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lerdos

por Sérgio de Almeida Correia, em 29.01.24

Kronenburg.jpg

Um novo espaço, novas salas de cinema, um filme que prometia, ali no Lisboeta.

Como ainda havia tempo disponível antes da sessão, vinham mesmo a calhar uma cerveja e umas pipocas salgadas. A opção foi por uma Kronenburg 1664 Blanc. Paguei e pedi um copo, pois recuso-me a emborcar pela garrafa, à trolha. A resposta foi que se quisesse um copo teria de pagar mais MOP$2,00 (duas) patacas. Como disse? Deve estar a brincar. Ou me trazem um copo ou me devolvem o dinheiro. Veio o superior. Pediu muita desculpa, perguntou se podia ser de plástico (continua a haver copos de plástico) e de uma marca de cerveja japonesa. 

Há dias, no intervalo de um concerto, no bar do Centro Cultural de Macau, também verifiquei que não havia copos para quem quisesse beber um copo de vinho. Como as garafas são pequenas devem querer que se beba o vinho como fazem com a cerveja. 

A qualidade do serviço prestado por alguns concessionários, tanto faz serem grandes como minúsculos, é cada vez pior. Parece que ninguém se importa e até haverá quem ache normal com o nível de exigência dos "turistas" que nos visitam. É o culto da mediocridade a todos os níveis. O que importa é facturar.

Depois de algumas tascas começarem a cobrar pelos lenços de papel que fazem a vez dos guardanapos, e de quererem que nos habituemos à esferovite, aos plásticos e aos cartões, entrámos agora na fase da cobrança pelo copo.

Um destes dias também nos vão cobrar nos restaurantes pelos pratos de louça, os pauzinhos (fai chi) e os talheres, ultrapassada que esteja a fase de nos tirarem os talheres dos pratos sujos para os alinharem em cima da toalha da mesa, quando há.

Teremos então estabelecimentos com estrelas Michelin para ricos, e espeluncas para todos os outros, sem meio-termo para gente normal.

Pode ser que desta forma, e com estas inovações todas para protecção do ambiente, consigamos ultrapassar os 30 milhões de "turistas". E se comece a comer com as mãos para se poupar na água e no detergente. 

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censura

por Sérgio de Almeida Correia, em 26.01.24

57 Ilustrações de Capela sistina | Depositphotos

O cancelamento pela direcção do Instituto Cultural do espectáculo "Made by Beauty", inserido no Festival Fringe, ontem dado a conhecer pela rádio e televisão e hoje largamente divulgado pela imprensa, é mais um sinal da regressão social, política e cultural a que temos vindo a assistir na RAEM desde que deixou de ser governada pelas suas gentes e os pseudo-patriotas se assenhorearam dos seus destinos.

Estamos perante uma manifestação da mais acabada censura e um ataque de puritanismo hipócrita, bacoco e medíocre numa cidade em que se não fosse a convivência ao longo dos séculos entre múltiplos costumes, culturas e "vícios" que lhe moldaram o carácter e a fisionomia, internacionalizando-a sob múltiplas formas, da literatura à poesia, e da pintura à gastronomia, ao cinema e ao desporto, nunca teria atingido o estatuto que tem e que o Governo não se cansa de reafirmar que se quer cosmopolita, aberta ao mundo e um "centro mundial de cultura e lazer".

Quem o afirma, percebe-se por decisões tão estapafúrdias quanto esta, não tem a mínima noção do que diz, desconhece Macau e a sua história e o sentido do conceito que apregoa como se fosse uma mezinha para todos os males que nos afligem.

Em Macau sempre houve locais e espectáculos para todos os públicos, muitos com nudez integral e frequentados por altos responsáveis políticos e administrativos, antes e depois de 1999, e que se ultimamente desapareceram não foi porque se tivesse subitamente transformado numa espécie de Sodoma ou Gomorra, mas sim devido aos sucessivos ataques de ignorância, alimentados por um conjunto de parolos, subsídio-dependentes e bufos de língua acastanhada, que muito têm contribuído para a sua progressiva descaracterização e estupidificação. Do ensino aos costumes.

O espectáculo em causa foi publicitado, pelo menos desde 23 de Dezembro de 2023 na Internet, numa página oficial do Governo da RAEM, e também noutra do Instituto Cultural, aí se dizendo claramente, que "num mundo disparatado é preciso ser-se atraente", e que incluiria "lábios vermelhos, costas profundamente decotadas, minissaia, meias de vidro pretas, saltos altos", convidando-se a audiência "a explorar os conceitos universais da atracção física", colocando de lado "a moralidade e a racionalidade". Acrescentava-se ainda que era um espectáculo para maiores de 18 anos, adultos, portanto, e que continha "linguagem obscena e nudez que poderão ofender a sensibilidade de alguns espectadores". Não havia aqui nada que enganar, só iria quem quisesse e crianças não podiam entrar, pelo que se fica sem perceber se os responsáveis do Instituto Cultural estavam à espera de um espectáculo de catequese ou com a Heidi e o avôzinho. 

O cancelamento do espectáculo "Made by Beauty", independentemente dos respectivos méritos ou deméritos, é de tal forma incompreensível porquanto essa mesma performance já teve lugar em cidades do Interior da China, tendo mesmo sido incluído em Outubro e Novembro passado no Festival de Teatro Shekou que ocorreu em Shenzhen.

Não houve, evidentemente, qualquer divergência ou incompreensão em relação ao conteúdo, pelo que bem andaram Sarah Sun e o grupo Utopia de Miss Bondy de recusarem mudar "a cor das collants dos bailarinos", de não aceitarem a proibição do uso de dragões, por não poderem ser utilizados “de forma sexy” (!), ou a substituição de “adereços de pénis por um copo de vinho”.

A progressiva infantilização e imbecilização da sociedade de Macau, tão patente nos anúncios, avisos e publicidade de organismos governamentais e do IAM, vai assim continuar, juntando à censura de opinião crítica nos jornais, rádio e televisão, a censura às manifestações artísticas e culturais, sinal da regressão idiota que nos levará inexoravelmente a um sub-sistema, nem capitalista nem socialista, gerido por puritanos e patriotas de alcova que se escandalizam quando vêem uma "drag queen" de collants num espectáculo para adultos, mas depois consideram normal, como já se ouviu na Assembleia Legislativa, dar uns tabefes na mulher se ela se portar mal, manter concubinas em várias cidades e vasta prole fora do casamento, por vezes escondendo os filhos, admiram o jogo e tudo o que lhe está associado, embora depois não faltem a uma missa, a papar hóstias ou a desfilarem compungidos na procissão do Senhor dos Passos, e sejam os primeiros a impor a moral e os bons costumes na escola e no espaço público de admissão reservada.

Enfim, nada que seja muito diferente daquilo que fez há séculos o Papa Paulo III, Alessandro de Farnese, que sendo cardeal ficou conhecido, entre outras coisas, por proteger e promover a sua própria família, fazendo-a enriquecer e levando uma vida dissoluta, na qual arranjou uns quantos filhos por detrás da porta, mas depois indicou Biagio de Cesena, um palerma pedante, para vigiar o trabalho de Miguel Ângelo, mandando-o cobrir partes dos corpos das figuras e criticando os desenhos "obscenos" da Capela Sistina, pintados por aquela que terá sido, talvez, a mais espantosa figura da Renascença, símbolo maior da arte, da verdade, da inteligência, da humildade e das verdadeiras virtudes da Humanidade.

Tempos de felicidade, e estes sim obscenos, são aqueles que hoje vivem os residentes de Macau, naquela que será mais uma prova do indiscutível cumprimento da Declaração Conjunta Luso-Chinesa e da luz que emana da forma como a Lei Básica está a ser cumprida e se tem aprofundado o princípio "um país, dois sistemas".

Tão aprofundado que nalguns momentos até parece ter caído ao fundo de um poço.

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notas

por Sérgio de Almeida Correia, em 24.01.24

(créditos: daqui)

Duas notas rápidas para estes dias frios de Inverno em que Macau é assolada por mais uma monção vinda do coração do Império do Meio.

A primeira é uma nota de satisfação pela conclusão e abertura ao público do viaduto da Rotunda da Piscina Olímpica, que faz a ligação entre a Avenida Marginal Flor de Lótus, na Taipa, e a Avenida dos Jogos da Ásia Oriental. Trata-se de uma obra útil e que fazia muita falta, desanuviando o trânsito na rotunda e libertando os agentes policiais dos embróglios em que se metiam de cada vez que queriam orientar o trânsito. Para quem se dirige a Coloane ou para a Universidade é um ganho importante e que deve ser saudado na acção da tutela dos Transportes e Obras Públicas. Tem havido muita coisa má, algumas péssimas, outras sofríveis, mas desta vez também aqui fica uma nota de aplauso. Quando as coisas se fazem bem, resolvem problemas aos residentes, e isso significa um contributo para a melhoria da sua qualidade de vida, só há que dar os parabéns.

