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leilões

por Sérgio de Almeida Correia, em 14.10.15

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Vai para aí um chinfrim tão grande por causa da formação do novo Governo que quer-me parecer que ainda há muita gente que não percebeu em que ponto estamos. Eu vou explicar.

Imaginem que os líderes dos partidos portugueses gostam de automóveis e que o melhor deles todos é o automóvel do Governo. Trata-se de uma máquina para a qual é necessário dinheiro para a ela aceder e mãozinhas para a guiarem.

De quatro em quatro anos, mais coisa menos coisa, troca-se de carro e faz-se um leilão entre os partidos políticos para ver quem fica com o novo. Este ano, como a troika se foi embora, o carro em questão é um Ferrari. O problema é que só leva o condutor e um pendura.

Em 4 de Outubro, teve lugar o leilão e os líderes dos partidos, com o alto patrocínio do PR, quiseram todos licitar o novo bólide.

O problema é que os licitantes estão todos tesos e a oferta mais alta só cobre um terço do valor do carro. Esta veio de dois licitantes que uniram esforços para levar o carro, mas que estoiraram nos últimos anos umas centenas de milhares (votos) que lhes permitiriam levar o carro sem pedir licença.

O leiloeiro só deixa o carro ir para a estrada com 50% do valor em caixa. Passos Coelho e Paulo Portas querem ficar com o Ferrari, mas para o sacarem precisam de pedir um empréstimo a António Costa, que está a pensar ele próprio ficar com o carro se conseguir financiar-se junto do BE e do PCP, embora já tenha percebido que não cabem os três naquele carro e que nem Jerónimo quer levar Catarina ao colo, nem esta está para ir ao colo do avozinho.

Passos Coelho anda a fazer o choradinho a Costa e promete-lhe umas voltas ao fim-de-semana no lugar do pendura, o que deixará Paulo Portas sem transporte para os jantares de sábado. Costa vai fazendo exigências porque também quer o Ferrari à quinta-feira, nos feriados e durante as férias.

Entretanto, os amigos de Passos Coelho querem que ele ande com o carro e estão zangados por Costa não lhe emprestar o que ele precisa para ir a Belém dizer ao PR que já pode assinar os papéis para ele levantar o Ferrari.

Neste momento, a situação é de impasse: Passos Coelho quer viver acima das suas possibilidades e comprar o Ferrari com o dinheiro que não tem; Costa não lhe empresta com receio que o tipo e o seu compincha gripem o motor ou que nos festejos metam lá dentro uma loura e se estampem todos antes do próximo leilão, que só ocorrerá daqui a quatro anos, deixando-o apeado. E porque também gosta do carro, quer guiá-lo e está disposto a tudo para poder fazê-lo.

O PR, que ficou sem gestor de conta com o caso BPN, está na dúvida e não sabe se há-de assinar a livrança pedida pelo leiloeiro para o carro ser entregue sem os 50% ou se vai deixar que continuem a aumentar os custos de armazenagem enquanto os licitantes não se entendem para saber quem vai lá buscar o carro.

Do outro lado da rua, na bomba de gasolina, está o Zé Povinho. Exasperado. De mangueira na mão à espera que o mandem atestar o Ferrari.

Este é o ponto em que estamos. Esta é a situação a que o PR nos conduziu quando marcou o leilão para Outubro e se lembrou de pedir garantias a tesos com vícios. Ou cauciona ele próprio - o que será difícil porque se sabe que é medroso - ou os custos vão começar a subir.

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castas

por Sérgio de Almeida Correia, em 05.10.15

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Agora que o espectáculo chegou ao fim e se começou a desmanchar a feira, já posso repetir o que digo há anos e nos últimos meses silenciei para não prejudicar ninguém e não correr o risco de me chamarem ave de mau agoiro.

Tenho muita pena de dizê-lo, mas irei continuar a bater na mesma tecla. O mau resultado nacional do PS resume-se a um problema de castas. Não de hoje, nem de ontem. O partido vai ter de decidir se quer continuar a fazer vinho com tudo o que aparece, misturando sem critério e a granel, apresentando uma zurrapa sem alma, sem profundidade, de consumo imediato e sem hipóteses de atingir a maturidade, produzida por produtores envelhecidos, que não se modernizam nem querem que a casa se modernize, ou se quer começar a escolher devidamente as castas, arranjar bons enólogos, renovar a adega para lhe tirar aquele cheiro a mofo que impregna o ar, e apresentar um produto decente, inovador, capaz de ser valorizado e de ser apreciado pelos portugueses sem necessidade de se lhes estar a prometer um salpicão com a fotografia de especialistas em sueca, PPP e futebol de estúdio.

