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preços

por Sérgio de Almeida Correia, em 09.04.25

Numa interessante entrevista à TDM, o presidente da Federação de Indústria e Comércio, Lei Chok Kuan, veio dizer-nos que "há cada vez mais pessoas a consumir do lado Norte da fronteira e que isso é um problema para Macau", referindo que "a disparidade de preços é enorme" e que o Governo devia investigar quais as causas que levam a tão grandes diferenças.

O entrevistado não se ficou por ali; e na extensa e detalhada entrevista que concedeu enfatizou que "o consumo total foi de 75,6 mil de milhões de patacas, o que representa uma diminuição de 15 % em relação a 2023", no que constitui, apesar do considerável aumento do número de pseudo-turistas, uma quebra de receita de "mais de 10 mil milhões de patacas".

O Sr. Lei, do alto dos seus 70 anos, com a sua experiência de vida, um mestrado em Economia e empresas nas áreas da restauração e joalharia, sabe do que fala. Não é por se baterem recordes na entrada de "visitantes" e se esgotarem as tripas nalgumas tabancas que alguma coisa vai melhorar. A estatística só por si não traz qualquer benefício à cidade, nem tem algum interesse para a maioria dos residentes, chegando a ser ridículas e deprimentes as aberturas de noticiários radiofónicos e de telejornais consecutivos com referências aos números de entradas e saídas pelos postos fronteiriços. 

A entrevista tem pano para mangas e contém menção a todo um conjunto de problemas que há mais de uma década exigem resposta, sem que os crânios que estiveram em funções até há bem pouco tempo se tivessem apercebido do mal que estavam a fazer à RAEM.

A "batata quente" ficou para Sam Hou Fai que está confrontado com uma série de situações acumuladas, que causaram um sério agravamento das condições económica e sociais, devido à profunda incompetência, nalguns casos, noutros à simples ignorância e má vontade, de quem exercia o poder e controlava as decisões, sempre com continuidade mimética nos subalternos.

Alguns, inexplicavelmente, ou talvez não, por castigo ou vontade de lhes ser dada uma segunda oportunidade, ainda continuam a fazer o que sempre fizeram, criando entraves e problemas sem justificação – verifique-se o que se passa com a acção de alguns senhores nas conservatórias – pelo que nem o Sr. Lei, nem ninguém, irão ver quaisquer melhorias. As perguntas continuarão.

O único que parece ter capacidade e vontade de lhes dar resposta é o Chefe do Executivo, cuja herança não lhe invejo, mas que deverá estar sempre atento e vigilante aos escolhos que se lhe irão erguer pelo caminho.

A resistência à mudança, o medo da inovação, ou o receio de nadar fora de pé são comportamentos recorrentes, enraizados e de difícil afastamento, em especial em contextos cacicais, de ignorância paroquial e vontade de não destoar da carneirada.

Acho muito bem que se questione a razão para as diferenças de preços entre Macau e Zhuhai, embora haja uma que me pareça óbvia e que resulta da falta de intervenção do Governo no mercado da especulação imobiliária, para além da absurda inoperância nos últimos anos do Conselho de Consumidores.

As disparidades de preços são notórias e nalguns materiais, produtos e equipamentos inexplicáveis, sabendo-se que muitos dos aqui se adquirem e são imprescindíveis à RAEM vêm exactamente do Interior do país. O custo da produção e do frete não pode ser superior ao que resulta da importação de produtos que vêm da Europa, de outros países da região Ásia-Pacífico ou até mesmo de Taiwan.

É preciso acabar com a protecção rentista de algumas famílias e dos senhorios sentados na Assembleia Legislativa, pois que sem isso não haverá verdadeiro mercado habitacional ou comercial que permita a introdução de um clima de estabilidade às famílias e/ou às pequenas e médias empresas que assegurem condições para o seu desenvolvimento equilibrado num ambiente de justiça e de onde resultem benefícios sociais para todos.

A preocupação do Sr. Lei com o destino do pessoal dos casinos-satélites é compreensível. Os das associações do sector e de alguns deputados próximos dos sectores tradicionais igualmente. A decisão do seu fim é uma opção política inquestionável e que não poderá ter continuidade sob pena de se voltar a "empurrar o problema com a barriga", tal como antes aconteceu com o Macau Jockey Club, cujo penoso fim só deixou ficar mal o Governo da RAEM, único que tinha uma imagem a proteger. 

Macau tem de voltar a ser uma região onde se possa investir com segurança e estabilidade, com qualidade de vida e preços acessíveis à generalidade da sua população, dispondo de uma oferta habitacional, cultural, de entretenimento e educativa de nível internacional, com serviços de saúde, de transporte – não se vêem melhorias no serviço de táxis – e de justiça decentes para todos, cobrindo residentes, não-residentes e simples "blue cards", com produtos e serviços que sirvam os seus moradores, recebendo um turismo civilizado e qualificado, oferecendo incentivos a empresários sérios, com visão de médio e longo prazo, que criem emprego, riqueza, tragam inovação e não andem sempre a pedinchar subsídios e apoios enquanto enriquecem rápida e desmesuradamente ao mesmo tempo que enganam os consumidores.

Alguma coisa, entretanto, começou a mudar. As preocupações manifestadas por quem manda e as recentes iniciativas do IAM, cuja actividade é de novo visível no cuidado com os espaços verdes, e reconhecendo publicamente a necessidade de se melhorar o controlo de pragas, eliminar ratos, baratas e mosquitos, e elevar o nível da higiene urbana, são bons sinais. Mas muito mais será preciso fazer em diversas áreas da actividade governativa. 

Os dados recentemente revelados sobre o aumento, em vez da diminuição, do grau de dependência do jogo, mostrando que este atingiu um valor superior a 86%, quando em Janeiro de 2024 o peso dos casinos nas receitas da RAEM era de 70% (vd. Ponto Final, 12/03/2025, pág.ª 7), revela bem o rotundo fracasso das políticas seguidas, que têm de ser questionadas e de ter responsáveis.

Enquanto isto não acontecer será imprescindível que muitos Sr. Lei façam perguntas, em chinês, para que chegue aos ouvidos de quem manda sem necessidade de tradução. E que jamais tenham medo de perguntar e apontar caminhos.

De outro modo continuarão a medrar a inoperância, o conformismo, as más práticas, o desprezo pela comunidade, o ar insalubre e o nevoeiro. Ninguém quer isso.

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iguarias

por Sérgio de Almeida Correia, em 02.04.25

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Começou muito bem, depois foi piorando, até naufragar nos maus leitões, no mau vinho e no preço sem justificação para uma culinária medíocre que se apresentava como "cozinha tradicional portuguesa".