A segunda nota é de estranheza. Muita estranheza. Alguém devia questionar os Serviços de Saúde e o Centro Hospitalar Conde de São Januário sobre as razões que levam a que numa região como Macau, com um PIB per capita dos mais elevados do mundo e os casinos a facturarem milhões, a máquina destinada aos exames de perimetria, área de oftalmologia, esteja avariada há cerca de dois anos. Esta manhã estava de novo inoperacional. Por mais do que uma vez são marcados exames e os doentes não os podem fazer com a desculpa de que a máquina não está a funcionar. Não é normal que o equipamento numa área tão sensível e importante para a vida da população esteja avariado há tanto tempo, não se percebendo porque continuam a ser marcados exames que afinal não podem ser realizados. Máquinas de perimetria não faltam; e mesmo em Portugal e na União Europeia há algumas à venda fabricadas aqui ao lado, na China, a preços muito razoáveis. A não ser que haja razões, que a razão não alcança, que justifiquem mais essa vergonhosa situação. O problema não deverá ser de comissões. Investigue-se, pois.

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injustiças

por Sérgio de Almeida Correia, em 28.11.23

7d17a3ca32132ece9d22b9b5553eb1ac-temple-of-heaven-(créditos: Getty Images/Lonely Planet)

Certamente que não passaram despercebidos, até porque mereceram a devida atenção da comunicação social, e ainda merecem, tanto a decisão do Tribunal de Segunda Instância, quanto ao chamado caso das Obras Públicas, como o julgamento, ainda em curso, de um procurador-adjunto do Ministério Público.

Não me vou aqui pronunciar sobre nenhum dos casos, até porque o primeiro ainda não transitou em julgado e o segundo vai fazendo o seu caminho. Deixemos, pois, que prossigam sem sobressaltos enquanto não chega o trânsito em julgado de um e se espera que seja proferida decisão no outro.

Quero, porém, desde já sublinhar a disparidade de julgamentos e da forma de condução das audiências na primeira e na segunda instância. Em qualquer um dos casos há lições a tirar por quem selecciona, forma, fiscaliza e gere os senhores juízes. E também pela opinião pública que de fora assiste.

Se é verdade, e eu não duvido, que os tribunais superiores existem para rever, confirmar e corrigir as decisões dos tribunais inferiores, parece-me pouco razoável que haja uma divergência tão grande na apreciação dos factos e na aplicação do direito entre a primeira e a segunda instância. Em especial se os crimes mais graves pelos quais os arguidos foram acusados e condenados acabam por cair na segunda instância como caem as folhas das árvores no Outono, não havendo quem evite a sua acumulação no chão antes de serem varridas e restituídas ao lugar de onde saíram.

E se a queda desses crimes for acompanhada, em relação aos factos que o tribunal de recurso deu como provados, de uma redução substancial das penas aplicadas na primeira instância, já que é disso que se trata quando se reduzem penas a metade, um terço ou um quarto, quando não na totalidade, porque se entendeu que nem sequer houve crime, isso significa que há qualquer coisa que está mal. 

Depois, em relação ao julgamento em curso no TSI, também é curioso verificar a diferença de comportamentos e atitudes por parte de quem ali julga face ao que tem acontecido nos julgamentos realizados no TJB em matéria criminal.

Em relação ao julgamento que está a decorrer em primeira instância no TSI não se ouviram, até agora, de que eu tenha conhecimento ou que chegassem aos jornais, queixas de teor idêntico ou similar ao que se disse em relação ao julgamento das Obras Públicas e noutros anteriormente realizados também no TJB em primeira instância.

Fosse em relação ao número de advogados presentes e susceptibilidade de intervenção, fosse quanto à latitude de que gozam algumas testemunhas nos depoimentos que prestam.

E se num lado os advogados se queixavam, tendo havido mesmo quem lamentasse ter sido ameaçado de ficar sem a palavra ou de ser corrido, no outro lado parecem desempenhar o seu papel sem constrangimentos e dentro das regras que decorrem da lei. Ninguém deixa de fazer o que tem a fazer, ninguém se sente enxofrado, diminuído ou ofendido.

Fico satisfeito por saber que a realidade não pode ser vista a preto e branco, embora não veja qualquer vantagem quando em causa está a realização e a aplicação da Justiça. E, bem ao invés, vejo muito dano quando há diferenças tão gritantes entre as duas instâncias, não obstante a sua proximidade e ser a mesma a cor das becas.

Admito que há situações onde alguém veja azul escuro, e outros vislumbrem, e garantam ser, verde escuro. Há sempre gente teimosa, daltónica ou simplesmente obtusa. Mas é para mim de todo impensável que haja quem, de boa-fé, na apreciação dos factos e na aplicação da lei tome o vermelho vivo por branco imaculado ou bege.

É que quando isso acontece num sistema de justiça é difícil perceber que sistema é esse, e onde começa e acaba o princípio "um país, dois sistemas".

Sem um sistema de justiça fiável e confiável não há atracção para recrutar candidatos ao Prémio Nobel para irem morar para Hengqin,  investimento produtivo em dólares ou euros, ou qualquer estímulo à diversificação económica.

E com um sistema de justiça que é, por natureza e atavismo, moroso, burocratizado e caro, e que além do mais seja injusto e incapaz de incutir segurança e respeito, dentro e fora de casa, por muito patriótico que seja, só os jogadores estão dispostos a correr riscos.

E destes, estou certo, não será o Templo do Céu.

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fartura

por Sérgio de Almeida Correia, em 24.11.23

macau-traffic-black-cabs-taxi--696x487.png(créditos: Macau Business)

A muito custo, depois de múltiplas e permanentes críticas da população, com os taxistas a dizerem que era um exagero a atribuição de mais 500 licenças, apesar do número total de táxis ter sido reduzido nos últimos anos em cerca de 300 viaturas, e da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) inicialmente anunciar apenas concurso para atribuição de 300 licenças, lá se abriu, finalmente, concurso para colocar na estrada mais 500 táxis.

Os primeiros dados revelados pela apresentação das propostas indicam que se apresentaram cerca de 40 (quarenta) candidatos desejosos de largarem, cada um deles, MOP$2.500.000 (dois milhões e quinhentas mil patacas) e entrarem num mercado que em breve será "caótico", de acordo com as previsões de um dirigente associativo.

Com o tempo que levou a abertura deste concurso, mais a miserável argumentação qe venderam aos residentes para o protelarem ao longo dos anos e a dificuldade que foi elevar o número de 300 para 500, a primeira conclusão que podemos tirar é que na DSAT, como em muitos outros serviços públicos da RAEM, não se tem um conhecimento mínimo da realidade. Ou tem-se e faz-se de conta que a realidade é outra para não se estragar o negócio aos que estão no mercado.

O número de concorrentes indicia, pelo menos, que o concurso deveria ter sido aberto para ser outorgado o dobro das licenças e que a DSAT não tem dados credíveis sobre o que se passa na sua área de actuação. Nada que fuja ao habitual.

Este elevado número de candidatos constitui mais uma prova de que o mercado dos táxis não estava saturado, ao invés do que apregoaram durante anos, e que há gente disposta a investir no negócio dos táxis, se os deixarem e não inventarem obstáculos, apesar do cenário calamitoso oferecido pelas associações e dos receios dos responsáveis.

Claro que na RAEM, tal como com o Ministério Público em Portugal, ninguém se sente responsável por coisa alguma, seja pela má gestão dos processos, seja pelos danos causados à comunidade em razão do irrealismo, da negligência grosseira, da protecção dada aos lobbies e clientelas ou do simples desinteresse pela salvaguarda do interesse público.

É a estas coisas, mas também aos preços nos mercados e supermercados, à qualidade dos transportes públicos, do ar e das águas – cada vez mais sofríveis –, e atentos ao que se faz em matéria de obras públicas, e não ao espiolhanço do se publica ou não se publica nos jornais, à crítica do que surge desalinhado ou aos disparates que saem nas redes sociais, que os representantes de Pequim deviam prestar atenção e dar o seu recado atempado às autoridades locais, censurando-os publicamente quando têm de ser censurados para que a população perceba que não estão cá só para cortar fitas ou frequentar vernissages.

Porque só assim poderão ajudar a corrigir os desequilíbrios da terra e a melhorar a qualidade de vida dos residentes, aproximando o serviço de táxis de Macau, e todos os outros que precisam de reforma, daqueles que são oferecidos em muitas metrópoles do interior do país.

