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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
(foto de Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)
A frase tem tanto de genuína e singela quanto de ingénua. Revela bem a natural preocupação de um pai pelo destino, neste caso político, do seu filho. E pertence ao pai do novo secretário-geral do Partido Comunista Português.
Mas qual é a frase?, perguntar-se-á com razão.
Pois bem, o que o pai de Raimundo disse foi tão só que “ter um filho, de 46 anos, a receber um partido nas mãos, nas condições em que o PCP está neste momento, não é algo que se deseja”.
Ele lá saberá por que a disse naquele momento. E não valerá a pena discorrer, por agora, sobre o que estará na base da sua conclusão sobre "as condições em que o PCP está". Presume-se que não sejam as ideais.
Para já acompanhemos o pai de Raimundo na sua apreensão, manifestando-lhe a nossa solidariedade.
Por muito que acredite nas competências e potencialidades do filho, e com ele partilhe dos mesmos ideais, o homem não anda a dormir, e não se deixa cegar pela ideologia ou o amor filial.
Assim se vê, não a força do PC, mas antes qual a natureza dos trabalhos em que o Raimundo se meteu.
Os comunistas deviam conversar com o senhor José Raimundo. O Paulo Raimundo, depois do discurso que fez na sua cerimónia de entronização, também. Fazia-lhes bem uma aproximação à realidade. Aos portugueses. Deixarem-se de ronaldices.
O PCP realizou o seu XXI Congresso. Como todos os congressos anteriores, foi um êxito retumbante. Eu atrever-me-ia mesmo a dizer que não há congresso, qualquer que seja o partido político português, que não seja um êxito. Mas os do PCP normalmente ainda são mais extraordinários.
Muitas foram já as análises efectuadas. Da preparação ao evento, sem esquecer as intervenções de dirigentes e militantes, numa reafirmação da sua cada vez mais desfocada visão do mundo.
Aqui quero apenas salientar um aspecto que continua a acentuar-se, mas que nem por isso leva o PCP a procurar encontrar as razões e, eventualmente, a mudar. Trata-se da contínua quebra do número dos seus militantes, no que são acompanhados por outros partidos nacionais que recusam ou não conseguem renovar-se tal a forma como estão agrilhoados à sua própria mediocridade.
Na análise que ontem publicou, o Público salienta a descida do número de militantes nos últimos oito anos, isto é, de 60 484, em 2012, para 54 280, em 2016, até aos 49 960 de 2020. Ou seja, uma queda de 17,4%.
Se recuarmos um pouco mais verificamos que em 1983 o PCP tinha 200 753 militantes; em 1996 eram 140 000; e em 2006 esse número atingia 80 000. Entre 2006 e 2012 o PCP perdeu quase 20 mil militantes.
Nas Teses apresentadas ao XXI Congresso continua-se a sublinhar que "[o] Partido, para agir e desempenhar o seu papel de vanguarda na concretização dos seus objectivos, precisa de uma organização forte, estruturada e ligada às massas", esclarecendo-se que o número actual de militantes resulta de "uma redução ligada ao facto do número de recrutamentos não ter compensado o número de camaradas que deixaram de contar como membros do Partido", o que parece ser uma evidência lapalissiana, mas acrescenta-se que tal é devido "principalmente em consequência de falecimentos".
Durante anos procurei averiguar as razões para essa quebra, como fiz em relação a outros partidos, não me ficando pelo "principalmente". Até hoje o PCP não esclareceu, nem quer esclarecer, quantos dos que deixaram de constar como militantes saíram das suas listas por terem falecido, por descontentamento com a linha ideológica, por não concordarem com as práticas internas do partido ou por qualquer outra razão que os levasse a abandonar a militância.
Dizer apenas que a maior parte dos que saem representam "principalmente" falecimentos é o mesmo que não dizer nada. E o facto de 49% dos militantes do PCP terem mais de 64 anos, e apenas 11,4% terem menos de 40 anos, também não ajuda muito, porque não só não consta que nos outros partidos "morram" tantos militantes como no PCP, como se sabe que nos outros há quem não fique à espera da hora da morte para ser abatido nos cadernos de militantes.
Escrevia o Pedro Correia que depois da derrocada eleitoral nos Açores o PCP irá continuar a aprender à sua própria custa com as eleições que hão-de vir.
Não comungo desse optimismo. Aprender à sua própria custa ainda seria uma forma de aprender. Não me parece que possa vir a ser esse o caso.
Porém, olhando para a evolução dos números dos seus militantes ao longo das últimas décadas, para as teses do último e de todos os outros congressos que o antecederam, ouvindo os discursos e vendo a forma como vai diminuindo a influência política e social do partido, dir-se-ia que não querem aprender nada. Recusam-se a aprender, como também rejeitam mudar as lentes que usam, por mais riscadas e picadas que estejam, tentando convencer os outros de que aquelas é que são boas porque não partem de cada vez que caem ao chão. Ouvir alguns dos seus dirigentes hoje ou há quarenta anos é exactamente a mesma coisa.
O mundo mudou. O PCP e os seus dirigentes ainda não se aperceberam disso. E dos militantes que se aperceberam o PCP diz que só se libertam na hora da morte.
Sem mudar de lentes e a manter-se a constância de "falecimentos" dos seus militantes, com mais alguns congressos, o PCP arrisca transformar-se definitivamente num fantasma que andará pelo meio de quatro paredes à procura da sua sombra.
Enquanto lá fora a luta continuará. Sem o PCP. E com andrés e venturinhas descendo a Avenida da Liberdade.