começou, de mansinho, a chegar-se para o centro, não fosse o diabo tecê-las. Daí que tivesse saído a terreiro para dizer que "o diálogo à direita e ao centro é fundamental" e que "há matérias onde o entendimento com o PSD é desejável e importante" (quais?), ao mesmo tempo que dizia que "a memória da geringonça é boa". Ora bem. E ainda disse que até a uma coligação pré-eleitoral não fecha portas. Colocou a primeira cereja no topo do bolo da coerência, qual franciscano, com que pretende desfilar nos próximos dias. 

Em rigor, para PNS o que é preciso é estar em todas, com todos "e com todas" desde que isso lhe garanta o poder. E se possível também com "todes", que foi para isso que o talharam, no "berço de oiro", na humilde loja do sapateiro, e em especial no albergue onde lhe construíram as ambições conforme as ocasiões.

Percebe-se, ademais, qual o motivo para que directas abertas, como mostram as sondagens, também sejam dispensadas por PNS, pois que é muito melhor deixar a escolha do líder do PS nas mãos dos caciques que controlam as concelhias e o aparelho do que confiar na decisão dos simpatizantes que não têm tempo para a militância e dos quais dependem os resultados eleitorais do partido.

Como lá mais acima dizia, se os militantes socialistas quiserem dar um contributo ao país poderão começar por se livrarem de PNS, mandando-o tomar conta das empresas familiares, de maneira a que não mais tenha necessidade de esconder os carros quando for para a campanha eleitoral. Esta é uma oportunidade única e irrepetível. 

Seria uma pena se os portugueses, que de uma assentada se podem livrar do neo-socratismo e do basismo cavaquista e passista, encetando um caminho de renovação das suas elites políticas, não aproveitassem os ventos fortes que sopram de todos os quadrantes, e a chuvada que se prepara nos próximos dias, para lavarem o terreiro e removerem de lá toda a barracada de feira que se foi instalando, dispensando os vendedores de tapetes, ligaduras e sarcófagos, os milhares de arrumadores e de traficantes de influências, os penduras de ocasião, a malta das sementes dos vários tipos de relva, enfim, livrando-se de toda a tralha de gigantones, coristas e emplastros acumulada nos últimos carnavais. 

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espelho

por Sérgio de Almeida Correia, em 17.08.23

Caviar-Russe-Miami-Restaurant-Champagne-Caviar.jpg

Que por esse Portugal fora, e há dezenas de anos, as autarquias têm sido pasto fértil para a produção das nossas elites políticas, não constitui facto novo.

Que, muitas vezes, os respectivos titulares têm estado envolvidos em múltiplos casos judiciais, de má gestão de dinheiros públicos, de clientelismo, nepotismo, compadrio, favorecimento de familiares e amigos, e em milhares de investigações e processos de natureza criminal, que vão do abuso de poder ao peculato, à falsificação de documentos, ao branqueamento de capitais e à corrupção pura e dura, também não é nada, infelizmente, que seja novo para os portugueses. Tudo isso tem feito parte dos quase cinquenta anos de democracia que levamos.

Também é verdade que alguns autarcas, e muitos deles praticamente desconhecidos, têm feito trabalho exemplar nas autarquias, não raro sem alarido e de modo mais ou menos discreto, junto das comunidades que servem, beneficiando o país e as populações, resolvendo problemas, fazendo o que o Estado centralista e despesista não consegue fazer.

E depois há os outros. E dos outros, de quando em vez, lá se vai sabendo qualquer coisa.

Uma notícia e uma reportagem publicadas hoje na revista Sábado vieram lembrar-nos que para lá do país real, dos que não têm dinheiro para pagar as contas em casa ou suportarem os encargos com a saúde e as escolas dos filhos, há um outro país que vive, literalmente, à pala das autarquias, do "tacho". Há uns que só por serem do partido A ou B têm trabalho e salário garantido, mesmo depois de perderem eleições, e outros que fazem vidas de rico com "salários de miséria". 

No primeiro caso, em Sesimbra, temos o ex-deputado comunista Miguel Tiago, a quem a Câmara continua a oferecer anualmente um contrato de trabalho para prestação de serviços de "assessoria técnica na área do ambiente e desenvolvimento sustentável", à razão de cerca de 3.000 euros brutos por mês. Relata a Sábado que o Miguel foi contratado após "consulta" a três entidades, mas ninguém foi capaz de dizer quem mais foi consultado para prestar esse serviço (p. 20). 

A outra situação é bem mais escabrosa e reveladora da falta de vergonha, do desplante, da dimensão do abuso e dos gostos de novo-rico de alguns servidores da causa pública. 

Repare-se que não tenho nada contra o conforto, o luxo ou o gosto por coisas boas e caras, desde que se tenha dinheiro para elas sem andar a roubar, a esfolar o erário público, a enganar o próximo, ou a abusar da posição que transitoriamente se ocupa, embora considere que a ostentação é exemplo de muito mau gosto, coisa para labregos e laparotos.