Estar a produzir vinho para concorrer com os pacotes de cartão de Marco António Costa e o marketing de Assunção Cristas e Paulo Portas, feito de porta-chaves, amostras de lavanda e bandeirinhas, nunca me pareceu boa política. Porque a venderem em feiras, com a experiência deles em cervejas e a apresentarem maus produtos valorizados, eles são muito melhores.

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rescaldo

por Sérgio de Almeida Correia, em 05.10.15

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(AFP) 

VENCEDORES

1. Passos Coelho e Paulo Portas - Vence eleições quem chega à frente com mais votos e mais deputados. Foi este o caso da coligação PSD/CDS-PP. Com mais truques ou menos truques, com mais ou menos propaganda, aqui não há volta a dar. Ganharam, estão de parabéns, mas vão governar, se conseguirem fazer aprovar um programa de governo, em cima de gelo fino. Ao menor deslize estampam-se.

2. Catarina Martins – O BE ressuscitou graças a ela. Não interessa, por agora, se os bloquistas foram buscar votos ao PS, à direita, à CDU ou à feira da ladra, mas o facto é que passaram de uma votação de 5,19% e 8 deputados para 10,22% e 19 deputados. Se o BE radicalizou o discurso, se sofreu uma sangria com a saída de dezenas de elementos, se quem lá ficou foram os ex-UDP, e ainda assim sobreviveu à saída de Louçã e a uma atípica liderança bicéfala, para depois obter um resultado destes, é difícil dizer que os votos obtidos se devem aos extremistas. Porque se o fossem, seria então caso para dizer que a extrema-esquerda também renasceu das cinzas.

3. CDU – Jerónimo de Sousa e Heloísa Apolónia conseguiram mais um deputado. Ganharam “poucochinho” mas ganharam alguma coisa. Para quem pensa “pequenino” e sempre dentro da sua zona de conforto deverá ser motivo de satisfação, mas convenhamos que não foi pelos “trabalhadores” que a coligação PSD/CDS-PP perdeu a maioria absoluta. Com mais um deputado vai aumentar a alegria no trabalho.

4. Grupo Parlamentar do PS – Passou de 73 para 85 deputados, correspondendo ao aumento da percentagem global do partido de 28,05% em 2011 para 32,38%. O resultado é importante para os aplausos e os apartes e garante emprego a alguns que estavam ansiosos por se mudarem para Lisboa durante os dias úteis. 

5. PAN – Elegeu um deputado à custa da sua concentração de votos em Lisboa, vai ganhar visibilidade e tempo de antena e os animais e a natureza ganham um porta-voz. Pode não servir para muito, nem sequer para aprovar ou chumbar orçamentos, mas sempre é melhor do que nada.

6. Abstenção – Pouco passava das 20h de Lisboa quando Rodrigues dos Santos anunciava a projecção da abstenção, e com a pompa habitual vaticinava uma abstenção “historicamente baixa”. Falhanço rotundo. A abstenção voltou a subir e conseguiu ser superior à de 2011 passando de 41,08% para 43,07%. Com nulos e brancos são mais de 46% os portugueses que não se revêem nos actuais partidos. Dava para uma maioria absoluta. Como desta vez todos se poderão queixar da abstenção, pode ser que para as próximas legislativas as coisas já sejam diferentes e o pivot possa finalmente acertar.

7. Sondagens – Os resultados que foram sendo apresentados fizeram muita gente duvidar. Tanto a coligação vencedora como o PS fizeram tudo para não acreditar no que ia saindo. No final, confirmou-se que venceu quem surgia à frente, não houve empate, não houve maioria absoluta e a diferença foi de cerca de 6%. Com a incerteza diária e projecções feitas a partir de amostragens muito reduzidas para o universo de eleitores, penso que seria difícil fazer melhor.

 

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 (AFP)

VENCIDOS

1. António Costa e o PS – O PS pode continuar com o secretário-geral que o trouxe até aqui. Até às presidenciais ou até que apareça alguém capaz de federar o partido sem errância e liberto de alguns espantalhos que agora foram mandados para o parlamento. Mas é inegável que o resultado obtido não é “poucochinho”. O resultado obtido é miserável. O PS não ganhou, inviabilizou uma solução compromissória ainda antes das eleições, que agora vai ser obrigado a aceitar contrariado, alienou uma boa parte do seu eleitorado e conseguiu transformar dois líderes sofríveis – Passos Coelho e António José Seguro – e uma novata arreliadora e bem preparada – Catarina Martins – em estrelas.

