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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
A construção de passagens superiores em ruas que tinham semáforos e locais próprios para atravessamento de peões continua a ser um desperdício. Gastam-se fundos elevados do erário público a construir o que não resolve problemas e cria novos, embora se alimentem as clientelas.
Aconteceu em vários locais, mas o caso da passagem superior na Estrada de Seac Pai Van, nas proximidades da Estrada do Alto de Coloane e do Terminal de Autocarros da Concórdia, é um desses exemplos.
Depois de demorarem uma eternidade a construir a passagem superior, que após conclusão ainda continuou fechada durante imenso tempo, de tal forma que a tinta começou a cair antes mesmo de entrar em funcionamento, obrigando a reparações, ficou finalmente operacional.
As entidades responsáveis eliminaram os semáforos e as passadeiras, que davam imenso jeito, e colocaram umas horrorosas barreiras de plástico que não servem para nada. Os peões e os ciclistas continuam a atravessar a via, em especial à noite, quando saem dos autocarros no final de um dia de trabalho e pretendem demandar as suas casas, mas agora com a agravante de serem ainda maiores os riscos de atropelamento e acidente.
Ao mesmo tempo, ninguém se preocupa com as centenas de inversões de marcha em local proibido, entrando quem o faz em contramão na Estrada de Seac Pai Van para poder subir pela Rua dos Bombaxes e aceder às torres 8 e 9 da Urbanização "One Oasis".
A preocupação da PSP é apenas a de multar quem está estacionado nessa rua. Quanto às transgressões não há problema: todos os infractores tiram partido delas. As imagens captadas nesses locais, numa mesma altura e por mero acaso, revelam isso mesmo.
Instalam-se câmaras de CCTV em todo o lado para controlar as pessoas, menos onde fazem falta para evitar transgressões e punir os prevaricadores.
Oxalá que um destes dias não aconteça ali nenhuma desgraça. Não será por falta de aviso.
No passado dia 21 de Agosto, quarta-feira, o actual Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, fez o aguardado anúncio de que não concorreria a um segundo mandato.
No dia seguinte, 22 de Agosto, pela tarde, o presidente do Tribunal de Última Instância, Sam Hou Fai, declarou à comunicação social estar a ponderar concorrer ao lugar em aberto.
Meteu-se o fim-de-semana e esta manhã lá saiu no Boletim Oficial de Macau a Ordem Executiva n.º 44/2024, datada de hoje, 26 de Agosto, segunda-feira, dando-nos conta da aceitação pelo Chefe do Executivo do pedido de exoneração do juiz Sam Hou Fai "dos cargos de presidente e de juiz do Tribunal de Última Instância e do cargo de membro da Comissão Independente responsável pela indigitação dos candidatos ao cargo de juiz da Região Administrativa Especial de Macau, a partir do dia 28 de Agosto de 2024."
A ponderação foi rápida e conclusiva.
Bem mais célere do que a justiça que temos, o que é um bom sinal atendendo ao tempo que normalmente se demora na RAEM a tomar qualquer decisão ou a fazer-se um simples registo. Não foi preciso esperar pelo último dia para apresentação das candidaturas, nem nenhum grupo de trabalho, nem nomear nenhuma comissão de sumidades talentosas para estudar o assunto.
Ainda bem que assim foi. Foi um primeiro bom sinal do futuro Chefe do Executivo.
É importante termos um Chefe do Executivo com visão de médio e longo prazo, com ideias amadurecidas, com um programa de acção bem definido, com capacidade de análise fulgurante, decisão rápida e execução ainda mais despachada e com custos controlados.
Pode ser que assim os problemas deixem de ser empurrados com a barriga, se evite que qualquer obra demore uma eternidade, meta água de cada vez que chove um pouco mais e se prolongue durante décadas, com custos excessivos, aumentando-se a responsabilização dos titulares de cargos públicos. Para que no futuro tudo possa ser resolvido mais rapidamente para satisfação de todos os residentes.
Não se pode continuar a perder tempo na correcção das disfuncionalidades da RAEM, no combate à corrupção e na melhoria das condições de vida da população.
[Este é o post 1000 (mil) deste blogue. Para que conste.]
(créditos: Macau Daily Times)
A demora foi previsível. Era preciso aguardar.
Quinze anos de más políticas e de decisões muito discutíveis, contínua protecção das castas familiares, muitos tiros em falso, um concurso para atribuição de novas concessões de jogo bastante atribulado, pouco transparente e cujos detalhes da decisão e das condições acordadas entre a RAEM e os concessionários são ainda desconhecidos da população, no que se afastou a prática anterior nessa matéria, somando-se aos inúmeros problemas em matéria de obras públicas, nalguns casos mesmo antes das obras serem inauguradas, crédito mal parado em dimensões jamais vistas, atrasos em projectos cruciais para o desenvolvimento da RAEM, obrigados a avançar ao fim de anos por pressão externa, muitas opções contraditórias e incompreensíveis, como foi a anterior renovação da concessão do Macau Jockey Club, e imensa dificuldade em ir até ao osso no combate à corrupção, eram sinais há muito presentes e que apontavam na direcção da mudança.
Mas havia ainda quem persistisse em acreditar que o actual Chefe do Executivo teria condições para se voltar a apresentar perante a Comissão Eleitoral que irá escolher a próxima pessoa que será colocada ao leme da RAEM.
Após um período de contenção de danos (imensos e aos mais diversos níveis) herdado do antecessor, ultrapassada a pandemia, a que se juntava a debilitada condição de saúde para quem ainda nem sequer franqueou a porta dos setenta anos, tudo apontava para um cenário de afastamento de Ho Iat Seng.
Os interesses de Macau, da sua população e da China falaram mais alto.
Se há que cortar a direito, levar até ao fim as operações de limpeza do mundo e submundo do jogo, combater o tráfico de influências, controlar a fauna dos casinos e modernizar a administração pública afastando resistências, então isso terá de ser feito por quem não seja tributário do empresariado local, das famílias da terra e das impreparadas, cínicas e acomodadas elites locais. E que ao mesmo tempo possua preparação académica, experiência profissional e de vida, uma visão para Macau consentânea com os desígnios do PCC e a vontade do Governo Popular Central, quer em relação às questões da Segurança Nacional quer quanto à aplicação do princípio “um país, dois sistemas”, e seja patriota.
Neste cenário, seria mais do que evidente que o nome de Sam Hou Fai, presidente do Tribunal de Última Instância (TUI), surgiria inevitavelmente como potencial candidato a Chefe do Executivo.
O actual presidente do TUI, embora faça franzir alguns sobrolhos, tem todas as aptidões e condições para dar resposta às exigências de Pequim, fazendo o que está por fazer e os residentes esperam que seja concretizado pelo menos há quinze anos.
Este foi o tempo que se perdeu em matéria de reformas fundamentais para o desenvolvimento da RAEM, de combate a fundo à corrupção e para incremento da diversificação económica, da redução do peso dos casinos e melhoria da qualidade de vida dos residentes.
Posto isto, Sam Hou Fai tem a vantagem de ter formação jurídica, o que é fundamental quando se quer que tudo seja feito de acordo com a lei, qualquer que seja a interpretação que desta se faça. E o não ser polícia, nem ter por hábito comportar-se como tal, é importante quando se quer passar uma mensagem de esperança à população sem partir a louça, afastar o investimento estrangeiro e arruinar a imagem internacional da região. Veja-se o caso de Hong Kong.
Não há por isso muito a ponderar após a manifestação de interesse do protocandidato. O seu nome passará facilmente pelo crivo da Comissão de Defesa da Segurança do Estado. Os discursos do senhor presidente do TUI nas sessões solenes de abertura do ano judiciário já contêm um embrião de programa de governo, não se mostrando difícil perspectivar o seu sentido patriótico, o que pensa e o que aí vem.
