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besteiras

por Sérgio de Almeida Correia, em 12.09.23

Em Fevereiro de 2000, o Brasil assinou o compromisso de adesão ao Tribunal Penal Internacional, cujo estatuto foi depois publicado e entrou em vigor na ordem interna brasileira pelo Decreto 4388, de 25 de Setembro de 2002, assinado pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, há mais de 20 anos que o Estatuto de Roma se aplica no Brasil.

Entre 1 de Janeiro de 2003 e 1 de Janeiro de 2011, Lula da Silva foi presidente do Brasil. E este ano voltou a tomar posse para um novo mandato.

As declarações que proferiu, ignorando o princípio da separação de poderes e o Estado de direito, e as dúvidas que levantou, não só não dignificam o Presidente da República Federativa do Brasil, como o diminuem, bem como ao país, passando uma versão cada vez mais básica e atrozmente ignorante de quem ascendeu ao cargo.

A adesão ao TPI não é uma questão de "Maria vai com as outras". E não é pelo facto de outros não aderirem, por razões egoístas e de puro e recalcado nacionalismo, que deve orientar as escolhas racionais de estados soberanos civilizados que respeitam o Direito Internacional Público.  

O chorrilho de inanidades que tem vindo a ser debitado por Lula da Silva, que ainda não está senil, começa a parecer acompanhar o nível dos seus amigos Maduro e Putin; mas o mais grave nem é isso.

O pior é o Brasil ter-se libertado do cabo de esquadra Bolsonaro, visando recuperar a sua dignidade e o respeito internacional, e para isso reelegeu Lula da Silva, para se colocar agora, quase diariamente, na esquina errada da democracia, dos direitos humanos, do conhecimento, da civilização, do progresso e do desenvolvimento, enveredando pela mais aberrante a aterradora das versões populistas.

Não sei o que Lula deve ao ditador e facínora Putin, mas mais de duzentos anos após ter conquistado a sua independência, o Brasil não merecia tão grande enxovalho.

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promessas

por Sérgio de Almeida Correia, em 23.05.14

Ainda não fez uma semana que a troika se despediu dos régulos que tomam conta do "Protectorado" e já um ilustre autarca se prepara para cumprir uma promessa eleitoral. Inadiável, digo eu. Sim, porque quando se considera estruturante um investimento de € 100.000,00 (cem mil euros) para construir uma "pista pedonal para cumprimento de promessas em nome de Madre Rita", quem o promove deve ter direito a fotografia na primeira página. Para que  todos os portugueses a quem são pedidos esforços e sacrifícios possa ver a cara do "pagador de promessas" e agradecer convenientemente o investimento quando com ele se cruzarem na rua ou, quem sabe, numa procissão pré-eleitoral.

Para um tipo que foi secretário de Estado do Sr. Passos Coelho, num executivo onde também estava aquele senhor a quem chamavam "doutor", que ia fazer a reforma das autarquias, da RTP e de mais um montão de coisas, para poupar dinheiro aos contribuintes, acabar com as gorduras do Estado e reduzir a despesa pública, penso que seria importante incluir este cavalheiro nas medalhas para o Dez de Junho. Oxalá que o Presidente da República não se esqueça dele.

Autarcas destes, dos que cumprem promessas e anunciam investimentos estruturantes em honra das santinhas da terra a 72 horas de um acto eleitoral, já escasseiam. Com a generosa protecção do partido ainda menos.

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polivalente

por Sérgio de Almeida Correia, em 22.05.14

Fernando Seara anunciou a sua candidatura à Liga de Clubes. Ainda não fez um ano que foi eleito para exercer o lugar de vereador da Câmara de Lisboa para um mandato de quatro anos e já está a preparar-se para dar o salto, uma vez mais deixando enganados os eleitores que o elegeram para cumprir o mandato, depois de ter jurado a pés juntos que iria ficar na autarquia.

O homem que desde há anos é especialista em todas as áreas, nunca dando o dito por não dito, do comentário televisivo futebolístico à presença assídua em jornais, sem esquecer a militância política, primeiro no CDS, depois no PSD, passando pelo exercício de cargos partidários, parlamentares e autárquicos, a advocacia, gabinetes ministeriais, o exercício da docência e o conselho de opinião da RTP; e que ficou ultimamente conhecido por liderar o "comboios dos parolos" no Copacabana Palace, predispôs-se agora a ocupar a presidência da Liga de Clubes.