Mas mais grave do que os almoços de trabalho – é o que está em causa na reportagem – de Isaltino Morais e seus muchachos (páginas 43 a 46), porque também os há em qualquer latitude, e muitas vezes são imprescindíveis, é verificar que essas refeições ocorrem com uma regularidade impressionante, nos melhores restaurantes de Oeiras e Lisboa, e incluem, pelas facturas a que a revista teve acesso, invariavelmente, quantidades generosas de frutos do mar e da terra, de lagostas a gambas, ostras e refinados presuntos, santola, lavagante, leitão, robalos, peixes-galo, queijos de Azeitão, sushi, sapateiras, caranguejos, camarão-tigre de Moçambique, sem esquecer os muitos gelados para a sobremesa, que ali é tudo gente de alimento, gulosa e lambona.

É natural que quem assim tem necessidade de almoçar para poder trabalhar e resolver os problemas dos outros, por vezes tenha de estar a comer até depois das 20 horas, altura em que pede a conta, e seja obrigado a consumir "saké afrodisíaco", os melhores vinhos, e bebidas espirituosas em quantidade suficiente para que ninguém se esqueça da agenda de trabalho nem do motivo do repasto. 

O resultado, está claro, são refeições de centenas de euros pagas com o dinheiro da autarquia noutros tantos milhares de refeições ao longo de cinco ou seis anos. Um "almoço de trabalho" a mais de 140 euros por cabeça não é um almoço de trabalho. É um "banquete de trabalho". Daí que se veja como normal que uma vereadora se tenha alapado com 450 refeições, o presidente, o chefe de gabinete, o vice-presidente e uma adjunta com cerca de 300 refeições cada um, e até o antigo secretário de Estado da Cultura do poupado Passos Coelho, Barreto Xavier, se alambazou com 77 refeições de 2019 para cá.

Evidentemente que a inclusão de tabaco na conta (charutos?) foram "lapsos", a corrigir oportunamente, mas fico com dificuldade em perceber como é possível arranjar apetite para se chegarem a fazer quatro, três e até dois almoços no mesmo dia! As facturas não devem mentir. 

Onde é que aquela gente "enfiará" tanta comida? Ou será que aproveitam para levar alguma para casa para depois convidarem os amigos e distribuírem à família e aos vizinhos?

Confesso, todavia, que o que me faz mesmo mais confusão é a lata desta malta, pois que a maioria se não estivesse nos lugares em que está não seria com os seus ordenados de "políticos" e de funcionários públicos remediados que ao longo de anos encheriam as suas vistosas protuberâncias com tais iguarias. 

Porque não seria, certamente, com os "salários de miséria" que se poderiam dar ao luxo de terem tantos almoços de trabalho, a ponto de haver necessidade de em três facturas de outras tantas refeições, a cerca de 300 euros cada, se ser obrigado a rabiscar no verso "Saladas Sr. Presidente", sinal de que nesses dias Sua Excelência estaria de dieta, ou, quem sabe, ainda a recuperar do almoço de trabalho do dia anterior.

Sempre ouvi dizer que quem não tem dinheiro não tem vícios. E que a discrição é uma virtude, até para não se ofender ninguém. Mais a mais quando se ocupa um cargo público. E que há que respeitar os sentimentos dos outros, por vezes, também, a desgraça alheia, pois que nem todos têm a mesma sorte na vida. Mas pelos exemplos que diariamente nos chegam das nossas elites políticas e empresariais não terá sido essa a cartilha de muitos.

O juiz Carlos Alexandre, exemplo que também me pareceu extremo e de muito mau gosto para o ter confessado a um jornalista, atenta a sua posição no universo dos profissionais pagos pelo Estado, ainda que com estatuto especial, pode não ter dinheiro para mudar a fechadura da porta de casa depois de ter sido visitado por desconhecidos mais do que uma vez. E muitos mais haverá como o tal juiz, por Portugal fora, que não só não têm para a fechadura como para comer decentemente e alimentarem os seus filhos. O que constitui uma tragédia que a todos nos envergonha. Porém, para alguns autarcas, pese embora esse universo desigual e a necessidade dos outros portugueses terem de partilhar com eles o mesmo país, não há-de faltar o Pêra Manca e o lavagante à custa das autarquias, isto é, dos outros e dos impostos que estes pagam. Não era preciso serem como o miserável do Botas ou como o Cunhal, mas fossem muitos deles a pagar do seu bolso e continuariam nos croquetes, nos bitoques e nas febras.

E não interessa se trabalham muito ou pouco; não é isso que está em causa.

Podem ter bom gosto, e ultimamente mais caro e refinado, que serão sempre uns pacóvios e umas deslumbradas que dão mau nome às autarquias, à classe política em geral, sempre à espera de uma oportunidade para se armarem em finórios. E que são, por muito que nos custe, o espelho das nossas miseráveis e ignorantes elites.

Uma democracia consolidada, sim, é verdade; não deixando de ser um país de isaltinos, de venturas e de "só-cretinos". 

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consistência

por Sérgio de Almeida Correia, em 15.07.23

aaaaa.jpeg(foto daqui)

Vi e ouvi a entrevista dada por Rui Rio a Clara de Sousa no Jornal da Noite da SIC

Devo dizer que nunca tive particular simpatia pelo estilo do personagem, em especial, porque o seu discurso e a sua postura casaram sempre muito mal com algumas das escolhas que patrocinou e promoveu enquanto presidente do PSD, revelando uma tremenda falta de coerência que rapidamente o desacreditou e contribuiu para degradar ainda mais o lodaçal da política nacional.

