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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Vai para aí um chinfrim tão grande por causa da formação do novo Governo que quer-me parecer que ainda há muita gente que não percebeu em que ponto estamos. Eu vou explicar.
Imaginem que os líderes dos partidos portugueses gostam de automóveis e que o melhor deles todos é o automóvel do Governo. Trata-se de uma máquina para a qual é necessário dinheiro para a ela aceder e mãozinhas para a guiarem.
De quatro em quatro anos, mais coisa menos coisa, troca-se de carro e faz-se um leilão entre os partidos políticos para ver quem fica com o novo. Este ano, como a troika se foi embora, o carro em questão é um Ferrari. O problema é que só leva o condutor e um pendura.
Em 4 de Outubro, teve lugar o leilão e os líderes dos partidos, com o alto patrocínio do PR, quiseram todos licitar o novo bólide.
O problema é que os licitantes estão todos tesos e a oferta mais alta só cobre um terço do valor do carro. Esta veio de dois licitantes que uniram esforços para levar o carro, mas que estoiraram nos últimos anos umas centenas de milhares (votos) que lhes permitiriam levar o carro sem pedir licença.
O leiloeiro só deixa o carro ir para a estrada com 50% do valor em caixa. Passos Coelho e Paulo Portas querem ficar com o Ferrari, mas para o sacarem precisam de pedir um empréstimo a António Costa, que está a pensar ele próprio ficar com o carro se conseguir financiar-se junto do BE e do PCP, embora já tenha percebido que não cabem os três naquele carro e que nem Jerónimo quer levar Catarina ao colo, nem esta está para ir ao colo do avozinho.
Passos Coelho anda a fazer o choradinho a Costa e promete-lhe umas voltas ao fim-de-semana no lugar do pendura, o que deixará Paulo Portas sem transporte para os jantares de sábado. Costa vai fazendo exigências porque também quer o Ferrari à quinta-feira, nos feriados e durante as férias.
Entretanto, os amigos de Passos Coelho querem que ele ande com o carro e estão zangados por Costa não lhe emprestar o que ele precisa para ir a Belém dizer ao PR que já pode assinar os papéis para ele levantar o Ferrari.
Neste momento, a situação é de impasse: Passos Coelho quer viver acima das suas possibilidades e comprar o Ferrari com o dinheiro que não tem; Costa não lhe empresta com receio que o tipo e o seu compincha gripem o motor ou que nos festejos metam lá dentro uma loura e se estampem todos antes do próximo leilão, que só ocorrerá daqui a quatro anos, deixando-o apeado. E porque também gosta do carro, quer guiá-lo e está disposto a tudo para poder fazê-lo.
O PR, que ficou sem gestor de conta com o caso BPN, está na dúvida e não sabe se há-de assinar a livrança pedida pelo leiloeiro para o carro ser entregue sem os 50% ou se vai deixar que continuem a aumentar os custos de armazenagem enquanto os licitantes não se entendem para saber quem vai lá buscar o carro.
Do outro lado da rua, na bomba de gasolina, está o Zé Povinho. Exasperado. De mangueira na mão à espera que o mandem atestar o Ferrari.
Este é o ponto em que estamos. Esta é a situação a que o PR nos conduziu quando marcou o leilão para Outubro e se lembrou de pedir garantias a tesos com vícios. Ou cauciona ele próprio - o que será difícil porque se sabe que é medroso - ou os custos vão começar a subir.
Agora que o espectáculo chegou ao fim e se começou a desmanchar a feira, já posso repetir o que digo há anos e nos últimos meses silenciei para não prejudicar ninguém e não correr o risco de me chamarem ave de mau agoiro.