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monjardino

por Sérgio de Almeida Correia, em 20.11.23
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(créditos: TDM)

 

Conheci Carlos Monjardino há quase quatro décadas, pouco depois de ter chegado a Macau pela primeira vez, quando aquele exercia funções no governo de Pinto Machado. Embora esteja muitas vezes distante das suas posições, sempre tive por ele, desde então, simpatia e admiração.

Não tanto pela sua efémera passagem pela política, mas em especial pela pessoa, pela sua forma franca de dizer e olhar para a realidade das coisas. Não é homem de muitos floreados e tergiversações, directo quando tem de dizer, e creio que isso talvez me aproxime dele.

Posto isto, gostaria de vos dizer que escutei com a atenção devida a sua entrevista à TDM e ao jornalista Gilberto Lopes. Não concordei com algumas coisas, em relação às quais tenho uma visão diferente, mas assenti noutras, como também é normal acontecer e não apenas com o entrevistado.

Foi uma conversa interessante, o que também em muito se deve às características pessoais de Carlos Monjardino, homem culto, lúcido e afável do alto dos seus mais de oitenta anos.

Quanto ao que disse, apesar de ser passado, creio que os mal-entendidos iniciais em relação à Fundação Oriente, por parte de algumas pessoas de Macau, e em dado momento também da própria China, se deveram um pouco ao seu estilo de fazer as coisas – e isto não é uma crítica – e a alguns de quem se rodeou, que sofrendo de umbiguismo crónico e oportunismo militante em nada contribuíram para uma melhor imagem do projecto e dos objectivos.

Faltou transparência e esclarecimento, seguramente, e isso gerou críticas e desconfianças que teriam sido perfeitamente evitáveis; só afastadas com o decurso dos anos em razão do trabalho entretanto desenvolvido em Macau, em Portugal e em vários outros pontos do mundo.

Sobre o cumprimento da Declaração Conjunta e da Lei Básica, no que aos portugueses concerne, tomei boa nota do que afirmou, ponto onde convergimos, sobre a alteração, para pior, do estatuto que tinham no início do cumprimento do Acordo. A nota sobre a sua presença cada vez mais insignificante – "menor, infelizmente" – não passou despercebida. Faltou apenas dizer, coisa que também não estava à espera, que foi o desinteresse da classe política portuguesa, a pesporrência de Lisboa e de alguns "patriotas-novos", de língua materna portuguesa, que só viam cifrões, ainda hoje, e com responsabilidades sociais, profissionais, políticas e empresariais, que mais contribuiu para tal.  

Quanto ao restante, recomendo a visualização integral da entrevista, registando, coisa que vários dos seus interlocutores portugueses e locais nunca entenderam, o quanto é desprezível a subserviência de carácter e de atitudes, e o que disse em relação ao relacionamento de Portugal com a China, que deverá ser "firme" e que "não devemos estar permanentemente de cócoras".

De resto, faço votos de que o entrevistado continue de boa saúde e se mantenha atento ao que na RAEM se vai passando 

 

[Declaração de interesses: durante a minha investigação de mestrado, há mais de duas décadas, fiquei graciosamente hospedado, cerca de duas semanas, na Casa Garden, o que aliás está referido nos agradecimentos preambulares do trabalho que apresentei]

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táxis

por Sérgio de Almeida Correia, em 17.10.23

taxi-shame-2.jpg(créditos daqui)

Os táxis voltaram à ordem do dia. Não quer isto dizer que alguma vez tivessem deixado de ser tema de conversa, crítica, indignação por parte de residentes e visitantes. Mas desta vez trata-se da ordem do dia do plenário da Assembleia Legislativa. E não foi essa a primeira vez que o assunto foi levado ao hemiciclo.

Dos deputados à população não há quem há anos não se queixe quer da pura e simples ausência de veículos, quer da péssima qualidade do serviço prestado. 

Tratando-se de um problema recorrente, que aliás tem motivado muitas e fundadas queixas por parte de nacionais que vêm do interior da China até Macau, é difícil compreender a inércia, falta de vontade, resistência ou simples incapacidade do Chefe do Executivo e do seu Governo para resolverem este problema.

O serviço de marcações não funciona. Acontece muitas vezes ser feito um agendamento, dizerem que será confirmado e que no próprio dia, cerca de dez minutos antes da hora marcada, entrarão em contacto com o utente, quando na realidade sucede que nesse dia e à hora prevista ninguém diz nada, ninguém telefona ou atende os telefones e não é dada qualquer justificação para a ausência da viatura. Um drama para quem tem de viajar para o exterior e se arrisca a ficar pendurado em Macau por falta de táxis e de transportes públicos capazes.

Depois, nas ruas, muitas vezes é o salve-se quem puder. Veja-se o que se passa, por exemplo, na Taipa, com dezenas e centenas de pessoas a aguardarem a sua vez por um táxi e com os motoristas a largarem os passageiros antes ou depois do local destinado para esse efeito, de maneira a que não tenham de esperar e possam negociar directamente preços com quem está fora das filas, muitas vezes nas barbas dos polícias que nada fazem, fechando os olhos e ignorando a confusão gerada.

A indignação de muitos viajantes que chegam de Hong Kong e do interior do país é notória. Alguns manifestam, como sucedeu recentemente numa reportagem da TDM, a sua insatisfação e incompreensão perante uma situação que não se verifica do outro lado da fronteira.

Como se tal não bastasse, sabe-se que há períodos do dia em que é quase impossível apanhar um táxi, pois parece que vão todos tomar as refeições e render à mesma hora. É o que acontece entre as 18 e as 20 horas, e nos dias de chuva então é melhor nem dizer nada.

E o problema da falta de táxis em Macau não se resolverá com um aumento de tarifas, com a "legalização" das irregularidades ou a atribuição de "prémios de desempenho", como peregrinamente sugeriu o deputado Ma Io Fong.

A única solução viável para o problema da falta de táxis e a recorrente má qualidade do serviço é o desmantelamento do lobby que manda nos táxis e a liberalização dos serviços com a introdução de mais concorrentes, já que também continua a ser incompreensível a ausência de outros serviços do tipo UBER à semelhança do que existe em Hong Kong, em muitas cidades chinesas e em quase toda a Ásia.

Quando há dias ouvi o dirigente de uma associação de táxis local considerar que a atribuição de mais 500 licenças seria um exagero, aconselhando-se prudência na sua atribuição, lembrei-me dos dados publicados pela revista Macau Business que salientavam ser o número de residentes e turistas por táxi de 19086 em Macau, de 3491 em Hong Kong, de 388 em Taiwan e de 1814 em Singapura, números que dizem tudo sobre a irracionalidade do serviço de táxis que temos e a condescendência dos responsáveis governamentais, há um ror de anos, perante esta inqualificável bagunça que não tendo sido, seguramente, herdada do tempo colonial, nada abona a favor do patriotismo e talento dos dirigentes locais.

A incompetência, a incapacidade governativa para a resolução do problema dos táxis e o seu arrastamento ao longo de anos com conversa fiada não têm nada de patriótico. Pelo contrário, dão cabo da imagem da pátria perante quem nos visita, prejudicam e exasperam a população, colocam a reputação da cidade nas ruas da amargura, causam múltiplos transtornos aos residentes, mancham a imagem do turismo, são fonte de conflitos nas ruas e colocam Macau ao nível do caos.

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impotentes

por Sérgio de Almeida Correia, em 01.09.23

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Quando a perspectiva da aproximação de um super tufão começa a tomar forma, há muito pouca coisa que se possa fazer. Arrumar os tarecos no escritório e em casa, procurar proteger o que puder ser protegido, minorar eventuais danos.

Faço-o sempre contrariado, por descargo de consciência, porque sei que quando uma besta como o Saola começa a assobiar e resolve entrar-nos em casa ou no escritório não há nada a fazer. As precauções que se tomam parecem-me sempre insuficientes e risíveis perante a imensidão do vidro e a exposição em que estamos nos pisos mais elevados. A histeria é geral.  Mas se isso conforta alguém, então que se faça.

Depois é esperar. Pegar num bom livro, levantar os olhos, por vezes, e esperar. Esperar. Esperar muito perante segundos e minutos que tardam em passar. Os que sabem rezar podem sempre fazer as suas orações, que talvez isso os alivie.

Eu, que há muito deixei de fazê-las, e na verdade já me esqueci de como se deve rezar, pelos menos desde que há décadas passei a dialogar com Ele de vez em quando, sem cerimónias nem mediações beatas, falando de homem para homem, tão depressa discorrendo como olhando para a linha do horizonte, até onde a vista alcança, sempre na esperança de que o estafermo não chegue, que perca o táxi ou que se desvie antes do próximo cruzamento, na ânsia de ver surgir uma nesga de céu mais clara e menos ventosa que nos permita regressar à normalidade pluviosa, vivo momentos de grande quietude, uma imensa harmonia interior.