Não auguro, apesar do seu reconhecido bilinguismo e apurado sentido da língua portuguesa, ao contrário dos seus antecessores, um aprofundamento da presença do português nos tribunais e na administração pública, embora se me afigure que o diálogo será certamente mais fácil com os seus interlocutores portugueses.
Em matéria de obras públicas, os patos-bravos, fiscais de obras, angariadores e comissionistas terão de se acautelar e preparar para começarem a andar sempre na linha. Ponto final nos cambalachos. A coisa vai piar fino. Na Assembleia Legislativa também. Os deputados nomeados não deverão andar metidos em negócios e com empresas de índole questionável e passado comprometedor.
Quanto às concessionárias de jogo, até ver, e enquanto não for tomada uma decisão quanto ao seu fim – os contratos são para ser honrados –, poderão continuar a operar. Não haverá qualquer problema se mudarem algumas práticas herdadas do passado e se afastarem dos moribundos lobbies e mandarins locais.
Antevejo, ademais, a realização de algumas auditorias de rajada, sem pré-aviso. O processo judicial que opôs a Las Vegas Sands e a Asian American Entertainment Corporation, embora com desfecho previsível, mostrou muita coisa que se desconhecia e práticas reprováveis a diversos níveis. Aquilo que recentemente aconteceu com a auditora PwC do outro lado da Portas do Cerco e em Hong Kong, entidade cuja presença em Macau também tem sido bastante assídua, acendeu muitos holofotes. Pessoalmente não acredito que as práticas seguidas pela PwC em relação à China Evergrande, e que lhe custarão lá mais para o final do mês uma multa astronómica das autoridades chinesas, não tivessem sido aplicadas entre nós ainda com mais rigor. Vamos aguardar.
Estou certo que com uma concepção da separação de poderes mais adaptada às realidades locais, e cada vez mais distante do preconizado na Declaração Conjunta Luso-Chinesa, Macau tomará outro rumo. Entrará definitivamente na auto-estrada da integração com a grande nação chinesa. Dentro de dez anos, muito antes da data prevista, estará tudo mais do que concluído.
Por fim, registe-se que com a eventual saída de Sam Hou Fai do TUI cumprir-se-á a vontade de quem queria que se operasse uma renovação na cúpula do mais alto tribunal da RAEM.
Este constituirá motivo mais do que suficiente para que o anterior presidente dos advogados de Macau se sinta satisfeito e recompensado pela sua insistência ao longo dos anos. Será uma pena que já não possa ter oportunidade de exercer o seu direito de voto na Comissão Eleitoral. Outros fá-lo-ão por si. Com todo o gosto, convicção, fidelidade e coerência. Como sempre acontece, aliás, quando se trata de colocar a democracia local a funcionar.
Qualquer que seja o número de candidatos que se apresente, os dados estão lançados e há um calendário para cumprir.
(créditos: South China Morning Post/Getty Images)
Há pouco mais de dois meses, o deputado Ron Lam questionou o Governo na Assembleia Legislativa, através de uma interpelação escrita, sobre o verdadeiro custo do transporte de cadáveres em Macau, queixando-se do preço. O assunto foi abordado numa interpelação escrita e resultou de, nas últimas semanas, a empresa com o monopólio do transporte de cadáveres ter aumentado o preço do serviço de 1.500 patacas para 2.200 patacas.
Há muito que a população se queixa, também, do custo dos serviços de cremação. Não havendo um crematório em Macau, esse serviço só pode ser prestado em Zhuhai.
Todos sabemos que a existência de monopólios favorece as más práticas, pelo que se é absolutamente incompreensível que os residentes de Macau estejam sujeitos aos preços que são praticados pela única entidade que presta esse serviço.
No início deste mês de Agosto, o referido deputado quis agendar um debate na Assembleia Legislativa sobre a criação de um crematório permanente em Macau e a situação dos táxis. Ambos os debates foram rejeitados, escreveu o atento jornalista João Santos Filipe, em razão, explica-se, "da conjugação dos votos entre as associações tradicionais, deputados eleitos indirectamente e deputados nomeados". Isto é, os que não respondem democraticamente aos eleitores no sufrágio directo.
Em relação ao crematório por haver, disseram alguns, falta de soluções locais e devido ao aumento do número de mortos cujos familiares recorrem aos serviços de cremação.
Quer dizer, como há uns indígenas que entendem que não há solução, nem sequer se discute o problema e as possíveis alternativas que sejam mais benéficas para a população.
No que aos táxis diz respeito houve quem dissesse que a população não quer saber dos táxis e está preocupada é com a existência de mais passeios públicos, embora, como quem não quer a coisa, reconhecesse que a situação dos transportes não é boa.
Curiosamente, por estes dias tivemos conhecimento de que o Presidente Xi Jinping lançou uma campanha de limpeza da indústria funerária chinesa depois de serem conhecidos casos em todo o país implicando "graves violações da displina do Partido e da lei". Traduzido por miúdos isto significa a existência de um problema generalizado de corrupção.
Pois a mim quer-me parecer que tal como em relação aos junkets e aos negócios de alguns empresários bem relacionados com a classe política, e ultimamente também "educativa", de Macau, será necessário que Pequim dê ordens expressas ao futuro Chefe do Executivo para acelerar a integração e coordenação das políticas da RAEM em matéria de cremações, transporte de cadáveres e serviço de táxis com as seguidas no Interior do país.
Quanto aos táxis, ainda hoje, querendo proceder à reserva de um táxi para um transporte na próxima quinta-feira, fiquei a saber que está tudo "fully booked". Tanto faz ser à meia-noite, às duas ou às seis da manhã. Alguém acredita que isto não seja de propósito e que não haja falta de vontade política das elites locais para resolverem este problema? Ou o das cremações? Ou o das obras públicas de má qualidade?
O combate à corrupção e aos monopólios tem de ser levado a todos os cantos do país. Macau não é excepção. O Governo Central tem de ser capaz de mostrar à população de Macau que os seus representantes conseguem fazer mais e melhor do que o que se fez no passado sobre essa matéria.
É que, entretanto, já passaram quase 25 anos desde a transferência de Macau para a China e a única preocupação visível de integração é ao nível da segurança e dos negócios – como se fosse só isso que tornasse possível diversificar e "salvar" Macau. Importa que essa integração chegue ao quotidiano dos residentes de Macau e se traduza numa efectiva melhoria da sua qualidade de vida. O combate à corrupção tem de ser a todos os níveis, em especial nestas áreas em que a população mais sofre, não podendo poupar as elites locais.
Os residentes de Macau estão fartos de serem explorados pelos monopólios e pelas negociatas das suas elites políticas e empresariais, exploração que nada tem de patriótica.
E também estão fartos de nada verem acontecer por estas bandas de relevante para que se assista a uma política de melhoria substancial dos transportes – mais da oferta e qualidade do serviço de táxis –, com uma oferta plural de serviços, o mesmo sucedendo em relação ao custo do transporte de cadáveres e das cremações.
O que se passou na Assembleia Legislativa, e muitas vezes acontece sempre que estão em causa os monopólios e oligopólios das elites da terra, foi uma vergonha.
É preciso saber quem ganha com esses negócios, e que tem capitalizado à sua sombra com a inércia da Assembleia Legislativa e do Governo. Assim como com as agências de emprego e outras aberrações similares que por aí há e se continua a proteger.
As operações de limpeza interna contra a corrupção têm de chegar mais depressa a Macau. Não são para se ir fazendo aos bochechos para não se incomodar o vizinho, a empresa do primo ou o casineiro. Têm de acompanhar o ritmo imposto internamente. No respeito pelo Estado de direito e pelos legítimos interesses da população.
Isto está a precisar de alguém que não se acanhe, que não seja, ou esteja capturado pelas elites locais, ou próximo de situações de conflitos de interesses, e que dê uma varridela a sério. De alto a baixo. Incluindo na Assembleia Legislativa.
Ainda há dias pensei nele.