2. Livre – As deserções do BE de figuras com algum peso mediático e tribunas regulares nos jornais, rádios e televisões, a inovação nos procedimentos, a abertura demonstrada nas directas e alguma simpatia, transmitiram a ideia de que poderiam ir muito mais longe. Eu próprio me convenci disso. Podem queixar-se, apesar de tudo, de algum voto útil, mas os 0,72% alcançados, correspondentes a menos de 39 mil votos, são pecúlio muito parco para quem tinha ambições. Reduzido à sua insignificância, o Livre deverá transformar-se num clube de amigos.

3. Coligação PSD/CDS-PP – Em 2011, quando se iniciou o programa com a troika, os votos somados dos partidos da coligação ascendiam a 50,37%. Agora, essa percentagem passou para 38,55%. Foram menos quase 12%. É muito. Em muitos círculos a coligação PSD/CDS-PP de 2015 teve menos votos do que o PSD sozinho de 2011. O número de deputados agora obtido beneficiou das regras do nosso sistema eleitoral, mas em termos globais, embora vencendo, a percentagem conseguida não pode nessa parte deixar de ser considerada um mau resultado. Um resultado de Pirro para as louras afectadas poderem celebrar.

4. Cavaco Silva – Não foi o Presidente da República quem perdeu com estas eleições. Nada de confusões, quem perdeu foi o titular do cargo. À beira do final de um mandato em que tudo fez para beneficiar a sua família política, até na hora da marcação das eleições o tiro lhe saiu pela culatra. Nenhum partido obteve maioria absoluta, a abstenção aumentou, as soluções de governabilidade e de estabilidade são menores que zero. Passos Coelho vai ter de lhe emprestar o crucifixo que lhe ofereceram para Cavaco Silva ter alguma coisa a que se agarrar no final de um mandato feito de equívocos e gaffes, com muita miopia a dar ares de aleivosia.

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notas

por Sérgio de Almeida Correia, em 02.10.15

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Como amanhã, de acordo com a legislação que o país possui em matéria eleitoral, não é dia para perturbar as consciências de eleitores que normalmente são protegidos pelo legislador e pelos partidos como verdadeiros mentecaptos, gostaria de deixar aqui algumas notas relativamente ao momento eleitoral que atravessamos. Estar e viver fora de Portugal, embora continue a descontar para a Segurança Social como se lá vivesse e tendo sido um dos poucos emigrantes que teve o privilégio de ter exercido o direito de voto, confere-me o desprendimento necessário para o fazer sem constrangimentos político-partidários, aos quais sou por natureza avesso, sem prejuízo das opções que em cada momento faço.

  1. Alguns amigos perguntaram-me o que é para mim um bom resultado eleitoral. Não é pergunta de resposta fácil porque tal como o copo que só tem metade do conteúdo, as perspectivas nem sempre são iguais. Ganhar eleições é vencê-las, isto é, de acordo com as regras do nosso sistema eleitoral que converte votos em mandatos, ganha eleições quem consegue fazer eleger mais deputados. Aqui não há volta a dar. E só por uma bizarria, mais própria de gente mal formada do que de políticos responsáveis que como tal querem ser respeitados e reconhecidos, não é o facto de se ter mais votos que dá a vitória a um partido. Numa democracia representativa, votos não convertíveis em mandatos não servem para nada qualquer que seja o sistema eleitoral.
  1. Com o que ficou escrito no ponto anterior fica também esclarecido qual a força política que deverá ser convidada pelo Presidente da República, de acordo com a Constituição, a formar Governo. O convite deverá ser endereçado à força política – coligação ou partido – que tendo-se apresentado ao acto eleitoral obteve o maior número de mandatos.
  1. Postos estes esclarecimentos introdutórios, vamos então às interpretações possíveis dos resultados na perspectiva do que seja um bom resultado. Para isto convém ter presente o seguinte:

            3.1 Para a coligação PSD-CDS/PP um bom resultado será vencer as eleições qualquer que seja a margem em relação à segunda força mais votada,

