Voltar ao topo | Alojamento: Blogs do SAPO
Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Não poderia faltar. Por isso lá estive.
Onde? Perguntar-me-ão.
Ali, na Casa Garden, paredes-meias com o Jardim Luís de Camões, onde está o espartano busto do dito, gravado no tempo da antecâmara feita na solidez da rocha que o protege das intempéries.
Ontem esteve lá o Victor. O autor, em 1989, da capa do I Glossário Jurídico Luso-Chinês. Nessa altura ninguém sabia quem era ele. E ainda hoje não sabem. Os portugueses. Os outros sabem.
Pois bem, o Victor lançou um livro, imaginem só, com todos os desenhos que fez para os cartazes do Dez de Junho. Desde 1990. Falhou dois anos. Houve um espírito menor iletrado que passou pelo Instituto Cultural sem ter percebido quem era o Victor.
A bem dizer não é um livro. É uma enciclopédia. Uma novela. Um filme. Está lá tudo. Até o quase de que quase nunca ninguém fala. Mais a senhora dona Amália e o Eusébio.
Mas ontem o Victor falou. Disse umas palavras com tudo aquilo que lhe ia na alma. Emocionou-se. Eu vi. E foi como se a noite anterior ainda não tivesse acabado. E o Álvaro, o Miguel e eu, que quase nunca estamos com o Victor, tivemos o privilégio de nos termos encontrado com ele de véspera. Mais o Nelson. Até parecia que tinha sido combinado. Ah, les grands esprits. Sauf moi.
E depois, aquela cumplicidade no olhar, tão querida e descomprometida, de quem já fez o caminho das pedras sem se perder. E voltou sempre. Deixando tudo no mesmo sítio, seguindo a ordem natural das coisas, a natureza dos homens, a beleza das mulheres, e o respeito por tudo aquilo que nos rodeia. O respeito e a gratidão.
O Victor sublinhou-o. Eu também o sublinho.
A ética dos homens livres, que sabem qual o preço da sua liberdade e o custo da ousadia, medem isso mesmo. Lêem todos o mesmo painel que o Victor registou. São três palavras muito simples, e que dizem tudo. Liberdade, respeito e gratidão.
A ordem dos factores não é aleatória. Não se nasce antes de morrer. Embora haja alguns que conseguem morrer sem nunca terem nascido. E mandam.
O Victor é tudo isso. Porque o talento dos grandes nunca sai desses parâmetros. Não há cagança, há discrição. Não há serodismo, há História.
Tal e qual como na profundidade do olhar do mocho, protegido na sua terna penugem, atravessando a cortina do tempo na verticalidade dos anos. Um após outro.
E depois, o Victor é um tipo de uma generosidade extrema, de uma alma imensa, com uma portugalidade tão vincada que me faz sentir o quanto sou pequenino, o quanto somos todos menores perante um traço maior que nos define nos cinco continentes. Para todo o sempre.
É claro que gostei do livro (obrigado pela dedicatória e o autógrafo), do momento, de sentir o quanto o Victor estava emocionado.
E recordei-me daquele dia de manhã em que me telefonou porque tinha levado o quadro errado, porque o meu não estava na galeria, estava em casa dele. Agora está em Cascais, onde pertence.
Mas não foi por isso que fiquei grato ao Victor, nem é por tal que escrevo estas linhas.
Eu escrevo porque gosto de cumprir as minhas obrigações.
Neste caso é mais do que uma obrigação. E ao contrário da minha sombra, eu não tenho gosto em deixar uma obrigação por cumprir. Cumpri-las também me dá gozo, me dá prazer, e é um acto intrínseco de liberdade. Como quando bebo um gin & tonic e fumo um charuto.
E escrevo aqui e agora, nesta hora de onde não avisto o golfo de Sorrento, porque os cartazes do Dez de Junho do Victor deverão, a partir de hoje, percorrer o mundo. E depois deverão ser expostos na Assembleia da República, no Museu da Presidência, percorrendo as escolas de Portugal e ilhas. Espero que a Isabel Moreira esteja atenta.
Espero que o outro Victor, o de Tóquio, ainda os possa acolher na nossa Embaixada. E que eu possa lá ir. Mais a outra sombra que me acompanha.
E que em Lisboa, no Porto, em Paris, em São Paulo, em San José, na Horta, talvez no Peter´s, onde for, encontrem um espaço e um mecenas, já que há tantos nas revistas, para pagar o transporte dos cartazes. Para que todos possam ver e conhecer o Victor. Em toda a sua simplicidade.
O que lá está não pode ser descrito. Não vemos todos a mesma coisa. E sabemos haver gente com olhos que não vê, e cegos que vêem para lá dos limites da Eternidade. Ou que viam. Como o meu padrinho Fernando Luís. Ou o Jorge Luís Borges. Que saudade, de ambos, meu Deus.
Em rigor, a razão de escrever estas linhas é que também há coisas que têm de ser ditas. Para que não se pense, um dia, que os portugueses importantes de Macau, e aqui agradeço ao anónimo, são pequenos lucíferes anões, milionários, sem pátria, que têm tempo de antena à segunda, terça e quarta-feira sempre com o mesmo fato e a mesma gravata.
Até porque o Victor não usa gravata. Não sei mesmo se ele sabe o que isso é, embora eu goste muito gravatas. De boas gravatas. E faça gosto em usá-las. Quando posso. Até se desfazerem. Às vezes depois disso.
Não, o que aqui me traz é muito mais importante do que tudo isso, só tendo paralelo na generosidade do Victor. E o Carlos irmão que me perdoe com toda a sua simpatia.
Porque o que é mesmo importante aqui ficar escrito, e os meus amigos que me desculpem, a começar pelo José Manuel, o Rui e o Luís, que já cá não estão, é que o Victor, que é igualmente um amigo, é o maior português de Macau desde os tempos do Camilo Pessanha. Isto tinha de ficar escrito.
E isto é tão rigoroso quanto a minha saudade pela Mélita, a minha paixão pela música do Brel, o encanto pela Loren, pela poesia do Fernando, a escrita do José ou do António, ou a minha paixão pela ternura da M.T. e os meus amigos.
O Victor é uma espécie de Serge Gainsbourg que fala português. Sabe rir em chinês e ainda pisca o olho aos amigos.
Não falo nelas porque nisso ele é como eu, e eu não sei quem é a sua Jane Birkin. Não temos tempo para lhes piscar os olhos porque gostamos de os ter bem abertos quando mergulhamos no seu olhar. E nos perdemos até reencontrarmos o caminho de volta.
Tirando isso, que acima ficou escrito para memória futura, recomendo-vos que façam uma visita à Catarina Cottinelli e à Casa Garden.
Certamente que já não encontrarão por lá a Amélia, nem o Carlos, que têm outras vidas, e já fizeram o seu trabalho, como outros também o fizeram, a partir do Porto, para trazerem, e entregarem, verdade seja dita, o Victor a Portugal e aos portugueses.
E uma vez mais, no mesmo dia em que Portugal estraçalhou os nossos amigos turcos em Dortmund, sob a batuta de um inspirado capitão, recomendo-vos a liberdade, o olhar, a generosidade, o encanto e a serenidade de um português de Macau.
Português como nós. Quer dizer, um bocadinho maior do que nós.
Coisas que todos os milionários querem comprar, mas que só está ao alcance de espíritos superiores.
De génios na sua arte. De talentos que não se mercadejam. De gente como o Victor.
Saravah, Victor. A bênção, Senhor.
P.S. Fez bem em estar presente o cônsul-geral de Portugal, Alexandre Leitão. Amanhã, provavelmente, será também caricaturado. Como muitos outros o foram. Mas só os imbecis não são suficentemente inteligentes para não se rirem da sua própria caricatura.
(créditos: daqui)
Os portugueses e as suas instituições celebram em 25 de Abril o Dia da Liberdade. Eu chamar-lhe-ia antes, como os italianos, o Dia da Libertação (“Festa della Liberazione”). Muitos, mais novos, perguntarão que libertação é essa; e porquê. Outros, mais velhos, olharão para a data como mais uma simples efeméride referida a qualquer coisa que aconteceu num passado cada vez mais distante e que de tempos a tempos é recordada nas escolas, nos jornais, nas rádios e televisões. Não mais do que isso.