Habitualmente, duas ou três vezes por ano, por altura das quadras festivas e no Verão, comunicávamo-nos por escrito. E desta vez eu queria antecipar-me para não ser sempre ele a tomar a iniciativa de me escrever, de procurar saber de mim e dos combates que ia travando, comentando o que ia sabendo.
Não fui a tempo. E não haverá próxima vez.
Quando uma enxurrada começa é difícil estancá-la. E ultimamente chegam mais carregadas de más notícias. De todo o lado.
Apercebi-me ontem de que quando o funesto evento aconteceu, desta vez no Canadá, há mais de mês e meio, estava em viagem. E foi por um jovem advogado estagiário de língua materna chinesa que tive nota do seu passamento, o que muito me entristeceu.
Sei bem que a velhice caminha de braço dado com a idade, embora esse passeio nem sempre se faça à mesma velocidade. No seu caso, a sua extraordinária capacidade de trabalho continuou após a jubilação e não o impediu nos últimos anos de dar aulas e intervir em seminários, ajudando à formação de magistrados e advogados, ao mesmo que tempo que publicou mais de uma dúzia de livros, códigos anotados, comentários e manuais, a maior parte deles sobre o Direito de Macau. Incansável.
O último testemunho da sua amizade, e labor em prol da comunidade, foi-me entregue por amigo comum. Chegou com um cartão manuscrito por outro insigne jurista ligado à formação de magistrados, a acompanhar um exemplar do seu “Direito Disciplinar de Macau”, mal saído da tipografia, pelo qual me dava nota daquele me ser enviado por “especial recomendação” do autor.
Após uma vida de dedicação aos tribunais e ao Direito português, onde deixou um rasto de sabedoria e entrega, citado em todas as instâncias e constituindo o seu trabalho objecto de estudo incontornável nas Faculdades de Direito, foi a Macau que rumou dando um contributo inestimável à localização jurídica e judiciária, à preservação das raízes lusófonas e ao desenvolvimento do direito local, em especial nas vertentes penal e processual penal, onde a qualidade do seu trabalho sempre fez a diferença.
Exerceu funções no pioneiro Tribunal Superior de Justiça de Macau e deixa-nos, sozinho e em co-autoria com o Dr. Simas Santos, um estupendo repositório de obras e anotações jurídicas, que se somam aos milhares de decisões lavradas pela sua pena. Sempre numa escrita simples, depurada e de grande sentido pedagógico.
Mas mais do que registar a sua herança jurídica e judiciária, quero neste breve apontamento realçar a sua humanidade, simplicidade, cortesia, o modo como a todos tratava, da senhora da limpeza ao advogado, do ministro ao sem-terra, do amigo ao desconhecido, sempre com a mesma educação, desvelo para com o próximo, atenção, bondade. Sem esquecer o seu espírito profundamente democrático, arreigado até às entranhas, sempre pronto para escutar o outro, perceber a sua perspectiva, colocando-se no seu lugar.
Alguns, felizmente poucos, baixinhos, de espírito pequenino e medíocre, a quem a sua sombra impunha respeito, entredentes iam urrando e vituperando nas sacristias, pelos fretes que não lhes fazia; mais ainda quando as decisões que assinava ignoravam os recados previamente transmitidos pelos poderosos.
Nos últimos anos mereceu algumas desconsiderações do poder político, mais preocupado com a burocracia e a norma estúpida do que com a protecção da civilização, do sentido da vida e das coisas. Essas aleivosias, ainda que o magoando, como a qualquer pessoa séria e decente fariam, em nada o afectaram. Sempre esteve muito acima da mediocridade de algumas seitas.
Os residentes de Macau, a sua comunidade jurídica, magistrados, advogados, juristas em geral, muito lhe ficam a dever. Os seus livros continuarão a ser diariamente consultados, é certo, mas faltará sempre alguém para esclarecer mais uma dúvida e nos ajudar a pensar melhor.
O Dr. Manuel Leal-Henriques, que me deu a honra de ser seu amigo, constituirá um farol para as futuras gerações de juristas de Macau, um marco indelével da dignidade e lisura da magistratura portuguesa, um exemplo dos portugueses com honra que não se prostituem por um saco de lentilhas. Em casa ou fora de portas. Nem mesmo depois de reformados.
Perante o que hoje é público, espero que alguém – seja o Governo da RAEM, através do Secretário para a Administração e Justiça ou do Centro de Formação Jurídica e Judiciária, seja a Faculdade de Direito, os Tribunais ou a Associação dos Advogados –, se lembre de organizar uma homenagem condigna em memória do Dr. Manuel Leal-Henriques.
O legado do juiz conselheiro jubilado Manuel Leal-Henriques, e não falo de Portugal, não é uma nota de rodapé numa sebenta, ou um parágrafo num comunicado discreto.
E a sua obra é, certamente, bem mais merecedora de destaque, para que seja por todos conhecida e ganhe maior utilidade nos tempos difíceis que atravessamos, do que alguns eventos que por aí ocorrem para louvar bípedes sem vergonha, cujos maus plágios são venerados de cada vez que se colocam em bicos de pés, proferem um dichote para a imprensa ou fazem um jeito aos poderosos.
(créditos: Portugal Resident)
Nem de propósito.
Há dias chamava aqui a vossa atenção para os excessos do turismo de massas e a sua perniciosa influência na vida dos residentes, acelerando a degradação dos locais que visitam e das condições de vida dos residentes.
Pela imprensa britânica fiquei hoje a saber que os habitantes de Sintra, pitoresca e acolhedora vila portuguesa, resolveram tomar posição perante os excessos decorrentes da devassa do seu espaço pelo turismo de massas.
O Express titula que “Locals in 'Europe's most beautiful town' threaten 'guerilla action' over 'hell'”. O tablóide Daily Mail escreve que “Europe's war on tourism has now spread to Portugal and Switzerland.”
O jornal Portugal Resident esclarece que a Associação QSintra divulgou um comunicado com o título “Em defesa de um lugar único” sublinhando que “o turismo é importante para Sintra, mas não pode ser um factor de degradação da paisagem e de despovoamento da zona”, referindo que a vila tem todas as condições para ser um “centro cultural e grande qualidade e projecção mundial”, mas que “há demasiada gente, e demasiados carros e autocarros na vila e a serpentear pelas estradas estreitas.”.
Há dez anos, um artigo no The Guardian elencava 6 razões que impunham uma diferente abordagem deste modelo de turismo, o qual já teria ultrapassado o seu auge. E escrevia-se então que o “turismo industrial de massas baseia-se na montagem, distribuição e consumo de produtos embalados”, em que “a mercantilização do que deveria ser reverenciado como único é ainda agravado pela aplicação de estratégias industriais de redução de custos de homogeneização, de estandardização e de automatização que eliminam ainda mais quaisquer vestígios de diferença, quanto mais de mística (...)”. Depois, referia-se que “as baixas barreiras à entrada e a ausência de regulamentação encorajam o crescimento rápido e a especulação”. O “turismo é um produto perecível”, que “não pode ser armazenado”, acrescentando-se que “os visitantes fazem com que os preços da terra, dos alimentos, da água, da habitação e das infra-estruturas aumentem a um ritmo estreitamente correlacionado com o declínio das margens dos operadores turísticos”, tendo como consequência que “mais turismo significa muitas vezes menos benefícios para as comunidades de acolhimento.”
Um destino turístico não deve ser visto simplesmente como “um recurso a ser explorado, mas como um lugar sagrado a ser protegido e celebrado pela sua singularidade”, defendendo-se, em alternativa, “menos volume, congestionamento, incómodo, destruição e danos”, em prol de um turismo com “mais significado, propósito, valor, paz e realização”, pugnando-se por “não mais, mas melhor” turismo.