Tenho muita pena de dizê-lo, mas irei continuar a bater na mesma tecla. O mau resultado nacional do PS resume-se a um problema de castas. Não de hoje, nem de ontem. O partido vai ter de decidir se quer continuar a fazer vinho com tudo o que aparece, misturando sem critério e a granel, apresentando uma zurrapa sem alma, sem profundidade, de consumo imediato e sem hipóteses de atingir a maturidade, produzida por produtores envelhecidos, que não se modernizam nem querem que a casa se modernize, ou se quer começar a escolher devidamente as castas, arranjar bons enólogos, renovar a adega para lhe tirar aquele cheiro a mofo que impregna o ar, e apresentar um produto decente, inovador, capaz de ser valorizado e de ser apreciado pelos portugueses sem necessidade de se lhes estar a prometer um salpicão com a fotografia de especialistas em sueca, PPP e futebol de estúdio.
Estar a produzir vinho para concorrer com os pacotes de cartão de Marco António Costa e o marketing de Assunção Cristas e Paulo Portas, feito de porta-chaves, amostras de lavanda e bandeirinhas, nunca me pareceu boa política. Porque a venderem em feiras, com a experiência deles em cervejas e a apresentarem maus produtos valorizados, eles são muito melhores.
(AFP)
VENCEDORES
1. Passos Coelho e Paulo Portas - Vence eleições quem chega à frente com mais votos e mais deputados. Foi este o caso da coligação PSD/CDS-PP. Com mais truques ou menos truques, com mais ou menos propaganda, aqui não há volta a dar. Ganharam, estão de parabéns, mas vão governar, se conseguirem fazer aprovar um programa de governo, em cima de gelo fino. Ao menor deslize estampam-se.
2. Catarina Martins – O BE ressuscitou graças a ela. Não interessa, por agora, se os bloquistas foram buscar votos ao PS, à direita, à CDU ou à feira da ladra, mas o facto é que passaram de uma votação de 5,19% e 8 deputados para 10,22% e 19 deputados. Se o BE radicalizou o discurso, se sofreu uma sangria com a saída de dezenas de elementos, se quem lá ficou foram os ex-UDP, e ainda assim sobreviveu à saída de Louçã e a uma atípica liderança bicéfala, para depois obter um resultado destes, é difícil dizer que os votos obtidos se devem aos extremistas. Porque se o fossem, seria então caso para dizer que a extrema-esquerda também renasceu das cinzas.
3. CDU – Jerónimo de Sousa e Heloísa Apolónia conseguiram mais um deputado. Ganharam “poucochinho” mas ganharam alguma coisa. Para quem pensa “pequenino” e sempre dentro da sua zona de conforto deverá ser motivo de satisfação, mas convenhamos que não foi pelos “trabalhadores” que a coligação PSD/CDS-PP perdeu a maioria absoluta. Com mais um deputado vai aumentar a alegria no trabalho.
4. Grupo Parlamentar do PS – Passou de 73 para 85 deputados, correspondendo ao aumento da percentagem global do partido de 28,05% em 2011 para 32,38%. O resultado é importante para os aplausos e os apartes e garante emprego a alguns que estavam ansiosos por se mudarem para Lisboa durante os dias úteis.
5. PAN – Elegeu um deputado à custa da sua concentração de votos em Lisboa, vai ganhar visibilidade e tempo de antena e os animais e a natureza ganham um porta-voz. Pode não servir para muito, nem sequer para aprovar ou chumbar orçamentos, mas sempre é melhor do que nada.
6. Abstenção – Pouco passava das 20h de Lisboa quando Rodrigues dos Santos anunciava a projecção da abstenção, e com a pompa habitual vaticinava uma abstenção “historicamente baixa”. Falhanço rotundo. A abstenção voltou a subir e conseguiu ser superior à de 2011 passando de 41,08% para 43,07%. Com nulos e brancos são mais de 46% os portugueses que não se revêem nos actuais partidos. Dava para uma maioria absoluta. Como desta vez todos se poderão queixar da abstenção, pode ser que para as próximas legislativas as coisas já sejam diferentes e o pivot possa finalmente acertar.