         3.2 Para o PS e para qualquer outra força política um bom resultado também será vencer as eleições.

  1. O problema é que um bom resultado nas eleições de 4 de Outubro, a traduzir-se numa maioria relativa, será sempre um resultado coxo do ponto de vista da estabilidade política e da governabilidade. Não é certo que um governo minoritário seja um governo instável ou com poucas possibilidades de fazer uma governação séria e responsável, mas será sempre um governo sujeito à formação de coligações parlamentares negativas que o podem derrubar em qualquer momento. Nesta perspectiva, qualquer vitória eleitoral com maioria relativa, seja para a coligação PSD/CDS-PP ou para o PS será sempre um mau resultado.
  1. Uma outra forma de olhar para o problema é pegando nos resultados dos anteriores actos eleitorais. Em 2011 o PSD e o CDS-PP foram a votos sozinhos. A soma dos respectivos resultados atingiu 50,35%. Agora, as melhores sondagens, dão-lhes grosso modo entre 37 a 39% dos votos. Isto representa uma queda eleitoral de mais de 10%. Objectivamente, uma queda de mais de 10% nos votos da coligação PSD/CDS-PP é sempre um mau resultado, significando esta, a verificar-se, a taxa de reprovação da sua governação durante os últimos quatro anos para o seu próprio eleitorado. Um resultado de 38% equivale aos votos que o PSD sozinho conseguiu em 2011, o que significa que os 11% que CDS-PP tinha obtido na mesma eleição se evaporaram, sobrando só os votos do PSD. Será isto para os ilusionistas da coligação PSD/CDS-PP, agora que concorrem juntos, um bom resultado?
  1. Em contrapartida, por comparação com 2011, quando obteve 28,05%, o PS, que volta a apresentar-se sozinho a votos, tem sondagens a darem-lhe entre 32 e 34% das intenções de voto. É uma melhoria, sem deixar de ser um mau resultado. E é muitíssimo pouco face a 2005 (45,03%) e 2009 (36,56%). Se o PS nestas eleições obtiver menos de 36,56%, esse será um resultado muito mau para um partido que está na oposição e que teve todas as condições para voltar a obter uma maioria absoluta. Pior se levarmos também em consideração que em 1995 o PS conseguiu 43,76%, em 1999 obteve 44,06% e em 2002 atingiu 37,79%. Sobre isto não preciso de dizer mais nada.
  1. Acontece que as sondagens não votam, os números da abstenção só serão conhecidos no dia da votação e que o número de indecisos que as sondagens revelam é suficientemente elevado para poder dar uma maioria absoluta a qualquer uma das forças políticas com possibilidade de vencer as eleições.
  1. Considerando o que há dias escrevi no Aventar, seria bom que neste momento os portugueses, cidadãos eleitores, maiores e responsáveis, pensassem no seguinte: “o resultado de uma eleição e a construção de um projecto de futuro nunca dependeram tanto de uma cruz. No silêncio da cabine vai ser necessário escolher entre colocar uma cruz num boletim de voto ou continuar a carregar a cruz que relançou a pobreza, ingrata e sem sentido, e exportou mais de duzentos mil portugueses jovens, activos e qualificados, só nos últimos dois ano para poder ir mais além da troika. Os abstencionistas são os únicos que têm de antemão a certeza de que não escolhendo, continuarão sempre a carregar a cruz.”
  1. E agora três notas finais que não gozam do benefício da isenção: a primeira vai para a coligação entre vermelhos e vermelhos-esverdeados. Jerónimo de Sousa continua equivocado. Ontem dizia que se a coligação PSD/CDS-PP perder a maioria absoluta isso ficará a dever-se à luta travada pelos comunistas e pelos trabalhadores portugueses. Eu pensava que o objectivo da CDU era afastar a coligação do governo do país, mas pelos vistos, para Jerónimo e os patuscos da sua tribo o objectivo era só retirar a maioria absoluta à direita. Concluo, assim, quanto a esse ponto que a CDU ficará satisfeita e dirá que obteve uma “grande vitória” se a coligação PSD/CDS-PP perder a maioria absoluta continuando a ser governo. Se os trabalhadores portugueses forem nesta conversa e votarem na CDU é sinal de que estão satisfeitos com a actual situação, querendo que Passos Coelho continue como primeiro-ministro.
  1. Uma segunda nota vai para a revelação/confissão de Passos Coelho à comunicação social que acompanha a campanha da coligação PSD/CDS-PP de que faz campanha com um crucifixo no bolso. Não tenho nada contra a fé do primeiro-ministro. Cada um tem a sua e a dele não é diferente da dos outros. Mas o recurso à revelação pública desse facto, como fez em relação a alguns factos da sua vida pessoal e familiar que não estão, nem deviam estar, sujeitos a escrutínio público, são do domínio da abjecção e indignos de um candidato a primeiro-ministro numa república democrática, laica e soberana.
  1. A última nota vai para o Presidente da República. Qualquer que seja o resultado das eleições é desde já o maior perdedor. Será o maior perdedor porque durante toda a legislatura nunca soube estar à altura dos acontecimentos e das exigências do cargo, não raro mostrando-se parcial nas escolhas e comprometido com os seus preconceitos, complexos e atavismos. Da não antecipação das eleições para Junho, atirando o país para a incerteza e a instabilidade em Outubro, à marcação das eleições para um domingo – no que até poderia ter dado um sinal de modernidade e inovação para combater a abstenção se as tivesse marcado para um dia útil –, sem esquecer as infelizes intervenções que tem tido a propósito de nada e ignorando o essencial, ficará na história como o mais anti-republicano dos presidentes portugueses. As declarações que proferiu em Nova Iorque, ao referir que já tinha pensadas as soluções para o pós-4 de Outubro e que sabe muito bem o que fazer, são incompatíveis com a sua ausência às celebrações do 5 de Outubro. Se já tem a solução pensada não havia razão para anunciar que vai faltar, porque nesse dia já os portugueses também terão feito as suas escolhas. Vejo, por isso, mais essa ausência como um sinal do seu desconforto por aquele que poderá vir a ser o resultado eleitoral de 4 de Outubro. Com esta sua atitude de ausência às celebrações do 5 de Outubro de 2015, Cavaco Silva deu a machadada final no seu mandato, sinal da sua hipocrisia, das meias-tintas dos seus mandatos, da sua falta de solidez, de estatura e de coragem política em momentos decisivos. Se não fosse a república, Cavaco Silva nunca teria saído das paredes da sua universidade ou do Banco de Portugal, nunca teria tido as condições para poder obter o estatuto público que conseguiu. Mas até na hora da partida foi incapaz de ter um gesto de elevação e de gratidão e de se assumir como o presidente de todos os portugueses. Com uma coligação PSD/CDS-PP vencedora e sem maioria absoluta, ou com um PS vencedor, Cavaco Silva será sempre um presidente derrotado. E ele é o único que irá ter aquilo que merece por tudo aquilo que fez. A república, nestas ocasiões, também não costuma perdoar aos timoratos que, devendo-lhe tudo, gratuitamente a ofendem.