Perante o que está acontecer em Sintra e em tantos locais de peregrinação turística por esse mundo, o Turismo de Macau continua na idade da pedra e só se entusiasma com cada vez mais gente a entrar. A primeira página desta manhã do jornal Ponto Final informava-nos de que só este ano, até 25 de Julho, já entraram 19 milhões de turistas (pseudo-turistas) em Macau, representando um crescimento de 38,2%. Num dia entraram 135.000 pessoas numa cidade que tem menos de 700.000 habitantes.
Desconheço se os responsáveis turísticos já circularam por Macau, anónimos, pelos locais de maior concentração de visitantes, mas deviam fazê-lo. Para um residente, até uma simples ida à Cinemateca num sábado à tarde se tornou num pesadelo, tantos são os encontrões que leva, a berraria e a fumarada rua após rua.
O próximo Chefe do Executivo, seja ele qual for, deverá repensar o modelo turístico de Macau. E colocar uma alínea sobre este problema no seu programa de governo.
Se a política de turismo do Tibete fosse idêntica à da RAEM aquele paraíso natural e cultural da humanidade já se teria transformado num parque de diversões de montanha, gerando lixo e poluição em quantidades astronómicas. E estou certo de que ninguém quererá isso em Pequim.
Também em relação a Macau, se os responsáveis locais não conseguem perceber o mal que estão a fazer à cidade, ao seu património, às suas ruas, e à qualidade de vida da maioria dos seus residentes, se não conseguem ver isso e contribuir para a existência de política sustentáveis e de longo prazo para o turismo de Macau, então deverá ser o Governo Central a colocar um travão à falta de racionalidade e bom senso para que se possa valorizar e proteger aquilo que constitui património de todos.
Isso é que seria muito patriótico. Não o caos e a balbúrdia actuais e que terão no futuro, aliás já no presente, custos elevadíssimos (turísticos, ambientais, e na qualidade de vida e na saúde dos residentes e das futuras gerações) para todos os que aqui vivem.
Estamos em 22 de Julho e tardam explicações sobre a ausência do Chefe do Executivo (CE), presumivelmente em gozo de férias desde o dia 21 de Junho.
O comunicado divulgado ontem pelo Gabinete de Comunicação Social (GCS) não desfaz as dúvidas dos residentes, nem é suficiente para afastar os rumores que circulam pela cidade.
Dizer que o CE "realizou o [ou "um"?] exame médico de rotina e recebeu cuidados de diagnóstico e terapêutica necessários, e está actualmente em bom estado de saúde" não esclarece nada.
Não é normal que um presidente da república, um primeiro-ministro, um ministro, no caso de Macau o seu CE esteja ausente em "gozo de férias" durante 39 dias seguidos, partindo do princípio de que regressará ao trabalho a 30 de Julho p.f.. A gestão da coisa pública não pára para férias, apesar de estarmos a chegar à silly season.
O CE está em final de mandato. Há ainda uma série de trabalhos em curso, a situação socio-económica da RAEM não está famosa. E mais lá para a frente terá de ser escolhido o CE, que pode até ser o mesmo, que iniciará o próximo mandato.
Estranha-se, por tudo, que sejam tantos os dias de férias, pese embora a explicação que por aí surgiu de que são as "primeiras férias". Esta não colhe.
Toda a gente sabe que, por lei, os trabalhadores "normais" não podem acumular férias durante quatro anos para depois as gozarem todas de seguida.
E também não há trabalhadores que em Macau possam gozar 39 dias de férias seguidos.
Recorde-se que os trabalhadores da Administração Pública têm direito a 22 dias úteis de férias em cada ano civil. E os outros, os que dão o litro nas empresas, nos escritórios, nas fábricas, nos casinos, muitas vezes trabalham dez e doze horas por dia e, também por lei, só têm garantidos "seis dias úteis de férias anuais remuneradas", o que faria corar de vergonha o comunista Mário Nogueira, a bancada do Partido Comunista Português e todos os sindicalistas portugueses, sendo que a maioria dos trabalhadores de Macau terá hoje dez, doze ou, na melhor das situações, se for quadro superior numa concessionária, dezoito dias de férias anuais.
A maioria não tem direito a vinte nem a vinte e dois dias de férias. Nem mesmo nos escritórios de profissionais ditos liberais e nas empresas de alguns que gostam de andar na berlinda social e nas páginas da imprensa, de croquete na mão, escondendo as misérias caseiras e as "dispensas" de trabalhadores agendadas logo no momento da contratação para não perderem a face.
O que está a acontecer com o nosso CE não é normal em nenhuma parte do mundo. A não ser, talvez, na Coreia do Norte ou na Rússia. Ou em países em que falta a liberdade, a imprensa é controlada, e a ausência de transparência e de explicações razoáveis e o secretismo são a pedra de toque da acção dos responsáveis políticos.
Não há nada de vergonhoso ou desonroso em ter um azar, em uma pessoa estar doente ou precisar de tirar uns dias para se tratar. Não é isso que faz perder a face de um dirigente ou é susceptível de gerar instabilidade social.
Só nas autocracias, nas ditaduras e nos estados totalitários é que se pensa assim, e se teme que isso aconteça porque o poder político tem má relação com o povo e só se sente confortável recorrendo à vigilância política dos cidadãos, fazendo uso da força e das ferramentas do aparelho repressivo.
Se o CE da RAEM não está doente e goza de boa saúde, o que todos esperamos e desejamos que seja verdade, o que justifica uma ausência tão prolongada e não anunciada logo desde o começo do primeiro período de férias no mês passado?
E por que razão o primeiro período de férias foi de 13 dias, o segundo de 15 dias, e agora há um terceiro de 10 dias?
Qual a lógica destas prorrogações em final de mandato e quando estão em marcha uma série de procedimentos tendentes à escolha do próximo CE?
Não será com comunicados tão lacónicos como aquele que o GCS divulgou, depois de múltiplas insistências da comunicação social, que se desfazem os rumores que por aí circulam e se coloca um ponto final na especulação.
E muito menos será escondendo a verdade que a opinião pública pode ficar tranquila.
Há que mudar procedimentos e ter uma relação franca e transparente com a população.
Os residentes não são destituídos que devam ser protegidos da verdade. Esta é uma "democracia que funciona".
Os secretismos tolos não radicam na Lei Básica e devem ser deixados para outras latitudes. Menos democráticas, digo eu.
Quem tiver seguido com atenção as notícias publicadas nas últimas semanas, e tiver ouvido o que disseram o Chefe do Executivo e alguns deputados, dos que ainda se preocupam com o bem-estar da população, verificar-se-á que o esforço de crescimento, desenvolvimento e integração da RAEM na Grande Baía está ter custos elevadíssimos para a maioria dos residentes sem que haja políticas de cariz económico e social que invertam o empobrecimento de Macau e a desvalorização dos seus activos.
Em 2023, verificou-se na RAEM um aumento de 14% na emissão de gases com efeito de estufa. A poluição atmosférica aumentou, tal como aumentaram os poluentes, sendo hoje maior a quantidade de resíduos sólidos descartados per capita. Ao mesmo tempo desceu a quantidade de recolha destes, aumentando-se o consumo de água em 7,1%, bem como o nível de ruído. (PF, 06/06/2023). Metade dos jovens de Macau não pretende casar nem ter filhos nos próximos cinco anos, tornando ainda mais desequilibrada a pirâmide demográfica. O principal motivo prende-se com questões financeiras, “despesas com educação, comida e outros custos, a falta de espaço em casa, assim como a falta de tempo, devido a compromissos profissionais”, sendo que “mais de 60 por cento dos inquiridos apontaram a necessidade de mais apoios económicos e medidas para facilitar a vida familiar” (HM, 07/06/2024).
A deputada Song Pek Kei mostra-se descontente com a qualidade dos professores de Macau (MDT, 12/06/2024). Outros deputados dizem que a retoma económica pós-pandemia não chegou às PME (PF, 13/06/2024). Dias volvidos, o Governo, face à “recuperação económica desequilibrada” – quem será o responsável? –, resolveu aumentar o apoio às PME (PF, 17/06/2024).