7. Sondagens – Os resultados que foram sendo apresentados fizeram muita gente duvidar. Tanto a coligação vencedora como o PS fizeram tudo para não acreditar no que ia saindo. No final, confirmou-se que venceu quem surgia à frente, não houve empate, não houve maioria absoluta e a diferença foi de cerca de 6%. Com a incerteza diária e projecções feitas a partir de amostragens muito reduzidas para o universo de eleitores, penso que seria difícil fazer melhor.
(AFP)
VENCIDOS
1. António Costa e o PS – O PS pode continuar com o secretário-geral que o trouxe até aqui. Até às presidenciais ou até que apareça alguém capaz de federar o partido sem errância e liberto de alguns espantalhos que agora foram mandados para o parlamento. Mas é inegável que o resultado obtido não é “poucochinho”. O resultado obtido é miserável. O PS não ganhou, inviabilizou uma solução compromissória ainda antes das eleições, que agora vai ser obrigado a aceitar contrariado, alienou uma boa parte do seu eleitorado e conseguiu transformar dois líderes sofríveis – Passos Coelho e António José Seguro – e uma novata arreliadora e bem preparada – Catarina Martins – em estrelas.
2. Livre – As deserções do BE de figuras com algum peso mediático e tribunas regulares nos jornais, rádios e televisões, a inovação nos procedimentos, a abertura demonstrada nas directas e alguma simpatia, transmitiram a ideia de que poderiam ir muito mais longe. Eu próprio me convenci disso. Podem queixar-se, apesar de tudo, de algum voto útil, mas os 0,72% alcançados, correspondentes a menos de 39 mil votos, são pecúlio muito parco para quem tinha ambições. Reduzido à sua insignificância, o Livre deverá transformar-se num clube de amigos.
3. Coligação PSD/CDS-PP – Em 2011, quando se iniciou o programa com a troika, os votos somados dos partidos da coligação ascendiam a 50,37%. Agora, essa percentagem passou para 38,55%. Foram menos quase 12%. É muito. Em muitos círculos a coligação PSD/CDS-PP de 2015 teve menos votos do que o PSD sozinho de 2011. O número de deputados agora obtido beneficiou das regras do nosso sistema eleitoral, mas em termos globais, embora vencendo, a percentagem conseguida não pode nessa parte deixar de ser considerada um mau resultado. Um resultado de Pirro para as louras afectadas poderem celebrar.
4. Cavaco Silva – Não foi o Presidente da República quem perdeu com estas eleições. Nada de confusões, quem perdeu foi o titular do cargo. À beira do final de um mandato em que tudo fez para beneficiar a sua família política, até na hora da marcação das eleições o tiro lhe saiu pela culatra. Nenhum partido obteve maioria absoluta, a abstenção aumentou, as soluções de governabilidade e de estabilidade são menores que zero. Passos Coelho vai ter de lhe emprestar o crucifixo que lhe ofereceram para Cavaco Silva ter alguma coisa a que se agarrar no final de um mandato feito de equívocos e gaffes, com muita miopia a dar ares de aleivosia.
Como amanhã, de acordo com a legislação que o país possui em matéria eleitoral, não é dia para perturbar as consciências de eleitores que normalmente são protegidos pelo legislador e pelos partidos como verdadeiros mentecaptos, gostaria de deixar aqui algumas notas relativamente ao momento eleitoral que atravessamos. Estar e viver fora de Portugal, embora continue a descontar para a Segurança Social como se lá vivesse e tendo sido um dos poucos emigrantes que teve o privilégio de ter exercido o direito de voto, confere-me o desprendimento necessário para o fazer sem constrangimentos político-partidários, aos quais sou por natureza avesso, sem prejuízo das opções que em cada momento faço.