Mas importa agora também dizer que Rui Rio tem razão quando se queixa do modo de actuação da PJ e do MP, quando se queixa deste modelo de investigação-espectáculo em que os nossos órgãos de política e investigação criminal se especializaram de há uns anos a esta parte com o patrocínio de uma certa comunicação social que adora, e só está bem, exactamente a chafurdar nesse mesmo lodaçal e num jornalismo feito de casos, de intrigalhada e de meias-verdades que se alimenta da ignorância, da boçalidade e da mediocridade instaladas.

E também tem razão quando refere que foi cometido um crime de violação do segredo de justiça, mais um, digo eu, dos muitos que têm sido cometidos sem que se acabe de vez com um segredo de justiça que só serve esse mesmo jornalismo e um justicialismo de labregos promovidos que tanto tem contribuído para ajudar a acelerar a degradação da democracia, contribuindo para o achincalhamento da actividade política e das instituições políticas e judiciais.

Assistindo-lhe igualmente razão quando pergunta porquê que esta operação só afecta o PSD e porquê que só abrange o período em que ele foi dirigente entre 2018 e 2021. 

E Rio volta, ainda, a ter razão quando diz que "isto não é um país que se apresente", embora todos os portugueses saibam que já não é país que se apresente em relação ao que estamos a falar, e também em relação às práticas dos partidos, à selecção das elites políticas, à ética política e de governo há muitas décadas.  

Dito isto, vamos então olhar para a indignação de Rui Rio quanto aos argumentos que apresenta quanto ao que está em causa no processo que conduziu às buscas. E em relação a esta, Rui Rio espalhou-se ao comprido.

Não é aceitável para ninguém de bom senso e com um mínimo de preocupação com o abandalhamento da vida política a que temos assistido, com a chegada de tanto (sim, são muitos, demasiados) corrupto aos partidos, às bancadas do parlamento, às autarquias, aos governos, ouvir Rui Rio dizer sobre o que está verdadeiramente em causa – desvio de dinheiros públicos para financiar à revelia do estipulado na lei os partidos políticos – que tudo isto é "ridículo" porque "isto de que estamos a falar é uma prática transversal aos partidos desde sempre" e que "nos anos 80 já era assim".

E aqui Rio esteve muito mal, revelando bem a essência dos políticos que têm dirigido Portugal nos últimos, pelo menos, 40 anos. Porque não só não serve de argumento o facto de ser uma prática transversal, como é deveras grave, a serem verdadeiras as suspeitas que se use dinheiro do Estado, como refere o Expresso, para pagar a pelo menos 11 funcionários do partido, "sendo que um deles até já se tinha reformado"!

Porque se era assim, não devia ser.

E é nisto, nestas pequenas-grandes coisas, que se revela a bandalheira em que se tornou a vida política nacional, transformada no lodaçal de que há pouco falava.

Porque sendo Rio um homem sério, e eu não duvido que o seja, como muitos mais que estiveram à frente dos partidos também o serão, não se compreende que tendo tido a possibilidade de corrigir práticas de discutível legalidade, para não dizer manifestamente ilegais e inaceitáveis em qualquer Estado de direito, numa república que se preze e numa democracia que funcione com decência, que não tomasse a iniciativa de colocar um travão nessa bandalheira, nessa promiscuidade de funções e de dinheiros em que se perdem os partidos. Então lá porque é prática os outros roubarem ou serem corruptos também temos de ser como eles? E temos de ficar calados, aproveitando uma situação ilegal para também enriquecermos ou pouparmos uns cobres?

Infelizmente, a condescendência e a tolerância com as más práticas consistentes (e não apenas na política), o silêncio, a falta de iniciativa sobre estas matérias, no sentido de aumentar verdadeiramente a transparência e evitar que esta se transforme num mero cumprimento de formalidades sem sentido para fazer de conta que é tudo sério, a falta de vontade para trazer mais seriedade à actividade política, de dignificá-la naquilo que verdadeiramente importa, tem constituído comportamento aceite e transversal a todos os partidos.

Não é por isso de estranhar que alguns peçam descaradamente dinheiro no exercício de funções políticas, que sendo membros dos governos da República arranjem todas as moscambilhas e mais algumas para ganharem dinheiro por debaixo da mesa, outros para despacharem ou atrasarem processos, trocarem favores, tornarem-se dirigentes desportivos, empreiteiros de sucesso, empresários ou ex-régulos de diferentes tabancas que são condecorados em Belém e apresentados como exemplos nacionais até que se perceba que andaram a vida toda a roubar o Estado, as empresas e os portugueses, ou que deixaram que se roubasse e nada fizeram porque isso era normal, porque sempre foi assim.

Se as leis estão mal, a começar pelas do segredo de justiça e do financiamento partidário, mudem-nas; se tudo o que existe é hipócrita e sem sentido tenham a coragem de dizê-lo. Tomem a iniciativa, façam quando têm possibilidade de fazer. Sejam coerentes, e deixem de se comportar como pantomineiros fala-baratos que depois se queixam como virgens ofendidas do que viram fazer e deixar que se fizesse quando o lodaçal lhes entra pela casa adentro.