Quando se preparava para lentamente arder, como tantos outros, na comida ordinária e no preço exorbitante que oferecia, alguém se lembrou, felizmente, de repescar o Chef Telmo Gongó; que, entretanto, andara a espalhar a sua arte por outros tascos.

De regresso à casa que o viu chegar, voltou a fazer dela um lugar apresentável, amesendável, e com uma boa relação qualidade/preço. Com ele trouxe nova gente para o serviço e para a cozinha. Renovou alguns pratos, acrescentou outros à ementa, e o resultado coloca hoje o Tromba Rija entre as melhores casas da cidade de genuína cozinha portuguesa.

Das irrepreensíveis pataniscas de bacalhau, aos gulosos cogumelos recheados com farinheira, às tapas variadas, ao tradicional bacalhau, sem esquecer a carne de porco à alentejana, umas ameijoas à Bulhão Pato, os superlativos mexilhões de escabeche, o arroz de pato desfiado, tudo sequinho como mandam as regras, sem peles, osso ou cartilagens, com o chouriço bem assado, ou o robalo no forno, imaculadamente fresco, há muito por onde escolher e confortar.

Os vinhos, que melhoraram bastante, e ultimamente com preços mais acessíveis, bem como as sobremesas, onde brilham muito alto as melhores farófias da terra e os fantásticos quindis, de chorar e pedir por mais, são complementos indispensáveis.

Mas onde o apuro do Chef Telmo e seus ajudantes mais se revela é no cabrito assado, no fantástico arroz de miúdos, nas batatas assadas e nos grelos salteados que os acompanham.

Uma melhoria na acústica da sala, com aquela vista sobre o rio e a esplanada, e ainda num ou noutro detalhe, faria dela um espaço perfeito.

Temos na cidade alguns muito bons restaurantes, com preços elevados e nalguns casos proibitivos para as bolsas do padrão mediano. Outros que, estupidamente, perderam qualidade, descurando o passado, subindo os preços e tornando-se em messes para os novos régulos e demais oficialato, sem gosto nem maneiras; espaços onde nem sequer falta uma iluminação de hospital e o boné na cabeça. E há ainda uma infinidade de tascas e cantinas pirosas, oleosas e mal cheirosas, que vendem tripas e afins para os pés-descalços que os Serviços de Turismo tanto acarinham.

Seria bom que, desta vez, não estragassem o Tromba Rija. Com modernices.  

Nem sempre se pode ter tudo, mas isso não é razão para que não se cuide do pouco e bom que temos.

Espero que o Chef Telmo ali continue, pela Torre Macau, enquanto puder e lhe derem o que precisa. E que os seus proprietários tenham aprendido a lição.

É pela qualidade do serviço, a frescura e boa confecção do que é oferecido aos comensais e um preço adequado ao que serve que um restaurante se impõe e mantém durante muitos e bons anos.

Para felicidade dos que lá trabalham e dos que o procuram. Seja para celebrar, seja para se esquecerem dos desgostos do quotidiano ou da distância a que se está do rectângulo, reconfortando os olhos e o estômago.

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dádiva

por Sérgio de Almeida Correia, em 10.03.25

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Não tenho informação que me permita saber se os problemas laborais anteriores estão resolvidos, mas se há coisa que se pode dizer da chegada do maestro Lio Kuokman à Orquestra de Macau é que os programas parecem ter melhorado e há uma energia renovada nas suas performances. Isso notara-se anteriormente, hoje denota consolidação, o que será bom sinal.

O motivo para estas linhas é o excelente programa co-organizado pelo Centro Cultural de Macau e o Instituto Cultural, com o patrocínio das seis concessionárias dos jogos de casino, designado "Homenagem a Brahms", e que está a decorrer desde o passado dia 7 de Março.

Muito embora, até agora, não apresente salas esgotadas, talvez por uma insuficiente divulgação, as performances da orquestra e dos solistas convidados têm sido de alto nível.

O formato escolhido para este evento mostrou estarmos perante uma aposta ganha e que deverá ser prosseguida no futuro. Não tenho dúvida nenhuma de que a música, a grande música, pode desempenhar um papel crucial na internacionalização de Macau e na diversificação da sua economia e oferta cultural. Tal como o cinema, a literatura, o bailado, a pintura ou a escultura, será fundamental para colocar a RAEM no mapa mundial de eventos de excelência.

Exige-se, porém, mais insistência nos avisos ao público e na educação deste. Muito se fez nos anos mais recentes quanto a este último aspecto, havendo mesmo a inserção de notas nos programas e avisos sonoros. Importa insistir. É preciso impedir as correrias escada acima quando os acordes finais ainda se sentem no ar e os artistas estão a agradecer. Ou as entradas tardias quando as peças já começaram o seu caminho. O visionamento e o envio de mensagens sms durante os espectáculos não pode continuar. A luminosidade dos ecrãs e as inexplicáveis e frequentes quedas dos aparelhos perturbam a concentração, constituindo desrespeito para com os artistas e demais público.  

Quanto ao que interessa, depois dos concertos de sexta-feira e de sábado, o domingo trouxe-nos algo de diferente, fazendo-me recordar outros eventos já distantes.

Pese embora a excelente acústica, o pequeno auditório é particularmente desconfortável devido ao exíguo espaço entre as filas e cadeiras para acomodação das pernas, o que torna penoso o acompanhamento de espectáculos mais longos, ligeiramente minorado com os intervalos de desentorpecimento.

Todavia, não foi por isso que os músicos deixaram de emprestar todo o seu talento e virtuosismo à música de Brahms, exibindo-se em altíssimo nível. Surpresa foi o próprio maestro titular da Orquestra de Macau se ter sentado ao piano para acompanhar o sublime violino de Alexandra Conunova, e executar uma peça a quatro mãos com o talentoso Niu Niu, antes de finalizar com o violino do checo Josef Spacek o terceiro andamento – Scherzo Allegro – da Sonata F-A-E.

O ambiente mais intimista e aconchegante realçou a magia de Alexei Volodin e o som genial que um pianista de excepção consegue extrair do Steinway. Com Alexandra Conunova e o extraordinário violoncelo de Pablo Ferrandéz, vencedor do XV Concurso Internacional Tchaikovsky e considerado um génio maior da sua geração, assinaram um dos momentos da tarde quando interpretaram o Trio para Piano n.º 1, em Sí Maior Op. 8.

Duas curiosidades realçadas pelas notas do Programa: o violino de Conunova é um Guadagnini de cerca de 1785, anteriormente utilizado pela falecida Ida Levin. Aquele que Spacek usa foi emprestado pela Ingles & Hayday, será de 1732, e é um Gurneri del Gesú “LeBrun; Bouthillard”. Qualquer um deles com um som, garanto-vos, do outro mundo.