3.1 Para a coligação PSD-CDS/PP um bom resultado será vencer as eleições qualquer que seja a margem em relação à segunda força mais votada,
3.2 Para o PS e para qualquer outra força política um bom resultado também será vencer as eleições.
Correspondendo a um simpático convite, hoje escrevo no Aventar sobre as legislativas de 4 de Outubro.
Passada a fase da provocação, essencial para se manter o humor, a sanidade e ver o modo como as almas penadas reagem à jocosidade do escriba, convém que de quando em vez se volte a falar de temas mais sérios, deixando a contabilidade futebolística dos debates para os reclusos – no sentido virtual e real – e para os comentadores encartados e pagos.
Um dos aspectos em que José Sócrates, quando foi primeiro-ministro, se mostrou politicamente mais infeliz foi na radicalização do seu discurso e na posse do animal feroz que muitos aplaudiam e em que os seus acólitos se reviam (e revêem, como ainda recentemente se viu numa acção de campanha).
Essa radicalização, que se acentuou ao longo do tempo, permitiu depois a Passos Coelho, com o apoio do PR, ir-se distanciando, à medida que o país também se ia apartando de Sócrates e do PS. Num primeiro momento a radicalização funcionou a seu favor, depois contra si. O agravamento da situação do país em 2010 e 2011 aumentou a tendência radicalizadora. Deve haver quem ainda se lembre disso. Passos Coelho e o PSD trilharam o seu caminho na esteira desse clima e dele viriam a colher frutos, optando ainda hoje por um registo semelhante, ultimamente temperado por razões eleitorais, mas pronto a explodir assim que rodeado da sua malta e vislumbre a oportunidade de colher mais uns votos.
A derrota de Sócrates em Junho de 2011 e a agudização da crise funcionaram como um estímulo para a criação do espírito de trincheira que está em Portugal tão presente nas mais pequenas coisas. Da crónica jornalística aos comentários nos blogues. De um lado e do outro acentuaram-se as clivagens. A amargura funcionou como um estímulo de um lado e do outro, e os mais pequenos ganhos nas discussões parlamentares ou nos confrontos televisivos eram vistos como parte de uma jornada gloriosa que acabaria por aniquilar o adversário. O azedume que cresceu dos dois lados fechou a porta aos entendimentos necessários.
Isso também se viu nos debates entre Passos Coelho e António Costa. Em Outubro, Cavaco Silva vai receber uma batata quente nas mãos. E não vai poder largá-la porque sem maioria absoluta não há posse – presumo que o homem ainda se recorde do que disse – e vai ter de ser ele a resolver o problema para cuja agudização tanto contribuiu com a sua inépcia.
António Costa já disse que não viabiliza um orçamento da coligação PSD/CDS-PP, o que pode ter deixado muita gente estupefacta, não ter qualquer sentido nesta altura e, em meu entender, só pode ter sido mais um conselho que sobrou de um daqueles senhores que idealizaram os etéreos cartazes.
Pergunta-se agora, e com razão, quais as soluções possíveis? Um governo de iniciativa presidencial está fora de questão. Com uma eleição presidencial a escassos meses, com um Presidente em queda acentuada e perfeitamente desacreditado como futuro interlocutor do que quer que seja, qualquer solução para um impasse criado por uma vitória eleitoral sem maioria absoluta obrigará a acordos de incidência parlamentar. Estes são sempre possíveis, embora duvide que tal possa acontecer com os actuais líderes.
Mas se uma coligação à esquerda ou entre os partidos do centrão é pouco provável, então como desfazer o nó górdio?
Passos Coelho e Paulo Portas querem continuar a governar. É natural. As sondagens têm-lhes sido amigas, eles querem puxar por elas, até aí tudo bem. Mas estão longe de uma maioria absoluta e sem esta como vão formar governo? E com quem? Com o PCTP/MRPP? E quem lhes dará posse? Bruno de Carvalho?