 

P.S. Alguém sabe se João Gomes Cravinho ainda é ministro? Há coisas que não são do foro da justiça, são do foro da ética e da decência, caso o primeiro-ministro ande distraído com a nova época da bola.

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abril

por Sérgio de Almeida Correia, em 25.04.23

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(Salgueiro Maia, na lente de Alfredo Cunha)

 

Abaixo os fascistas e os filhos da ... acomodados que se colaram ao 25 de Abril!

Viva Portugal!

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lamento

por Sérgio de Almeida Correia, em 07.12.22

thumbs.web.sapo.io-2.webp(créditos: SAPO/Fabricce Cofrini/AFP)

A cena não é nova. De vez em quando, o tipo amua, torna-se ordinário, e comporta-se como um vulgar badameco desmerecedor do seu talento, sucesso, honras e encómios.

Confesso que não percebo porquê.

Todos temos os nosos egos. De um modo ou de outro vivemos os nossos momentos, os bons e os menos bons. Mas há alturas em que se exige a todos e a cada um de nós a superação. Não tanto enquanto desportistas ou heróis; antes como simples e discretas peças de um todo muito maior, que em cada dia nos obriga a elevarmo-nos, a procurar fazer sempre mais, a dignificarmos a nossa herança e a preparar o futuro das gerações vindouras na base do trabalho, da preserverança e do exemplo.

Vê-lo sair assim do campo, como se a festa não fosse também dele, como se não tivesse contribuído para o êxito, torna-o pequenino e distante. Como se afinal não fosse mais um de nós, um dos poucos que conseguiu elevar-se da medriocridade institucionalizada pela força do trabalho e carácter.

Os portugueses, a Nação, dispensavam estes amuos em final de carreira.

Tudo perdoamos, tudo esquecemos, e muitas vezes ignoramos o que não pode passar despercebido. Porque não somos ingratos e continuamos a acreditar. 

Certamente que não deixaremos de fazê-lo, de enaltecer os seus méritos e virtudes, porque os possui, dando-lhe toda a gratidão pelo que de bom fez e tem feito, talvez elevando-nos, algumas vezes, muito acima daquilo de que efectivamente somos merecedores. Mas depois de tudo o que dias antes aconteceu, que de tão feio deverá ser rapidamente esquecido, ao ver a atitude dos seus companheiros, sempre, que nunca lhe regatearam estatuto, apoio e aplausos, exigia-se outra grandeza na hora da celebração, dispensando-se desculpas estafadas, respostas para cretinos.

E quando se olha para a forma como um Hajime Moriyasu se dirigiu aos adeptos que acompanharam a sua equipa na hora da derrota, e o modo como os outros o viram, não deixa de ser penoso e triste, para mim, ver o princípe abandonar o campo da maneira que o fez.

É nos momentos difíceis que se reconhecem os que são capazes de se elevar acima do mundo, os que pela criação se fizeram e aprenderam a perdurar para além do tempo, os que à sua dimensão e no seu lugar, com a sua humildade e génio, foram absolutamente excepcionais. Em quase tudo; sempre no que é essencial, estruturante e nos define.

Eusébio foi um deles. Pelé também, uma espécie de segundo nós quando não havia mais Eusébio.

Gostava que Cristiano também o tivesse sido. E gostava, ainda mais, que fosse capaz de ainda o ser. Para bem dele, dos seus filhos, e satisfação de todos nós quando um dia falarmos dos seus feitos aos nossos, aos que um dia hão-de vir para nos ajudarem a recordá-lo. De sorriso largo e reconfortante. Como tantas vezes o vimos.

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primeiro

por Sérgio de Almeida Correia, em 01.12.22

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Portugal, sempre. Mesmo longe pertenço aos meus.

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diferenças

por Sérgio de Almeida Correia, em 24.08.22

image-2.jpg(créditos: Paulo Spranger/Global Imagens)

Há uma semana tinham divulgado a sua intenção e anunciado os seus propósitos. Ainda que alguns possam ter a nacionalidade portuguesa, o que desconheço, assumem-se como nacionais da China. E foi nessa qualidade que ontem saíram à rua empunhando bandeiras chinesas, cartazes e megafones.

E, pergunta-se, fizeram-no em que local? Na capital de Portugal, em Lisboa. Mais exactamente diante da Embaixada dos Estados Unidos da América, um local sensível em termos de segurança.

Os EUA são um aliado de Portugal de longa data. E são também seu parceiro na Organização do Tratado do Atlântico Norte e noutras organizações de que ambos fazem parte.

Os manifestantes chineses quiseram dar conta da sua oposição à política externa estado-unidense e do seu apoio ao Governo da China e às suas políticas em relação a Taiwan. A favor de uma China única. Nada contra. Estão no seu direito. E eu até estou de acordo com "Uma Única China", contra as provocações.

Cada um apoia e critica quem quer, manifesta-se como quer, quando quer, respeitando as suas convicções e as leis. Essa é a essência da vida democrática. Não é o medo, a unanimidade e o silêncio em caso de se pensar de maneira diferente.