As queixas e reclamações subiram no IAM. À poluição ambiental referiam-se 22,9% das queixas (PF 21/06/2024).
Apesar de tudo isso, haverá quem se questione sobre a razão de Macau ser a segunda cidade da Ásia onde a construção é mais cara (21/06/2024), sem que esses valores tenham correspondência na qualidade do que se constrói. É na habitação, mas também nas obras públicas (estações de tratamento de águas, silo das Portas do Cerco, Terminal Marítimo da Taipa, Metro Ligeiro, pontes, estradas, et cetera).
De caminho, ainda em Junho, em pleno início da época balnear, são as praias de Hac Sa e Cheoc Van, as únicas que temos, que são objecto de interdição (PF, 24/06/2024, MDT 25/06/2024), de novo devido à má qualidade da água e para evitar mais doenças.
O número de acidentes de viação, numa micro-região com poucas estradas, milhares de câmaras instaladas e insanos limites máximos de velocidade, bate recordes, sem que se saiba em quantos desses acidentes participaram veículos e condutores vindos do Interior e de Hong Kong ao abrigo das generosas políticas de circulação e intercâmbio de veículos (PF, 25/06/2024).
O Macau Daily Times avança que as receitas dos restaurantes caíram 12% em Abril, valor que é de 23% para os de comida ocidental, por comparação com o ano passado, e que as vendas a retalho caíram 32,2% (MDT 21/06/2024).
No início de Julho ficámos a saber que as receitas dos casinos caíram 12,4%. Em 60 anos, pela primeira vez, não há hydrofoils a operar entre Macau e HK (MDT, 02/07/2024).
A Caritas dá-nos conta de ter atendido 7.000 pedidos de ajuda nos primeiros seis meses do ano (PF, 04/07/2024), enquanto as consultas externas de saúde mental aumentaram 29,8% face a 2022 (PF, 09/07/2024).
O presidente da Associação dos Vendilhões queixa-se da redução de bancas no Mercado Municipal da Horta da Mitra e diz que “após meio ano da reabertura (...), os negócios se mantiveram como antes, não beneficiando das melhorias nas instalações”. O Mercado de Tamagnini Barbosa está votado ao abandono, com 70% das bancas vazias (HM, 10/07/2024 online). Uma reportagem e fotos no MDT mostram que no centro da cidade, no Mercado de S. Domingos, também aumentou o número de bancas vazias. A razão, dizem, é que se tornou impossível competir com as lojas de vegetais e frutas detidas por grandes empresas do Interior do país que usam espaços comerciais, não podendo os pequenos vendedores competir com os horários daquelas em virtude de os mercados terem de fechar às 19:00 (MDT, 12/07/2024).
O crédito malparado duplicou nos últimos doze meses (HM, 08/05/2024), supera 48 mil milhões de patacas após quinze meses de aumento, tendo crescido 13 vezes desde a pandemia (JTM, 10/07/2024). Já alguém foi preso? A culpa foi dos junkets?
Podia continuar. Ou ir mais atrás. Mas fiquemos por aqui e foquemo-nos no que disse o presidente da Associação para a Promoção do Desenvolvimento Regional de Macau. Chan Tak Seng defende a proibição das excursões de baixo custo, por considerar que acrescentam muito pouco à economia local (Plataforma, 09/07/2024). Parece fazer sentido. Um relatório da Asia Tourism Exchange prevê um aumento de 33,9% no número de turistas para este ano que vêm do interior da China (PF, 16/07/2024).
Por todo o mundo são criadas barreiras a um certo “turismo” desenfreado e de baixo valor. No Japão impuseram-se limites ao número de visitantes do Monte Fuji, foram criadas barreiras visuais para afastar turistas que se concentram em determinados locais e limitada a circulação em certos bairros típicos de Quioto para que as gueixas e os residentes não sejam perturbados no seu quotidiano. Veneza passou a cobrar uma taxa aos turistas, o mesmo acontecendo em Bali e no Belize. É preciso proteger os locais turísticos, o património natural e o edificado e a qualidade de vida de quem lá vive.
Os excessos do turismo de massas só contribuem para infernizar a vida dos residentes e não constituem qualquer mais-valia. Em pouco tempo degradam seriamente os locais que visitam e a receita gerada não compensa os prejuízos causados. Macau é um bom exemplo disso.
Porém, aqui continua a febre estatística. É como se não houvesse amanhã. Não há dia em que a comunicação social e a Direcção dos Serviços de Turismo não estejam preocupados em aumentar os números dos que entram em Macau. Quando se deviam preocupar com o aumento da qualidade da oferta e do nível de quem aqui entra. A única política conhecida é a do quanto mais gente melhor. Ninguém quer saber da degradação das condições de vida dos residentes, da má qualidade de muita oferta, do mau serviço oferecido em muitos locais, nem do lixo gerado.
O que interessa é ter a cidade cheia, atulhada de veículos de dupla e tripla matrícula e de carrinhas e autocarros velhos, com os passeios e as ruas sem condições de circulação, sem lugares de estacionamento que acompanhem o crescimento do número de veículos de duas e quatro rodas. Temos veículos pesados e atrelados estacionados nas vias públicas nas imediações de hotéis super-luxuosos. Esses é que deviam ir estacionar a Hengqin, onde há mais espaço disponível.
O problema é que o aumento de rebanhos de circulantes, que praticamente não efectuam consumos decentes e vêm infestar as zonas pedonais, encher ruas e alguns poucos estabelecimentos, que são sempre os mesmos, onde fazem fila para comprar tripas, biscoitos, carne fumada, sopas de fitas e maus pastéis de nata, que depois vão comendo pela rua e de cócoras pelas esquinas do NAPE, da Rua do Cunha, na marginal de Coloane, nas imediações do Centro Cultural ou nas proximidades das Ruínas de S. Paulo, largando caixas de cartão e copos vazios na beira dos passeios, não é espectáculo digno de ser visto num “Centro Mundial e Turismo e Lazer”.
Os pequenos estabelecimentos e restaurantes, mesmo em hotéis de luxo no Cotai, queixam-se da falta de freguesia e dos baixos consumos de quem lá vai. E alguns passaram a impor “dress code”, dando conta disso nas reservas que se efectuam, proibindo calções, bonés, t-shirts de alças, fatos de treino e indumentárias de igual calibre, bem ao contrário de um conhecido clube da cidade que tem vindo a aliviar restrições e deve considerar que assim é que é bom para se poder encher o estabelecimento de labregos geradores de receita.
As concessionárias de jogo trabalham cada uma para o seu lado, seja na promoção de concertos, espectáculos desportivos, musicais ou na organização de exposições. Não sabem exactamente o que têm de fazer porque não existem directivas claras do Governo nessa matéria. Sabem apenas que têm de fazer e mostrar serviço. Mas qual o resultado disso? Quais os benefícios práticos a médio e longo prazo em termos de diversificação, emprego local e fidelização de boa clientela?
Em vez de se apostar numa planificação global, na junção de esforços de todas as concessionárias para se criar um museu de dimensão mundial, um festival de jazz ou de música, do mundo, pop ou rock, que perdure, ou um torneio de ténis que entre e se consolide anualmente no circuito mundial ATP, organizam-se festivais gastronómicos ao ar livre com material descartável, muito calor e níveis de humidade de 90%, multiplicando-se as iniciativas avulsas sem qualquer fio condutor ou garantia de continuidade. É tudo feito a eito, sem critério que se perceba.
Querem os turistas a dormir em Hengqin, os residentes a circular pela Grande Baía, tirando partindo do novo regime de vistos, os veículos a usar as quotas disponíveis dos dois lados da fronteira, mas depois pede-se aos residentes para ficarem em casa nos feriados e fins-de-semana e comerem nos restaurantes da zona norte quando toda a gente sabe que do outro lado a família come melhor e por metade do preço. Porque será?