António Costa também pede uma maioria absoluta. E por aí faz bem. Saber se com aquela primeira linha que levou a Vila Real chegará lá é outra história. De qualquer modo, se for o PS a vencer as eleições, essa poderá ser a solução mais conveniente em termos de governabilidade. Se não conseguir essa maioria, a alternativa vai depender da votação do Livre, porque não creio que, apesar das sondagens, o BE entre nestas contas. Apesar de tudo nunca se sabe e ainda faltam muitos dias.
Se a votação do Livre não for suficiente para formar uma maioria, então a alternativa poderá vir de onde menos se espera. A mudança de líder no PSD, com um eventual congresso extraordinário e a chamada de Rui Rio, com quem Costa já mostrou que se entende razoavelmente bem, não me parece plausível no imediato. E leva tempo. Além de que qualquer derrota eleitoral do PSD quando está no poder, se for de novo o caso, faz o partido entrar em transe.
A solução que resta pode estar no CDS/PP. O interesse nacional, ou o instinto de sobrevivência do partido, pode levá-lo a distanciar-se da coligação logo após as eleições. Na AR será cada um por si. Resta saber se os deputados do CDS/PP serão suficientes para formar uma maioria de governo com o PS e manterem o partido no poder. A hipótese é menos estrambólica do que poderá parecer. As hostes centristas não enjeitam, nunca, uma possiblidade mesmo remota de se manterem no poder. Estamos no campo da lucubração, eu sei, mas não custa nada ir pensando nisso. E desta vez não estou a gozar.
A solução, por vezes, vem de onde menos se espera. E num país onde os candidatos a primeiro-ministro se fazem acompanhar nas acções de campanha por quem não devem, dançam o vira e bebem vinho "Amnésia", enfiando os pés pelas mãos quando se trata de falar de uma coisa tão comezinha como a segurança social, enfim, num país há muito sem solução, todas as hipóteses que à partida possam resolver problemas são plausíveis. E ainda quando não se queira discuti-las, por serem inconvenientes, não há nada que proiba que sejam encaradas.
P.S. Costa patinou no segundo debate quando instado a esclarecer onde iria arranjar dinheiro para poupar 1020 milhões de euros nas prestações sociais não contributivas. Passos Coelho tem patinado todos os dias e a toda a hora, mesmo sem debate, como ainda agora se viu quando afirmou que Portugal iria antecipar um pagamento ao FMI ou quando remeteu para a mesma concertação social a que António Costa se referiu o valor do plafonamento que tanto apregoou, revelando-se de novo como um fala-barato impreparado, embora tenha criticado o adversário e esteja há mais de quatro anos ao leme da governação, o que lhe deveria dar outro conhecimento de uma matéria tão essencial e delicada.
"O dr. Passos Coelho e os seus fiéis julgam que fizeram uma grande obra. Já se esqueceram que a troika os forçou a fazer o que fizeram. Como se esqueceram, com certeza por intervenção do Altíssimo, que não cumpriram o programa (aliás, duvidoso) a que se tinham comprometido. Aumentaram a receita do Estado, sem inteligência ou perícia; e fugiram de reformas substanciais com vigarices, com pretextos e com uma insondável indolência.
Quando o dr. Passos Coelho, lá para Outubro, for delicadamente posto na rua, o Governo seguinte com um bocado de papel e uma caneta arrasará numa hora tudo ou quase tudo o que ele deixou.
Entrou provavelmente na cabeça do primeiro-ministro a ideia perigosa de “deixar um exemplo”. E deixou. Deixou um exemplo de trapalhada, de superficialidade e de ignorância. Ou seja, nada de original."- Vasco Pulido Valente, Público, 24/10/2014
O que Vasco Pulido Valente escreveu há quase um ano está actualíssimo depois do debate de ontem. Os comentadores e analistas já decidiram quem ganhou o debate e porquê. Aos pontos ou por "K.O." para o caso é irrelevante, porque a decisão final será tomada em 4 de Outubro pelos que se predispuserem a ir às urnas. Sobre essa estatística não me pronuncio.
