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nabeiro

por Sérgio de Almeida Correia, em 20.03.23

Rui_Nabeiro_5.jpg(foto daqui, do Público)

Tal como muitos portugueses, fui ontem surpreendido pela notícia do falecimento de Manuel Rui Azinhais Nabeiro, o visionário da Delta Cafés que projectou Campo Maior muito para lá das suas fronteiras geográficas.

Durante os meus anos de faculdade tive a sorte de conhecer algumas pessoas que se viriam a tornar dos meus melhores amigos, entre eles o Rui, que era sobrinho do senhor Nabeiro e que durante aqueles anos de solteiro e estudante habitava na sua vivenda da antiga Av. do Aeroporto, depois baptizada de Almirante Gago Coutinho, onde por aquele tempo também ficavam os escritórios da Delta em Lisboa.  

Nos intervalos das aulas, por vezes ao final da tarde ou à noite, lá íamos uns quantos jantar a casa do Rui, que se encarregava de invariavelmente nos fazer, na maior parte das vezes, um saboroso bacalhau à brás de cujas batatas nunca mais me esqueci, de tão bem que me sabiam. Era sempre uma festa. Com o convívio e a camaradagem cresceu a amizade, e lá fui ouvindo as histórias que o Rui me tinha para contar do tio e da sua família.

Um dia, logo após os nossos últimos exames, e terminado o curso, o Rui convidou-me para irmos ao Porto. Ele trataria do transporte, com alguém da Delta que tivesse carro, fosse para o norte e nos pudesse dar uma boleia, e do alojamento, em casa de amigos, ou de amigas que nos pudessem acolher, que nesse tempo todos tesos. Eu ainda sou, embora um pouco menos do que naqueles tempos de estudante recém-licenciado à espera do que a vida me trouxesse.

Lá fomos até à Invicta, e depois a Paços de Ferreira, onde o Campomaiorense jogava para a Taça de Portugal e o meu amigo iria representar o clube da sua terra. Ficámos os dois, que nem uns perus, no camarote destinado ao visitante, quase directores, na ausência destes devido ao facto de ser um dia de semana. Foi uma jornada memorável, que se completou com a viagem do Porto até Campo Maior, nos carros da Delta, ele num, eu noutro, por ocasião de uma caçada em Espanha e de um convívio oferecido pela Delta, no fim-de-semana seguinte, aos seus melhores clientes, creio. Foram tempos inesquecíveis de camaradagem e amizade, que perduram até hoje.

Graças ao Rui conheci os pais, os irmãos, os tios, os primos, a amiga Beatriz, o João Manuel, a Helena e o saudoso Joaquim Bastinhas, a quem numa dessas noites fomos visitar para conhecer a sua nova quadra, logo aproveitando para "cravar" um jantarinho na Pousada de Elvas, e mais uma série de gente de cujos nomes já não me recordo, mas cujos sorrisos permanecem tão vivos na minha memória como se tivesse sido ontem.

Recordo-me de uma outra vez ter sido convidado para visitar a nova fábrica, quando a Delta deu o salto que a tornaria num verdadeiro portento em Portugal e em Espanha, onde pude apreciar óptimo café e aprender alguma coisa de útil desde o processo de produção à distribuição. 

De uma outra vez, tendo sido convidado para o baptizado de um dos netos, o Rui lá tratou de me instalar, como habitualmente, na Estalagem de Campo Maior, gerida pela sua mãe. Quando nessa noite, ao jantar, chegou o senhor Nabeiro e o fomos cumprimentar, logo ele perguntou ao sobrinho quando chegáramos e onde é que eu, o amigo vindo de Cascais, o "pendura", iria dormir, e se estava bem instalado.

Ontem, quando estava a ler os jornais do dia e fui surpreendido com a triste notícia do falecimento do senhor Nabeiro, a quem não sabia enfermo, e à noite vi as notícias nos vários canais de televisão, não pude deixar de me recordar de tudo isto, e de muito mais que não posso nem seria adequado aqui contar porque diz respeito à nossa intimidade e aí ficará; porque há coisas que só aí podem ser devidamente preservadas e recordadas.

Um destes dias, quando puder, hei-de voltar a Campo Maior, para rever a terra, as gentes e os amigos. E nesse dia, quando aí levar a M.T., se voltar a haver Festa do Povo, hei-de poder mostrar-lhe todos aqueles lugares que um dia me fizeram feliz, mostrando-lhe o tanto que a vida nos dá, pela simples, desprendida e genuína amizade, tantas vezes sem que nada façamos para merecermos tamanhas honras e privilégios. Tudo em razão da grandeza, da bonomia, da simplicidade e da ternura de um homem por todos aqueles que o rodeavam, que por uma razão ou por outra o faziam feliz, e que jamais deixarão de lhe estar reconhecidos.