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aventar

por Sérgio de Almeida Correia, em 30.09.15

Correspondendo a um simpático convite, hoje escrevo no Aventar sobre as legislativas de 4 de Outubro. 

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legislativas (4)

por Sérgio de Almeida Correia, em 22.09.15

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Passada a fase da provocação, essencial para se manter o humor, a sanidade e ver o modo como as almas penadas reagem à jocosidade do escriba, convém que de quando em vez se volte a falar de temas mais sérios, deixando a contabilidade futebolística dos debates para os reclusos – no sentido virtual e real – e para os comentadores encartados e pagos.

Um dos aspectos em que José Sócrates, quando foi primeiro-ministro, se mostrou politicamente mais infeliz foi na radicalização do seu discurso e na posse do animal feroz que muitos aplaudiam e em que os seus acólitos se reviam (e revêem, como ainda recentemente se viu numa acção de campanha).

Essa radicalização, que se acentuou ao longo do tempo, permitiu depois a Passos Coelho, com o apoio do PR, ir-se distanciando, à medida que o país também se ia apartando de Sócrates e do PS. Num primeiro momento a radicalização funcionou a seu favor, depois contra si. O agravamento da situação do país em 2010 e 2011 aumentou a tendência radicalizadora. Deve haver quem ainda se lembre disso. Passos Coelho e o PSD trilharam o seu caminho na esteira desse clima e dele viriam a colher frutos, optando ainda hoje por um registo semelhante, ultimamente temperado por razões eleitorais, mas pronto a explodir assim que rodeado da sua malta e vislumbre a oportunidade de colher mais uns votos.

A derrota de Sócrates em Junho de 2011 e a agudização da crise funcionaram como um estímulo para a criação do espírito de trincheira que está em Portugal tão presente nas mais pequenas coisas. Da crónica jornalística aos comentários nos blogues. De um lado e do outro acentuaram-se as clivagens. A amargura funcionou como um estímulo de um lado e do outro, e os mais pequenos ganhos nas discussões parlamentares ou nos confrontos televisivos eram vistos como parte de uma jornada gloriosa que acabaria por aniquilar o adversário. O azedume que cresceu dos dois lados fechou a porta aos entendimentos necessários.