Perante a força da Natureza, para quem cá está, à sua espera, o único conforto é mesmo saber que a mais de 200 Km/hora tudo é passageiro, efémero, e que no final virá a paz. 

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sobretalento

por Sérgio de Almeida Correia, em 27.08.23

(créditos: Macau Daily Times)

Quando tomou posse, o Secretário para os Transportes elogiou-lhe a coragem. O empossado logo mostrou a sua determinação, esclarecendo ao que vinha. Referiu estar preparado para as críticas e para "aliviar as actuais pressões nas vias". Não disse quais, mas também avisou que seria bom estarmos todos preparados para algumas medidas de "aperfeiçoamento do trânsito" que poderiam vir a afectar os hábitos ou as formas de deslocação de certos cidadãos”.

Decorridos oito anos, o empossado, responsável pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), continua com a mesma determinação. Já não a "aperfeiçoar o trânsito", mas patrioticamente a justificar oito anos, sim, oito anos, de bom desempenho.

As pessoas queixam-se de que as estradas estão hoje piores do que há oito anos, de que os transportes estão mais difíceis, mais morosos, e que circulam mais cheios. Dizem que há cada vez mais carros em circulação, que muitos são veículos pesados vindos das regiões vizinhas ao abrigo de programas de abertura aos compatriotas que não iriam causar nenhum impacto à cidade.

Gente sem razão, podemos dizê-lo com segurança. Haver obras em contínuo, buracos, barreiras, semáforos improvisados, pinos coloridos e pó em todo o lado é revelador do trabalho que há anos se faz. E está para continuar pela satisfação com que se vê gente de todas as idades a atravessar as estradas carregada de malas e bagagens. No Cotai até conseguem fazê-lo fora de qualquer passadeira, com crianças de colo, saltando canteiros e fazendo gincanas entre carros que buzinam. Sinal de que vêem os peões e estão a saudá-los.

Embora nada que se compare à organização da praça de táxis junto à Rua do Cunha, na Taipa. Recordando o título de um belo filme de Nanni Moretti dir-se-ia ser ali, na Taipa, o verdadeiro caos calmo: pode-se parar em qualquer lado para largar e tomar passageiros, discutir o preço, atravessar a rua, enquanto os polícias de turno observam o movimento com toda a pacatez para não interromperem, nem atrapalharem, a deslocação dos peões e a fluidez de circulação.

Como se isso não bastasse ainda há quem se atreva a dizer, imagine-se, que a gestão dos táxis é um descalabro total, com filas de dezenas de pessoas em qualquer praça. Esqueceram-se ter o director da DSAT avisado atempadamente as pessoas para estarem preparadas para mudanças nos seus hábitos.

Se há coisa que a população aprecie é o modo como o director da DSAT, o engenheiro Raimundo, e em boa verdade todos os membros do Governo continuam governando como só eles sabem, caminhando pelo meio das obras, das inundações, dos esgotos, dos turistas, falando aos deputados, às rádios, aos jornais e às televisões sem qualquer atrapalhação, sem pestanejar, sempre com a solenidade e o aprumo de quem sabe que está a fazer um trabalho notável em qualquer latitude. Nota-se a olho assim que se levanta um pouco de vento e ficamos envoltos numa nuvem de poeira e fuligem.

E nem aquele episódio da nova estátua, em Coloane, da deusa Hermès, tais eram os seus atavios, lhes retirou qualquer brilho. Não foi bonito, claro, mas antes venerá-la à quinta-feira, e ficar com ela desnudada à segunda-feira, do que não ter sabido da lista de presenças na festarola do fim-de-semana.

Nada que, apesar disso, possa ombrear com as respostas dadas há dias às preocupações do Centro da Política da Sabedoria Colectiva, relativamente à situação dos autocarros. A reportagem do Macau Daily Times sobre esse assunto a esta hora já correu mundo. A distinção, científica, entre o conceito de autocarro sobrelotado (overcrowded) e sobrecarregado (overloaded) apresentada pelo director da DSAT deve valer um Nobel. Como será possível que os jornalistas não se tivessem apercebido que, na RAEM, um autocarro pode andar sobrelotado sem estar sobrecarregado? Um autocarro com capacidade para 63 passageiros que transporta cerca de uma centena de pessoas, abarrotado como sardinha em lata, não está, diz o insígne director da DSAT, sobrecarregado.

Como fiquei baralhado recorri aos dicionários que tinha à mão e conclui que o director da DSAT tinha razão. Sobrecarregar significa "colocar uma quantidade excessiva de coisas ou pessoas em; carregar demasiado", "que tem quantidade exagerada de algo", que está "cheio até à saturação", que está carregado "de mais", o mesmo que "carregar com excesso", "aumentar em número excessivo" (cfr. Porto Editora, Infopédia, Priberam). E sobrelotado significa "exceder a lotação" (Priberam), sendo que sobrelotação é o substantivo feminino que significa "o que excede a lotação legal de um barco, veículo, etc." (cfr. Porto Editora). Sobrelotar, como se vê por esta pequena amostra, é uma coisa completamente diferente, pois que quer dizer "ultrapassar a lotação de; lotar em demasia", isto é, "encher excessivamente; sobrecarregar"(Infopédia).

A justificação do director da DSAT faz, pois, todo o sentido. E é de fina, e rara, inteligência.

Porque, na verdade, estamos a falar de coisas completamente diferentes; e até agora ainda nenhum passageiro se queixou de levar com outro às cavalitas durante o percurso entre o Parisian e o Hotel Lisboa. Pelo menos comigo, até ver, ainda não aconteceu. Há que fazer a distinção conceptual.

O facto dos autocarros andarem ultimamente sempre sobrelotados, mas não sobrecarregados – retenha-se a distinção académica da DSAT –, também se deve ao aumento de "turistas", o que me parece perfeitamente razoável. 

Por diversas vezes referi neste blogue a situação dos autocarros, inclusivamente durante o período da pandemia, mas confesso que nunca antes me tinha apercebido de que os trabalhadores das obras do Galaxy ou do Studio City, os que terminam a labuta nas fábricas do Parque da Concórdia ou nas obras do novo hospital ou do metro ligeiro, e todos os demais que se acotovelam e empurram nas paragens e terminais para conseguirem apanhar um autocarro que os leve para os postos fronteiriços, em direcção às suas casas, no final de um dia de trabalho, em especial aos domingos e feriados, também podiam ser tratados como "turistas". Mas está bem visto. A perspicácia é só para quem tem o dom. E Lam Hin San tem-no indiscutivelmente.

Alcanço agora as dificuldades de que falava o Secretário para os Transportes e Obras Públicas quando quis recrutar alguém para o lugar.

É que não deve, efectivamente, ser fácil, mesmo no interior da China, onde há mais de mil milhões de pessoas, encontrar um génio suficientemente lúcido, patriota e disponível para passar no crivo de um processo de recrutamento para a DSAT onde se exige que o candidato saiba distinguir um autocarro sobrecarregado de um autocarro sobrelotado e dar uma resposta publicável (e compreensível) para qualquer residente ou leitor do jornal.

A avaliar pela obra que tem sido realizada, pelas qualidades que tem demonstrado, e continua a demonstrar diariamente no exercício do cargo ao fim de oito anos, respondendo com sabedoria às preocupações públicas na sua área, e também aos jornais, o director da DSAT será neste momento o candidato mais forte a ocupar o lugar do próprio Raimundo do Rosário. Haja esperança.

Convém é que não embandeiremos em arco e todos permaneçam quietos e silenciosos. Não interessaria nada que alguém se lembrasse de sondá-lo para ir dar continuidade ao trabalho desenvolvido no Instituto para os Assuntos Municipais ou na Protecção Ambiental.

Apesar disso, constou-me, fontes fidedignas, obviamente, por isso ficam avisados, que com o aumento de circulação que se prevê para a superficie lunar, com a chegada de mais naves espaciais indianas, de inúmeros veículos "rover", autocarros e milhares de vendedores de amendoins, ventoinhas a pilhas e especiarias para as restantes missões espaciais, com o inerente aumento de excursões e de turistas que se prevêem com as obras lunares de construção civil, mais a respectiva fiscalização, é provável que venham a precisar de alguém capaz de coordenar e gerir as novas vias, o tráfego na superficie lunar e a instalação de uma rede de metro ligeiro para que os astronautas dos BRICS alargados se possam deslocar em segurança e com rapidez de um lado para o outro.