Há cravos vermelhos, discursos, fanfarra, cantoria e romaria. Há festa.
E depois, a seguir à festa, voltam todos à escola, os que a frequentam, ao trabalho, à inflação, ao desemprego, às doenças, aos subsídios, ao futebol, aos Santos Populares, ao fado, aos tribunais e às praias. Outros voltam às ruas para reclamarem por melhores condições de vida, um ambiente mais saudável, cidades mais sustentáveis, reivindicarem ajustamentos salariais, melhores carreiras, dignificadas e revalorizadas, por mais feriados, mais habitação, mais creches, mais saúde, mais igualdade. Querem mais, sempre mais, cada vez mais. E, no entanto, são incapazes de lutar pelo básico, de orientar as suas vidas por um verdadeiro altruísmo que nos liberte das amarras criadas à sombra da libertação, à sombra de Abril.
Quem viveu, quem ainda conheceu, quem se recorda do muito que aconteceu, em especial a partir da ocupação dos territórios portugueses na Índia e do início das guerras coloniais, do que foram esses anos que antecederam o 25 de Abril de 1974, estará hoje menos sensível a grandes mudanças. Dá a democracia – a verdadeira, não a que outros dizem “que funciona”, a que alguns ditos “democratas” se adaptam com grande facilidade, exultando-a, e que não passa de uma ditadura que distribui gelados quando não está ocupada a distribuir máscaras, controlar, vigiar, reprimir, prender e punir – como adquirida e cumprida com a bênção ritual e regular de formalidades. Tudo se esgota no poema decorado, lido, declamado e apregoado até à náusea, no jantar de confraternização, no entoar compassado e ritmado da canção.
Esquecendo, a avaliar pelas pérolas que se ouvem nalgumas entrevistas ou em concursos televisivos, que há quem confunda Otelo com um hostel ou Salazar com Soares, não sabendo quem foi Salgueiro Maia, desconhecendo que Ramalho Eanes foi Presidente da República. Nada disso seria grave não fosse dar-se o caso de até o líder parlamentar de um partido estruturante do regime confundir Diogo Freitas do Amaral com Adelino Amaro da Costa. E teimar.
Os indicadores económico-sociais permitem-nos ver a distância a que estamos do Estado Novo e da primavera marcelista. Em 1975 as nossas estatísticas indicavam que havia 122 médicos por cada mil pessoas; em 2023 já eram 578 para os mesmos mil. Os enfermeiros eram 205, hoje são 783. A esperança média de vida era em 1970 de 67 anos. Em 2023 é superior aos 80. Em 1975 apenas 60% dos partos ocorria em hospitais e clínicas. Actualmente são 99,8%. O número de habitações mais do que duplicou. No início da década de 70 do século XX havia 53% de habitações sem água canalizada; em 36% não havia electricidade e 40% não tinha esgotos. Hoje não se constrói nenhuma que não tenha tudo isso. A taxa de analfabetismo era em 1970 de 25,7%, mas nas mulheres era superior a 30%. Hoje são 3,1% os analfabetos. É muito menos sem deixar de ser um número triste e avassalador. São mais de 250 mil os portugueses que não sabem ler nem escrever. A mortalidade infantil desceu colocando-nos entre os dez países mais seguros para se nascer. O número de estudantes no ensino superior aumentou sete vezes. A mulher adquiriu outros papéis. Muitas puderam deixar de ser parideiras militantes para abraçarem carreiras profissionais sendo ao mesmo tempo mães.
Quase tudo mudou. Muitos dirão que quase tudo mudou para melhor. Eu também.
Mas quando num país como o meu, o nosso, se verifica que em 1985 as mulheres recebiam um salário que era, em média, inferior ao dos homens em 23,2% nos cargos superiores, e em 2022 essa diferença aumentou para 25,6%, é porque há qualquer coisa que não está a funcionar. Há o dobro das casas. Porém, há mais de 80 mil famílias com carências habitacionais graves. E há mais de 700 mil habitações devolutas. Há dois anos, uma sondagem indicava que mais de 80% dos portugueses não estavam plenamente satisfeitos com a sua democracia. E o ano passado uma outra sondagem revelava que apenas dois em cada dez portugueses confiavam no Governo e na Assembleia da República. Nos vinte anos anteriores ao 25 de Abril de 1974, mais de um milhão e meio de portugueses emigrara. Segundo a ONU, em 2024 serão 2,3 milhões os portugueses nascidos em Portugal que vivem no estrangeiro. Não estamos a falar de filhos de emigrantes. Quanto ao estado dos tribunais e à situação do Ministério Público nem vale a pena falar. Acabaram os tribunais plenários, é verdade, mas a imagem que os portugueses hoje têm do sistema judicial é a de uma coutada atávica sem rei nem roque, ao serviço dos ricos e poderosos, das corporações e dos bandidos das seitas do regime, e em muitos casos entregue a gente frustrada que se preocupa com tudo menos com a realização da justiça em tempo útil. Há excepções? Há. Muitas. Há, felizmente, gente séria e decente. É para esses que escrevo. São os que me importam.
Gente séria e decente que com o apodrecimento do regime e das instituições não se revê com força nem poder suficiente para fazer a mudança a que todos aspiram. Porque os sonhos dos votantes do Chega, sendo portugueses como os outros, não são diferentes dos sonhos de quem vota no PSD, no PS, no IL, no BE, no PAN ou no PCP. Todos aspiram à mesma dignidade, ao mesmo bem-estar, a um tecto digno, à mesma decência, à mesma saúde, à mesma educação, à mesma segurança.
Perguntar-me-ão então que solução aponto para tão deplorável estado de espírito. Responderei dizendo que defendo uma revolução. Uma revolução na verdadeira acepção da palavra. Uma revolução integral. Não um golpezinho misericordioso num regime podre que se transformou numa festa bunga-bunga permanente para algumas famílias que engradeceram à sombra dos partidos. Uma revolução sem dó para com os quadrilheiros das juventudes partidárias que se assenhorearam do regime e tomam conta de uma casta de portugueses mansos que só sai à rua quando lhes cravam um ferro curto nos bolsos.
Uma revolução que leve por diante o que se começou em 25 de Abril de 1974. Uma revolução que preservando-nos a alma nos mude os costumes, os vícios, as manhas e as entranhas da mentalidade. Uma revolução que nos faça sair do estado de letargia em que nos colocamos. Uma revolução que abane os alicerces do sistema judicial, que a todos nos eduque nas virtudes do verdadeiro espírito republicano, que desfira golpes sem parar nas oligarquias partidárias, nos gangues que se apoderaram do regime, uma revolução que dê uma machadada no corporativismo, no exibicionismo da mediocridade, na falta de vergonha da ignorância, que construa um sistema fiscal verdadeiramente distributivo, sem manhas, que faça assentar a democracia num sistema eleitoral moderno e mais justo, que rasgue auto-estradas para o mérito, que premeie a intervenção cívica, que proteja quem tem de ser protegido, que seja implacável com os poderosos que falham e rigoroso com todos os outros. Uma revolução assente na ética política, no conhecimento e na sensatez. Uma revolução que não marginalize os melhores para premiar os mais espertos dos piores. Uma revolução digna desse nome, que afaste o medo que nos rodeia, que dê um pontapé na falta de coragem e no comodismo, uma revolução que não nos castre diariamente a identidade e faça de nós uns perfeitos eunucos cívicos, sempre aos saltinhos, sempre contentinhos com mais um subsídio e um golo do CR7. Uma revolução que não atire o bebé ao rio com a água do banho.
Está, pois, na hora de fazermos a revolução.
Cinquenta anos, para nós, portugueses, não é nada. Para a nação é muito tempo quando ainda está toda uma revolução por fazer. Quando há toda uma mentalidade para mudar. Quando há um país para amar e uma nação para honrar. Não percamos mais cinquenta anos. Comecemos hoje a revolução. Em casa, nas escolas, nos partidos políticos, nos sindicatos, nos quartéis, nas ruas. Antes que a nova fradalhada do regime crie a carreira de dona de casa.
