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oásis

por Sérgio de Almeida Correia, em 04.08.14

 

Passos Coelho tinha dito que o Estado não seria obrigado a salvar o BES. Que não haveria dinheiro dos contribuintes lá metido, que seriam os privados a arcar com os prejuízos. Concluí, ingenuamente, que seriam os "capitalistas" a resolver o problema. Mas o que se vê, ao contrário do que foi afirmado e da mensagem que o governador Carlos Costa quis passar, é que estamos perante uma nacionalização encapotada do BES. Ainda que temporária será paga com o dinheiro que não saiu do bolso dos seus accionistas, que não saiu do bolso dos privados e cujos custos serão pagos, uma vez mais, pouco ou muito, com juros ou sem juros, por todos.

Já sei que muitos dirão que o dinheiro do Fundo de Resolução não é dos contribuintes - a CGD já foi privatizada? -, que o que não vem de lá veio da troika, e outras falácias de igual quilate que servirão para enganar o povinho enquanto o primeiro-ministro vai a banhos no Algarve, o Presidente da República - que sabe sempre tudo e avisa sobre tudo e mais alguma coisa a tempo e horas e nunca fala quando deve falar -, está mudo e calado, e a ministra das Finanças desapareceu em combate.

Os incómodos ficarão para o Banco de Portugal - este também ainda é público, penso eu - e o seu actual governador. Afinal o mesmo que desde Setembro de 2013, apesar de já ter ideia do que se passava, acreditou durante quase um ano que aquela corja que permitiu que se andasse a gozar com o dinheiro que os depositantes lhe confiaram se podia manter em funções, situação que só terminou in extremis há bem pouco tempo. E foi preciso para tal ver os esqueletos começarem a fugir dos armários onde se iam desconjuntando, ao mesmo tempo que se estatelavam desamparados à nossa frente assim que a porta se entreabria. De repente, eram tarsos e metatarsos para um lado, fémures caindo por outro, rótulas e tíbias deslizando soalho fora. Só então o Banco de Portugal se apercebeu que aquele ia ser mais um buraco sem fundo.

O BES, que respirava saúde, a tal instituição financeira sólida de que o primeiro-ministro e o Presidente da República falavam, liderado por e ligado a gente que abominava o Estado e a intervenção deste na economia, enquanto engordavam engravatados porquinhos cor-de-rosa que aproveitavam todas as oportunidades para se queixarem da falta de liberalização da economia e viam qualquer intervenção do poder político na sua coutada como uma ofensa de lesa-pátria, acabam a ter de ser salvos, ao soar do gongo, por esse mesmo Estado.

Todos esses quadros muitíssimo competentes que passaram por algumas das, agora sinistras, organizações desse universo de que o BES fazia parte e que  estão a contas com a justiça (sujeitando-se à intervenção pública dentro e fora de portas, como é normal entre arautos do neoliberalismo de pacotilha), entretanto alcandorados ao exercício desses lugares de serviço público onde se "perde dinheiro", de repente desapareceram todos. Evaporaram-se. Não há agora um desses merceeiros ricos, dos que convivia com os senhores do BES e da Goldman Sachs e se passeavam por Nova Iorque, que apareça para dar cara pelos amigos ou, pelo menos, para vociferar na televisão pública contra esta intervenção. Não há um que se chegue à frente e diga ao Banco de Portugal para ficar quieto porque já reuniram, entre eles evidentemente, os fundos necessários para acudirem à situação e safarem os seus depositantes. A matilha desapareceu. E quando um ou outro é apanhado numa esquina e lhe põem um microfone junto às beiças já não vociferam. Deixaram de falar mal do Estado e limitam-se a lamentar a sorte dos compinchas. Dos tesos ricos.

Esta é a incontornável verdade que a muitos dói, em especial a todos aqueles que sempre acharam excessivo o que o Estado gastava com a saúde e com a escola dos portugueses. Os que queriam tudo privatizado, até um bem tão essencial como a água, ao mesmo tempo que escondiam milhões na Suíça e em paraísos fiscais de além-mar aproveitando para promoverem a construção de hospitais privados e apoiarem as iniciativas das escolas privadas que os ajudariam a progredir ainda mais nos negócios, contando que o Estado lhes financiasse o negócio para atenderem os seus próprios contribuintes.

Sim, porque em causa nunca esteve qualquer reforma do Estado, qualquer melhoria das qualidade dos serviços que este prestasse, a procura de uma relação equilibrada entre o custo e o benefício para uma maior eficiência. Em causa esteve sempre, esse foi o objectivo desde a primeira hora, o desmantelamento do Estado para benefício de meia dúzia de figurões que sempre dependeram da teta do Estado, das PPP's e de mais umas quantas aberrações que inventaram para prosperarem com dinheiros públicos nos seus negócios privados, se necessário fosse abusando da confiança de terceiros, colocando a máquina do Estado ao serviço dos seus interesses particulares. É para isso que na sua perspectiva serve o Estado. 

E eu, que não sou, nem nunca fui, apologista da presença do Estado em áreas onde não deva estar e que admito a sua presença nalguns sectores em sã concorrência e sem favores com os privados, vejo o El Pais escrever que "aunque el Banco de Portugal no pronuncie la palabra, es una nacionalización en toda regla".

De igual modo, o USA Today diz-me que é Portugal, leia-se o Estado, quem saiu em auxílio do BES e que "the Bank of Portugal was spurred to action after it realized that using public funds seemed to be the most viable solution". O New York Times, que deve ser uma espécie de Acção Socialista do camarada Obama, esclarece que "the Portuguese government will provide most of the money for the rescue in the form of a loan", e o Estado de Minas, via France Press, esclarece os seus leitores que "4,4 bilhões serão retirados do envelope de 12 bilhões destinado à recapitalização dos bancos no âmbito do plano de resgate de Portugal". E a insuspeita Bloomberg escreve que "Banco Espirito Santo has been forced to take public money after regulators uncovered potential losses on loans to other companies tied to Portugal’s Espirito Santo family and ordered the lender to raise capital". Até o Figaro escreve que "Le gouvernement a, semble-t-il, hésité à puiser dans l'enveloppe de 12 milliards d'euros réservée aux banques dans le cadre du plan de sauvetage du Portugal. Mais aujourd'hui, avec les 6,4 milliards d'euros qui lui restent à disposition, il était le seul à pouvoir renflouer l'établissement dans les plus brefs délais".

Perante isto, com a imagem externa que esta operação tem, bem podem dizer aos portugueses que a solução encontrada não é uma nacionalização. Por mim até lhe podem chamar Euromilhões. Ou Ajuda de Berço. Ou Banco Alimentar. Ninguém acreditará. Nem mesmo a chanceler Merkel, a tal que disse acreditar no PEC IV. Lá fora ninguém acreditará numa só palavra do que digam sem ver as contas finais.

E quanto aos portugueses, estão tão fartos de aldrabões que até quando aparece alguém sério desconfiam. Eu também.

 

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