Nos próximos dias 14 e 15 de Março ainda poderemos voltar a ouvir a Orquestra de Macau, dirigida pelo maestro convidado Christian Arming. No programa estarão as Sinfonias n.ºs 3 e 4, para além da estreia mundial de duas peças da compositora Bun-Ching Lam, e dos Concertos para Piano n.ºs 1, em Ré menor, Op. 15, e 2, em Si bemol Maior, Op. 83, respectivamente com Niu Niu e Volodin.

Se ainda não arranjou bilhetes, espero que tenha sorte nessa busca.

Momentos destes não se podem desperdiçar. A organização merece ser recompensada pelo trabalho e programa que nos trouxe, assegurando-se a continuidade e o nível dos eventos.

O naipe de artistas é de casa cheia e o nosso aplauso devido pela visita.

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blogues

por Sérgio de Almeida Correia, em 18.02.25

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Saiu há dias um trabalho da jornalista Luciana Leitão, no Ponto Final, sobre os blogues de Macau. Esta morada mereceu destaque, tal como o Delito de Opinião, que não sendo da terra bebeu da água do Lilau que o Pedro Correia lhe deu, pelo que daqui cumpre-me agradecer a atenção concedida aos dois. E desejar que nasçam mais, com interesse e actuais. Como os ali referidos, mas também como o Devaneios a Oriente, do Pedro Coimbra, a quem daqui saúdo, e que ano após ano se vai mantendo sempre atento e actual. 

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ideias

por Sérgio de Almeida Correia, em 02.01.25

shutterstock_1214802562.jpg(créditos daqui)

Está a começar um novo ano. Macau tem um Chefe do Executivo e um novo Governo que foi empossado há dias pelo Presidente Xi. Muitos dos que residem na RAEM lutam diariamente por contribuir para a melhoria das suas condições de vida e darem o seu contributo à região.

Todos sabemos qual o peso dos lobbies e dos grupos de interesses nesta cidade, mas é preciso que cada um de nós contribua, de algum modo, para que as coisas melhorem.

Entendi, por isso mesmo, iniciar aqui, regularmente, uma coluna de ideias exequíveis para que o Governo da RAEM possa constituir um exemplo de verdadeira e efectiva boa governação.

A primeiro sugestão que aqui trago vem do Luxemburgo. País pequeno, menos populoso que Macau, constituindo uma democracia parlamentar numa monarquia constitucional, no coração da Europa, onde vivem dezenas de milhares de portugueses. 

Pois bem, o Luxemburgo tem apenas um único casino autorizado a funcionar, o Casino 2000, em Mondorf-les-Bains. Em 2023, as receitas do jogo no Luxemburgo ascenderam a pouco mais de 24,2 milhões de Euros, que equivalem, grosso modo, ao câmbio do dia, a pouco mais de MOP$200 milhões de patacas. Um número rídiculo para Macau.

O que há aqui de especial é que nesse pequeno país, de pouco mais de 500 mil habitantes, todos os transportes públicos, sim, leram bem, todos os transportes públicos (autocarros, metro ligeiro e comboios) são inteiramente gratuitos tanto para residentes como para turistas

Em 6 de Dezembro de 2018, o jornal New York Times anunciou a intenção do Governo luxemburguês, pela voz do primeiro-ministro Xavier Bettel, de ser o primeiro país a oferecer transportes públicos gratuitos face ao número crescente de automóveis privados em circulação (662 por cada 1000 habitantes).  

Dois anos depois, em 29 de Fevereiro de 2020, quando a pandemia do Covid-19 se instalou em todo o mundo, o Luxemburgo concretizou esse objectivo e desde então todos os transportes públicos são gratuitos.

Em Belgrado, na Sérvia, solução idêntica entrou ontem, 1 de Janeiro de 2025, em vigor. Em Canberra, na Austrália, está-se a pensar no assunto

Ora, se o Luxemburgo, sozinho, conseguiu fazê-lo, por que razão a RAEM, que ainda por cima conta com o apoio do Governo Central, não pode seguir o mesmo caminho? 

Há quem em Macau se preocupe com a construção e gestão de cidades inteligentes e amigas do ambiente e pode-se sempre aprender alguma coisa com a experiência luxemburguesa

Há cada vez mais carros a circular em Macau. Muitos chegam de fora, com condutores que não sabem conduzir e que se  limitam a deslocar os veículos de um ponto para outro sem cuidarem das regras estradais vigentes na RAEM. O número de acidentes continua a crescer; o de vítimas também, que pode ser qualquer um de nós, como ainda há dias se viu com uma alta funcionária do Governo, pessoa estimada e, ao que me dizem, servidora pública exemplar. 

O que pergunto é se não será possível, com as verbas astronómicas que os casinos pagam à RAEM, encontrar para Macau uma solução semelhante à do Luxemburgo e de Belgrado?

Não seria possível ao Governo de Macau arranjar vontade política e mandar alguém ao Luxemburgo para lhes perguntar como é que por lá fizeram, quanto custou e como conseguem manter esse sistema que não discrimina residentes de não-residentes e turistas? 

Talvez – já que nem um serviço de táxis decente para toda a população e os turistas os dois últimos Chefes do Executivo conseguiram concretizar em 15 anos! – o novo Chefe do Executivo, Sam Hou Fai, e a sua equipa possam pensar neste assunto. 

Estou certo de que se solução idêntica à do Luxemburgo fosse transportada para Macau ficaríamos todos a ganhar, aliviando a cidade de muitos veículos, dando menos trabalho aos senhores polícias, e, em especial, contribuindo para reduzir os elevadíssimos níveis de poluição atmosférica da RAEM, cuja qualidade do ar nos últimos dias, desconheço se em razão da saída de Raymond Tam da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental, passou a ser sistematicamente insalubre, de acordo com a classificação adoptada pelas próprias autoridades locais, não sendo recomendadas actividades ao ar livre.

Não há que ter medo de fazer de Macau uma cidade melhor para viver. Fundamental, como diz um amigo, é acabar com a "bandidagem".

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integração

por Sérgio de Almeida Correia, em 19.12.24

1-maglev.webp(Hoje, no Macau Daily Times)

China today has the longest and fastest high-speed rail network in the world. More than two-thirds of the world’s high-speed rail lines are here. Over 46,000 kilometers of railway have been planned and built since 1997, a process that has continued to grow without pause since 2007. The Shanghai Maglev is the fastest passenger train in the world, capable of reaching a speed of 431 km/h. A gem of cutting-edge technology.