E aqueles chineses fizeram-no pacificamente, sem oposição do Governo português, do Ministério da Administração Interna ou da PSP, que também não andou a importunar, filmar, fotografar e a levar para a esquadra, nas coloridas ramonas para posterior identificação, quem lá esteve.

Não foram impedidos de se manifestar, ainda que pudessem causar algum constrangimento à circulação e não tivessem respeitado as recomendações das autoridades sanitárias chinesas quanto às medidas de combate e controlo da Covid-19 – não guardaram distâncias, não usaram máscaras, não foram fazer testes PCR antes de se manifestarem.

Enfim, tiveram toda a liberdade para se exibir, gritar, opinar na terra estrangeira que os acolheu, onde vivem e fazem os seus negócios, contra a política de um país amigo de Portugal. Ninguém os impediu ou invocou leis de segurança interna ou a pandemia para os contrariar na sua intenção. E não vão ser agora acusados da prática de crimes de desobediência, julgados e condenados.

Seria bom que em Macau, o Governo da RAEM, o seu Chefe do Executivo, o Secretário para a Segurança, o Comandante da PSP e aqueles senhores que se sentam no hemiciclo da Praia Grande olhassem para este caso e para a forma como as autoridades de Portugal o trataram.

Estou certo de que se em Macau fosse convocada uma manifestação por residentes que se quisessem manifestar livremente, ao abrigo da Lei Básica, respeitando todas as leis e recomendações dos SSM, para darem conta do seu apoio à política das Nações Unidas e da União Europeia em relação à Ucrânia, de condenação à invasão russa, contra os crimes e violações dos direitos humanos que são diariamente cometidos no Mianmar e no Afeganistão, tal manifestação jamais seria autorizada.

E se fossem empunhadas bandeiras portuguesas, como ali foram erguidas bandeiras chinesas, logo apareceria um patriota zeloso a acusar os manifestantes de serem uns saudosos do colonialismo. E nessa crítica seriam também seguidos por alguns estrangeiros anafados, cheios de saudades dos tempos da URSS como antes tiveram da tropa que no passado os alimentou, e que aqui residem gerindo folhas de couve e missas a troco de subsídios e viagens.

É evidente que no actual contexto nada disto seria possível em Macau. Como anteriormente não foi possível por parte de trabalhadores birmaneses que aqui laboram e que se quiseram manifestar contra as atrocidades da junta militar. Ou a residentes contra os abusos da polícia de Hong Kong.

E sabem porquê? Porque o sistema de direitos, liberdades e garantias dos residentes de Macau, constante da Declaração Conjunta e da Lei Básica, pifou. Finou-se. E é agora um simples punhado de frases soltas entregues à interpretação dos sempre disponíveis burocratas de serviço.   

Mas é bom que se sublinhe, até pelo pequeno episódio de ontem da manifestação de Lisboa promovida pela Liga dos Chineses em Portugal, com o apoio de todas as associações chinesas existentes em Portugal, a diferença entre uma democracia digna desse nome, que acolhe estrangeiros como se fossem os seus nacionais, dando-lhes espaço, paz, trabalho, acima de tudo liberdade para se expressarem e manifestarem, e um regime policial onde diariamente se assiste à erosão das liberdades e das garantias mais básicas pelas mais estapafúrdias razões.

Era só isto que hoje vos queria dizer. Amanhã não sei se poderei fazê-lo.

 

Em tempo: A LUSA queixa-se de ter sido filmada, mas não esclarece por quem. As autoridades portuguesas deverão esclarecê-lo, porque se jornalistas portugueses são filmados na sua terra por agentes estrangeiros, então é porque muita coisa está mal no reino da Dinamarca e será preciso tomar medidas.

 

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votos

por Sérgio de Almeida Correia, em 11.02.22

Consulado Geral de Portugal em Luanda

O J. tinha-me feito a sugestão há tempos. Pensei no assunto e entendi ser chegado o momento. Agradeço-lhe a boleia.

O resultado, com todos os defeitos de uma escrita apressada para não perder actualidade, ficou aqui, na edição online do jornal Público. Tem por título Potenciar a fraude e a desilusão. E diz respeito a todos nós, aos de dentro e aos de fora. Se é que ainda queremos ter voz.

Vá lá que no final ainda apareceu alguém com bom senso suficiente para mandar os piscos recolherem a penates. Antes de fazerem mais estragos ao regime.

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portugal

por Sérgio de Almeida Correia, em 10.06.21

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Até nisto somos diferentes. Não há Dia Nacional que não contenha uma boa polémica. Se não é por causa da medalhística, do programa das comemorações ou do conteúdo dos discursos é por outra razão qualquer. Desta vez é por causa de Pedro Adão e Silva e da sua nomeação como Comissário Executivo da Estrutura de Missão para as Comemorações do Quinquagésimo Aniversário da Revolução de 25 de Abril de 1974.

A reacção primeira de muitos portugueses foi de incredulidade e desconfiança, havendo logo quem dissesse, mesmo sem conhecer o nomeado, que se tratava de uma recompensa política ou de um job for the boy. Reacção natural por parte de quem se habituou a ver neste tipo de comissões um emprego e uma tença para a vida por força da cunha, do compadrio, do nepotismo.