Isso também se viu nos debates entre Passos Coelho e António Costa. Em Outubro, Cavaco Silva vai receber uma batata quente nas mãos. E não vai poder largá-la porque sem maioria absoluta não há posse – presumo que o homem ainda se recorde do que disse – e vai ter de ser ele a resolver o problema para cuja agudização tanto contribuiu com a sua inépcia.

António Costa já disse que não viabiliza um orçamento da coligação PSD/CDS-PP, o que pode ter deixado muita gente estupefacta, não ter qualquer sentido nesta altura e, em meu entender, só pode ter sido mais um conselho que sobrou de um daqueles senhores que idealizaram os etéreos cartazes.

Pergunta-se agora, e com razão, quais as soluções possíveis? Um governo de iniciativa presidencial está fora de questão. Com uma eleição presidencial a escassos meses, com um Presidente em queda acentuada e perfeitamente desacreditado como futuro interlocutor do que quer que seja, qualquer solução para um impasse criado por uma vitória eleitoral sem maioria absoluta obrigará a acordos de incidência parlamentar. Estes são sempre possíveis, embora duvide que tal possa acontecer com os actuais líderes.

Mas se uma coligação à esquerda ou entre os partidos do centrão é pouco provável, então como desfazer o nó górdio?

Passos Coelho e Paulo Portas querem continuar a governar. É natural. As sondagens têm-lhes sido amigas, eles querem puxar por elas, até aí tudo bem. Mas estão longe de uma maioria absoluta e sem esta como vão formar governo? E com quem? Com o PCTP/MRPP? E quem lhes dará posse? Bruno de Carvalho? 

António Costa também pede uma maioria absoluta. E por aí faz bem. Saber se com aquela primeira linha que levou a Vila Real chegará lá é outra história. De qualquer modo, se for o PS a vencer as eleições, essa poderá ser a solução mais conveniente em termos de governabilidade. Se não conseguir essa maioria, a alternativa vai depender da votação do Livre, porque não creio que, apesar das sondagens, o BE entre nestas contas. Apesar de tudo nunca se sabe e ainda faltam muitos dias. 

Se a votação do Livre não for suficiente para formar uma maioria, então a alternativa poderá vir de onde menos se espera. A mudança de líder no PSD, com um eventual congresso extraordinário e a chamada de Rui Rio, com quem Costa já mostrou que se entende razoavelmente bem, não me parece plausível no imediato. E leva tempo. Além de que qualquer derrota eleitoral do PSD quando está no poder, se for de novo o caso, faz o partido entrar em transe.

A solução que resta pode estar no CDS/PP. O interesse nacional, ou o instinto de sobrevivência do partido, pode levá-lo a distanciar-se da coligação logo após as eleições. Na AR será cada um por si. Resta saber se os deputados do CDS/PP serão suficientes para formar uma maioria de governo com o PS e manterem o partido no poder. A hipótese é menos estrambólica do que poderá parecer. As hostes centristas não enjeitam, nunca, uma possiblidade mesmo remota de se manterem no poder. Estamos no campo da lucubração, eu sei, mas não custa nada ir pensando nisso. E desta vez não estou a gozar.

A solução, por vezes, vem de onde menos se espera. E num país onde os candidatos a primeiro-ministro se fazem acompanhar nas acções de campanha por quem não devem, dançam o vira e bebem vinho "Amnésia", enfiando os pés pelas mãos quando se trata de falar de uma coisa tão comezinha como a segurança social, enfim, num país há muito sem solução, todas as hipóteses que à partida possam resolver problemas são plausíveis. E ainda quando não se queira discuti-las, por serem inconvenientes, não há nada que proiba que sejam encaradas.

 

P.S. Costa patinou no segundo debate quando instado a esclarecer onde iria arranjar dinheiro para poupar 1020 milhões de euros nas prestações sociais não contributivas. Passos Coelho tem patinado todos os dias e a toda a hora, mesmo sem debate, como ainda agora se viu quando afirmou que Portugal iria antecipar um pagamento ao FMI ou quando remeteu para a mesma concertação social a que António Costa se referiu o valor do plafonamento que tanto apregoou, revelando-se de novo como um fala-barato impreparado, embora tenha criticado o adversário e esteja há mais de quatro anos ao leme da governação, o que lhe deveria dar outro conhecimento de uma matéria tão essencial e delicada. 