Há lá muitos buracos a precisarem dos cuidados de um Lam Hin San e este será um dos poucos no mundo com currículo e experiência internacional para a função devido ao seu contacto diário com poeiras, buracos e turistas que circulam nos autocarros sobrelotados, mas não sobrecarregados, da RAEM.

Seria terrível para os residentes de Macau que o sujeito, em vez de ocupar o lugar do engenheiro Raimundo, seguisse para onde deixasse de ser possível à cidade continuar a beneficiar e apreciar diariamente a sua excelência.

Que o mantenham no lugar por muitos e bons anos é o que desejo. Ou, sei lá, em último caso que o façam deputado na próxima legislatura; ou que o nomeiem para a Comissão dos Assuntos Eleitorais, onde poderá ser útil na distinção conceptual entre os diversos tipos de votos e de candidatos.

Macau não se pode dar ao luxo de perder um sobretalento sobre-humano da Grande Baía. Nem mesmo para a Arábia Saudita.

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trágico

por Sérgio de Almeida Correia, em 11.08.23

2017-macau-0126-033.jpg(créditos: daqui)

Uma notícia da TDM sobre o Instituto de Formação Turística (IFT) chamou a minha atenção. Dizia esta que "o Governo está a ponderar a alteração do nome do Instituto de Formação Turística para Universidade de Formação Turística" e que "[a] sugestão partiu da Comissão que analisa na especialidade o futuro regime jurídico da instituição, na presunção de que a mudança poderá atrair mais estudantes e melhores professores".

Pouco depois, não sei se para termos a certeza de que a notícia era a sério, confirma-se que a sugestão "partiu dos deputados da Comissão Permanente da Assembleia Legislativa que está a analisar na especialidade o futuro regime jurídico do estabelecimento de ensino".

Quem olhe para o IFT, bastando para tal visitar a sua página na Internet, percebe que a instituição foi criada em 1995 e que desde então oferece cursos que conferem diversos graus académicos e de formação profissional nas áreas do turismo e da hospitalidade. Agrega as escolas de Gestão Hoteleira, de Gestão Culinária e de Educação Contínua. Em rigor, diz tudo respeito à mesma área do conhecimento, o que não tem impedido de ser uma boa escola e de ao longo dos anos formar pessoal qualificado que muito tem contribuído para a melhoria e elevação do nível profissional daqueles que dali saem chegando ao mercado de trabalho.

Ora, uma universidade é classicamente um conjunto de faculdades, de colégios ou de escolas de ensino superior, com unidades orgânicas de ensino e de investigação, em múltiplas e distintas áreas do conhecimento. Tome-se, por exemplo, a Universidade de Macau ou a Universidade de Lisboa. Esta última tem faculdades de Arquitectura, de Belas-Artes, de Ciências, de Direito, de Farmácia, de Letras, de Medicina, de Medicina Dentária, de Medicina Veterinária, de Motricidade Humana e de Psicologia. E também tem institutos em diversas áreas, da Economia e Gestão às Ciências Sociais e Políticas, sendo que talvez aquele que é internacionalmente mais conhecido, reputado e respeitado é o Instituto Superior Técnico, com uma oferta de dezenas de cursos na áreas da engenharia e das ciências militares.

Eu não sei se os deputados e o Governo têm a noção do que é uma Universidade, sendo certo que no interior da China também as há e muito boas, para admitirem a passagem do IFT a "Universidade".

A ideia sugerida, mais a mais com o argumento de que o objectivo que estará por detrás de tão peregrina ideia da mudança de denominação é a de atrair mais estudantes e melhores professores, é reveladora de uma profunda ignorância, consubstancia a admissão de uma eventual fraude académica (mais uma) e denota uma total inversão daquelas que deveriam ser as preocupações ao nível do ensino e da qualificação dos estudantes de Macau. 

Não é por se passar a chamar universidade a um instituto que o ensino melhora, que o nível académico e reputacional da instituição se eleva, ou que se atraem mais estudantes em busca do verdadeiro conhecimento. Não consta que, em Portugal, o Técnico tenha sentido necessidade de mudar de nome para poder receber estudantes nacionais e estrangeiros ou formar profissionais qualificados e alguns de excepção, mundialmente reconhecidos, havendo até quem aqui tenha deixado obra e continue a colaborar e leccionar na Universidade de Macau.

Macau já tem demasiadas universidades, e más, para a dimensão que tem. Há trabalhos académicos ao nível do mestrado e do doutoramento muito maus se comparados com o que se faz noutras universidades. O nível de muitos que saem licenciados das universidades de Macau, ou que andam a frequentar cursos de pós-graduação e mestrado, é sofrível por comparação com qualquer universidade de nível médio lá fora. Basta olhar para muitos licenciados em Direito que hoje são advogados – a culpa não é deles –, cujo grau de ignorância, seja na sua área técnica ou na de cultura geral, é absolutamente assustadora. E, no entanto, andam aí, muitos enganando os residentes e as empresas que a eles recorrem e a quem cobram quantias principescas para prestações de serviços medíocres, em nada contribuindo para a elevação do nível dos serviços jurídicos oferecidos à população de Macau. Basta ver os despachos de alguns magistrados sobre o que lhes sai na rifa, tanto na primeira instância como nas superiores, para se perceber o que digo.  

Eu próprio, nos cursos que lecciono, tenho que normalmente começar por ensinar o básico que devia ser dado por adquirido. Como qualquer pessoa compreenderá não é fácil querer aprofundar algumas noções elementares de Teoria Geral do Estado, de Direito Constitucional Comparado ou de Organizações Internacionais a quem sai de uma licenciatura sem saber o que é um estado, uma constituição ou uma organização internacional, nem tem a mínima ideia do que isso é.  Simplesmente nunca ouviu falar. E que até em relação à história contemporânea da China e da Ásia não sabe rigorosamente nada. Saberão cantar o hino e pouco mais. É aterrador.

Querer chamar universidade a um pequeno instituto, que oferece meia-dúzia de cursos, por muito respeitáveis que sejam, e no caso do IFT até são bem mais do que isso, apenas com o objectivo de atrair estudantes ou professores mais qualificados é uma fraude.

Ensinar e aprender não é mesmo que ir ao supermercado, à loja de sopa de fitas ou, ultimamente, ir tomar uma refeição no Clube Militar. Não pode ser apenas um negócio como os outros. Não sei se os senhores deputados e o Governo têm a noção disto.

A preocupação do Governo e dos senhores deputados deveria ser a melhoria do nível do ensino e a formação de profissionais mais competentes e mais qualificados em Macau, e que pudessem ser úteis à sociedade. Porque não é mudando o nome aos bois que estes se tornam príncipes. Não é por se chamar "doutor" a um ignorante que este vai passar a ser mais esperto e inteligente, deixando de ser "um bípede que risca o diamante" e um profissional medíocre que só cria problemas aos clientes, e, no caso dos tribunais, também aos juízes, aos funcionários, às partes e aos outros advogados.

O que me assusta é chegarem-me alunos com uma licenciatura que não sabem escrever, que têm dificuldade em articular meia-dúzia de linhas, que têm imensa dificuldade em ler e compreender um texto da sua área de formação, que são incapazes de resumir as suas ideias essenciais, que não sabem fazer uma citação e que até a copiar dão erros. Alguns não deveriam sequer ter sido admitidos numa instituição de ensino superior. Olhe-se para Portugal e veja-se no que deu a proliferação de universidades privadas, a criação de cursos inúteis, a "venda" de diplomas e a formação de desempregados "licenciados" a que se dedicaram algumas instituições nos tempos áureos do cavaquismo e do guterrismo, embora desses até houvesse quem chegasse a ministro apesar de pouco mais saber do que assinar o nome. Exemplos não faltam.

Também a formação apressada de magistrados, conservadores e notários não tem abonado em nada a saúde jurídica da RAEM. Os problemas são mais que muitos, e recorrentes, mas não será aqui que irei elencá-los.

E não constando que nenhuma das melhores escolas de turismo e hotelaria da Suíça, de Portugal, de França ou dos EUA tenham tido necessidade de passar a "Universidade" para atraírem mais alunos e melhores professores, permito-me sugerir que reformem, reorganizem, reestruturem, confiram mais meios, melhores equipamentos e instalações ao IFT para que este possa continuar a formar bons profissionais para Macau.

E preocupem-se antes, os senhores deputados e o Governo, com o mau ensino de algumas universidades da RAEM, com a má investigação académica que aqui também se faz, com os maus papers que se produzem, a fazer de conta que são científicos, com os maus professores, e arranjem-se meios para se ensinar os estudantes a aprender, a ler, a pensar como adultos, a investigar decentemente nalgumas áreas, balizando o conhecimento pela ciência, e não por um exacerbado nacionalismo e oportunismo político que faz deles mentecaptos e lhes retira a capacidade de pensarem por si, de crescerem e de serem cidadãos de corpo inteiro da RAEM e da China.