(Hoje, no Ponto Final)
Aproveito a VI Conferência Ministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau), mais conhecido como Fórum Macau, e a vinda à RAEM do novo ministro da Economia de Portugal, Pedro Reis, para escrever algumas linhas sobre um problema de natureza prática que afecta a reputação de Portugal no exterior. Penso que nenhum governante minimamente interessado e competente deixará de prestar atenção às consequências das más apostas e das boas políticas, pois qualquer que seja o caso perduram no tempo. E, nalguns casos, colam-se de tal forma ao país que muitas vezes se torna difícil, quando o produto é mau, recuperar de um desastre.
Ainda tenho na memória a crise que se abateu há quatro décadas sobre as exportações de azeite espanhol depois da crise da síndrome da colza ou do azeite tóxico, que afectou mais de 20 mil pessoas e provocou mais de um milhar de mortos. Tudo porque o óleo de colza desnaturado que era utilizado na indústria, devido à ganância do lucro, foi adulterado e desviado para consumo humano. O Supremo Tribunal espanhol considerou o Estado espanhol co-responsável pelo sucedido e o azeite de Espanha levou um abanão do qual levou anos a recompor-se. Em 2001 foi o óleo de bagaço de azeitona com benzopireno, um produto cancerígeno e péssimo para a saúde, a causar novos problemas.
Aqui o assunto não é tão grave e o exemplo serve apenas como chamada de atenção para o importante papel que o Estado, e neste caso específico o Ministério da Economia, tem na definição de políticas, na promoção das nossas exportações e no papel que algumas instituições devem assumir na defesa do nome de Portugal e dos bons produtores nacionais.
Ao longo da minha vida, e até da conversa com amigos que exploram negócios, nomeadamente restaurantes e lojas de venda a retalho de produtos alimentares (vinhos, enchidos, queijos, produtos de cosmética, por exemplo) em diversos pontos da Ásia, tenho-me apercebido da necessidade de se fazer uma aposta na qualidade dos produtos que são exportados pelos produtores portugueses, que aparecem e saõ apoiados em campanhas promocionais no exterior, participando em feiras internacionais por todo o mundo. Muitos produtores têm eles próprios capacidade de inovação e de internacionalização e estão cientes da importância de se exportar com qualidade. Veja-se o caso dos Douro Boys e como a sua aposta no melhor vinho que se produz na região que abraça o rio que lhes deu nome se tem revelado um sucesso na China.
O programa do XXIV Governo de Portugal enfatiza em diversos pontos uma aposta na internacionalização e no aumento de competitividade da economia portuguesa, referindo mesmo a aposta num “novo paradigma da economia portuguesa”, a exigir instituições e um tecido empresarial capaz de se posicionar entre os melhores a nível europeu e mundial, orientando os fundos europeus para “proje[c]tos que permitam à economia promover a criação de riqueza, que potenciem as vantagens competitivas nacionais e que elevem o valor acrescentado da economia portuguesa e que promovam as exportações, assente em critérios de sele[c]ção claros, uma aplicação transparente e fiscalização rigorosa.”
Oxalá assim seja. Quem circule pelos supermercados de Macau, de Hong Kong e de outras cidades asiáticas, já se terá apercebido da co-existência nas suas prateleiras e corredores de produtos portugueses de excelente qualidade, apreciados e venerados por qualquer gastrónomo ou enófilo, com outros produtos de péssima qualidade. Do pior que se produz e vende inclusivamente em Portugal. Estar a exportar presunto com menos de seis meses de cura, intragável, queijos industriais que são uma verdadeira pasta, peixe “prensado” e muitas vezes congelado em deficientes condições, de péssimo sabor, cheiro repelente e pior textura, são produtos exportáveis que em nada contribuem para uma boa imagem do país no exterior.
E, ao contrário do que já ouvi por aí, não se trata apenas de um problema de mercado do tipo “se o consumidor não gostar não volta a comprar”. Porque da primeira vez pode vender-se tudo; depois exporta-se uma segunda vez, para já não se vender como da primeira ou ser comercializado no destino, em final de prazo, com 50% de desconto. Os consumidores têm boa memória e dificilmente haverá uma terceira vez porque a seguir virá produto idêntico de Espanha, do Chile, de Itália ou da Austrália, a preços igualmente competitivos e de melhor qualidade.
O Ministério da Economia deverá conduzir internamente campanhas massivas de consciencialização dos produtores nacionais para a imperiosidade de se produzir com qualidade para a exportação. E através do AICEP e da rede consular tem de fazer um aposta nessa qualidade, no melhor que somos capazes de produzir para diferentes segmentos de mercado, mas que terá de ser necessariamente acessível a várias bolsas nos países de destino.
O que não se pode de todo é apoiar as exportações e a presença em certames internacionais apenas por apoiar. Tem de haver critério, tem de haver selecção nos apoios e no que se deixa sair. Não pode haver apoio, seja a que nível for, à exportação da mediocridade. Não se podem exportar nacos de banha dentro de tripa com o rótulo de “chouriço tradicional” porque nem é chouriço nem é tradição em parte alguma do país comer o que não presta.
Isto não significa, obviamente, promover as empresas dos amigos e correligionários do partido que estão sempre disponíveis para agilizar negócios, financiá-las e abrir a porta dos fundos aos fala-barato que travestidos de empresários ou fazendo de "secretários de Estado", andam por aí e vão percorrendo a rede consular, visitando os amigos e “irmãos”, falando de cátedra sobre a política nacional, como se fossem umas drag queens, arregimentando apoios para as próximas eleições, enquanto gesticulam muito e vão amealhando comissões de intermediação à custa de um lobbying fomentado à sombra das juventudes partidárias e que não raro dificilmente se distingue do tráfico de influências.
Os exemplos que nos chegam de França, de Itália, da África do Sul, da Austrália, da América do Sul, ou de países europeus com a dimensão de uma Dinamarca, de uma Bélgica ou dos Países Baixos, mostram que é possível produzir a preços competitivos, com qualidade e exportar em quantidade. Portugal também pode e deve fazer o mesmo. Já que não somos capazes de segurar os nossos melhores dentro do país, ao menos que sejamos capazes de exportar o melhor. Que chegue a todos e a preços competitivos. Olhem para a rapaziada dos Douro Boys. Não será muito difícil fazer como eles, ganhar escala, dimensão e cultivar a excelência. E que não haja medo. A qualidade dá sempre frutos a médio e longo prazo.
Por uma vez sejamos inteligentes e façamos alguma coisa por Portugal e os portugueses. A começar com o que enviamos para a China e os PLP. As câmaras de comércio, os consulados e o AICEP não servem só para jantaradas. Deles se espera que sejam úteis e façam o melhor por Portugal. Muitos já o fazem. É preciso alargar a rede e cultivá-la com critério, controlando o que de mau sai de Portugal para o exterior. E aí é fundamental o papel do Ministério da Economia. Não sejamos tolerantes com a mediocridade. Ainda que seja da nossa cor política.
Enquanto não for operada uma reforma da legislação eleitoral, que mantendo a segurança diminua a burocracia, reduza custos e assegure maior rapidez do processo de votação e escrutínio, lá começaram a chegar as cartas da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna contendo a documentação necessária ao exercício do direito de voto por correspondência, por parte dos cidadãos residentes no estrangeiro, para as eleições legislativas de 10 de Março.
Pode ser que desta vez, não havendo mais feriados e greves pelo meio, sejam contabilizados os milhares de votos que nas últimas eleições ficaram por contar.
Entretanto, gostaria de perceber qual a razão para que nos boletins de voto os nomes dos partidos e coligações que se apresentam a sufrágio surjam nalguns casos só em maiúsculas.
Quem olha para o boletim não pode ficar indiferente, visto que aquelas saltam de imediato à vista e, nessa medida, as forças concorrentes que têm o seu nome impresso exclusivamente em maiúsculas acabam por ser favorecidas.