Convenhamos que uma Comissão para mais de quatro anos se pode afigurar à partida como se prolongando excessivamente no tempo, mas sem que se saiba o que vai ser feito, isto é, a dimensão e o alcance daquilo que irá ser realizado, pareceram-me intempestivas e desapropriadas algumas das reacções.

A criação de estruturas de missão e a nomeação dos respectivos dirigentes sempre foi uma prerrogativa do Governo da República.

Já o era em ditadura, quando a propósito da Exposição do Mundo Português, Salazar nomeou uma comissão em 11/04/1938 para uma inauguração que teve lugar em 23/06/1940, mas também o foi em democracia, como aconteceu com a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, que criada por Cavaco Silva em 1986 se prolongou até 2002, altura em que foi extinta com mais de setenta (70!) pessoas ao seu serviço, e onde só Vasco Graça Moura, que tinha tanto de intelectual, escritor e tradutor fora-de-série como de comissário político do PSD e do próprio Cavaco Silva, se sentou durante cerca de oito anos.

Estou certo de que se hoje, 10 de Junho de 2021, perguntarem aos portugueses que memória têm dessa Comissão [de Vasco Graça Moura, por exemplo, e do seu excelente legado, todos temos memória] e do seu trabalho, a maioria terá dificuldade em apontar as suas realizações. No entanto, existem registos, arquivos, livros, filmes, ensaios, inúmeras realizações que alargaram as perspectivas e o nosso conhecimento sobre essa epopeia dos Descobrimentos, que para alguns povos e muitos historiadores continua a ser objecto de acesa crítica pelas consequências que para terceiros acarretou.

Das palavras do Presidente da República, que prontamente manifestou o seu apoio ao nomeado, justificando publicamente algumas das razões para a sua escolha, ainda poderia desconfiar. Porém, a escolha do general Ramalho Eanes como presidente da sua Comissão Nacional, à qual incumbe a aprovação do programa oficial, fez-me de imediato pensar que seria necessário esperar para conhecer o “caderno de encargos” antes de se começar a fazer tiro ao boneco. O nome de Eanes, sendo um dos poucos referenciais do 25 de Abril que resiste de forma íntegra e consistente, é um militar e um homem sério que não costuma fazer figura de corpo presente naquilo que se envolve, e que não se presta a jogadas, esquemas ou cambalachos político-partidários, deixou-me na expectativa e com um módico de confiança para que não desatasse aos tiros.

Depois, foi o que se viu. O que também lamentavelmente também nos caracteriza. Um descabelado ataque ad hominem, colocando em causa a integridade, a competência e a idoneidade do visado, o qual ficou imediatamente desqualificado para o exercício daquela ou de quaisquer outras funções públicas, como se o próprio não tivesse um currículo académico – não é um qualquer lambe-botas que obtém um doutoramento em Florença – e profissional feito com mérito e a tempo e horas – não se trata de um Sócrates, de um Relvas, de um Vara ou de um Passos Coelho –, sem depender de juventudes partidárias e de partidos para singrar.

Recompensa política é o que se tem visto na nomeação de apparatchiks partidários, meros funcionários sem qualquer rasgo e amigalhaços sem qualificações para lugares onde vão receber aquilo com que nunca sonharam, passando a ter um estatuto que o seu mérito jamais lhes permitiria alcançar, fosse na Caixa Geral de Depósitos ou na EDP, em empresas públicas ou na condução de processos miseráveis de privatização, recebendo dezenas de milhares de euros e acabando depois a trabalharem para os consultores desses processos de privatização ou para as próprias empresas. Como recompensa à fidelidade ao líder ou ao partido também costuma ser a indicação para o preenchimento de listas de deputados, a nomeação para lugares em empresas municipais, concessionárias de serviços públicos ou até para posições de favor nos diversos ministérios e entidades de supervisão e fiscalização. Aí temos todos visto muitos desqualificados, profissional, academicamente e até de carácter, fazerem de conta que fazem alguma coisa.

No entanto, Pedro Adão e Silva esteve bem, esclarecendo na TVI as suas ideias e colocando bem claro que está ali para cumprir uma função pública, por devoção ao país e à causa e não aos euros, oferecendo o peito às balas, abdicando do seu salário de professor universitário por um de director-geral, que será sempre menos do que o de gestor público que outros receberam em lugares idênticos.

Quanto ao líder da oposição, bom, esse comportou-se como um verdadeiro merceeiro, a quem só faltava o lápis atrás da orelha, demonstrando bem a necessidade e a importância do trabalho que Adão e Silva e todos os que vierem a ser envolvidos terão pela frente. Tal reacção, bem como a de outros líderes partidários, é bem reveladora do espírito de seita, medíocre e ignorante que subjaz a muitas das suas intervenções públicas, antes mesmo de se esclarecerem ou de perceberem o que está em causa.

Poder-se-á criticar o processo de escolha, a falta de esclarecimentos prévios, e nisso poderei estar de acordo, mas convenhamos que neste momento tudo serve para a chicana política. Se outras nomeações nunca deveriam ter acontecido, e nunca se justificarão, como a de familiares de membros do Governo e de militantes partidários para as funções para as quais não têm qualquer competência ou currículo, ou a permanência em funções de ministros cujo desempenho tem sido penoso, mormente neste Executivo, com prejuízo para todos, penso que dentro de algum tempo não se dirá o mesmo do agora nomeado e em cujo trabalho até prova em contrário confio.