A disparidade de preços entre supermercados em relação aos mesmo produtos é brutal. Dos iogurtes às framboesas.
Assistimos nos últimos anos ao empobrecimento contínuo de Macau, ao desaparecimento do pequeno comércio, de lojas tradicionais – só se abrem farmácias, lojas de penhores, tascas, casas de massagens, relojoarias e joalharias –, à falência de inúmeros estabelecimentos, à desvalorização do património imobiliário. Só há lojas de luxo e tendinhas para pelintras.
Há arquitectos que se queixam da destruição de obras reconhecidas dos últimos anos da administração portuguesa. Assiste-se à contínua degradação das condições de circulação e de vida dos residentes (a Praça Ferreira do Amaral, junto ao Hotel Lisboa, que devia ser uma zona de referência, está transformada numa central de autocarros), tudo pelo preço de uma maior segurança e de uma integração mal pensada e que indo a reboque da propaganda frentista até já obriga os frentistas da Assembleia Legislativa a queixarem-se das políticas governativas e a fazerem exigências nunca antes ouvidas.
Não é a mesma coisa que acabar com actas coladas em livros de actas ou deixar de habilitar os mortos. É um pouco mais do que isso que está em causa.
Seria bom que os candidatos que se queiram apresentar à eleição, melhor seria chamar-lhe nomeação, do próximo Chefe do Executivo o façam, seja o actual ou outros, com um programa devidamente pensado e estruturado. Para que não se repita o que aconteceu da última vez. E muitos não fiquem com a ideia de que foi tudo preparado em cima do joelho e por quem nem sequer pensou antecipadamente nos problemas e nas eventuais soluções para aqueles quando apresentou a candidatura.
Convém recordar, agora que a elite que manda está reunida em Pequim, o que antes se passou por aqui, perante o aplauso dos oligarcas, dos sabujos e dos sem-pátria da praxe, para que não se cometam os mesmos erros. Com ou sem pandemia.
Os sabores portugueses sempre se comeram muito bem. O número de bons restaurantes, dentro e fora dos grandes centros, espalhados por todo o lado, tanto no continente como nas ilhas, é a melhor prova disso mesmo.
Nas últimas décadas, depois do vinho, a nossa culinária também se internacionalizou.
Primeiro com os muitos que nos visitavam e que apaixonados pelo sol, o azul profundo, a luz, o acolhimento, o vinho e a comida boa e acessível voltavam. Mais tarde com a saída dos nossos grandes cozinheiros, que modernamente desapareceram e se tornaram todos "Chefs", e foram trabalhar para restaurantes vanguardistas fora de portas, mostrando a excelência, aqui sim com toda a propriedade, da nossa gastronomia.
Contudo, nem todos adquirem o estatuto e a projecção nacional e internacional, ultimamente reflectida no número de estrelas Michelin que ostentam, de alguns. E entre estes está, numa pequena elite que paira muito alto, um dos grandes e mais respeitados portugueses contemporâneos. O Chef por excelência. Por opção e amor à arte, hoje presente no rectângulo à beira do Atlântico, venerada em inúmeros programas de televisão, em livros, e espalhada por vários continentes, em verdadeiros templos de devoção aos sentidos e ao aconchego dos estômagos. De Miami a Londres, dos Países Baixos ao Egipto e a Macau.
Com a sua natural simpatia, sem entrar na guerra dos cifrões de algumas pretensas estrelas, cativa qualquer comensal com o seu extraordinário talento.
Desta vez, à boleia dos seus Sabores do Atlântico, foi possível começar com um amuse bouche de atum, a que se seguiu uma vieira com tomate, alcaparra e caviar. Após esta explosão inicial, que serviu para preparar o palato, brindaram-nos com uma notável lula recheada, num caldo de lula e ervas, acompanhada no exterior por uma outra lula, a modos de tempura, de uma frescura e macieza irrepetíveis.
O que se seguiu, não desfazendo a sua criação de carne de porco alentejana presa, com massa de pimentão, amêijoa e jus de coentros, entrou na minha memória no domínio do eterno: uns pedacinhos de lagosta com milho, alho francês e uma fabulosa emulsão de amêndoas.
O final, com uma sobremesa de morango, pimento vermelho, iogurte e framboesa atirou-me de vez ao chão.
Seria difícil chegar a Dez de Junho com uma descarga de sabores e de cores nacionais mais intensa e saborosa, com uma personalidade e um carácter bem vincados e em tons camonianos.
A quem proporcionou mais este encontro, desta vez perfeitamente inesperado, e talvez por isso mais encantador, com o Chef anfitrião, só tenho que agradecer. Isso e os vinhos.
E desejar, para além de uma vida longa e saudável para ambos, na cozinha ou à volta de uma mesa, partilhando os melhores néctares lusitanos, que um, o Henrique Sá Pessoa, continue a levar a sua arte pelo mundo fora, e o outro, o Luís Herédia, a organizar bons momentos e a trazer-nos vinhos produzidos no nosso país que sendo capazes de levar qualquer espírito mais reticente à conversão nos lavam a alma nos dias escuros, chuvosos e tristes, por várias razões, que de vez em quando, ultimamente com mais frequência, nos visitam. Tanto lá como cá.
(P.S. O Henrique Sá Pessoa estará no Chiado, ali no Londoner, só até amanhã)
Sobre a questão que é discutida desde o final do dia de ontem, relativa ao anúncio por parte da FIA (Federação Internacional de Automobilismo) da substituição da F3 pela nova Fórmula Regional no Grande Prémio de Macau, independentemente de se saber se é uma "despromoção" ou uma "desconsideração", há outras questões que ou as pessoas ignoram ou se estão a esquecer.
É óbvio que substituir uma corrida de Fórmula 1 por uma de Fórmula 2 pode ser aos olhos de quase todos uma despromoção, embora as de F2 sejam indiscutivelmente muito mais animadas e competitivas. Igual raciocínio e idêntica conclusão se podem tirar quando se troca a F3 pela Fórmula Regional.
O Renato Marques esclareceu algumas diferenças no Macau Daily Times. O André Couto, com a experiência e a autoridade que na matéria lhe é reconhecida, já disse o que sobre o assunto pensava. Alguns pilotos também. Mas, entretanto, também ouvi e li outros comentários que revelam algum desconhecimento sobre o que a FIA tem vindo a fazer de há uns anos para cá.
Quem tivesse acompanhado o que se tem passado já teria percebido que as decisões da FIA que introduzem mudanças estão a ser executadas quase de imediato e praticamente sem períodos de transição. Foi assim na F1 e no WEC. Neste campeonato, os LMP1 desapareceram, alguns dos GT3 que no ano passado correram no WEC e em Le Mans ficaram obsoletos de um dia para o outro, tendo sido criadas novas classes.
Depois, em todas as decisões verifica-se que há uma vontade muito grande de reduzir custos, diminuindo o investimento nas viaturas utilizadas, tanto em chassis como em motores, equilibrando as equipas e impondo limites aos gastos.
Essa política leva a um aumento da participação, à expansão do desporto automóvel e a um alargamento da competição a um maior número de países, que deste modo é tornada mais acessível a um universo muito maior de equipas e pilotos.
Por outro lado, contribui para o aparecimento de jovens valores que noutras condições teriam as portas fechadas.
A tónica da segurança continua a ser fundamental. Em momentos anteriores a FIA mostrou que o espectáculo não pode ceder à segurança e à protecção dos pilotos e dos espectadores. O desporto automóvel não é uma espécie de roleta russa. Temos carros cada vez mais potentes e os pilotos chegam aos mais altos escalões cada vez mais jovens. Há que acautelar.
E, finalmente, convém não esquecer que a FIA tem mostrado estar atenta e preocupada com os custos ambientais, querendo um desporto automóvel ecologicamente mais verde e mais amigo do ambiente.