O panorama já é demasiado trágico para se continuar a inventar. Desçam à Terra.

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jazz

por Sérgio de Almeida Correia, em 24.07.23

Jazz Macau CG 22072023.jpg

Um excelente serão jazzístico promovido na Casa Garden, que para o efeito abriu as suas portas, fez-me recordar os velhos tempos do Jazz Club de Macau e as noites vividas há mais de duas décadas numa Macau que desapareceu.

Mas se esta cidade já não é o que era, o jazz continua aí e de quando em vez faz prova de vida graças ao empenho de meia-dúzia de músicos e amantes dessa forma de expressão musical que dá asas à improvisação, à criatividade e à livre expressão artística.

E foi bom ouvir Zé Eduardo e a nova geração de talentosos jovens locais, estes sim – não as outras avantesmas que por aí andam inchadas e emproadas –, numa sala cheia, envolvidos na sua aprendizagem e evolução, mostrando o seu saber e a sua arte, e a que nem mesmo os anos de pandemia fizeram esmorecer.

Seria, aliás, bom que se aproveitasse este recente envolvimento das concessionárias dos jogos de casino numa maior responsabilidade social e apoio ao turismo para ajudar a reconstruir um verdadeiro e genuíno festival de jazz de Macau, incentivando-se o aparecimento de novos clubes e artistas, organizando um evento anual com alguma dimensão, trazendo músicos de fora que ajudem a dinamizar e a fazer crescer o jazz local.

Se é possível doar 120 milhões de patacas para a próxima edição do Grande Prémio, o que eu aplaudo, também poderão, seguramente, com um décimo desse valor dar um apoio significativo ao Clube de Jazz de Macau e aos músicos locais, contribuindo para que se volte a ter um espaço permanente, com condições acústicas e acessível a todos, que não seja exclusivo de um qualquer hotel de luxo.

Os hotéis poderão sempre ter os seus espaços e abri-los à actuação dos seus músicos e convidados, mas não se compreende como numa cidade com as características de Macau não seja possível ter um verdadeiro clube ou espaço exclusivamente dedicado ao jazz e a formas musicais alternativas, como acontece em tantas cidades asiáticas, e em que qualquer residente ou turista possa ir tomar um copo e ouvir boa música ao vivo, num ambiente simpático, descontraído e relaxado.

Aos organizadores do evento, em especial à nova delegada da Fundação Oriente, Catarina Cottinelli, a quem endereço votos de bom trabalho para o mandato que agora iniciou, ao músico Zé Eduardo e a todos os que o acompanharam nessa noite, o meu obrigado pelo bom momento que proporcionaram a quem lá foi.

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veículos

por Sérgio de Almeida Correia, em 18.07.23

1920.jpeg(imagem daqui

Notícia publicada na edição de hoje do matutino Ponto Final dá conta do embate de um autocarro de turismo na conhecida Casa do Mandarim, pérola do património que faz parte do Centro Histórico de Macau, constitui Património Mundial da China e desde 2005 está integrada na Lista do Património Mundial.

Muitos pensarão, e perguntarão, como é possível que um autocarro de turismo, dois anos depois do mesmo ter acontecido com uma betoneira naquele local, embata e danifique as paredes da Casa do Mandarim, sem que nada tenha sido entretanto feito para evitá-lo.

Numa cidade que tem ruas, avenidas, jardins pejados de pilaretes, barreiras metálicas e correntes ao longo dos seus passeios (também barreiras plásticas eternas na Avenida da Amizade), obstáculos que crescem e se multiplicam nos lugares mais incríveis e sem qualquer explicação razoável –  dando dinheiro a ganhar a uns quantos sem concursos adequados, como acontece em muito do que IAM faz com o alto patrocínio de quem o tutela –, e pejada de câmaras de televisão, dir-se-ia impossível que em circunstâncias normais, isto é, não estando o motorista sob o efeito de drogas, isso acontecesse. 

Porém, como se lê na notícia, a PSP diz que o motorista teve um primeiro um acidente na Calçada da Paz, ao virar para a Rua do Padre António, onde colidiu com dois edifícios residenciais, para logo a seguir bater num dos muros da Casa do Mandarim, "provocando-lhe danos". 

Temos há vários anos um responsável pelas estradas, transportes e obras públicas, que não é nenhum novato no ofício. Foi responsável antes e depois. Conhece os problemas da cidade, mas, aparentemente, digo eu, não consegue resolvê-los, seja por falta de colaboradores à altura (alguns já julgados como corruptos), por cumprir ordens superiores, ou por simples cansaço ou desinteresse.

Porém, qualquer residente se apercebe do caos que reina nas estradas de Macau, da Taipa e de Coloane. São autocarros a circular em quantidades industriais. De "turismo", se quiserem, outros ao serviço dos casinos ou das velhas concessionárias de transportes públicos, na sua maioria velhos, poluentes e circulando pela direita (também já carros oficiais e da própria PSP, às vezes também sem luzes porque se devem esquecer que têm faróis), como se fosse esta a regra em Macau onde os passeios para peões e as paragens de autocarros se situam em geral do lado esquerdo das vias de circulação. Não respeitam nada nem ninguém, circulam pelo exterior nas rotundas dando voltas completas, passando vários acessos, onde vão parando a seu belo-prazer e sem qualquer sinalização, violando regras estradais básicas para facilitarem a entrada de veículos pesados, com o que colocam em risco a segurança de quem circula nessas mesmas rotundas.

Mas há também betoneiras e camiões de caixa aberta que circulam a qualquer hora do dia pelas pontes e artérias principais da cidade, muitas vezes a velocidades excessivas, dando cabo dos pavimentos, mudando de direcção sem qualquer sinalização de aviso, a que se juntam os táxis e milhares de veículos que ao abrigo das novas regras de integração e vindos de outros lados do delta circulam como se fossem os donos da estrada, sem respeitarem ninguém e sem que haja alguém que, com excepção do controlo de velocidade e da autuação de ligeiros e motociclos em estacionamento indevido, mesmo que sem estorvar a circulação de outros veículos ou peões, se preocupe com alguma coisa.

Numa cidade em que se deviam retirar veículos de circulação, em especial pesados, até por razões ambientais atenta a cada vez mais crónica má qualidade do ar (a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental é como se não existisse tal a irrelevância da sua acção, é uma ficção, uma espécie de serviço-fantasma), vêem-se cada vez mais pesados a circular, largando nuvens de fumo negro, andando por locais que lhes deviam estar vedados, seja no Cotai ou na cidade, colocando em risco a segurança dos residentes, impedindo a fluidez do tráfego, danificando vias de circulação e património classificado, que é da China e também Mundial, em suma, agravando a qualidade de vida dos residentes que vão levando com o fumo dos escapes quando circulam pelas estradas e passeios.

Como se isto não bastasse, continuam a amontoar-se nos locais mais nobres da península, que deviam estar destinados a museus, passeios ribeirinhos, espaços verdes, diante de hotéis de 5 estrelas, como ali entre a Torre de Macau e o MGM Macau, parques improvisados de pesados, com os tais autocarros de "turismo" (lixo) e de transportes públicos a perder de vista. Locais que há muito deviam ter sido transformados em zonas de lazer e ao serviço dos residentes, que lhes permitisse o gozo do rio e das vistas. Qualquer hóspede, vindo de fora, que se abeire de uma janela de um daqueles hotéis ou que passe na Ponte Nobre de Carvalho deverá ficar sem perceber como é possível ter tantos autocarros (parados) na zoa ribeirinha, do mesmo modo que se vêem betoneiras e atrelados alegremente estacionados em múltiplos pontos da cidade e das ilhas sem que nada lhes aconteça, nem se seja capaz de arranjar uma solução que tire aqueles monos (particulares) das vias de circulação.  

Agora, para além dos milhares de tampas desniveladas, sejam de electricidade, de água, de esgotos ou de empresas de telecomunicações, até placas de metal, com uma altura suficiente para darem cabo dos pneus de qualquer veículo ligeiro que por ali passe a 50 km/hora (a alternativa é travar de repente e levar com quem vem atrás), estão colocadas no piso da Ponte de Sai Van, como se toda esta loucura em matéria de estradas, obras, insegurança rodoviária e circulação descontrolada de veículos fosse normal numa cidade com o PIB per capita de Macau, com a sua riqueza e uma dimensão minúscula.

Quem está habituado a andar de motorista, que não gasta dinheiro com o combustível nem com as revisões, desconhecendo o seu custo, não tem nada com que se preocupar. Para lá, naturalmente, dos solavancos quando é transportado e do tempo que perde a deslocar-se.