O que há a fazer junto das gerações nascidas depois do 25 de Abril de 1974, de compreensão daqueles que são, ou deviam ser, os valores que nos regem enquanto povo, república e democracia, é fundamental para a mudança de mentalidades, para se mudar o próprio espírito e as práticas dos partidos políticos, se motivar gente para uma participação política esclarecida, saudável, assente em valores seguros e perenes, e não na espuma dos dias, ajudando a formar uma geração de gente capaz, conhecedora da sua história, da mais recuada e também da mais próxima, que possa contribuir para a construção de um país moderno, mais democrático, mais inclusivo e muito mais equilibrado.

Por tudo isso, o papel que vier a ser desempenhado por Pedro Adão e Silva e todos os membros dos diversos órgãos que serão constituídos se afigura crucial. O trabalho que fizerem, as suas escolhas, o caminho que empreenderem, terá de ser absolutamente transparente e justificado em todos e cada um dos momentos de maneira que no final todos possamos concluir que alguma coisa se mudou em relação a práticas anteriores, e que por uma vez aprendemos com os erros do passado a construir mais e melhor no futuro.

Aguardemos, pois, pela apresentação do caderno de encargos, acompanhemos o seu trabalho futuro realizando o necessário e permanente escrutínio à sua execução e aos gastos respectivos, sem pedras nos sapatos, curando do essencial e não perdendo tempo com mesquinhices próprias de coscuvilheiras desconfiadas, ressabiadas e ignorantes, para que cada um de nós possa no final, e em todo e qualquer momento, fazer de boa-fé o respectivo juízo.

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efeméride

por Sérgio de Almeida Correia, em 26.03.21

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Foi há exactamente trinta e quatro anos, em 26/03/1987, que foi rubricado em Pequim, pelo embaixador Rui Medina e pelo vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da RPC, Zhou Nan, o texto acordado entre as delegações de Portugal e da China para a Declaração Conjunta sobre a Questão de Macau, o qual viria a ser assinado em 13 de Abril seguinte e regeria até 1999 o modo como se processaria a reversão do território para o seu legítimo soberano. A partir daí seria a Lei Básica da Região Administrativa Especial a marcar os segundos, os minutos e as horas.

Este aniversário ocorre num momento de fricção entre a China e os Estados Unidos, a União Europeia, o Reino Unido; e entre aquela e alguns dos aliados dos outros na Ásia e no Pacífico.

Macau, apesar do clima de paz, estabilidade e segurança de que beneficia desde há mais de duas décadas também tem sofrido as consequências da conjuntura internacional e da geografia em que se insere. E estas fazem-se sentir ao nível das liberdades, em especial em matéria de direitos fundamentais, os quais têm sido objecto da imposição de constrangimentos, nuns casos mais dissimulados do que noutros, e de acções que transformaram uma região de cariz mediterrânico, numa extensão rica do estado autoritário, policial, censor e persecutório que comanda os destinos do sistema socialista e controla os mais ínfimos e inócuos movimentos dos seus cidadãos.

De um ponto de vista formal poucas coisas mudaram. Numa perspectiva substancial mudou quase tudo. E há muita coisa que até agora ou não foi cumprida de todo – continua a não haver sindicatos e a inexistir uma lei da greve –, ou está a ser restringida em termos nunca antes previstos – liberdade de imprensa, direito de reunião, manifestação e desfile –, muito embora o discurso oficial seja muitas vezes, tanto o português – cada vez mais desvalorizado e desrespeitado na comunicação oficial, na administração pública, nas polícias e nos tribunais – como o chinês, um discurso que continua a querer fazer passar uma mensagem que não corresponde a realidade, por vezes destinado a compô-la para os olhos externos ou a disfarçá-la para os internos que se habituaram a comer sofregamente e sem nada questionarem tudo o que lhes põem no prato.

A pandemia do Covid-19 tem servido de cortina para muita coisa. A coberto desta e da contribuição da RAEM para a segurança nacional foram criados sistemas de controlo dos residentes dignos de uma novela de Orwell, não raro complementados com decisões kafkianas e com uma visão do segundo sistema incompatível com o princípio da separação de poderes.

A aceleração do processo de integração na RPC comportou mudanças em relação às quais não se ouviu uma palavra dos responsáveis de Portugal, aliás na linha daquele que é o entendimento de alguns compatriotas, de que não obstante os compromissos internacionalmente assumidos, consideram que a permanência da nossa comunidade residente é uma situação de favor e que esta justifica todos os silêncios e atropelos que sejam cometidos, dos mais ligeiros aos mais graves, desde que no final apareça um prato de lentilhas, haja um arraial anual, vinho tinto e chouriço.

Mudanças que merecem a compreensão e até são aplaudidas por alguns contorcionistas, que os há em todo o lado, em todos os tempos e de todas as nacionalidades, ou por um ou outro titular de currículo menos recomendável por aqui estabelecido, mas que para a maioria trabalhadora, que só se manifesta discretamente nas reuniões familiares, em rodas de amigos ou que de todo evita manifestar-se, é um peso suportado mais com desgosto, tristeza, abnegação e fé do que com sacrifício.