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diferenças

por Sérgio de Almeida Correia, em 10.09.15

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"O dr. Passos Coelho e os seus fiéis julgam que fizeram uma grande obra. Já se esqueceram que a troika os forçou a fazer o que fizeram. Como se esqueceram, com certeza por intervenção do Altíssimo, que não cumpriram o programa (aliás, duvidoso) a que se tinham comprometido. Aumentaram a receita do Estado, sem inteligência ou perícia; e fugiram de reformas substanciais com vigarices, com pretextos e com uma insondável indolência.
Quando o dr. Passos Coelho, lá para Outubro, for delicadamente posto na rua, o Governo seguinte com um bocado de papel e uma caneta arrasará numa hora tudo ou quase tudo o que ele deixou.
Entrou provavelmente na cabeça do primeiro-ministro a ideia perigosa de “deixar um exemplo”. E deixou. Deixou um exemplo de trapalhada, de superficialidade e de ignorância. Ou seja, nada de original."- Vasco Pulido Valente, Público, 24/10/2014

 

O que Vasco Pulido Valente escreveu há quase um ano está actualíssimo depois do debate de ontem. Os comentadores e analistas já decidiram quem ganhou o debate e porquê. Aos pontos ou por "K.O." para o caso é irrelevante, porque a decisão final será tomada em 4 de Outubro pelos que se predispuserem a ir às urnas. Sobre essa estatística não me pronuncio.

Notarei, no entanto, que pela primeira vez se viu uma diferença abissal entre Passos Coelho e António Costa. Refiro-me ao estilo, à  abordagem das questões, na substância e na forma, em especial na clareza. Miguel Relvas dizia depois do debate que Passos Coelho tinha de ser mais agressivo e esta leitura já diz quase tudo. Agressivo? Em quê? Como? Era preciso que Passos Coelho tivesse argumentos.

Da ausência destes resultou a forma como se foi esfarelando sem glória ao longo do debate, o modo como se esgueirava às questões (aliás, habitual nele), querendo a todo o tempo repescar um passado que não contou com António Costa na proa para a sua triste caminhada para o abismo, trocando e rectificando os milhões - cinco milhões eram afinal cinco mil milhões e meio, confusões normais mas que antes serviram para se gozar com Guterres e Centeno -, com Judite de Sousa a insistir para que respondesse, uma, duas vezes, ele dizendo que a resposta era simples mas sem a dar, levando forte e feio por causa das despesas de 2015 continuarem no mesmo nível de 2011, encaixando o crescimento da dívida e a queda do crescimento, completamente aos papéis na acusação de que deixou o país mais endividado do que encontrou e fazendo como seu trunfo o cumprimento de um programa de ajustamento que qualquer outro governo na mesma situação teria cumprido, tal como outros antes dele também cumpriram. Com gráficos ou sem gráficos, na retórica de Passos - sem programa e sem contas, como Costa bem sublinhou - só cabia o discurso gasto, passista e passadista. E é evidente que Costa não poderia deixar passar em branco as suas vitórias eleitorais em Lisboa - é sempre aborrecido recordá-las - ou o programa de incentivos ao retorno para jovens emigrantes, verdadeiro número de ilusionismo político, digno de uma feira para parolos, destinado a abranger 20 pessoas num país que só em 2012 e 2013 viu sair mais de 200.000 pessoas

O erro de Passos Coelho e de quem o aconselhou foi o de pensar que tinha à sua frente para o debate mais um produto formatado numa jotinha, alguém do tipo "Sócrates". Alguém a quem, com a sua verve e a experiência entretanto adquirida, seria fácil cilindrar com meia dúzia de patacoadas e o agitar dos fantasmas do passado. Enganou-se. António Costa é politicamente também o produto de uma jota, mas tem claramente a seu favor muito mais do que isso. Aquilo que Sócrates não tinha, e Passos Coelho também não tem, nem nunca terá, é a consistência curricular, académica e profissional. O que cavou o abismo foi a diferença entre ter uma escola, um passado e uma carreira que são conhecidos de todos, e não ter nada. Foi também a diferença entre depender de si ou depender de uma jota, dos padrinhos no partido, do subsídio de reintegração ou dos amigos para sobreviver, ir enchendo chouriços e se manter à tona da água até chegar a sua hora. Encostado às cordas por Miguel Macedo e a trapalhada dos "vistos gold", a Passos Coelho faltou claramente a muleta de Paulo Portas. Está tudo explicado.  

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legislativas (3)

por Sérgio de Almeida Correia, em 07.09.15

O maná de promessas que está a desabar sobre os portugueses é de tal forma assustador que o português que pretenda ser esclarecido e recordar-se de tudo o lhe foi prometido quando iniciar o seu período de reflexão já começa a ter dificuldade em catalogar as que lhe foram feitas, assinalar a autoria de cada uma e o ano da futura legislatura em que serão cumpridas. As excepções também são tantas, não vá o diabo tecê-las, que já não há papelinhos amarelos que cheguem para tomar nota. E saber que ainda faltam cumprir mais quatro semanas de promessas não ajuda a levantar o moral. Se um tipo não desligar já, por uns dias que seja, corre o risco de pirar muito antes de 4 de Outubro. 