If we look at the highways of the People’s Republic of China (PRC), we will see that by the end of 2020, more than 161,000 kilometers had been built since the mid-1980s. Remarkable.

Some other social and economic indicators are equally impressive and have drawn admiration from the international community.

It is natural for China and the Chinese people to feel pride in these achievements, to celebrate them, and to promote international awareness of their successes.

However, there are other accomplishments which, while deserving applause, also provoke some apprehension and, in certain cases, distrust and disillusionment.

As we mark 25 years since the establishment of the Macao Special Administrative Region (SAR) and the transfer of administration of this former Portuguese-ruled territory to the PRC, it is appropriate to celebrate this moment. But beyond the success and the example of peace and social harmony maintained in a peaceful handover—where the rights and expectations of residents were generally respected—it is also important to analyze what has not gone so well, what remains unfinished, and what needs to be adjusted.

Without going into too much detail, I will say that while Macau’s GDP grew from $6.43 billion (2000) to $47.06 billion (2023, source: Statista), and its population increased from 425,518 (1999) to 704,129 (2023)—providing living conditions and security for those able to move here—some other indicators should, in certain cases, cause concern, and in others, shame.

Inequalities remain glaring. Labor rights are severely lacking in various aspects. It is unacceptable that labor legislation provides for only 6 days of paid annual leave for most workers, while the public administration has expanded, and the few who access it enjoy 22 days of annual leave. Workers in the PRC and Hong Kong, on average, have more paid annual leave, as a legislator recently pointed out in the Legislative Assembly. The same applies to maternity leave. Similarly, it is outrageous that public servants, with shorter working hours, enjoy more public holidays and compensatory days off than workers in the private sector.

Real estate speculation has grown uncontrollably because it benefits elites and property owners, to the detriment of most residents and disadvantaged classes. Air quality, surrounding waters, traffic flow, and the environment have all worsened. Diseases associated with underdevelopment that had been eradicated have reemerged. Traffic is chaotic, buses are always full, and parking spaces are lacking. Supermarket prices have risen significantly.

Too many cases of corruption have damaged the image of Macau and its governance. The privileged relationships with certain economic groups and disreputable individuals were regrettable.

The use of Portuguese, an official language, has declined in courts and public administration. Unnecessary and unforeseen barriers have been created for its speakers, complicating their lives and harming residents who need it to defend their rights and legitimate interests.

Secrecy in governance procedures, which should be transparent, has increased. The contracts with gaming concessionaires are not public, which never happened before.

Certain civic and political rights have been curtailed without justification, driven by prejudice, narrow-mindedness, insecurity among decision-makers, and incorrect interpretations of the 1987 Sino-Portuguese Joint Declaration—deviating from both its spirit and letter—and the Basic Law. Qualified and well-meaning individuals, who served Macau and China well for decades, have been lost.

Electoral reform has reduced participation and representation of broad sectors of the population, distancing Macau from the capitalist system’s norms that were to remain unchanged for 50 years. Opportunities for economic growth, diversification, and development have been lost due to incompetence and disregard for public funds by some leaders. Autonomy has been undermined.

Twenty-five years on, most of us, myself included, will say with satisfaction that it was worth it. The creation of the Macau SAR was, and is, a success.

However, as with all things in life, there must be balance, good sense, and good faith. Risks must be managed before decisions are made, not after consequences arise.

In recent years, the speed of integration has matched that of the Shanghai Maglev, but the results have not been brilliant. If a train departs before its time, it leaves passengers behind, frustrating expectations. If it arrives at its destination station at 300 km/h, it risks failing to stop and crashing into the façade.

It is wise to mitigate this risk if we do not want the identity of the Macau SAR to dissolve definitively, becoming an insipid, ugly, and polluted place by the end of the transition period.

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alfaiate

por Sérgio de Almeida Correia, em 06.12.24

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Durante anos ocupou o seu espaço na Rua de S. Paulo, famosa durante as décadas de oitenta e noventa do século passado pela concentração de lojas de antiguidades, velharias e bugigangas. E também pelos alfaiates. Ele, Meng Cheong, e o vietnamita do outro lado da rua, há muito desaparecido.

Entretanto, os tempos mudaram; muitos desses estabelecimentos mudaram de donos.

A alfaiataria do senhor Meng Cheong manteve-se ao longo de décadas, servindo vasta clientela, na sua maioria altos funcionários da administração colonial e empresários chineses ligados ao imobiliário. 

Era um homem simples, educado, acolhedor, paciente com os cortes mais teimosos, as dobras e os vincos, e sempre sorridente.

Depois da transição, em 1999, com a chegada de outros senhores, de gente ligada às novas concessões de jogo e à hotelaria começou a diversificar, mas também atendeu algumas senhoras que iam até ele com o recorte da fotografia da Vogue à procura do modelo ideal, seguindo a moda dos blazers masculinos.

Diplomatas, políticos e dignitários lusos, fugindo de outros alfaiates mais careiros e mais centrais, aproveitavam uma passagem pela cidade para o procurarem por indicação de alguém e renovarem os guarda-fatos.

Ele ia tirando umas fotografias que depois exibia orgulhoso. Comigo também quis tirar algumas, em especial quando me viu regressar após alguns anos de ausência da terra.

As camisas nunca foram o seu forte devido aos colarinhos demasiado macios e aos esticadores moles que se dobravam com facilidade, embora nos modelos sem mangas tivesse bastantes seguidores em razão dos bons tecidos de algodão que lhe chegavam de Hong Kong.

Com os meus múltiplos afazeres, quando não podia deslocar-me até à sua loja, o senhor Meng Cheong pegava na mota e lá vinha ele até ao meu escritório armado de giz e fita métrica. Trazia-me amostras, tirava-me as medidas, e passados dias entregava-me o resultado. 

Em dada altura chegou a confeccionar togas para alguns advogados, mas as primeiras que dali saíram mais pareciam umas batinas.

Um dia trouxe-lhe um exemplar de Portugal, naquela fazenda pesada e incómoda em que as faziam por lá. Pedi-lhe que me fizesse uma mais leve, por causa do calor, e dias volvidos o senhor Meng Cheong entregou-me uma exactamente igual num tecido fino e com um forro ligeiro, bem mais adaptada às temperaturas desta zona da Ásia. Ainda hoje a tenho.

Nos últimos tempos, que a idade não perdoa, arranjou uns ajudantes trapalhões e as coisas começaram a não lhe sair tão bem. As encomendas tornaram-se cada vez mais raras.  

Quando há dias, passeando pelas imediações da Rua de S. Paulo, vi a fachada despida dos tradicionais caracteres e das letras que lhe identificavam a casa, percebi que o seu ciclo ali chegara ao fim.