Afinal os mesmos sentimentos que emergem de cada vez que se vê partir um rosto querido da comunidade, levando consigo a história dos lugares e a memória das suas gentes, se ouve um embaixador desculpar os atropelos, um ministro asneirar (o acordo entre Portugal e a China não se chama Lei Básica; Portugal não tem quaisquer obrigações a cumprir no âmbito desta, e também não podia ter visto que se trata de uma lei interna chinesa), ou se vêem os cronistas do império acordarem estremunhados e desinformados para realidades longínquas, para as quais de quando em vez são despertados, que os ultrapassam e que para eles continuam desconhecidas ao fim de tantos anos. 

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restauração

por Sérgio de Almeida Correia, em 01.12.20

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(Veloso Salgado, 1864-1945, óleo sobre tela, Museu Militar, Sala Restauração)

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provincianos

por Sérgio de Almeida Correia, em 20.06.20

mw-1920.jpeg(foto de Miguel A. Lopes/LUSA)

É compreensível que os portugueses fiquem satisfeitos, penso eu, por poderem acolher a fase final da mais importante competição europeia a nível de clubes, a Liga dos Campeões.

Com ou sem adeptos nos estádios, com mais ou menos riscos, certo é que a elite do futebol europeu estará durante uns dias por Portugal, ocupando hotéis e restaurantes, dando uso aos estádios, e, concedo, promovendo a imagem do país e das suas cidades no exterior.

Não vou aqui discutir os méritos ou os deméritos da iniciativa, a sua oportunidade, os riscos que comporta, e outras questões igualmente relevantes e que merecem atenção. Isso ficará para os jornalistas e os profissionais do comentário.

Eu fiquei satisfeito na justa medida do que isso representa em termos de incentivo e impulso para se procurar melhorar e combater a crise internamente.

Mas o que quero mesmo é apenas sublinhar a minha estupefacção pelo espectáculo que as nossas principais figuras de Estado continuam a proporcionar.

Como se o facto de ter existido um COVID-19, para todos os efeitos uma desgraça para a maioria, que por um bambúrrio atirou para Portugal a fase final da competição, se devesse ao nosso trabalho, ao nosso esforço, aos nossos êxitos.

Fazer do acontecimento um sucesso nacional, nesta fase do combate à epidemia, e quando tantos são os problemas que há para enfrentar, como se daí viesse a solução de todos os nossos dramas, não é sinal de auto-estima ou de feito histórico.

Para além da manifestação ser despropositada, na dimensão e na exultação, é acima de tudo provinciana.

Como alguém de quem me estou a lembrar diria, se fosse vivo, em matéria de provincianismo somos de facto imbatíveis. E uns tremendos parolos.

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portugal

por Sérgio de Almeida Correia, em 10.06.19

gettyimages-526782730-640x640.jpg

(Getty Images)

"Porque na sociedade portuguesa actual, o medo, a reverência, o respeito temeroso, a passividade perante as instituições e os homens supostos deterem e dispensarem o poder-saber não foram ainda quebrados por novas forças de expressão da liberdade.

Numa palavra, o Portugal democrático de hoje é ainda uma sociedade de medo. É o medo que impede a crítica. Vivemos numa sociedade sem espírito crítico – que só nasce quando o interesse da comunidade prevalece sobre o dos grupos e das pessoas privadas. (...)

Portugal conhece uma democracia com um baixo grau de cidadania e liberdade" – José Gil, Portugal, Hoje – O Medo de Existir, Relógio D'Água, 2004, pp. 40-41 

 

Combatamos, pois, o medo. Sejamos cidadãos de corpo inteiro. Sejamos melhores portugueses. Onde quer que estejamos.

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trágico

por Sérgio de Almeida Correia, em 05.05.19

A gente vê o que se está a passar em Portugal, isto é, na Assembleia da República e nos partidos por causa dos professores, e a única conclusão a que se chega é que a tragédia está para durar.

O grau de incompetência da oposição medíocre que temos só é comparável com o grau de irresponsabilidade populista do BE e do PCP e o modo eleiçoeiro como muitas vezes se aprovam resoluções na Assembleia da República com o voto do PS.

Os avanços e recuos infantis de Cristas e do CDS-PP, a errância e falta de sentido de Estado de Rui Rio, a autogestão do acampamento bloquista e o sindicalismo vesgo do PCP e seus satélites não justificam tudo, ou pelo menos não deviam justificar, mas há que saber tirar consequências do que se está a passar.

O primeiro-ministro tem uma boa oportunidade para marcar a diferença, só que antes de fazê-lo seria aconselhável que primeiro pusesse ordem em casa.

E, se não for pedir muito, que aproveite para perder alguns momentos a olhar para a bancada parlamentar do PS antes de começarem a preparar as listas para deputados. A redução do número de emplastros nas listas, e a sua substituição por gente capaz, que não dependa do partido para sobreviver e que pense pela sua cabeça, seria certamente bem acolhida pelo eleitorado que vota PS e pelo país em geral.

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