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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Começa a ser irrelevante, tal é a sucessão de casos, saber o que o primeiro-ministro pensa sobre o que aconteceu no Parlamento com a aprovação do referendo sobre a co-adopção ou sobre mais este rocambolesco episódio da venturosa carreira política e empresarial do secretário Branquinho, verdadeira cereja a coroar uma carreira política de "sucesso". Desconheço se teremos mais uma remodelação à vista, mas a forma como tudo isto é feito e se processa aos olhos dos portugueses, com actuações que são exactamente o oposto do discurso proclamado, revela modelos de acção política e ética tão rascas e tão deprimentes em quem exerce funções de representação que é de espantar como dentro da maioria ainda apareça quem revele um módico de bom senso e se demita da vice-presidência da bancada parlamentar na sequência de mais um momento de desvario da sua gente.
Com ainda um ano e meio pela frente, a negociação de um segundo resgate, programa cautelar ou o que lhe quiserem chamar para ajustar com a troika, eleições europeias e uma oposição em estado catatónico, a sucessão de casos não garante nada de bom quanto ao futuro. O dr. Portas bem pode jurar a pés juntos e com as mãos em prece a boa saúde da coligação, mas sem o José Cardoso Pires para esclarecê-lo, aquilo que se constata é que os rabos de fora são tantos que já não se sabe se há gatos para todos ou se serão sempre os mesmos que correm descontrolados de um lado para outro.
A edição desta manhã do Público confere destaque - chamada à primeira página e mais quatro de desenvolvimento no caderno principal - à adjudicação, em 2002, a uma empresa (NTM) do antigo deputado do PSD e actual secretário de Estado da Segurança Social, Agostinho Branquinho, e da qual o actual ministro da Defesa se tornou presidente da respectiva assembleia geral após a adjudicação, de uma campanha de comunicação do programa Foral, no valor de € 450.000,00, decidida pelo gabinete do então secretário de Estado da Administração Local de Durão Barroso, o excelso Miguel Relvas.
Branquinho é mais uma daquelas personagens saídas do obscuro universo que promove jotinhas e pseudo-maçons - os verdadeiros maçons são gente de bem que não se mete nestas alhadas - sem méritos conhecidos e que ascendem na política e no mundo empresarial sem que ninguém perceba a que se devem os seus méritos e ascensão, para além das estranhas ligações que vão exibindo ao longo do seu percurso e que lhes permitem ir saltitando de S.Bento para empresas privadas que lhes eram "desconhecidas" até lhes surgir a hipótese de nelas enriquecerem, e destas para cargos públicos, sempre com a mesma ligeireza e desfaçatez.
Se a forma como o antigo deputado saltou para a Ongoing já era susceptível de deixar qualquer cidadão de cara à banda, o que depois se seguiu, com a sua nomeação, no regresso do Brasil, para a Santa Casa da Misericórdia do Porto e, mais recentemente, para o governo de Passos Coelho, revela a falta de vergonha e de memória que esta gente tem.
Enojado como saí de Portugal com tudo a que por lá assisti na última década, a única coisa que posso desejar, longe como estou, é que a sociedade civil portuguesa, o Ministério Público, os tribunais e a imprensa livre cumpram o seu papel de forma rápida e transparente. Importa, pois, que a adjudicação do programa Foral à NTM, independentemente do trabalho que depois terá sido feito, seja posta no branquinho, para que todos possam compreender como essas coisas se fazem, por quem, qual a sua dimensão e ramificações, e, em particular, com que critérios os caseiros dão as cenouras aos insaciáveis coelhos, sabendo-se que a tal NTM já fechou portas com um milhão de euros de dívidas.
Deve haver alguma maneira civilizada de pôr travão a este estado de calamidade permanente que se abateu sobre os portugueses.
Quando até um espírito aberto como João Miguel Tavares, que se auto-posiciona à direita do espectro político e admite ser liberal, seja lá o que isso for, desconfia da bondade das soluções encontradas para o processo relativo aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), um tipo fica de pé atrás. Quando um destacado deputado municipal de Viana do Castelo e militante do CDS/PP, partido que participa no Governo e sustenta a coligação parlamentar que o apoia, qualifica o processo de subconcessão dos ENVC como "facto sui generis" e "negociata low-cost" (vd. Público de hoje), a gente começa a remexer-se nas cadeiras. Quando depois é o presidente da Câmara de Viana, que até é de outro partido político, quem esclarece que "mesmo ao lado dos ENVC, a multinacional alemã Enercom, do sector eólico a quem os ENCV subconcessionaram, em Junho de 2006 até 2031, uma parcela com 106.607 m2 para a instalação de duas fábricas" paga "55 cêntimos por metro quadrado", sabendo-se que a Martifer irá pagar "cerca de 12 cêntimos por metro quadrado", não custa acreditar, como também disse o tal militante do CDS/PP, que "estamos perante uma declarada e óbvia negociata".
O problema do meu país não são as negociatas "low-cost" que a maltosa engendra. O problema do meu país é que hoje em dia tudo é "low-cost". Quando se tem um governo "low-cost", dirigentes "low-cost", políticas "low-cost", primeiros-ministros e ministros "low-cost" e com formação "low-cost", é natural que os resultados alcançados sejam também "low-cost", que as reformas sejam "low-cost", a cultura "low-cost", os direitos sociais "low-cost", a justiça recorrentemente "low-cost", as PPP "low-cost", a educação "low-cost", os serviços consulares abaixo de "low-cost", a saúde "low-cost", e por aí fora, até ao ponto de haver quem deseje uma Constituição "low-cost".
Como normalmente também acontece com tudo o que é "low-cost", em especial quando se trata de bens "high-cost" como o interesse público, a educação, as políticas de saúde ou de apoio social aos mais carenciados, o preço que depois há a pagar por um serviço com um custo normal acaba por ser demasiado elevado. É nessas alturas que se percebe que as reformas também foram "low-cost", que o "low-cost" acaba por ser caro e é irreversível, havendo bens e serviços que não podem ser fornecidos em "low-cost" sob pena de não serem de todo fornecidos a quem precisa deles e não os pode pagar num mercado regulado "low-cost". A promessa da excelência "low-cost" conseguida à custa de todos é uma ilusão. O ex-ministro Gaspar ainda o conseguiu perceber a tempo de se pirar. Alguns nunca quererão perceber a razão por que pagamos duas vezes.