O senhor Meng Cheong fez muita gente feliz.

Espero que a saúde não lhe falte, tenha uma boa reforma, acompanhe os netos e mantenha o sorriso de sempre.

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mgm

por Sérgio de Almeida Correia, em 02.12.24

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Numa cidade que necessita urgentemente de ter projectos culturais de dimensão mundial que a projectem internacionalmente, ajudem à diversificação económica e coloquem Macau no roteiro mundial dos grandes museus, por vezes há quem atire uma pedrada para o charco da estagnação, do mau gosto e da frivolidade e mostre que é possível fazer alguma coisa bem feita e com critério.

No MGM Macau, mais concretamente no Poly MGM Museum, está patente ao público uma exposição designada "The Maritime Silk Road – Discover the mystical seas and encounter the treasures of the ancient trade route". A mostra prolongar-se-á até 30 de Setembro de 2025 e o mínimo que se pode dizer dela é que vale a visita.

Em resultado da colaboração com diversos museus e outras instituições, a MGM conseguiu trazer até aos residentes da RAEM e a quem nos visita um conjunto de cerca de duzentas obras de arte de grande valor histórico-cultural focados na antiga rota comercial entre o Ocidente e o Oriente.

Das magníficas cabeças de bronze do Antigo Palácio de Verão, às porcelanas, quadros, pequenos objectos decorativos, vasos, sem esquecer instrumentos de navegação, réplicas de embarcações usadas por navegadores chineses e portugueses, até uma raríssima tapeçaria e obras de arte contemporânea, incluindo algumas que estiveram na Bienal de Veneza, são múltiplos os motivos de interesse e deleite visual.

Destaco aqui, em particular, a tapeçaria Aeneas and Anchises, que data de 1620, da colecção privada da MGM, inspirada na Eneida, de Virgílio, e das quais existirão apenas meia-dúzia em todo o mundo, em colecções privadas, no Metropolitan, em Nova Iorque, e no Museu de Arte de Lyon. A que está em exibição terá sido executada para D. Francisco de Mascarenhas, o primeiro governador de Macau com carácter de permanência, que exerceu mandato entre 1623 e 1626 e para cujo cargo foi nomeado depois das tentativas de ocupação holandesa dos anos anteriores.

Num espaço amplo, cuidado, arranjado com gosto, com bastante informação e iluminação adequada, é possível fazer uma pequena viagem, bastante agradável e instrutiva. Com a vantagem de os bilhetes serem gratuitos. Melhor era impossível.

Sugiro apenas que sejam dadas indicações expressas aos visitantes para se absterem de falar alto, já que ali não existe nenhuma lota, e de colocar as mãos nos expositores, em especial nos vidros. Para ver não é preciso mexer no que está exposto e sempre se evita que as superfícies fiquem todas conspurcadas com impressões digitais e a gordura das manápulas de alguns.    

Não é a primeira vez que a MGM, substituindo-se a quem deveria fazê-lo, presta um serviço público de alto nível aos residentes e à cidade, organizando uma excelente exposição. Creio mesmo que de todas as concessionárias é a MGM aquela que tem conseguido apresentar na área cultural melhores e mais qualificadas propostas, pois tem mostrado possuir curadores competentes e utiliza os recursos de que dispõe com critério.

A sua equipa está de parabéns e só esperemos que possa continuar. Para bem de todos.

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chicotada

por Sérgio de Almeida Correia, em 29.10.24

Um estudo da Fundação Belmiro de Azevedo alerta para a escassez de professores em Portugal, prevendo um deterioramento da situação entre 2026 e 2030. 

O cenário agrava-se, sublinha-o David Justino, antigo ministro da Educação e membro do Conselho Consultivo do Edulog, um think thank da referida fundação, quando se verifica que para formar um professor são precisos cinco anos.

Defende, por essa razão, a introdução imediata de medidas estruturais que possam atalhar ao problema, considerando ser fundamental haver capacidade de "planeamento e antevisão", coisa que tem escasseado de há alguns anos a esta parte. 

Com o seu conhecimento e experiência, David Justino acrescentou que é preciso valorizar as carreiras e a componente remuneratória e que "toda a gente pensa nos custos, mas ninguém pensou que os professores não são um recurso ilimitado". E exactamente por serem um recurso limitado é que "o problema não se resolve apenas com a componente remuneratória", o que toda a gente, a começar pelos próprios professores, incluindo o camarada Mário Nogueira que anda há décadas afastado do campo de batalha, percebeu há um ror de anos.

David Justino, para que dúvidas não ficassem, permitiu-se acrescentar que foi criada a péssima imagem de que todos podem ser professores, o que desvaloriza a própria carreira”.

Olhando agora para nós, que estamos longe da pátria, e para o panorama da Escola Portuguesa de Macau (EPM), dir-se-ia que David Justino estava a pensar nesta, no seu director, no presidente da Fundação que a (des)ampara e nalguns dos novos contratados.

À beira de Novembro, com a silly season macaense a entrar pelo Outono, multiplicadas as confusões e as decisões tonitruantes, rapidamente substituídas por saídas mansas e silenciosas quando se percebeu que os gatos estavam identificados e tinham todos a cauda de fora, verifica-se que na EPM não faltou conversa fiada. Onde houve discursata faltou capacidade de planeamento e antevisão. O essencial. Porque o importante era desmantelar a equipa existente, em vez de reforçá-la, e trazer a trupe que jogava junta numa equipa que se desconjuntou por diversos continentes.

Também aqui se falou muito nos custos, mas aqueles crânios não pensaram que os professores, como disse Justino, eram um recurso limitado. E, às vezes, há poupanças de tostões que acabam custando milhões porque nem todos podem ser professores. Ou treinadores. Olhem para o Erik ten Haag. Não há milhões que o salvem, embora ele esteja convencido de que percebe alguma coisa de futebol.

A prova é que ao fim de mais de uma dezena e meia de novas contratações, depois de afastados professores que deram provas e estavam qualificados para a função, repescaram-se alguns, porque a isso se obrigou, mexendo-se nas horas de descanso e de treino, e nas extraordinárias,  jogando-se depois com estas noutros lados. E chegamos a esta altura do ano lectivo, ao que me dizem, ainda com alunos sem algumas aulas, com falta de professores e professores experientes que podiam ter mais trabalho ao lado de outros que estão a fazer aquilo para que não foram fadados. 