Desconheço qual seja a magna razão que leva a que nos boletins de voto os nomes de "Nós, Cidadãos!", "Reagir Incluir Reciclar", "Bloco de Esquerda", "Iniciativa Liberal", "Juntos pelo Povo", "Ergue-te", "Partido Socialista" e "Volt Portugal" não surjam grafados nos mesmo termos em que aparecem "ALTERNATIVA 21", "ALTERNATIVA DEMOCRÁTICA NACIONAL", "ALIANÇA DEMOCRÁTICA", "CHEGA", "NOVA DIREITA", "LIVRE" e "PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA"? E a "CDU - Coligação Democrática Unitária" também é diferente porquê? Não faria sentido que os nomes surgissem todos uniformizados, com o mesmo tipo de letra e recorrendo a igual critério no uso de maiúsculas, tal como acontece com as siglas?
Algumas pessoas ficaram admiradas com o resultado da sondagem da Universidade Católica/Público/RTP, dada a conhecer no passado dia 28 de Novembro. Ainda todos estão lembrados dos resultados de outras sondagens aquando das últimas legislativas e do que veio a acontecer. O país não quis saber de empates técnicos nem de vitórias tangenciais e resolveu entregar uma maioria absoluta a António Costa. Por essa razão convém moderar as análises e o ímpeto das conclusões.
Ainda assim, atrevo-me a dizer publicamente o que penso, arriscando a crucificação num pelourinho por delito de opinião.
E neste momento em que se discute a liderança do PS e todos os outros partidos se afadigam a prepararem-se para as eleições – alguns na mira de conseguirem adiar por mais algum tempo o seu próprio funeral – parece-me evidente que a golpada marcelista, amplamente favorecida pelo descalabro da governação (seria difícil encontrar outro termo para o desastre que foi, salvo raríssimas excepções, a performance do XXIII Governo Constitucional), poderá vir a revelar-se como uma bênção para a reforma do sistema político e eleitoral. De uma assentada, os portugueses podem abrir caminho para se livrarem de quase todos os pantomineiros que fazem hoje a maioria da classe política que nos trouxe até ao imbróglio em que estamos.
Dos diversos cenários apresentados pela sondagem acima referida, há algumas conclusões que são inequívocas: i) Os portugueses não gostam de radicais; ii) Qualquer que seja o cenário dispensam Luís Montenegro; iii) Pedro Nuno Santos (PNS) não lhes merece o aval da confiança.
Quanto à primeira não constitui novidade. O país reconhece-se ao centro na extensa faixa que vai da democracia-cristã/liberalismo/social-democracia até ao socialismo democrático mais ou menos esquerdista.
Depois, em relação ao líder do maior partido da oposição, o PSD, verifica-se que apesar de tudo o que aconteceu com o Governo e com o PS, Luís Montenegro não consegue melhor do que um resultado sofrível qualquer que seja o cenário.
Não é de estranhar. Chegou a líder por ser tão anódino quanto foi deputado ao longo dos anos, sem um lampejo que o resgatasse à mediocridade carreirista da JSD ou da seita aventaleira que o ajudou a crescer. E agora que se vai apresentar a eleições traz consigo, como se viu no congresso do passado fim-de-semana, um camião com um atrelado de sarcófagos de onde vão saindo umas múmias que não deixaram saudades. Que seja castigado e as sondagens não lhe sejam particularmente favoráveis depois de tantos anos de PS no Governo não é uma fatalidade.
Mas se o teste havia de chegar com as eleições europeias ou com as autárquicas, o Presidente Marcelo fez o favor às hostes laranja de anteciparem o futuro e se livrarem de Montenegro e da sua tralha bem mais cedo, pois que quanto mais depressa o PSD iniciar a sua renovação e posicionar uma nova geração de líderes, que seja recrutada noutro lado que não seja entre as levas de imperiais do Ribadouro, menos difícil será construir uma alternativa na área política do seu eleitorado, colocando um ponto final na balbúrdia venturista à sua direita.
Em terceiro lugar, há o problema PNS para resolver. Este é um problema interno do PS e que só terá solução, acreditemos que sim, se nos próximos dias 15 e 16 de Dezembro os militantes socialistas o resolverem.
Os resultados da sondagem explicam por que razão é que PNS não quer debates com os outros candidatos à liderança do partido. Não se trata, evidentemente, de evitar dar trunfos à direita, mas sim de evitar o debate político e fugir do confronto com as suas próprias contradições, com o cataventismo socratista e a vacuidade petulante e oportunista do discurso.
Em 2017 (não vale a pena recuar mais), PNS, que já era crescidinho, afirmou que "O PS nunca mais irá precisar da direita para governar". Em 2018 sublinhou que "o PS não está refém da direita para governar". Depois, quando anunciou a sua candidatura, começou por atacar o candidato José Luís Carneiro, acusando-o de não ser suficientemente combativo contra a direita e vincando que com ele "o PS não vai ser muleta de ninguém", esclarecendo que o seu foco e o da sua candidatura "é derrotar a direita e não mais do que isso", antes de entrar na contabilidade cacical de saber quem apoia quem. Como se esta tivesse interesse para alguém com excepção dos bípedes que ficam com insónias ante a perspectiva de não saberem quem apoiar para manterem os tachos dentro do partido e fora dele.
Bastou passarem dois dias, depois de acusar JLC de desvio direitista, e logo começou, de mansinho, a chegar-se para o centro, não fosse o diabo tecê-las. Daí que tivesse saído a terreiro para dizer que "o diálogo à direita e ao centro é fundamental" e que "há matérias onde o entendimento com o PSD é desejável e importante" (quais?), ao mesmo tempo que dizia que "a memória da geringonça é boa". Ora bem. E ainda disse que até a uma coligação pré-eleitoral não fecha portas. Colocou a primeira cereja no topo do bolo da coerência, qual franciscano, com que pretende desfilar nos próximos dias.
Em rigor, para PNS o que é preciso é estar em todas, com todos "e com todas" desde que isso lhe garanta o poder. E se possível também com "todes", que foi para isso que o talharam, no "berço de oiro", na humilde loja do sapateiro, e em especial no albergue onde lhe construíram as ambições conforme as ocasiões.
Percebe-se, ademais, qual o motivo para que directas abertas, como mostram as sondagens, também sejam dispensadas por PNS, pois que é muito melhor deixar a escolha do líder do PS nas mãos dos caciques que controlam as concelhias e o aparelho do que confiar na decisão dos simpatizantes que não têm tempo para a militância e dos quais dependem os resultados eleitorais do partido.
Como lá mais acima dizia, se os militantes socialistas quiserem dar um contributo ao país poderão começar por se livrarem de PNS, mandando-o tomar conta das empresas familiares, de maneira a que não mais tenha necessidade de esconder os carros quando for para a campanha eleitoral. Esta é uma oportunidade única e irrepetível.
Seria uma pena se os portugueses, que de uma assentada se podem livrar do neo-socratismo e do basismo cavaquista e passista, encetando um caminho de renovação das suas elites políticas, não aproveitassem os ventos fortes que sopram de todos os quadrantes, e a chuvada que se prepara nos próximos dias, para lavarem o terreiro e removerem de lá toda a barracada de feira que se foi instalando, dispensando os vendedores de tapetes, ligaduras e sarcófagos, os milhares de arrumadores e de traficantes de influências, os penduras de ocasião, a malta das sementes dos vários tipos de relva, enfim, livrando-se de toda a tralha de gigantones, coristas e emplastros acumulada nos últimos carnavais.
Que por esse Portugal fora, e há dezenas de anos, as autarquias têm sido pasto fértil para a produção das nossas elites políticas, não constitui facto novo.
Que, muitas vezes, os respectivos titulares têm estado envolvidos em múltiplos casos judiciais, de má gestão de dinheiros públicos, de clientelismo, nepotismo, compadrio, favorecimento de familiares e amigos, e em milhares de investigações e processos de natureza criminal, que vão do abuso de poder ao peculato, à falsificação de documentos, ao branqueamento de capitais e à corrupção pura e dura, também não é nada, infelizmente, que seja novo para os portugueses. Tudo isso tem feito parte dos quase cinquenta anos de democracia que levamos.
Também é verdade que alguns autarcas, e muitos deles praticamente desconhecidos, têm feito trabalho exemplar nas autarquias, não raro sem alarido e de modo mais ou menos discreto, junto das comunidades que servem, beneficiando o país e as populações, resolvendo problemas, fazendo o que o Estado centralista e despesista não consegue fazer.