Os benfiquistas até podiam ter razões para estarem satisfeitos. Eu desconfiaria. O candidato é a imagem acabada da demagogia populista e um espelho da proximidade entre a política, a bola, a construção civil e a comunicação social. Por mais sério que seja, e consta que nesse aspecto é irrepreensível, é um daqueles casos em que a personalidade pública e o currículo académico, profissional e político acabam por falar contra si. Não por ser irrelevante, mas pela polivalência. Pela facilidade com que num estilo moluscóide salta de um lugar para outro e a tudo se adapta com um sorriso e uma palavra simpática. Se a tudo isso juntarmos uma passagem por um colégio universitário ligado aos franciscanos e uma escola militar, está encontrado o homem ideal para nadar no pântano do futebol nacional, fazendo acordos com o mesmo à-vontade a norte e a sul, no interior e no litoral.

Pelo menos desta vez não corre o risco de voltar a ser humilhado nas urnas com a camisola do PSD. Basta-lhe fazer as habituais promessas e negociar apoios, coisa que já começou a fazer prometendo um rendimento mínimo para os clubes e um pacote fiscal, tanto mais que a troika já fez as malas. Para quem diz que vai unir e credibilizar parece-me um mau começo. Ou bom, dependendo da perspectiva. Unir é capaz de conseguir, nem que seja pela distribuição de euros em tempo de vacas magras. Credibilizar, com o seu currículo e exemplos recentes, é que será outra conversa. Se no fim faltarem os euros para distribuir a culpa será do Governo, dos clubes, de alguém lá mais para a frente. E assim se vai perdendo o talento e o que ainda restava de simpatia pela personagem.

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republicanizar

por Sérgio de Almeida Correia, em 11.04.14

"Muitos dos arrebatamentos emocionais da sociedade têm a ver com o facto de as pessoas terem medo, um medo mais relacionado com a desprotecção económica à esquerda e mais com a perda de identidade à direita, embora tudo isto se misture dando lugar a sentimentos de difícil interpretação e gestão. Neste mundo já não são eficazes as seguranças que só funcionam em espaços fechados mas as pessoas têm direito a um resguardo semelhante nas novas condições. Enquanto a política não for capaz de proporcionar uma segurança equivalente, as sociedades terão motivos para confiar nas promessas impossíveis de cumprir do populismo." - Daniel Innerarity, Público, 11/04/2014

 

Neste pequeno trecho que transcrevo, o filósofo basco Daniel Innerarity (Bilbao, 1959) sintetiza de forma magistral qual o grande  problema da política contemporânea. A política, e os políticos, já que esta é feita por homens, é incapaz de proporcionar segurança aos cidadãos, o que na perspectiva daquele conduz ao acolhimento da mensagem populista. Para o caso é indiferente que esta seja proveniente daquilo a que se convencionou tradicionalmente designar por direita ou por esquerda.

Se nos detivermos cinco minutos a pensar no que distingue uma democracia representativa, um Estado de direito democrático, de uma ditadura ou de modelos autoritários musculados, rapidamente chegaremos a uma conclusão: as democracias são normalmente previsíveis, as ditaduras e os estados autoritários naturalmente imprevisíveis.

Não que nestes últimos não exista lei e ordem, como apregoava o velho Salazar, se via na Espanha franquista, na Itália mussoliniana ou no Terceiro Reich, ou mais recentemente na descaracterizada Rússia de Putin. Mas porque a previsibilidade das democracias e das suas regras não se funda apenas na exigência formal da produção e publicação do texto legislativo ou do regulamento, mas no rigor da sua interpretação e execução, na previsibilidade da sanção, na garantia da clareza na aplicação do direito, na cominação da sanção, na equitativa distribuição dos deveres e dos sacrifícios e no exercício e protecção dos direitos.