Como se não bastasse terem ido buscar uma turista reformada, que generosamente se prestou a dar uma mão ao "caos" enquanto por cá estivesse, ainda me chegou notícia de um "escuteiro" sem formação pedagógica, nem experiência lectiva, talvez porque o trabalho na sua área técnica esteja difícil, ter sido investido no ensino de disciplinas que nada têm a ver com a sua vocação profissional nos últimos anos.

E dá-se ainda o caso de entre alguns dos novos professores haver estranhas afinidades geográficas, ficando-se com a ideia de que esse foi igualmente critério para o recrutamento. Diria mesmo que foi talvez o único em que houve planificação a sério entre o director da equipa da EPM,  os seus "assessores" e os "olheiros". 

Sobre estas contratações não espero, até porque não sei se o empresário Jorge Mendes não terá um dedo nisto, ouvir a associação representativa dos pais e encarregados de educação. As mudanças de temperatura nesta época do ano provocam dores de garganta e afonias. 

Consta, vox populi, que algumas dessas contratações foram a termo certo. Outras que estavam consolidadas passaram a prazo; tudo opções que todos sabem não servirem para dar grande segurança, como diria o Gabriel Alves, nem no miolo do terreno, nem nos corredores, por onde as grandes equipas ganham os jogos.

Em qualquer equipa de futebol, de bom futebol, não de futebol de praia, é preciso que haja alguém que pense o jogo e seja capaz de chegar ao "último terço do terreno". Não ao da transição, como o outro, o dos contentores da Quinta Patiño. É preciso marcar golos para vencer os jogos. Na EPM, nesta altura do campeonato, joga-se para o empate. Ou para perder por poucos.

Pode ser, ainda tenho esperança, que o Jorge Mendes, antes do fecho do mercado de Inverno, recomende mais uns craques a preço de saldo à direcção da EPM. 

Entretanto, não estranharia que de Lisboa, passada a fase da troca de galhardetes que antecede a aprovação do Orçamento de Estado, não viesse por aí um treinador a sério, um Justino qualquer, mais a sua equipa técnica, que metesse ordem na equipa e no seu jogo. E os fizesse sentar no banco.

Não aos alunos. Estes já lá estão, mais os reforços, cansados de esperar. Aos outros.

Aos que deambulam pelo campo desaustinados, que não apanham uma bola, que não constroem uma jogada segura. E, armados em craques, ainda querem os aplausos da bancada, os microfones e as câmaras na zona mista.

E isto, repare-se, ao mesmo tempo que o presidente do clube e o "mister", com o banco de suplentes à cunha, correm pela linha lateral, à beira do intervalo, para cima e para baixo, à procura de um defesa central para a baliza. Coisa nunca vista em equipas profissionais que ocupavam no início da época os primeiros lugares dos rankings.

Seria bom que alguém respeitado e com autoridade fizesse a equipa acalmar. E que dissesse à equipa técnica que chega de asneirar.

O tempo passa a correr. Para os alunos que jogam na EPM corre ainda mais depressa.

Era importante que a planificação da próxima época, já que a presente foi um desastre, estivesse concluída antes do Outono de 2025.

Alguém tem de controlar as novas contratações e avaliar os custos envolvidos. Actuais e futuros. E, se necessário, dar uma "chicotada psicológica" na equipa técnica. Para ver se ainda se salva uma parte da época.

Não será fácil, bem sei; que aquilo não se resolve com cartões amarelos e livres directos.

Mas ainda não perdi a esperança de chegar aos desfiles do Carnaval com a equipa da EPM fora da zona de descida.

E com as matrafonas todas no banho. De espuma.

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abstracção

por Sérgio de Almeida Correia, em 29.10.24

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Senhor de uma fortuna digna de um oligarca, apoiante da invasão da Crimeia em 2014, militante da “solução ucraniana”, como antes fora da intervenção russa na Abecásia, na Ossétia do Sul e na Síria, deixou de poder dirigir as grandes orquestras a que em tempos emprestou o seu brilho em Londres, Nova Iorque, Milão, Berlim, Amesterdão, Roterdão, Viena ou Munique. Foi banido no Ocidente, como outros foram na Rússia.

Não fosse isso e jamais o teríamos visto por estas bandas.

Dentro daquela sala importava esquecer as circunstâncias que o trouxeram a Macau e curar, simplesmente, de tirar partido da música. Foi o que fiz. 

Tudo começou com uma breve incursão a Prokofiev e a excertos da Suíte Romeu e Julieta op. 64, espécie de aperitivo para preparar os ouvidos e os olhos para o banquete que se seguiria.

Quando Shostakovich se apresentou com a sua Sinfonia n.º 6 em Si Menor, op. 54, todos tínhamos percebido que aquela não iria ser mais uma noite como as outras.

A minúscula batuta na mão direita, marcando o tempo, enquanto a esquerda imparável, com dedos bailando acima e abaixo, ante o olhar compenetrado dos músicos e o crescente arrebatamento da audiência, percorria as várias secções e dirigia o seu pequeno exército.

O clímax chegaria com uma execução magistral da Sinfonia n.º 5 em Mi Menor op. 64 de Tchaikovsky.

Musicalmente seria impensável, a ele, Gergiev, e aos seus músicos, a Mariinsky Orchestra, regatear aplausos.

Politicamente é outra coisa. As posições que foi assumindo ao longo dos anos, até o tornarem num símbolo do mais execrável putinismo, do qual nunca se quis distanciar, a muitos suscitam viva repulsa. A mim também.

Impunha-se um esforço de abstracção. A "música não é mais apolitica sob Putin do que era sob Hitler". E no caso de Gergiev nunca seria.

Se valeu a pena, pergunta-se agora? Bem, mentiria se dissesse o contrário. Bastaria ver no final a satisfação no rosto da segunda violinista, a coreana Alexandra Lee, para perceber o nível da execução. E o encantamento do público que por três vezes chamou o maestro.

O que, em todo o caso, não invalida a conclusão. E um certo desconforto pessoal.

E não nos permite esquecer que há princípios e valores que têm de estar sempre presentes, mesmo quando o génio se manifesta de forma tão exuberante e sublime.

As guerras são uma desgraça. Perdem todos. Que ninguém duvide.

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perspectivas

por Sérgio de Almeida Correia, em 28.10.24

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A imagem do Macau Daily Times que aqui reproduzo e ilustra o meu contributo para o debate sobre a Grande Baía de Guangdong, Hong Kong e Macau, publicado na edição de sexta-feira passada, foi gerado por Inteligência Artificial. É uma curiosidade. A outra é perceber até que ponto será possível, e haverá disponibilidade, para fazer muito melhor e com mais utilidade em prol do princípio "um país, dois sistemas", tirando partido do know-how das regiões administrativas especiais em prol de todos.