E depois há os outros. E dos outros, de quando em vez, lá se vai sabendo qualquer coisa.
Uma notícia e uma reportagem publicadas hoje na revista Sábado vieram lembrar-nos que para lá do país real, dos que não têm dinheiro para pagar as contas em casa ou suportarem os encargos com a saúde e as escolas dos filhos, há um outro país que vive, literalmente, à pala das autarquias, do "tacho". Há uns que só por serem do partido A ou B têm trabalho e salário garantido, mesmo depois de perderem eleições, e outros que fazem vidas de rico com "salários de miséria".
No primeiro caso, em Sesimbra, temos o ex-deputado comunista Miguel Tiago, a quem a Câmara continua a oferecer anualmente um contrato de trabalho para prestação de serviços de "assessoria técnica na área do ambiente e desenvolvimento sustentável", à razão de cerca de 3.000 euros brutos por mês. Relata a Sábado que o Miguel foi contratado após "consulta" a três entidades, mas ninguém foi capaz de dizer quem mais foi consultado para prestar esse serviço (p. 20).
A outra situação é bem mais escabrosa e reveladora da falta de vergonha, do desplante, da dimensão do abuso e dos gostos de novo-rico de alguns servidores da causa pública.
Repare-se que não tenho nada contra o conforto, o luxo ou o gosto por coisas boas e caras, desde que se tenha dinheiro para elas sem andar a roubar, a esfolar o erário público, a enganar o próximo, ou a abusar da posição que transitoriamente se ocupa, embora considere que a ostentação é exemplo de muito mau gosto, coisa para labregos e laparotos.
Mas mais grave do que os almoços de trabalho – é o que está em causa na reportagem – de Isaltino Morais e seus muchachos (páginas 43 a 46), porque também os há em qualquer latitude, e muitas vezes são imprescindíveis, é verificar que essas refeições ocorrem com uma regularidade impressionante, nos melhores restaurantes de Oeiras e Lisboa, e incluem, pelas facturas a que a revista teve acesso, invariavelmente, quantidades generosas de frutos do mar e da terra, de lagostas a gambas, ostras e refinados presuntos, santola, lavagante, leitão, robalos, peixes-galo, queijos de Azeitão, sushi, sapateiras, caranguejos, camarão-tigre de Moçambique, sem esquecer os muitos gelados para a sobremesa, que ali é tudo gente de alimento, gulosa e lambona.
É natural que quem assim tem necessidade de almoçar para poder trabalhar e resolver os problemas dos outros, por vezes tenha de estar a comer até depois das 20 horas, altura em que pede a conta, e seja obrigado a consumir "saké afrodisíaco", os melhores vinhos, e bebidas espirituosas em quantidade suficiente para que ninguém se esqueça da agenda de trabalho nem do motivo do repasto.
O resultado, está claro, são refeições de centenas de euros pagas com o dinheiro da autarquia noutros tantos milhares de refeições ao longo de cinco ou seis anos. Um "almoço de trabalho" a mais de 140 euros por cabeça não é um almoço de trabalho. É um "banquete de trabalho". Daí que se veja como normal que uma vereadora se tenha alapado com 450 refeições, o presidente, o chefe de gabinete, o vice-presidente e uma adjunta com cerca de 300 refeições cada um, e até o antigo secretário de Estado da Cultura do poupado Passos Coelho, Barreto Xavier, se alambazou com 77 refeições de 2019 para cá.
Evidentemente que a inclusão de tabaco na conta (charutos?) foram "lapsos", a corrigir oportunamente, mas fico com dificuldade em perceber como é possível arranjar apetite para se chegarem a fazer quatro, três e até dois almoços no mesmo dia! As facturas não devem mentir.
Onde é que aquela gente "enfiará" tanta comida? Ou será que aproveitam para levar alguma para casa para depois convidarem os amigos e distribuírem à família e aos vizinhos?
Confesso, todavia, que o que me faz mesmo mais confusão é a lata desta malta, pois que a maioria se não estivesse nos lugares em que está não seria com os seus ordenados de "políticos" e de funcionários públicos remediados que ao longo de anos encheriam as suas vistosas protuberâncias com tais iguarias.
Porque não seria, certamente, com os "salários de miséria" que se poderiam dar ao luxo de terem tantos almoços de trabalho, a ponto de haver necessidade de em três facturas de outras tantas refeições, a cerca de 300 euros cada, se ser obrigado a rabiscar no verso "Saladas Sr. Presidente", sinal de que nesses dias Sua Excelência estaria de dieta, ou, quem sabe, ainda a recuperar do almoço de trabalho do dia anterior.
Sempre ouvi dizer que quem não tem dinheiro não tem vícios. E que a discrição é uma virtude, até para não se ofender ninguém. Mais a mais quando se ocupa um cargo público. E que há que respeitar os sentimentos dos outros, por vezes, também, a desgraça alheia, pois que nem todos têm a mesma sorte na vida. Mas pelos exemplos que diariamente nos chegam das nossas elites políticas e empresariais não terá sido essa a cartilha de muitos.
O juiz Carlos Alexandre, exemplo que também me pareceu extremo e de muito mau gosto para o ter confessado a um jornalista, atenta a sua posição no universo dos profissionais pagos pelo Estado, ainda que com estatuto especial, pode não ter dinheiro para mudar a fechadura da porta de casa depois de ter sido visitado por desconhecidos mais do que uma vez. E muitos mais haverá como o tal juiz, por Portugal fora, que não só não têm para a fechadura como para comer decentemente e alimentarem os seus filhos. O que constitui uma tragédia que a todos nos envergonha. Porém, para alguns autarcas, pese embora esse universo desigual e a necessidade dos outros portugueses terem de partilhar com eles o mesmo país, não há-de faltar o Pêra Manca e o lavagante à custa das autarquias, isto é, dos outros e dos impostos que estes pagam. Não era preciso serem como o miserável do Botas ou como o Cunhal, mas fossem muitos deles a pagar do seu bolso e continuariam nos croquetes, nos bitoques e nas febras.
E não interessa se trabalham muito ou pouco; não é isso que está em causa.
Podem ter bom gosto, e ultimamente mais caro e refinado, que serão sempre uns pacóvios e umas deslumbradas que dão mau nome às autarquias, à classe política em geral, sempre à espera de uma oportunidade para se armarem em finórios. E que são, por muito que nos custe, o espelho das nossas miseráveis e ignorantes elites.
Uma democracia consolidada, sim, é verdade; não deixando de ser um país de isaltinos, de venturas e de "só-cretinos".
Vi e ouvi a entrevista dada por Rui Rio a Clara de Sousa no Jornal da Noite da SIC.
Devo dizer que nunca tive particular simpatia pelo estilo do personagem, em especial, porque o seu discurso e a sua postura casaram sempre muito mal com algumas das escolhas que patrocinou e promoveu enquanto presidente do PSD, revelando uma tremenda falta de coerência que rapidamente o desacreditou e contribuiu para degradar ainda mais o lodaçal da política nacional.
Mas importa agora também dizer que Rui Rio tem razão quando se queixa do modo de actuação da PJ e do MP, quando se queixa deste modelo de investigação-espectáculo em que os nossos órgãos de política e investigação criminal se especializaram de há uns anos a esta parte com o patrocínio de uma certa comunicação social que adora, e só está bem, exactamente a chafurdar nesse mesmo lodaçal e num jornalismo feito de casos, de intrigalhada e de meias-verdades que se alimenta da ignorância, da boçalidade e da mediocridade instaladas.
E também tem razão quando refere que foi cometido um crime de violação do segredo de justiça, mais um, digo eu, dos muitos que têm sido cometidos sem que se acabe de vez com um segredo de justiça que só serve esse mesmo jornalismo e um justicialismo de labregos promovidos que tanto tem contribuído para ajudar a acelerar a degradação da democracia, contribuindo para o achincalhamento da actividade política e das instituições políticas e judiciais.
Assistindo-lhe igualmente razão quando pergunta porquê que esta operação só afecta o PSD e porquê que só abrange o período em que ele foi dirigente entre 2018 e 2021.
E Rio volta, ainda, a ter razão quando diz que "isto não é um país que se apresente", embora todos os portugueses saibam que já não é país que se apresente em relação ao que estamos a falar, e também em relação às práticas dos partidos, à selecção das elites políticas, à ética política e de governo há muitas décadas.