Se tivermos tudo isto em atenção, para além do que tem sido dito, perceberemos muito melhor a decisão da FIA. Repare-se que na reunião de 28 Fevereiro pp. do World Sport Motor Council surgiram menções à Taça do Mundo de GT e à Corrida da Guia, mas nada se disse sobre a F3 e a corrida de Macau. Ninguém estranhou?
De fora deixo as questões locais e que se prendem com a transparência, ou falta dela, no processo de negociação entre as autoridades de Macau e a FIA sobre a "coutada" do Grande Prémio. Alguém sabe o que foi negociado? E por quem? O que foi proposto? Quem analisou as propostas e os contratos? Quais as condições impostas? Que pareceres foram dados? Quem os aprovou?
Enquanto não forem dadas as respostas a estas últimas perguntas não vale a pena atirar pedras à FIA e andar a conjecturar.
P.S. As declarações ulteriores de Charles Leong, que correu nos últimos dois anos em F3, ajudam a compreender parte do que aqui escrevi.
Os imponderáveis da pandemia impediram um intercâmbio normal e uma presença mais assídua na RAEM dos representantes da União Europeia (UE) em Hong Kong. No entanto, não foi por isso que durante estes anos estiveram desatentos ao que por aqui se passava. E os relatórios que foram sendo publicados atestam o interesse e a atenção conferidos.
Ninguém estranhou, por isso mesmo, que passado o período crítico e terminadas as quarentenas voltassem a percorrer os escassos quilómetros que separam a ex-colónia britânica de Macau, marcando presença em diversas ocasiões. A última foi ainda ontem quando de novo se assinalou o Dia da Europa.
Por ironia do destino, as duas principais figuras que representaram a RAEM e a UE não deverão voltar a estar presentes. O Eng. Raimundo do Rosário está a escassos de meses de terminar o seu segundo mandato à frente da pasta dos Transportes e Obras Públicas. E o Embaixador Thomas Gnocchi revelou a todos que irá partir para o país do sol nascente.
No movimento diplomático que se avizinha partirá igualmente o simpático Walter van Hattum, que assegurou a muitos as ligações comerciais e económicas com a UE.
Para os que partem, de quem certamente iremos sentir falta, deixo aqui um gesto de agradecimento pelo seu trabalho, e os meus votos de sucesso para as suas vidas e carreiras. Que tanto eles, onde quer que estejam, como os seus sucessores nos lugares que irão vagar continuem tão presentes e atentos, como até hoje, ao que por aqui vai acontecendo.
Por vezes às claras, de outras vezes mais dissimuladamente. Muito especialmente em matéria de direitos fundamentais.
Completam-se hoje quarenta anos sobre o início das emissões televisivas da Televisão de Macau. A data merece ser assinalada e deverá constituir matéria de reflexão sobre o seu passado, o seu presente e o futuro que dela se espera.
Muito embora tivesse sido, ao longo destas quatro décadas, muitas vezes utilizada como um instrumento de propaganda ao serviço do poder político, do almeidismo ao vierismo, dos senhores da terra aos novos régulos, passando por momentos difíceis, tanto a nível da gestão, com administradores detidos, como do seu financiamento, importa referir que não foi por isso que deixou de ir prestando, muitas vezes contra ventos e marés, um bom trabalho, tanto em matéria de informação, como de entretenimento, de formação de audiências e difusão da cultura e do conhecimento, aproximando povos e nações, dando a conhecer realidades próximas e longínquas, de muitos desconhecidas, contribuindo para um melhor entrosamento entre a cidade e os seus residentes.
Esse bom trabalho ficou a dever-se, em primeira linha, à qualidade das sua equipas, quer técnicas, quer de jornalistas, que com meios exíguos – actualmente ainda mais – souberam ao longo dos anos ultrapassar dificuldades, fazer das tripas coração, ignorar desconfianças várias e gerir as crises com sabedoria, para apresentarem um trabalho decente, prestando um serviço útil e fiável à população.
Com a TDM chegou gente de imensa qualidade até Macau; formou outros de igual valia, e depois também levou muitos para outras paragens, para grandes órgãos de comunicação social portuguesa e internacional, onde puderam mostrar toda a qualidade da formação de base adquirida em Macau.
Alguns há que, felizmente, ainda por cá continuam, com poucos e escassos meios, fazendo milagres e colocando o seu saber e experiência ao serviço de toda a comunidade, também ajudando a divulgar e a democratizar vários idiomas na comunidade, e não apenas os oficiais, contribuindo para a formação de um público cada vez mais exigente, e para a criação de pontes entre mundos que vivendo separados se foram conhecendo melhor e passaram a comunicar entre si num outro patamar e com outras referências.
Nos últimos anos, mercê das vicissitudes políticas por que a RAEM tem passado, assistiu-se, no canal português, que é aquele que sigo e acompanho diariamente, a um desinvestimento em diversos níveis, quer em meios técnicos, quer humanos, quer, ainda, na qualidade dos programas ou no simples mobiliário e decoração dos estúdios, não raro paredes-meias com um indescritível mau gosto.
Os programas de discussão da actualidade política e internacional tornaram-se residuais, avulsos, sem continuidade, o que se revela ainda mais patente na comparação com o que continua a fazer-se em Hong Kong. O unanimismo instalou-se. A crítica interiorizou-se, silenciou-se. Alguns houve que rapidamente se serventualizaram e vivem felizes com esse estatuto.
As vozes que garantiam a pluralidade do debate e entusiasmavam audiências desapareceram, substituídas que foram por rostos, vozes, discursos e programas cada vez mais anódinos e alinhados com o discurso oficial, alguns de características medíocres, requentados, servindo simplesmente objectivos de mera propaganda – política, empresarial, pessoal –, nada acrescentando ao conhecimento dos seus destinatários, e que apesar disso são depois repetidos ad nauseam, por vezes com curtos intervalos entre as emissões.
A informação tornou-se muitas vezes desequilibrada, oscilando entre o excepcional, o mediano e o sofrível, sem se perceber muito bem, para além do poder avulso de quem manda no momento, ao serviço de quem é que está. A gestão burocratizou-se e funcionalizou-se. O jornalismo e a informação perderam autonomia, por vezes assumindo posições subservientes e posicionando-se como meros instrumentos para realização dos objectivos políticos definidos superiormente.
Apesar de todos os altos e baixos continua a prestar um serviço essencial, particularmente ao nível da informação sobre o que se passa na cidade, na região e no país, o que se reveste de ainda maior importância quando os deuses que controlam os fenómenos climatéricos resolvem fazer das suas na região e arredores.
Por tudo isso, a TDM e todos aqueles que a construíram e trouxeram até hoje, formando pessoal, contribuindo para a formação de novas mentalidades, difundindo-as, promovendo o debate, mesmo em tempos de chumbo e de acelerada descaracterização da autonomia da região, quando era mais cómodo simplesmente papaguear, conferindo-lhe identidade e tornando-a num símbolo de Macau e das suas gentes, merecem ser saudados.
É o que aqui faço, desde já enviando, contra ventos cada vez mais fortes que sopram de diversos quadrantes, na pessoa desse resistente decano, símbolo do profissionalismo televisivo e farol do rigor informativo, o que não é colocado em causa pelo colorido e excentricidade de algumas gravatas que me poderiam levar a refrear o cumprimento, um forte abraço ao Jorge Silva, que espero não me leve a mal o abuso e torno extensivo aos que o acompanharam nesta caminhada desde os primeiros tempos, fazendo votos de que a TDM tenha vida e saúde durante muitos e bons anos, aproveitando para desejar à estação, se tal ainda for possível, que recupere algum do muito prestígio perdido de há meia-dúzia de anos a esta parte, corrigindo disfuncionalidades, melhorando o que está mal, dando-lhe mais meios – porque isto também é do interesse de quem manda se for capaz de ver mais à frente do apito e para lá da espuma dos dias –, difundindo a cultura, o pensamento e o espírito crítico, dentro e fora da estação, sem medo dos novos censores, entretendo, informando e divertindo; em suma, promovendo Macau no mundo e aproximando culturas, povos e nações.