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bênção

por Sérgio de Almeida Correia, em 15.10.24

E lá começou, na curva dos quarenta anos, a 36.ª edição do Festival Internacional de Música de Macau. Não me recordo há quanto tempo não havia uma programação com tanta qualidade. 

Juntar nesta edição a equipa do Mariinsky Theatre e a sua Orchestra, começando com a Tosca, e uma orquestra dirigida pelo grande Valery Gergiev, receber Leonidas Kavacos e o AppollΩn Ensemble, ouvir e ver Hélène Grimaud e a Camerata Salzburg (que extraordinária performance!), enquanto se aguardam Winton Marsallis e Jazz at Lincoln Center Orchestra, Ivo Pogorelich, Herbie Hancock e Mariza, para só referir alguns, não é fácil.

Alguns dirão que há muitos russos, mas isso é fruto das circunstâncias em que vivemos, dos tempos conturbados que atravessamos. E além de não se poder confundir o povo com a canalha do regime que o conduziu para a guerra, a arte, a beleza e o génio não escolhem nem conhecem fronteiras. Já bastam as que temos e as que a estupidez se encarrega de erguer.

Dois reparos, para já, e espero que não haja mais nenhum.

O primeiro para a continuação do péssimo serviço de bar do Centro Cultural de Macau que não está, obviamente, à altura do local e da qualidade do festival. Trata-se de uma tecla que não deixará de bater. Será que não há ninguém no Instituto Cultural que consiga perceber esse básico? Será que os seus dirigentes nunca foram a um espectáculo do mesmo género em Hong Kong? E será assim tão difícil perceber que tão mau serviço é uma vergonha, uma afronta à imagem internacional de Macau, ao trabalho da organização e à dignidade dos seus residentes? Talvez que a Fundação Oriente, a Fundação Rui Cunha ou a Casa de Portugal possam dar uma ajuda ao pessoaI do ICM facultando-lhe os contactos de quem possa disponibilizar uns copos decentes, umas chávenas de café e preparar uns salgados para os intervalos.   

O segundo ponto não diz respeito ao FIMM, mas ao facto de alguém se ter lembrado de trazer Plácido Domingo para um espectáculo no Cotai no mesmo dia em que Ivo Pogorelich actua. Era difícil mais pontaria.

Entretanto, é ir aproveitando o que nos está a ser proporcionado. Confesso que já estava com saudades de ver e ouvir gente desta craveira por estas bandas.

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desperdício

por Sérgio de Almeida Correia, em 02.09.24

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A construção de passagens superiores em ruas que tinham semáforos e locais próprios para atravessamento de peões continua a ser um desperdício. Gastam-se fundos elevados do erário público a construir o que não resolve problemas e cria novos, embora se alimentem as clientelas.

Aconteceu em vários locais, mas o caso da passagem superior na Estrada de Seac Pai Van, nas proximidades da Estrada do Alto de Coloane e do Terminal de Autocarros da Concórdia, é um desses exemplos.

Depois de demorarem uma eternidade a construir a passagem superior,  que após conclusão ainda continuou fechada durante imenso tempo, de tal forma que a tinta começou a cair antes mesmo de entrar em funcionamento, obrigando a reparações, ficou finalmente operacional.

As entidades responsáveis eliminaram os semáforos e as passadeiras, que davam imenso jeito, e colocaram umas horrorosas barreiras de plástico que não servem para nada. Os peões e os ciclistas continuam a atravessar a via, em especial à noite, quando saem dos autocarros no final de um dia de trabalho e pretendem demandar as suas casas, mas agora com a agravante de serem ainda maiores os riscos de atropelamento e acidente.

Ao mesmo tempo, ninguém se preocupa com as centenas de inversões de marcha em local proibido, entrando quem o faz em contramão na Estrada de Seac Pai Van para poder subir pela Rua dos Bombaxes e aceder às torres 8 e 9 da Urbanização "One Oasis".

A preocupação da PSP é apenas a de multar quem está estacionado nessa rua. Quanto às transgressões não há problema: todos os infractores tiram partido delas. As imagens captadas nesses locais, numa mesma altura e por mero acaso, revelam isso mesmo.

Instalam-se câmaras de CCTV em todo o lado para controlar as pessoas, menos onde fazem falta para evitar transgressões e punir os prevaricadores.

Oxalá que um destes dias não aconteça ali nenhuma desgraça. Não será por falta de aviso.

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rapidez

por Sérgio de Almeida Correia, em 26.08.24

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No passado dia 21 de Agosto, quarta-feira, o actual Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, fez o aguardado anúncio de que não concorreria a um segundo mandato.

No dia seguinte, 22 de Agosto, pela tarde, o presidente do Tribunal de Última Instância, Sam Hou Fai, declarou à comunicação social estar a ponderar concorrer ao lugar em aberto.

Meteu-se o fim-de-semana e esta manhã lá saiu no Boletim Oficial de Macau a Ordem Executiva n.º 44/2024, datada de hoje, 26 de Agosto, segunda-feira, dando-nos conta da aceitação pelo Chefe do Executivo do pedido de exoneração do juiz Sam Hou Fai "dos cargos de presidente e de juiz do Tribunal de Última Instância e do cargo de membro da Comissão Independente responsável pela indigitação dos candidatos ao cargo de juiz da Região Administrativa Especial de Macau, a partir do dia 28 de Agosto de 2024." 

A ponderação foi rápida e conclusiva.

Bem mais célere do que a justiça que temos, o que é um bom sinal atendendo ao tempo que normalmente se demora na RAEM a tomar qualquer decisão ou a fazer-se um simples registo. Não foi preciso esperar pelo último dia para apresentação das candidaturas, nem nenhum grupo de trabalho, nem nomear nenhuma comissão de sumidades talentosas para estudar o assunto.

Ainda bem que assim foi. Foi um primeiro bom sinal do futuro Chefe do Executivo.

É importante termos um Chefe do Executivo com visão de médio e longo prazo, com ideias amadurecidas, com um programa de acção bem definido, com capacidade de análise fulgurante, decisão rápida e execução ainda mais despachada e com custos controlados. 

Pode ser que assim os problemas deixem de ser empurrados com a barriga, se evite que qualquer obra demore uma eternidade, meta água de cada vez que chove um pouco mais e se prolongue durante décadas, com custos excessivos, aumentando-se a responsabilização dos titulares de cargos públicos. Para que no futuro tudo possa ser resolvido mais rapidamente para satisfação de todos os residentes.

Não se pode continuar a perder tempo na correcção das disfuncionalidades da RAEM, no combate à corrupção e na melhoria das condições de vida da população.

[Este é o post 1000 (mil) deste blogue. Para que conste.]