Dito isto, vamos então olhar para a indignação de Rui Rio quanto aos argumentos que apresenta quanto ao que está em causa no processo que conduziu às buscas. E em relação a esta, Rui Rio espalhou-se ao comprido.
Não é aceitável para ninguém de bom senso e com um mínimo de preocupação com o abandalhamento da vida política a que temos assistido, com a chegada de tanto (sim, são muitos, demasiados) corrupto aos partidos, às bancadas do parlamento, às autarquias, aos governos, ouvir Rui Rio dizer sobre o que está verdadeiramente em causa – desvio de dinheiros públicos para financiar à revelia do estipulado na lei os partidos políticos – que tudo isto é "ridículo" porque "isto de que estamos a falar é uma prática transversal aos partidos desde sempre" e que "nos anos 80 já era assim".
E aqui Rio esteve muito mal, revelando bem a essência dos políticos que têm dirigido Portugal nos últimos, pelo menos, 40 anos. Porque não só não serve de argumento o facto de ser uma prática transversal, como é deveras grave, a serem verdadeiras as suspeitas que se use dinheiro do Estado, como refere o Expresso, para pagar a pelo menos 11 funcionários do partido, "sendo que um deles até já se tinha reformado"!
Porque se era assim, não devia ser.
E é nisto, nestas pequenas-grandes coisas, que se revela a bandalheira em que se tornou a vida política nacional, transformada no lodaçal de que há pouco falava.
Porque sendo Rio um homem sério, e eu não duvido que o seja, como muitos mais que estiveram à frente dos partidos também o serão, não se compreende que tendo tido a possibilidade de corrigir práticas de discutível legalidade, para não dizer manifestamente ilegais e inaceitáveis em qualquer Estado de direito, numa república que se preze e numa democracia que funcione com decência, que não tomasse a iniciativa de colocar um travão nessa bandalheira, nessa promiscuidade de funções e de dinheiros em que se perdem os partidos. Então lá porque é prática os outros roubarem ou serem corruptos também temos de ser como eles? E temos de ficar calados, aproveitando uma situação ilegal para também enriquecermos ou pouparmos uns cobres?
Infelizmente, a condescendência e a tolerância com as más práticas consistentes (e não apenas na política), o silêncio, a falta de iniciativa sobre estas matérias, no sentido de aumentar verdadeiramente a transparência e evitar que esta se transforme num mero cumprimento de formalidades sem sentido para fazer de conta que é tudo sério, a falta de vontade para trazer mais seriedade à actividade política, de dignificá-la naquilo que verdadeiramente importa, tem constituído comportamento aceite e transversal a todos os partidos.
Não é por isso de estranhar que alguns peçam descaradamente dinheiro no exercício de funções políticas, que sendo membros dos governos da República arranjem todas as moscambilhas e mais algumas para ganharem dinheiro por debaixo da mesa, outros para despacharem ou atrasarem processos, trocarem favores, tornarem-se dirigentes desportivos, empreiteiros de sucesso, empresários ou ex-régulos de diferentes tabancas que são condecorados em Belém e apresentados como exemplos nacionais até que se perceba que andaram a vida toda a roubar o Estado, as empresas e os portugueses, ou que deixaram que se roubasse e nada fizeram porque isso era normal, porque sempre foi assim.
Se as leis estão mal, a começar pelas do segredo de justiça e do financiamento partidário, mudem-nas; se tudo o que existe é hipócrita e sem sentido tenham a coragem de dizê-lo. Tomem a iniciativa, façam quando têm possibilidade de fazer. Sejam coerentes, e deixem de se comportar como pantomineiros fala-baratos que depois se queixam como virgens ofendidas do que viram fazer e deixar que se fizesse quando o lodaçal lhes entra pela casa adentro.
P.S. Alguém sabe se João Gomes Cravinho ainda é ministro? Há coisas que não são do foro da justiça, são do foro da ética e da decência, caso o primeiro-ministro ande distraído com a nova época da bola.
(Salgueiro Maia, na lente de Alfredo Cunha)
Abaixo os fascistas e os filhos da ... acomodados que se colaram ao 25 de Abril!
Viva Portugal!
(créditos: SAPO/Fabricce Cofrini/AFP)
A cena não é nova. De vez em quando, o tipo amua, torna-se ordinário, e comporta-se como um vulgar badameco desmerecedor do seu talento, sucesso, honras e encómios.
Confesso que não percebo porquê.
Todos temos os nosos egos. De um modo ou de outro vivemos os nossos momentos, os bons e os menos bons. Mas há alturas em que se exige a todos e a cada um de nós a superação. Não tanto enquanto desportistas ou heróis; antes como simples e discretas peças de um todo muito maior, que em cada dia nos obriga a elevarmo-nos, a procurar fazer sempre mais, a dignificarmos a nossa herança e a preparar o futuro das gerações vindouras na base do trabalho, da preserverança e do exemplo.
Vê-lo sair assim do campo, como se a festa não fosse também dele, como se não tivesse contribuído para o êxito, torna-o pequenino e distante. Como se afinal não fosse mais um de nós, um dos poucos que conseguiu elevar-se da medriocridade institucionalizada pela força do trabalho e carácter.
Os portugueses, a Nação, dispensavam estes amuos em final de carreira.
Tudo perdoamos, tudo esquecemos, e muitas vezes ignoramos o que não pode passar despercebido. Porque não somos ingratos e continuamos a acreditar.
Certamente que não deixaremos de fazê-lo, de enaltecer os seus méritos e virtudes, porque os possui, dando-lhe toda a gratidão pelo que de bom fez e tem feito, talvez elevando-nos, algumas vezes, muito acima daquilo de que efectivamente somos merecedores. Mas depois de tudo o que dias antes aconteceu, que de tão feio deverá ser rapidamente esquecido, ao ver a atitude dos seus companheiros, sempre, que nunca lhe regatearam estatuto, apoio e aplausos, exigia-se outra grandeza na hora da celebração, dispensando-se desculpas estafadas, respostas para cretinos.
E quando se olha para a forma como um Hajime Moriyasu se dirigiu aos adeptos que acompanharam a sua equipa na hora da derrota, e o modo como os outros o viram, não deixa de ser penoso e triste, para mim, ver o princípe abandonar o campo da maneira que o fez.
É nos momentos difíceis que se reconhecem os que são capazes de se elevar acima do mundo, os que pela criação se fizeram e aprenderam a perdurar para além do tempo, os que à sua dimensão e no seu lugar, com a sua humildade e génio, foram absolutamente excepcionais. Em quase tudo; sempre no que é essencial, estruturante e nos define.
Eusébio foi um deles. Pelé também, uma espécie de segundo nós quando não havia mais Eusébio.
Gostava que Cristiano também o tivesse sido. E gostava, ainda mais, que fosse capaz de ainda o ser. Para bem dele, dos seus filhos, e satisfação de todos nós quando um dia falarmos dos seus feitos aos nossos, aos que um dia hão-de vir para nos ajudarem a recordá-lo. De sorriso largo e reconfortante. Como tantas vezes o vimos.
Portugal, sempre. Mesmo longe pertenço aos meus.
(créditos: Paulo Spranger/Global Imagens)
Há uma semana tinham divulgado a sua intenção e anunciado os seus propósitos. Ainda que alguns possam ter a nacionalidade portuguesa, o que desconheço, assumem-se como nacionais da China. E foi nessa qualidade que ontem saíram à rua empunhando bandeiras chinesas, cartazes e megafones.
E, pergunta-se, fizeram-no em que local? Na capital de Portugal, em Lisboa. Mais exactamente diante da Embaixada dos Estados Unidos da América, um local sensível em termos de segurança.
Os EUA são um aliado de Portugal de longa data. E são também seu parceiro na Organização do Tratado do Atlântico Norte e noutras organizações de que ambos fazem parte.
Os manifestantes chineses quiseram dar conta da sua oposição à política externa estado-unidense e do seu apoio ao Governo da China e às suas políticas em relação a Taiwan. A favor de uma China única. Nada contra. Estão no seu direito. E eu até estou de acordo com "Uma Única China", contra as provocações.