Notarei, no entanto, que pela primeira vez se viu uma diferença abissal entre Passos Coelho e António Costa. Refiro-me ao estilo, à abordagem das questões, na substância e na forma, em especial na clareza. Miguel Relvas dizia depois do debate que Passos Coelho tinha de ser mais agressivo e esta leitura já diz quase tudo. Agressivo? Em quê? Como? Era preciso que Passos Coelho tivesse argumentos.
Da ausência destes resultou a forma como se foi esfarelando sem glória ao longo do debate, o modo como se esgueirava às questões (aliás, habitual nele), querendo a todo o tempo repescar um passado que não contou com António Costa na proa para a sua triste caminhada para o abismo, trocando e rectificando os milhões - cinco milhões eram afinal cinco mil milhões e meio, confusões normais mas que antes serviram para se gozar com Guterres e Centeno -, com Judite de Sousa a insistir para que respondesse, uma, duas vezes, ele dizendo que a resposta era simples mas sem a dar, levando forte e feio por causa das despesas de 2015 continuarem no mesmo nível de 2011, encaixando o crescimento da dívida e a queda do crescimento, completamente aos papéis na acusação de que deixou o país mais endividado do que encontrou e fazendo como seu trunfo o cumprimento de um programa de ajustamento que qualquer outro governo na mesma situação teria cumprido, tal como outros antes dele também cumpriram. Com gráficos ou sem gráficos, na retórica de Passos - sem programa e sem contas, como Costa bem sublinhou - só cabia o discurso gasto, passista e passadista. E é evidente que Costa não poderia deixar passar em branco as suas vitórias eleitorais em Lisboa - é sempre aborrecido recordá-las - ou o programa de incentivos ao retorno para jovens emigrantes, verdadeiro número de ilusionismo político, digno de uma feira para parolos, destinado a abranger 20 pessoas num país que só em 2012 e 2013 viu sair mais de 200.000 pessoas.
O erro de Passos Coelho e de quem o aconselhou foi o de pensar que tinha à sua frente para o debate mais um produto formatado numa jotinha, alguém do tipo "Sócrates". Alguém a quem, com a sua verve e a experiência entretanto adquirida, seria fácil cilindrar com meia dúzia de patacoadas e o agitar dos fantasmas do passado. Enganou-se. António Costa é politicamente também o produto de uma jota, mas tem claramente a seu favor muito mais do que isso. Aquilo que Sócrates não tinha, e Passos Coelho também não tem, nem nunca terá, é a consistência curricular, académica e profissional. O que cavou o abismo foi a diferença entre ter uma escola, um passado e uma carreira que são conhecidos de todos, e não ter nada. Foi também a diferença entre depender de si ou depender de uma jota, dos padrinhos no partido, do subsídio de reintegração ou dos amigos para sobreviver, ir enchendo chouriços e se manter à tona da água até chegar a sua hora. Encostado às cordas por Miguel Macedo e a trapalhada dos "vistos gold", a Passos Coelho faltou claramente a muleta de Paulo Portas. Está tudo explicado.
O maná de promessas que está a desabar sobre os portugueses é de tal forma assustador que o português que pretenda ser esclarecido e recordar-se de tudo o lhe foi prometido quando iniciar o seu período de reflexão já começa a ter dificuldade em catalogar as que lhe foram feitas, assinalar a autoria de cada uma e o ano da futura legislatura em que serão cumpridas. As excepções também são tantas, não vá o diabo tecê-las, que já não há papelinhos amarelos que cheguem para tomar nota. E saber que ainda faltam cumprir mais quatro semanas de promessas não ajuda a levantar o moral. Se um tipo não desligar já, por uns dias que seja, corre o risco de pirar muito antes de 4 de Outubro.