De há uns anos a esta parte, em especial a partir do período da pandemia e do tempo da "tolerância zero" à Covid-19, houve muitas empresas e lojas que fecharam. E não reabriram. Talvez devido às horas de encarceramento e ao facto de muitos, embora pouco trabalhando e ganhando bem, não sentirem o peso da crise, entretanto, verificou-se um outro fenómeno: aumentaram as compras à distância com recurso à Internet.
Houve quem passasse horas percorrendo e fazendo encomendas nos sites de venda de produtos à distância. Páginas onde tudo se vende. De produtos de cosmética a pronto-a-vestir, de roupa de cama a mobiliário de todo o tipo e para todas as ocasiões. Também se vendem charutos, mas aqui o nosso Big Brother, ao contrário do que acontece no mundo livre, não nos permite, a nós que somos pessoas maiores e vacinadas, a sua aquisição sem que fiquemos com o cadastro manchado.
Passada essa época mais crítica da pandemia, chegado o momento de se escancararem portas e janelas, as compras on-line continuaram.
No edifício onde resido colocaram uma mesa para que os destinatários recolhessem as encomendas. Ultimamente há carrinhas paradas à espera que alguém vá buscar a tralha.
Também começámos a assistir ao encerramento de estabelecimentos que passaram a dar lugar, nos mesmos locais, incluindo em zonas nobres de Macau e da Taipa, mesmo dentro de centros comerciais, ao surgimento de depósitos de encomendas, sem quaisquer condições, onde pacotes das mais variadas dimensões se amontoam. Há uns quantos, mais expostos às condições atmosféricas com que nos brindaram, que começam a apresentar um aspecto de monos esquecidos, cujo cartão se deteriora com o correr das horas e dos dias de espera em razão da humidade, do calor, da chuva e dos trambolhões que vão dando.
Locais há onde ao final do dia se formam longas filas para recolha das encomendas, tendo-me sido esclarecido há tempos haver gente que a pedido dos compradores e a troco de quantias ridículas se predispõe a proceder ao levantamento da mercadoria que chega a esses depósitos.
Este último facto, tal como a proliferação de jovens que distribuem caixas de comida à porta das casas, retrata bem a crise escondida, a miséria que por aí vai grassando, à boleia das estradas pejadas de veículos de dupla matrícula, e que até já justifica pedidos dos responsáveis políticos, os mesmos que autorizaram a sua livre circulação, para que os residentes consumam mais em Macau do que nas regiões vizinhas, no que me pareceu um apelo muito pouco patriótico por parte de quem deixou que a cidade e a qualidade de vida dos seus residentes batesse violentamente no fundo, esquecendo em tais apelos que deste lado, do outro, seja em Hengqin ou em Zhuhai, ou da ponte que atravessa o delta do Rio das Pérolas, em Hong Kong, é tudo a mesma pátria.
Mas aquilo que hoje mais me aborrece é ver os tais pacotes e encomendas, vindos de um qualquer Taobao, a escorrerem porta fora dos armazéns improvisados para os passeios, entre restaurantes e lojas de produtos de marca, junto a casinos e hotéis de luxo, ocupando o espaço dos peões, obrigando a perfeitas gincanas, sem que ninguém se importe e tudo isso seja visto como normal, aceitável, e não mereça mais do que o condescendente desleixo e um encolher de ombros dos talentos que gerem este antigo paraíso de tons mediterrânicos, ultimamente mais acinzentado, feio e poluído, que se transformou num Centro Mundial de Turismo e Lazer de características aviárias.
Durante anos a fio os residentes de Macau viram crescer os obstáculos nas suas ruas, nos seus jardins e monumentos.
Os estados policiais, os regimes autoritários e os sistemas autocráticos sempre tiveram a obsessão com a segurança. Seja com a segurança interna, com a integridade dos dirigentes ou com a sombra dos que circulam.
Ainda todos se devem recordar que uma das primeiras decisões do primeiro Chefe do Executivo da RAEM foi vedar o Palácio do Governo, também conhecido como Palácio da Praia Grande, antiga residência do Barão do Cercal adquirida pela Administração no final do século XIX, erguendo muros e grades, fechando portadas que estavam normalmente abertas, com excepção dos dias de tufão, e alterando a circulação e estacionamento de veículos nas suas imediações.
Durante a pandemia de Covid-19 houve uma talentosa luminária que mandou fechar os jardins. E depois, quando se reabriram os seus portões, até era necessário mostrar código de saúde a um segurança e usar máscara para se poder atravessá-lo de um lado para o outro. Inenarrável.
Mas parece que, finalmente, alguém com dois dedos de testa terá percebido o ridículo que é ter jardins públicos murados e gradeados, sabendo-se que há câmaras de CCTV por todo o lado. Pelo que depois de se alimentarem as clientelas e se gastarem milhões em ferro, a que nem Coloane escapou, eis que como por milagre foram retiradas as grades do Jardim Dr. Carlos D' Assumpção, no NAPE. Agora é possível circular livremente pelo jardim, a qualquer hora, gozando de uma vista desafogada, encurtando percursos e fugindo à gordura e falta de limpeza dos passeios adjacentes.
Importa, pois, seguir o exemplo noutros espaços. Em todos.
Os jardins, os passeios, os espaços públicos, as cidades, querem-se sem grades, sem barreiras, sem pilares e pilaretes à beira dos passeios, limpas, sem ratos nem pragas de baratas, agradáveis à circulação pedonal. E quem não estiver educado, peões, ciclistas, motociclistas ou automobilistas, que se eduque.
Em Abril, onde quer que se esteja, não há que ter medo da liberdade. Mesmo na escuridão dos dias que nos assolam.
Um novo espaço, novas salas de cinema, um filme que prometia, ali no Lisboeta.
Como ainda havia tempo disponível antes da sessão, vinham mesmo a calhar uma cerveja e umas pipocas salgadas. A opção foi por uma Kronenburg 1664 Blanc. Paguei e pedi um copo, pois recuso-me a emborcar pela garrafa, à trolha. A resposta foi que se quisesse um copo teria de pagar mais MOP$2,00 (duas) patacas. Como disse? Deve estar a brincar. Ou me trazem um copo ou me devolvem o dinheiro. Veio o superior. Pediu muita desculpa, perguntou se podia ser de plástico (continua a haver copos de plástico) e de uma marca de cerveja japonesa.
Há dias, no intervalo de um concerto, no bar do Centro Cultural de Macau, também verifiquei que não havia copos para quem quisesse beber um copo de vinho. Como as garafas são pequenas devem querer que se beba o vinho como fazem com a cerveja.
A qualidade do serviço prestado por alguns concessionários, tanto faz serem grandes como minúsculos, é cada vez pior. Parece que ninguém se importa e até haverá quem ache normal com o nível de exigência dos "turistas" que nos visitam. É o culto da mediocridade a todos os níveis. O que importa é facturar.
Depois de algumas tascas começarem a cobrar pelos lenços de papel que fazem a vez dos guardanapos, e de quererem que nos habituemos à esferovite, aos plásticos e aos cartões, entrámos agora na fase da cobrança pelo copo.
Um destes dias também nos vão cobrar nos restaurantes pelos pratos de louça, os pauzinhos (fai chi) e os talheres, ultrapassada que esteja a fase de nos tirarem os talheres dos pratos sujos para os alinharem em cima da toalha da mesa, quando há.
Teremos então estabelecimentos com estrelas Michelin para ricos, e espeluncas para todos os outros, sem meio-termo para gente normal.
Pode ser que desta forma, e com estas inovações todas para protecção do ambiente, consigamos ultrapassar os 30 milhões de "turistas". E se comece a comer com as mãos para se poupar na água e no detergente.