Cada um apoia e critica quem quer, manifesta-se como quer, quando quer, respeitando as suas convicções e as leis. Essa é a essência da vida democrática. Não é o medo, a unanimidade e o silêncio em caso de se pensar de maneira diferente.
E aqueles chineses fizeram-no pacificamente, sem oposição do Governo português, do Ministério da Administração Interna ou da PSP, que também não andou a importunar, filmar, fotografar e a levar para a esquadra, nas coloridas ramonas para posterior identificação, quem lá esteve.
Não foram impedidos de se manifestar, ainda que pudessem causar algum constrangimento à circulação e não tivessem respeitado as recomendações das autoridades sanitárias chinesas quanto às medidas de combate e controlo da Covid-19 – não guardaram distâncias, não usaram máscaras, não foram fazer testes PCR antes de se manifestarem.
Enfim, tiveram toda a liberdade para se exibir, gritar, opinar na terra estrangeira que os acolheu, onde vivem e fazem os seus negócios, contra a política de um país amigo de Portugal. Ninguém os impediu ou invocou leis de segurança interna ou a pandemia para os contrariar na sua intenção. E não vão ser agora acusados da prática de crimes de desobediência, julgados e condenados.
Seria bom que em Macau, o Governo da RAEM, o seu Chefe do Executivo, o Secretário para a Segurança, o Comandante da PSP e aqueles senhores que se sentam no hemiciclo da Praia Grande olhassem para este caso e para a forma como as autoridades de Portugal o trataram.
Estou certo de que se em Macau fosse convocada uma manifestação por residentes que se quisessem manifestar livremente, ao abrigo da Lei Básica, respeitando todas as leis e recomendações dos SSM, para darem conta do seu apoio à política das Nações Unidas e da União Europeia em relação à Ucrânia, de condenação à invasão russa, contra os crimes e violações dos direitos humanos que são diariamente cometidos no Mianmar e no Afeganistão, tal manifestação jamais seria autorizada.
E se fossem empunhadas bandeiras portuguesas, como ali foram erguidas bandeiras chinesas, logo apareceria um patriota zeloso a acusar os manifestantes de serem uns saudosos do colonialismo. E nessa crítica seriam também seguidos por alguns estrangeiros anafados, cheios de saudades dos tempos da URSS como antes tiveram da tropa que no passado os alimentou, e que aqui residem gerindo folhas de couve e missas a troco de subsídios e viagens.
É evidente que no actual contexto nada disto seria possível em Macau. Como anteriormente não foi possível por parte de trabalhadores birmaneses que aqui laboram e que se quiseram manifestar contra as atrocidades da junta militar. Ou a residentes contra os abusos da polícia de Hong Kong.
E sabem porquê? Porque o sistema de direitos, liberdades e garantias dos residentes de Macau, constante da Declaração Conjunta e da Lei Básica, pifou. Finou-se. E é agora um simples punhado de frases soltas entregues à interpretação dos sempre disponíveis burocratas de serviço.
Mas é bom que se sublinhe, até pelo pequeno episódio de ontem da manifestação de Lisboa promovida pela Liga dos Chineses em Portugal, com o apoio de todas as associações chinesas existentes em Portugal, a diferença entre uma democracia digna desse nome, que acolhe estrangeiros como se fossem os seus nacionais, dando-lhes espaço, paz, trabalho, acima de tudo liberdade para se expressarem e manifestarem, e um regime policial onde diariamente se assiste à erosão das liberdades e das garantias mais básicas pelas mais estapafúrdias razões.
Era só isto que hoje vos queria dizer. Amanhã não sei se poderei fazê-lo.
Em tempo: A LUSA queixa-se de ter sido filmada, mas não esclarece por quem. As autoridades portuguesas deverão esclarecê-lo, porque se jornalistas portugueses são filmados na sua terra por agentes estrangeiros, então é porque muita coisa está mal no reino da Dinamarca e será preciso tomar medidas.
O J. tinha-me feito a sugestão há tempos. Pensei no assunto e entendi ser chegado o momento. Agradeço-lhe a boleia.
O resultado, com todos os defeitos de uma escrita apressada para não perder actualidade, ficou aqui, na edição online do jornal Público. Tem por título Potenciar a fraude e a desilusão. E diz respeito a todos nós, aos de dentro e aos de fora. Se é que ainda queremos ter voz.
Vá lá que no final ainda apareceu alguém com bom senso suficiente para mandar os piscos recolherem a penates. Antes de fazerem mais estragos ao regime.
Até nisto somos diferentes. Não há Dia Nacional que não contenha uma boa polémica. Se não é por causa da medalhística, do programa das comemorações ou do conteúdo dos discursos é por outra razão qualquer. Desta vez é por causa de Pedro Adão e Silva e da sua nomeação como Comissário Executivo da Estrutura de Missão para as Comemorações do Quinquagésimo Aniversário da Revolução de 25 de Abril de 1974.
A reacção primeira de muitos portugueses foi de incredulidade e desconfiança, havendo logo quem dissesse, mesmo sem conhecer o nomeado, que se tratava de uma recompensa política ou de um job for the boy. Reacção natural por parte de quem se habituou a ver neste tipo de comissões um emprego e uma tença para a vida por força da cunha, do compadrio, do nepotismo.
Convenhamos que uma Comissão para mais de quatro anos se pode afigurar à partida como se prolongando excessivamente no tempo, mas sem que se saiba o que vai ser feito, isto é, a dimensão e o alcance daquilo que irá ser realizado, pareceram-me intempestivas e desapropriadas algumas das reacções.
A criação de estruturas de missão e a nomeação dos respectivos dirigentes sempre foi uma prerrogativa do Governo da República.
Já o era em ditadura, quando a propósito da Exposição do Mundo Português, Salazar nomeou uma comissão em 11/04/1938 para uma inauguração que teve lugar em 23/06/1940, mas também o foi em democracia, como aconteceu com a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, que criada por Cavaco Silva em 1986 se prolongou até 2002, altura em que foi extinta com mais de setenta (70!) pessoas ao seu serviço, e onde só Vasco Graça Moura, que tinha tanto de intelectual, escritor e tradutor fora-de-série como de comissário político do PSD e do próprio Cavaco Silva, se sentou durante cerca de oito anos.
Estou certo de que se hoje, 10 de Junho de 2021, perguntarem aos portugueses que memória têm dessa Comissão [de Vasco Graça Moura, por exemplo, e do seu excelente legado, todos temos memória] e do seu trabalho, a maioria terá dificuldade em apontar as suas realizações. No entanto, existem registos, arquivos, livros, filmes, ensaios, inúmeras realizações que alargaram as perspectivas e o nosso conhecimento sobre essa epopeia dos Descobrimentos, que para alguns povos e muitos historiadores continua a ser objecto de acesa crítica pelas consequências que para terceiros acarretou.
Das palavras do Presidente da República, que prontamente manifestou o seu apoio ao nomeado, justificando publicamente algumas das razões para a sua escolha, ainda poderia desconfiar. Porém, a escolha do general Ramalho Eanes como presidente da sua Comissão Nacional, à qual incumbe a aprovação do programa oficial, fez-me de imediato pensar que seria necessário esperar para conhecer o “caderno de encargos” antes de se começar a fazer tiro ao boneco. O nome de Eanes, sendo um dos poucos referenciais do 25 de Abril que resiste de forma íntegra e consistente, é um militar e um homem sério que não costuma fazer figura de corpo presente naquilo que se envolve, e que não se presta a jogadas, esquemas ou cambalachos político-partidários, deixou-me na expectativa e com um módico de confiança para que não desatasse aos tiros.
Depois, foi o que se viu. O que também lamentavelmente também nos caracteriza. Um descabelado ataque ad hominem, colocando em causa a integridade, a competência e a idoneidade do visado, o qual ficou imediatamente desqualificado para o exercício daquela ou de quaisquer outras funções públicas, como se o próprio não tivesse um currículo académico – não é um qualquer lambe-botas que obtém um doutoramento em Florença – e profissional feito com mérito e a tempo e horas – não se trata de um Sócrates, de um Relvas, de um Vara ou de um Passos Coelho –, sem depender de juventudes partidárias e de partidos para singrar.