A desfeita que Marques Mendes e Carlos Abreu Amorim fizeram a Passos Coelho e a Paulo Portas, quando em vez de ficarem calados vieram dar razão às vozes da oposição quanto à decisão de saber quem discute com quem nos debates televisivos para as legislativas de 2015, não devia ter acontecido. António Costa deve-se ter fartado de rir, mas a mim, que já estou com remorsos do que antes escrevi, custa-me ver de fora o líder do CDS-PP.
Num momento crucial do debate político, com tanto para explicar aos portugueses, não seria justo deixá-lo de fora e não lhe dar a oportunidade de apresentar as suas ideias sem estar sujeito à tutela do líder da coligação PSD/CDS-PP e aos amuos dos sindicalistas da oposição. Da feira de Carcavelos à de São Mateus, sem esquecer alguns amigos meus da JC, o Miguel Esteves Cardoso, que disse que ele um dia havia de mandar nesta "merda", uns sportinguistas emigrados na Venezuela, a Beatriz e a Mariana, mais uns poupadinhos do BES que estão cheios de papel e não sabem que fazer com ele, sem falar numa data de chineses das mais diversas proveniências, que me vieram perguntar pelos seus cartões de desconto e lhe mandaram cumprimentos, não há quem não queira ouvi-lo.
Vai daí lembrei-me de uma solução que, assim o espero, poderá colher a compreensão de gregos, de troianos e das televisões, dando a mais gente a oportunidade de ser esclarecida. E a outros de brilharem e apresentarem as suas ideias. O líder do CDS-PP como institucionalista, homem profundamente respeitador das hierarquias e conhecedor, como poucos, digo eu, das regras do protocolo e das listas de precedências, enfim, da necessidade de a cada um se dar o lugar que lhe é devido, sem atropelos e de acordo com as regras, certamente que estará de acordo com a minha proposta.
Não sendo Paulo Portas candidato a primeiro-ministro, aparecendo ele como o número dois da lista da coligação PSD/CDS-PP por Lisboa, a minha proposta passa pela organização de um debate entre todos os números dois das listas apresentadas no círculo de Lisboa pelas forças políticas concorrentes. Um debate genuíno, entre homólogos, todos segundas figuras das respectivas listas, todos em pé de igualdade, sem necessidade de se andar à procura de umas palmilhas mais altas para alguns.
Para todos eles, mesmo para aqueles que não costumam ir à televisão, seria a hipótese de, pelo menos nesse debate, discutirem as propostas que têm para o país fazendo todos figura de número um. E esta, hein? Seria uma oportunidade de ouro para o líder do CDS-PP poder brilhar, cilindrando o Ferro Rodrigues, a Rita Rato, o Pedro Filipe Soares, a Ana Drago, o Fernando Condesso, e todos os outros que certamente não enjeitariam o convite para participar.
Como diria uma nossa conhecida, se fosse viva e a confrontassem com um convite destes, antes número um por um dia do que número dois a vida toda.
Oxalá que as televisões se entendam para todos terem direito ao seu momento de glória.
Pontos nos iis. Às vezes convém colocá-los. Um presidente da república é recebido pelo seu hómologo, um ministro fala com outros ministros, um secretário de estado com o seu equivalente. Em qualquer parte do mundo, em qualquer democracia civilizada, um candidato a primeiro-ministro debate com outro candidato a primeiro-ministro, um líder de uma força concorrente debate com os líderes das que estão em igual situação. As listas são ordenadas do primeiro para o último. Antigamente era assim que funcionava. E é capaz de continuar a ser durante mais algum tempo.
No Largo do Caldas é que será necessário arranjar um banquinho mais alto para o Dr. Paulo Portas poder chegar à janela. Ou então dar-lhe umas palmilhas novas. Como as do Sarkozy.
Não aprenderam nada. Nunca hão-de aprender. E ideias nem vê-las.
Continuam a usar o mesmo manual e tanto faz estarem no governo como na oposição. Por mais anos que passem.