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solução

por Sérgio de Almeida Correia, em 24.08.15

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A desfeita que Marques Mendes e Carlos Abreu Amorim fizeram a Passos Coelho e a Paulo Portas, quando em vez de ficarem calados vieram dar razão às vozes da oposição quanto à decisão de saber quem discute com quem nos debates televisivos para as legislativas de 2015, não devia ter acontecido. António Costa deve-se ter fartado de rir, mas a mim, que já estou com remorsos do que antes escrevi, custa-me ver de fora o líder do CDS-PP.

Num momento crucial do debate político, com tanto para explicar aos portugueses, não seria justo deixá-lo de fora e não lhe dar a oportunidade de apresentar as suas ideias sem estar sujeito à tutela do líder da coligação PSD/CDS-PP e aos amuos dos sindicalistas da oposição. Da feira de Carcavelos à de São Mateus, sem esquecer alguns amigos meus da JC, o Miguel Esteves Cardoso, que disse que ele um dia havia de mandar nesta "merda", uns sportinguistas emigrados na Venezuela, a Beatriz e a Mariana, mais uns poupadinhos do BES que estão cheios de papel e não sabem que fazer com ele, sem falar numa data de chineses das mais diversas proveniências, que me vieram perguntar pelos seus cartões de desconto e lhe mandaram cumprimentos, não há quem não queira ouvi-lo.

Vai daí lembrei-me de uma solução que, assim o espero, poderá colher a compreensão de gregos, de troianos e das televisões, dando a mais gente a oportunidade de ser esclarecida. E a outros de brilharem e apresentarem as suas ideias. O líder do CDS-PP como institucionalista, homem profundamente respeitador das hierarquias e conhecedor, como poucos, digo eu, das regras do protocolo e das listas de precedências, enfim, da necessidade de a cada um se dar o lugar que lhe é devido, sem atropelos e de acordo com as regras, certamente que estará de acordo com a minha proposta.

Não sendo Paulo Portas candidato a primeiro-ministro, aparecendo ele como o número dois da lista da coligação PSD/CDS-PP por Lisboa, a minha proposta passa pela organização de um debate entre todos os números dois das listas apresentadas no círculo de Lisboa pelas forças políticas concorrentes. Um debate genuíno, entre homólogos, todos segundas figuras das respectivas listas, todos em pé de igualdade, sem necessidade de se andar à procura de umas palmilhas mais altas para alguns.

Para todos eles, mesmo para aqueles que não costumam ir à televisão, seria a hipótese de, pelo menos nesse debate, discutirem as propostas que têm para o país fazendo todos figura de número um. E esta, hein? Seria uma oportunidade de ouro para o líder do CDS-PP poder brilhar, cilindrando o Ferro Rodrigues, a Rita Rato, o Pedro Filipe Soares, a Ana Drago, o Fernando Condesso, e todos os outros que certamente não enjeitariam o convite para participar.

Como diria uma nossa conhecida, se fosse viva e a confrontassem com um convite destes, antes número um por um dia do que número dois a vida toda.

Oxalá que as televisões se entendam para todos terem direito ao seu momento de glória.

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legislativas (2)

por Sérgio de Almeida Correia, em 24.08.15

Pontos nos iis. Às vezes convém colocá-los. Um presidente da república é recebido pelo seu hómologo, um ministro fala com outros ministros, um secretário de estado com o seu equivalente. Em qualquer parte do mundo, em qualquer democracia civilizada, um candidato a primeiro-ministro debate com outro candidato a primeiro-ministro, um líder de uma força concorrente debate com os líderes das que estão em igual situação. As listas são ordenadas do primeiro para o último. Antigamente era assim que funcionava. E é capaz de continuar a ser durante mais algum tempo.

No Largo do Caldas é que será necessário arranjar um banquinho mais alto para o Dr. Paulo Portas poder chegar à janela. Ou então dar-lhe umas palmilhas novas. Como as do Sarkozy.

 

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legislativas (1)

por Sérgio de Almeida Correia, em 20.08.15

Não aprenderam nada. Nunca hão-de aprender. E ideias nem vê-las.

Continuam a usar o mesmo manual e tanto faz estarem no governo como na oposição. Por mais anos que passem.

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