Recompensa política é o que se tem visto na nomeação de apparatchiks partidários, meros funcionários sem qualquer rasgo e amigalhaços sem qualificações para lugares onde vão receber aquilo com que nunca sonharam, passando a ter um estatuto que o seu mérito jamais lhes permitiria alcançar, fosse na Caixa Geral de Depósitos ou na EDP, em empresas públicas ou na condução de processos miseráveis de privatização, recebendo dezenas de milhares de euros e acabando depois a trabalharem para os consultores desses processos de privatização ou para as próprias empresas. Como recompensa à fidelidade ao líder ou ao partido também costuma ser a indicação para o preenchimento de listas de deputados, a nomeação para lugares em empresas municipais, concessionárias de serviços públicos ou até para posições de favor nos diversos ministérios e entidades de supervisão e fiscalização. Aí temos todos visto muitos desqualificados, profissional, academicamente e até de carácter, fazerem de conta que fazem alguma coisa.
No entanto, Pedro Adão e Silva esteve bem, esclarecendo na TVI as suas ideias e colocando bem claro que está ali para cumprir uma função pública, por devoção ao país e à causa e não aos euros, oferecendo o peito às balas, abdicando do seu salário de professor universitário por um de director-geral, que será sempre menos do que o de gestor público que outros receberam em lugares idênticos.
Quanto ao líder da oposição, bom, esse comportou-se como um verdadeiro merceeiro, a quem só faltava o lápis atrás da orelha, demonstrando bem a necessidade e a importância do trabalho que Adão e Silva e todos os que vierem a ser envolvidos terão pela frente. Tal reacção, bem como a de outros líderes partidários, é bem reveladora do espírito de seita, medíocre e ignorante que subjaz a muitas das suas intervenções públicas, antes mesmo de se esclarecerem ou de perceberem o que está em causa.
Poder-se-á criticar o processo de escolha, a falta de esclarecimentos prévios, e nisso poderei estar de acordo, mas convenhamos que neste momento tudo serve para a chicana política. Se outras nomeações nunca deveriam ter acontecido, e nunca se justificarão, como a de familiares de membros do Governo e de militantes partidários para as funções para as quais não têm qualquer competência ou currículo, ou a permanência em funções de ministros cujo desempenho tem sido penoso, mormente neste Executivo, com prejuízo para todos, penso que dentro de algum tempo não se dirá o mesmo do agora nomeado e em cujo trabalho até prova em contrário confio.
O que há a fazer junto das gerações nascidas depois do 25 de Abril de 1974, de compreensão daqueles que são, ou deviam ser, os valores que nos regem enquanto povo, república e democracia, é fundamental para a mudança de mentalidades, para se mudar o próprio espírito e as práticas dos partidos políticos, se motivar gente para uma participação política esclarecida, saudável, assente em valores seguros e perenes, e não na espuma dos dias, ajudando a formar uma geração de gente capaz, conhecedora da sua história, da mais recuada e também da mais próxima, que possa contribuir para a construção de um país moderno, mais democrático, mais inclusivo e muito mais equilibrado.
Por tudo isso, o papel que vier a ser desempenhado por Pedro Adão e Silva e todos os membros dos diversos órgãos que serão constituídos se afigura crucial. O trabalho que fizerem, as suas escolhas, o caminho que empreenderem, terá de ser absolutamente transparente e justificado em todos e cada um dos momentos de maneira que no final todos possamos concluir que alguma coisa se mudou em relação a práticas anteriores, e que por uma vez aprendemos com os erros do passado a construir mais e melhor no futuro.
Aguardemos, pois, pela apresentação do caderno de encargos, acompanhemos o seu trabalho futuro realizando o necessário e permanente escrutínio à sua execução e aos gastos respectivos, sem pedras nos sapatos, curando do essencial e não perdendo tempo com mesquinhices próprias de coscuvilheiras desconfiadas, ressabiadas e ignorantes, para que cada um de nós possa no final, e em todo e qualquer momento, fazer de boa-fé o respectivo juízo.
Foi há exactamente trinta e quatro anos, em 26/03/1987, que foi rubricado em Pequim, pelo embaixador Rui Medina e pelo vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da RPC, Zhou Nan, o texto acordado entre as delegações de Portugal e da China para a Declaração Conjunta sobre a Questão de Macau, o qual viria a ser assinado em 13 de Abril seguinte e regeria até 1999 o modo como se processaria a reversão do território para o seu legítimo soberano. A partir daí seria a Lei Básica da Região Administrativa Especial a marcar os segundos, os minutos e as horas.
Este aniversário ocorre num momento de fricção entre a China e os Estados Unidos, a União Europeia, o Reino Unido; e entre aquela e alguns dos aliados dos outros na Ásia e no Pacífico.
Macau, apesar do clima de paz, estabilidade e segurança de que beneficia desde há mais de duas décadas também tem sofrido as consequências da conjuntura internacional e da geografia em que se insere. E estas fazem-se sentir ao nível das liberdades, em especial em matéria de direitos fundamentais, os quais têm sido objecto da imposição de constrangimentos, nuns casos mais dissimulados do que noutros, e de acções que transformaram uma região de cariz mediterrânico, numa extensão rica do estado autoritário, policial, censor e persecutório que comanda os destinos do sistema socialista e controla os mais ínfimos e inócuos movimentos dos seus cidadãos.
De um ponto de vista formal poucas coisas mudaram. Numa perspectiva substancial mudou quase tudo. E há muita coisa que até agora ou não foi cumprida de todo – continua a não haver sindicatos e a inexistir uma lei da greve –, ou está a ser restringida em termos nunca antes previstos – liberdade de imprensa, direito de reunião, manifestação e desfile –, muito embora o discurso oficial seja muitas vezes, tanto o português – cada vez mais desvalorizado e desrespeitado na comunicação oficial, na administração pública, nas polícias e nos tribunais – como o chinês, um discurso que continua a querer fazer passar uma mensagem que não corresponde a realidade, por vezes destinado a compô-la para os olhos externos ou a disfarçá-la para os internos que se habituaram a comer sofregamente e sem nada questionarem tudo o que lhes põem no prato.
A pandemia do Covid-19 tem servido de cortina para muita coisa. A coberto desta e da contribuição da RAEM para a segurança nacional foram criados sistemas de controlo dos residentes dignos de uma novela de Orwell, não raro complementados com decisões kafkianas e com uma visão do segundo sistema incompatível com o princípio da separação de poderes.
A aceleração do processo de integração na RPC comportou mudanças em relação às quais não se ouviu uma palavra dos responsáveis de Portugal, aliás na linha daquele que é o entendimento de alguns compatriotas, de que não obstante os compromissos internacionalmente assumidos, consideram que a permanência da nossa comunidade residente é uma situação de favor e que esta justifica todos os silêncios e atropelos que sejam cometidos, dos mais ligeiros aos mais graves, desde que no final apareça um prato de lentilhas, haja um arraial anual, vinho tinto e chouriço.
Mudanças que merecem a compreensão e até são aplaudidas por alguns contorcionistas, que os há em todo o lado, em todos os tempos e de todas as nacionalidades, ou por um ou outro titular de currículo menos recomendável por aqui estabelecido, mas que para a maioria trabalhadora, que só se manifesta discretamente nas reuniões familiares, em rodas de amigos ou que de todo evita manifestar-se, é um peso suportado mais com desgosto, tristeza, abnegação e fé do que com sacrifício.
Afinal os mesmos sentimentos que emergem de cada vez que se vê partir um rosto querido da comunidade, levando consigo a história dos lugares e a memória das suas gentes, se ouve um embaixador desculpar os atropelos, um ministro asneirar (o acordo entre Portugal e a China não se chama Lei Básica; Portugal não tem quaisquer obrigações a cumprir no âmbito desta, e também não podia ter visto que se trata de uma lei interna chinesa), ou se vêem os cronistas do império acordarem estremunhados e desinformados para realidades longínquas, para as quais de quando em vez são despertados, que os ultrapassam e que para eles continuam desconhecidas ao fim de tantos anos.
(Veloso Salgado, 1864-1945, óleo sobre tela, Museu Militar, Sala Restauração)