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mudanças

por Sérgio de Almeida Correia, em 23.08.24

IMG_9532.jpg(créditos: Macau Daily Times

A demora foi previsível. Era preciso aguardar.

Quinze anos de más políticas e de decisões muito discutíveis, contínua protecção das castas familiares, muitos tiros em falso, um concurso para atribuição de novas concessões de jogo bastante atribulado, pouco transparente e cujos detalhes da decisão e das condições acordadas entre a RAEM e os concessionários são ainda desconhecidos da população, no que se afastou a prática anterior nessa matéria, somando-se aos inúmeros problemas em matéria de obras públicas, nalguns casos mesmo antes das obras serem inauguradas, crédito mal parado em dimensões jamais vistas, atrasos em projectos cruciais para o desenvolvimento da RAEM, obrigados a avançar ao fim de anos por pressão externa, muitas opções contraditórias e incompreensíveis, como foi a anterior renovação da concessão do Macau Jockey Club, e imensa dificuldade em ir até ao osso no combate à corrupção, eram sinais há muito presentes e que apontavam na direcção da mudança.

Mas havia ainda quem persistisse em acreditar que o actual Chefe do Executivo teria condições para se voltar a apresentar perante a Comissão Eleitoral que irá escolher a próxima pessoa que será colocada ao leme da RAEM.

Após um período de contenção de danos (imensos e aos mais diversos níveis) herdado do antecessor, ultrapassada a pandemia, a que se juntava a debilitada condição de saúde para quem ainda nem sequer franqueou a porta dos setenta anos, tudo apontava para um cenário de afastamento de Ho Iat Seng.

Os interesses de Macau, da sua população e da China falaram mais alto. 

Se há que cortar a direito, levar até ao fim as operações de limpeza do mundo e submundo do jogo, combater o tráfico de influências, controlar a fauna dos casinos e modernizar a administração pública afastando resistências, então isso terá de ser feito por quem não seja tributário do empresariado local, das famílias da terra e das impreparadas, cínicas e acomodadas elites locais. E que ao mesmo tempo possua preparação académica, experiência profissional e de vida, uma visão para Macau consentânea com os desígnios do PCC e a vontade do Governo Popular Central, quer em relação às questões da Segurança Nacional quer quanto à aplicação do princípio “um país, dois sistemas”, e seja patriota.

Neste cenário, seria mais do que evidente que o nome de Sam Hou Fai, presidente do Tribunal de Última Instância (TUI), surgiria inevitavelmente como potencial candidato a Chefe do Executivo.

O actual presidente do TUI, embora faça franzir alguns sobrolhos, tem todas as aptidões e condições para dar resposta às exigências de Pequim, fazendo o que está por fazer e os residentes esperam que seja concretizado pelo menos há quinze anos.

Este foi o tempo que se perdeu em matéria de reformas fundamentais para o desenvolvimento da RAEM, de combate a fundo à corrupção e para incremento da diversificação económica, da redução do peso dos casinos e melhoria da qualidade de vida dos residentes.

Posto isto, Sam Hou Fai tem a vantagem de ter formação jurídica, o que é fundamental quando se quer que tudo seja feito de acordo com a lei, qualquer que seja a interpretação que desta se faça. E o não ser polícia, nem ter por hábito comportar-se como tal, é importante quando se quer passar uma mensagem de esperança à população sem partir a louça, afastar o investimento estrangeiro e arruinar a imagem internacional da região. Veja-se o caso de Hong Kong.

Não há por isso muito a ponderar após a manifestação de interesse do protocandidato. O seu nome passará facilmente pelo crivo da Comissão de Defesa da Segurança do Estado.  Os discursos do senhor presidente do TUI nas sessões solenes de abertura do ano judiciário já contêm um embrião de programa de governo, não se mostrando difícil perspectivar o seu sentido patriótico, o que pensa e o que aí vem.

Não auguro, apesar do seu reconhecido bilinguismo e apurado sentido da língua portuguesa, ao contrário dos seus antecessores, um aprofundamento da presença do português nos tribunais e na administração pública, embora se me afigure que o diálogo será certamente mais fácil com os seus interlocutores portugueses.

Em matéria de obras públicas, os patos-bravos, fiscais de obras, angariadores e comissionistas terão de se acautelar e preparar para começarem a andar sempre na linha. Ponto final nos cambalachos. A coisa vai piar fino. Na Assembleia Legislativa também. Os deputados nomeados não deverão andar metidos em negócios e com empresas de índole questionável e passado comprometedor.

Quanto às concessionárias de jogo, até ver, e enquanto não for tomada uma decisão quanto ao seu fim – os contratos são para ser honrados –, poderão continuar a operar. Não haverá qualquer problema se mudarem algumas práticas herdadas do passado e se afastarem dos moribundos lobbies e mandarins locais.

Antevejo, ademais, a realização de algumas auditorias de rajada, sem pré-aviso. O processo judicial que opôs a Las Vegas Sands e a Asian American Entertainment Corporation, embora com desfecho previsível, mostrou muita coisa que se desconhecia e práticas reprováveis a diversos níveis. Aquilo que recentemente aconteceu com a auditora PwC do outro lado da Portas do Cerco e em Hong Kong, entidade cuja presença em Macau também tem sido bastante assídua, acendeu muitos holofotes. Pessoalmente não acredito que as práticas seguidas pela PwC em relação à China Evergrande, e que lhe custarão lá mais para o final do mês uma multa astronómica das autoridades chinesas, não tivessem sido aplicadas entre nós ainda com mais rigor. Vamos aguardar.

Estou certo que com uma concepção da separação de poderes mais adaptada às realidades locais, e cada vez mais distante do preconizado na Declaração Conjunta Luso-Chinesa, Macau tomará outro rumo. Entrará definitivamente na auto-estrada da integração com a grande nação chinesa. Dentro de dez anos, muito antes da data prevista, estará tudo mais do que concluído.

Por fim, registe-se que com a eventual saída de Sam Hou Fai do TUI cumprir-se-á a vontade de quem queria que se operasse uma renovação na cúpula do mais alto tribunal da RAEM.

Este constituirá motivo mais do que suficiente para que o anterior presidente dos advogados de Macau se sinta satisfeito e recompensado pela sua insistência ao longo dos anos. Será uma pena que já não possa ter oportunidade de exercer o seu direito de voto na Comissão Eleitoral. Outros fá-lo-ão por si. Com todo o gosto, convicção, fidelidade e coerência. Como sempre acontece, aliás, quando se trata de colocar a democracia local a funcionar.

Qualquer que seja o número de candidatos que se apresente, os dados estão lançados e há um calendário para cumprir.

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