A estabilidade e segurança conferida por uma democracia exigente e rigorosa reflecte-se em tudo isso, mas igualmente na forma como o poder é exercido, como o parlamento assume a sua função legislativa e fiscalizadora da acção do executivo, na forma como o poder se distribui entre as diversas instituições, no modo como os checks and balances se articulam, na actividade dos tribunais e na acção das polícias. E, acima de tudo, na transparência com que tudo isso é feito, isto é, no acesso que todos e cada um têm ao acesso à informação, ao conhecimento dos processos e à certeza de que pela sua acção externa não só lhes é permitido acompanhá-los como orientar a sua acção fazendo uso de mecanismos ao alcance de todos.

Proporcionar segurança numa democracia implica ter actores em quem se possa confiar, cuja mensagem seja clara, directa, de imediata percepção pelos destinatários. As "promessas impossíveis de cumprir do populismo" passam também por aqui. E a este propósito, alguns trabalhos que têm sido feitos dando conta da forma como a Frente Nacional da família Le Pen cresceu e atingiu os históricos resultados das últimas municipais francesas, são de leitura aconselhável para que se perceba como aquele que deveria ser o discurso próprio das democracias se transformou no discurso da Frente Nacional e do "Campus Bleu Marine". Convirá não esquecer que nas listas da Frente Nacional se candidatou muita gente vinda de diversos quadrantes à sua esquerda, de um alto quadro da Comissão Europeia a dissidentes da UDF e do RPR, sem esquecer dissidentes de esquerda como Valérie Laupies, esta última candidata em Taracon (Bouches-du-Rhône), eleita para o comité central e conselheira regional da Frente Nacional em 2010, actual conselheira de Marine Le Pen para os assuntos da educação. Mais grave foi que a transumância não se limitou às pessoas. Hoje, em França, a Frente Nacional surge mesmo, paradoxalmente, como herdeira dos valores republicanos que as forças tradicionais, designadamente à esquerda, desde sempre se reclamaram exclusivas e fiéis depositárias, ainda que para isso tenha sido necessário deturpar a mensagem e vestir o discurso de uma roupagem nova - recorrendo a modernas técnicas de marketing e comunicação e à distribuição de kits de formação do militante frentista - ou disfarçar o passado militarista de alguns dirigentes.

Os cidadãos-eleitores  não podem ser criticados por essas mudanças, salvo na parte em que o desastre da afirmação política das democracias nos tempos actuais, de que constituiu sintoma pertinente o declínio da participação nas democracias consolidadas e nos partidos, em muito se ficou a dever ao crescimento da sua própria apatia.

Veio isto a propósito do texto de Innerarity como podia vir a propósito de "o problema é deles", manifestação de paroquialismo vinda de onde menos se espera, ou da dupla indignidade do comportamento do poder político em matéria tão sensível como é a da transparência da tributação e da necessidade dos contribuintes destinatários serem esclarecidos por quem decide sobre as regras que lhes são aplicáveis sem terem de se sujeitar a atitudes de banditismo fiscal, tornadas corriqueiras por força de um aberrante comportamento político de tipo liliputiano por parte dos responsáveis em matéria fiscal e respectivos executores.

A insegurança residirá na política, nos caminhos que esta prosseguiu nos anos recentes, sem que, todavia, nesta se esgote. A adequação formal das regras não constitui o princípio e o fim da segurança. Esta será apenas um caminho para atingir os fins superiores da actividade política. Por isso é que, quanto a estes, mais do que apontar o dedo aos cidadãos e aos eleitores que escolhem o caminho "mais fácil" do voto "populista", importaria, agora que passam 40 anos sobre o 25 de Abril e se cumpre o centenário da morte desse mito da cidadania que foi Jean Jaurès, republicanizar a democracia, tornando-a possível, oferecendo um modo de ser e de estar que contrarie em cada dia que passa a deprimente e cada vez mais insuportável falta de estatura, de dimensão ética, moral e política de quem diariamente decide sobre as vidas dos seus semelhantes sem olhar para o que está por trás, nem para as consequências dos seus actos, cumprindo agendas e roteiros dignos de moluscos destituídos de vontade.

Tornar a democracia possível é torná-la segura, afastando-a da imprevisibilidade típica da gestão dos incompetentes, do autoritarismo de caserna e da arbitrariedade das ditaduras. Tornar a democracia segura é, além do mais, humanizá-la, coisa que não poderá ser feita por autómatos políticos cujo único credo é a conquista do poder e a sua manutenção para garantir o alimento do  lumpen dependente que os venera e serve.    

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