Essas pessoas também não sabem quantas acções estão a inundar os tribunais, com custos elevados e ocupando tempo precioso aos intervenientes processuais, em razão de acidentes que poderiam ser evitados sem o caos reinante.

Mas os outros, os que não podem escapar à falta de transportes públicos – é vê-los apinhados, e os utentes em hordas à espera nas paragens, inclusive ao Domingo, no Cotai e em Coloane quando os trabalhadores saem das fábricas ou das obras), e são obrigados a utilizar motociclos e ligeiros utilitários, para se poderem deslocar e às respectivas famílias, em tempo razoável e com um mínimo de conforto, sabem quanto é penosa a circulação e elevados são os custos. Dos abastecimentos às oficinas, sem esquecer os seguros.

E sabem, igualmente, como se têm agravado ao longo dos anos os custos do caos, das obras públicas, da especulação, da falta de controlo dos preços e da governação verborreica.

Ainda que quem veja os noticiários do canal público de televisão, e os despachos de algumas agências de notícias, possa ficar convencido de que tudo não passa de uma alucinação, tantas e tão constantes são nos últimos tempos as boas notícias e os motivos de satisfação.

Nada, sejamos justos, que nos impeça de observar e aplaudir outros sucessos. Os que não se vêem e não chegam às notícias. Como o facto da Casa do Mandarim ainda não ser um condomínio ou não ter havido nenhum camião a entrar por ali adentro.

Os danos na Casa do Mandarim, sendo esta património classificado, são apenas mais um dano colateral provocado pelo excesso trabalho de quem nos pastoreia. Que tenha acontecido duas vezes em dois anos, com um autocarro e uma betoneira, foi um azar. Como o tufão Hato.

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sondagens

por Sérgio de Almeida Correia, em 30.06.23

A propósito da notícia de um jornal de que "as autoridades insistiram ontem na necessidade de criminalizar a realização de sondagens", entretanto corrigida, de acordo com um esclarecimento revelado pela TDM, de que "o Governo não quer impedir a realização de inquéritos de opinião ou sondagens eleitorais, mas apenas proibir e punir a respectiva divulgação durante os períodos de eleições", remeto os leitores para o capítulo VII (Ma vie de sondeur de opinion), já aqui referido, do livro recentemente publicado de Roland Cayrol.

Como o autor tem sobre a matéria alguma autoridade, conhecimento e experiência, deixo nesta breve nota alguns extractos do original em francês, mas com tradução para português, de modo a que os nossos governantes e legisladores possam, eventualmente, interessar-se pela sua leitura e melhorarem os seus conhecimentos, afastando as ideias erradas e os preconceitos em que possam laborar.

Nada como as pessoas se esclarecerem antes de começarem a opinar e a legislar sobre o que não sabem, embora todos percebamos quais são as intenções por detrás das medidas tomadas e das que se anunciam.

A bem dizer, sempre me fizeram confusão os elefantes que têm medo de formigas.

 

"Il faut aussi dire et redire que le sondage ne prévoit rien! Entre la date de la publication d'un sondage et un scrutin, il peut s'écouler des heures, des jours, où l'opinion peut encore être sensibilisée, modifiée, se cristalliser, décider d'aller ou non voter et infléchir ce qui semble devoir être les résultats attendus. Cela peut expliquer des écarts entre les derniers sondages et les résultats réels du scrutin.
(...)
Le plus important est évidemment que les sondages permettent de suivre les évolutions de l'opinion et des intentions de vote, de dessiner les courbes qui montrent comment et à quel moment se prennent progressivement les décisions électorales, quelle est la sociologie du vote, à quel degré les citoyens s'impliquent dans une élection ou dans la politique en général, et là les sondages sont irremplaçables.
(...)
L'activité sondagière est liée à l'existence même de la démocratie. Aucun pays autoritaire, quelle que soit la nature de l'autoritarisme, n'autorise des sondages libres. Le sondage n'existe que parce que la démocratie politique existe. La démocratie libérale n'est pas complète si n'existe pas l'intervention de l 'opinion. (...) Les dirigeants politiques sont au service de l'opinion et craignent forcément l'opinion, qui est leur juge permanent. Parfois trop d'ailleurs. L'important pour le personnel politique devrait être de savoir garder un cap, au lieu de s'arrêter à chaque mini-événement, d'imaginer à chaque fois une petite mesure pour colmater une brèche et espérer que 'ça se calme'.

Le sondage, pour peu qu'il soit correctement mené, exerce une fonction essentielle dans nos démocraties modernes , il donne la parole au peuple, il porte sa parole. Grâce aux sondages, on ne peut plus avoir des orateurs qui prétendent que 'l'opinion ne comprendrait pas que ...'ou que 'l'opinion n'admet pas que ...', faisant parler les électeurs comme s'ils faisaient campagne depuis le fond d'une arrière-salle de bistrot. L'opinion s'exprime désormais directement. "

(tradução)

"Também é preciso dizer, uma e outra vez, que uma sondagem não faz previsões! Entre a data de publicação de uma sondagem e uma eleição, podem passar-se horas ou mesmo dias, durante os quais a opinião pública pode ainda ser sensibilizada, modificada, cristalizada, decidir se vai ou não votar e influenciar o que parece ser o resultado esperado. Este facto pode explicar as discrepâncias entre as últimas sondagens e os resultados reais.
(..)
O mais importante, evidentemente, é que as sondagens de opinião permitem seguir a evolução das opiniões e das intenções de voto, traçar as curvas que mostram como e quando as decisões eleitorais são gradualmente tomadas, qual é a sociologia do voto e em que medida os cidadãos estão envolvidos numa eleição ou na política em geral, e aqui as sondagens de opinião são insubstituíveis.
(...)
A actividade de sondagem está ligada à própria existência da democracia. Nenhum país autoritário, seja qual for a natureza do seu autoritarismo, permite sondagens de opinião livres. As sondagens só existem porque existe a democracia política. A democracia liberal não está completa sem a intervenção da opinião. (...) Os dirigentes políticos estão ao serviço da opinião pública e temem inevitavelmente a opinião pública, que é o seu juiz permanente. Por vezes demasiado. O importante para o pessoal político deveria ser saber manter o rumo, em vez de parar em cada mini-acontecimento, inventando sempre uma pequena medida para colmatar uma lacuna e esperar que "as coisas acalmem".

As sondagens, desde que sejam bem conduzidas, desempenham uma função essencial nas nossas democracias modernas: dão voz ao povo, transmitem a sua mensagem. Graças às sondagens de opinião, já não podemos ter oradores que afirmam que "a opinião pública não compreenderia isso..." ou que "a opinião pública não admite isso...", fazendo com que os eleitores falem como se estivessem a fazer campanha nas traseiras de um bar. A opinião é agora expressa directamente.

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votos

por Sérgio de Almeida Correia, em 22.05.23

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Porquê que sancionar o apelo ao voto BNS é um erro político?

(versão portuguesa do texto publicado no Macau Daily Times)

Foi divulgado, há dias, pela Comissão dos Assuntos Eleitorais (CAEL) o Relatório Final sobre as Actividades Eleitorais relativo às eleições legislativas de 2021. Não me vou pronunciar sobre o conteúdo do documento, mas apenas sobre dois curtos parágrafos (pág.ª 55), os quais aqui transcrevo:

A actual Lei Eleitoral não prevê sanções claras para os actos que incitam ou estimulam eleitores a votarem em branco ou produzirem votos nulos.

A CAEAL considera que os referidos actos visam obviamente perturbar os procedimentos eleitorais e destruir a equidade eleitoral, propondo-se, deste modo, estabelecer as respectivas sanções.

No dia seguinte, li em alguns jornais que por sanções se devia entender a eventual criminalização dos votos BNS (Blank, Null, and Spoiled). Não sei se alguém da própria CAEL falou nisso. De qualquer modo, a ideia de penalizar os defensores desse tipo de votos é assustadora, mesmo num sistema eleitoral em que só uma fracção ínfima dos deputados é eleita por sufrágio directo e universal.

Percebe-se qual a preocupação da CAEL, mas um erro não se corrige com outro.

Nas últimas eleições houve um conjunto de candidatos afastados pela CAEL e excluídos das eleições. A decisão foi alvo de crítica e condenação em diversas instâncias, designadamente na União Europeia, parceiro comercial da China, e na Comissão dos Direitos Humanos da ONU, em Julho de 2022, sendo que aqui por violação do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP). Recorde-se que a China faz parte da ONU, ocupando inclusivamente um lugar permanente do Conselho de Segurança.

Importa referir que não há qualquer razão digna de protecção que aconselhe sancionar a “promoção” do voto BNS. Este é em qualquer sistema eleitoral, justo, democrático e decente, uma opção para o eleitor tão legítima como qualquer outra, possuindo significado próprio. Para o Tribunal Constitucional da Colômbiael voto en blanco constituye una valiosa expresión del disenso con efectos políticos a través del cual se promueve la protección de la libertad del elector” (Sentencia C-490/2011). É, pois, falso que os votos BNS perturbem o procedimento ou a equidade eleitoral.

Há académicos que situam o seu aparecimento em França, por volta das eleições legislativas de 21 de Agosto e 4 de Setembro de 1881, em que surgiu um número inusitado de votos nessas condições (Ihle & Deloye, RFSP, 1991). Certo é que a sua existência é uma constante de tal forma enraizada nas democracias que há algumas em que foram criados partidos, portanto constitucionais, cuja mensagem fundamental é exactamente a do apelo ao voto em branco.

Em Espanha, o partido Escaños em Blanco defende no seu programa eleitoral que os seus eleitos não tomarão posse, nem receberão qualquer subsídio, procurando deixar os lugares no parlamento vazios para obrigarem à mudança do sistema eleitoral e do sistema de representação vigente.

Noutras circunstâncias, casos do Peru e do Brasil, o Sendero Luminoso, movimento marxista-leninista, em 1983, e o Partido Comunista Brasileiro, sob a direcção de Luiz Carlos Prestes, nas eleições de 1950, apelaram ao voto em branco como contestação à fraude eleitoral e à deriva democrática. Causas nobres.

Outros exemplos de apelo ao voto em branco chegaram-nos dos USA (Boston 1985), Argentina (Voto bronca, elections of 2001, 1957 with Péron), e Espanha em 2004, nas eleições do País Basco. Em França também existe um Partido do Voto em Branco (Parti du Vote Blanc) e no Quebec (Canada), o Parti-nul. E, tanto quanto sei, nos EUA, em 2012, só os republicanos tentaram eliminar o voto em branco que figurava nos boletins do Nevada (Superti, 2016).

Cada sistema eleitoral tem as suas próprias regras, embora não tenha notícia de em democracias e sistemas de sufrágio directo e universal haver quem sancione, seja sob a forma de coima ou prisão, o apelo aos votos em branco, nulos ou à abstenção. Em Portugal, nas primeiras eleições após a Revolução dos Cravos, em 1974, o Movimento das Forças Armadas apelou ao voto em branco e pretendeu disso retirar consequências políticas. Não houve problema. O regime democrático consolidou-se. 

Quanto ao seu sentido, os votos BNS podem ter vários significados, mas no caso dos nulos deliberados e dos brancos, muitos vêem-nos como uma forma de protesto não-violenta destinada a mostrar o descontentamento dos eleitores em relação à má oferta política, ao baixo nível dos candidatos, e como manifestação do sentimento de corrupção política ou de simples insatisfação com as regras eleitorais. 

Se os eleitores consideram que os mecanismos eleitorais são maus e os candidatos impreparados, devem poder manifestá-lo de forma legal e pacífica. Há inclusive países, como a Ucrânia e a Rússia, até o ditador Putin o eliminar, em que no boletim de voto havia a opção “Against all” ou “None of the above” (Superti 2016, Alvarez et al. 2018).

Na Índia, o Supremo Tribunal (Writ Petition (C) No. 161 of 2004, September 27, 2013) decidiu que “Not allowing a person to cast vote negatively defeats the very freedom of expression and the right ensured in Art. 21 i.e., the right to liberty. (…) the voter must be given an opportunity to choose none of the above (NOTA) button, which will indeed compel the political parties to nominate a sound candidate.”.

E em países como a Grécia, a Suíça, a Holanda, Colômbia, Peru, e até na Mongólia, onde as eleições têm de ser repetidas com novo candidatos se os votos brancos atingirem os 10% (David, 2022), essa forma de intervenção política é aceite.

Aqui não se discute a possibilidade de se institucionalizar essa opção no boletim de voto. Mas pensar que sancionar o apelo ao voto em branco, ou nulo, é uma hipótese, é triste. Isso não faz parte da matriz jurídico-política herdada.

A CAEL ou o Governo da RAEM não podem ter medo dos eleitores. É mau sinal quando isso acontece porque só os maus governantes temem o escrutínio popular. O que importaria seria tornar a abstenção, o voto branco e o voto nulo, nos casos em que este não resulte de erro de preenchimento, menos atractivos, reduzindo esse número e aumentando a participação. Todavia, isso só se consegue melhorando o sistema eleitoral, a informação, a transparência e a qualidade da oferta. Isto é, com melhores programas eleitorais e candidatos bem preparados e eticamente irrepreensíveis.

A desafeição política, menos ainda em regimes autoritários, não se combate proibindo, multando ou criminalizando. Isso é um erro e não é próprio de sociedades políticas civilizadas. A desafeição política combate-se com inclusividade, melhores políticas e mais competência, tornando o sistema eleitoral "mais dinâmico e mais competitivo" (Urdánoz Gamusa, 2012).

Afastar as pessoas da participação, penalizar o combate político livre e democrático, impor o medo e a auto-censura à manifestação da livre opinião, e remeter as pessoas ao silêncio, não melhora a legitimidade de nenhum sistema político-eleitoral, por muito mau que seja, não reforça as instituições e não aumenta o amor pela pátria e pelo partido.

Tal como no amor, também na política é preciso ter uma relação séria e saudável com o parceiro (povo), o que não se consegue com violência.

As instituições e os políticos têm em cada momento histórico de conquistar pela bondade a alma do povo, sob pena de se revelarem incompetentes para a função. O Chefe do Executivo devia pensar nessa opção antes de aceitar a sugestão da CAEL.

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assustador

por Sérgio de Almeida Correia, em 13.02.23

davidjudgmentcambyses.jpgGerard David (c. 1450/1460–1523), The Judgement of Cambyses (1489)

 

Que a advocacia caminhava a passos largos para um beco sem saída, estava subjacente a qualquer análise séria ao trabalho realizado nas últimas duas décadas e meia.

E se isso não aconteceu mais cedo, tal ficou a dever-se a meia dúzia de advogados, e de bons magistrados, justiça lhes seja feita, que com maior ou menor dificuldade foram cumprindo as respectivas funções com o brio, a dignidade e a coragem possível num ambiente profundamente hostil em cada dia que passava.

Os relatos que diariamente me chegam, pelos jornais e de viva voz, de algumas diligências e da forma como alguns julgamentos vão decorrendo, e o que cada vez mais esporadicamente (felizmente) vou vendo, são simplesmente assustadores.

Dir-me-ão que essa será uma consequência do caminho da integração da RAEM na RPC, ou que existem sempre os direitos de protesto – que desconheço quantas vezes, se é que o foi alguma vez, terá sido usado –, de participação, de reclamação e recurso, o que é verdade, mas estes institutos não podem, não devem, ser usados como solução corriqueira para o atropelo da lei e/ou dos seus princípios, como forma de colmatar a ausência de bom-senso, a deficiente formação humana e jurídica, a impreparação funcional ou a errada percepção dos poderes-deveres inerentes à função desempenhada.

Assistimos, cada vez mais, ao desvalorizar da advocacia, dentro e fora dos tribunais, remetida para o lugar de uma mera solicitadoria cara e desprestigiante, que se basta com o cumprimento de formalidades, e a uma maior funcionalização e trivialização do ofício de julgar, que arrasta consigo todos os vícios inerentes aos maus burocratas.

Como se a adequada aplicação da lei e o desempenho destas elevadas e exigentes tarefas, essenciais para a dignidade e manutenção de um Estado de direito decente e o funcionamento de sociedades justas, estruturalmente sãs e equilibradas, fossem coisas para confiar a espíritos mercenários ou carreiristas, ou para serem vistas como mera solução para o preenchimento de quotas, afirmação de egos imaturos e a transmissão para a opinião pública de uma imagem desconforme à realidade.

Os prémios e os elogios podem ser impostos, ou comprados; a dignidade não.

Quanto maior for o silêncio de quem tem o direito e o dever de se pronunciar sobre o que se está a passar, maior será o desprestígio inerente à justiça e à advocacia.

Não temos todos as mesmas responsabilidades. E o problema, convenhamos, não é de segurança interna ou de legalidade. Estas nem sequer se colocam. É acima de tudo de sensatez, mas também ético, moral e deontológico. 

Há que ter a coragem de não ser indiferente. E não ficar indiferente quando se tem o poder e a riqueza e há valores que nos transcendem, que estão muito para lá da interpretação circunstancial da lei e da nossa simples existência física e terrena.

Alguém devia fazê-los ver o quanto estão errados. Nem tudo vale uma missa. Ou um penacho.

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