Houve um dia em que o Rui e mais uns amigos de Campo Maior vieram aí a um congresso qualquer e aproveitaram para me fazer uma visita. Levei-os a jantar ao Clube Militar, no tempo em que o José Manuel Braz-Gomes ainda marcava o ritmo do compasso, e a casa, que ainda não se tornara numa cantina barulhenta, se preocupava em fazer boa figura. Recordámos então dias curtos e noites longas de interminável amizade.

Que Manuel Rui Azinhais Nabeiro, o senhor Comendador – um dos poucos, num país que distribui medalhas como quem oferece caramelos de Badajoz, verdadeiramente merecedor e digno do título –, depois de uma vida dedicada aos outros, criando riqueza e melhorando o dia a dia de todos, possa agora finalmente descansar e tomar em paz e sossego a sua chávena de café, sentindo aquele aroma tão característico das coisas que nos dão prazer e nos inebriam. Das coisas que valem sempre a pena. Como a autenticidade, a discrição, a preservação do carácter na adversidade e a amizade.

Ao meu amigo Rui e a toda a família vai daqui, dos cafundés de uma Macau que se foi perdendo e que eles não reconheceriam, um agradecido, forte e sentido abraço.

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raquel

por Sérgio de Almeida Correia, em 16.02.23

f5da0642360d85474363be4ce35407bd.jpg(Salvador Dali e Raquel Welch)

Durante décadas, a sua imagem povoou o imaginário de milhões de homens, jovens e até de meninos recém-chegados à puberdade, encarnando a imagem da mulher sensual e charmosa que podia desempenhar qualquer papel.

Amiga, namorada, amante, mulher, mãe, dentro ou fora de casa, modelo, executiva, empresária, pistoleira, muitas vezes com uma imagem rebelde e independente que fugia aos cânones da sua época.

De "One Million Years B.C." a "Viagem Fantástica", sem esquecer "A Swingin'Summer", o seu primeiro filme, "Spara forte, più forte... non capisco!", "Bedazzled", "Lady in Cement", ao lado de Sinatra e anunciada com as medidas "37-22-35", "Bandolero", "Cem Armas ao Sol", "Os Três mosqueteiros", "Legalmente loura", foram sete dezenas de filmes e séries que nos divertiram, encantaram e fizeram sonhar, mesmo quando não passavam do sofrível e apenas porque ela estava lá, tornando-a num verdadeiro mito, em especial durante os anos 60 a 80 do século XX.

Sem nunca ter atingido o reconhecimento, a classe e o estatuto de uma Sophia, de uma Claudia ou mesmo de uma Romy, Raquel Welch marcou uma época e ficará para sempre como uma das mais belas mulheres que algum dia encheu os ecrãs e os sonhos de toda uma geração de adoradores.

Morreu hoje aos 82 anos. Deixa-nos um legado de sonho e de beleza, de um tempo em que gostar de apreciar a beleza feminina, apenas pelo seu encanto, e elogiá-la não era sinal de machismo, de infidelidade ou de um crime de lesa-género.

Que descanse em paz, pois que quanto aos filmes, esses ficarão por cá, para que possamos continuar a apaixonarmo-nos pela sua inesgotável e inesquecível imagem de cada vez que regresse à tela.

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alexandre

por Sérgio de Almeida Correia, em 06.10.22

Alex Q.jpg

Nascera em S. Tomé, quando o pai por lá andara, mas era Angola que admirava. Falava-me de Luanda e do Lobito com a mesma paixão com que eu lhe falava do Benfica, dos meus fugazes amores de Verão, dos livros de Pessoa, da música de Brel ou de Leo Ferré, das viagens que fiz e das que ansiava fazer.

Um dia, quando eu quis ir de férias, depois de deixar duas cadeiras para a segunda época e a Mélita me disse que não haveria "subsídio de férias", foi ele quem me arranjou uns 400 ou 500 marcos que contribuíram para uma volta à Europa. Os marcos eram do pai, tinham sobrado de uma viagem, andavam lá por casa numa caixa. Lembrou-se deles, falou com o pai, que concordou e considerou a causa justa, e combinei devolvê-los logo que pudesse. À responsabilidade dele, disse-lhe o pai com a bonomia habitual. Assim foi, embora essa ajuda não tivesse evitado o meu repatriamento de Milão. Coisas da vida; e da "melhor juventude".

Foram tempos de sonho e de sonhos, de muito estudo, de muita discussão, de muita alegria. Depois, rumei a Oriente, primeiro, a seguir ao Sul, e de novo a Oriente. Ele virou-se para Angola, terra que amava. Víamo-nos de tempos a tempos, quando se proporcionava, mas a amizade ficou para sempre. Quando por Portugal, na minha ausência, muitas vezes visitava o meu irmão, outros familiares e amigos comuns. A Mélita gostava muito dele. Apreciava nele a simpatia e a boa disposição. Eu também, que não sou diferente dela. E lá em casa todos os outros. Sempre educado, atencioso e disponível.

Não me disseram no dia. Soube-o depois, naquele que terá sido um dos mais fantásticos domingos da minha vida, em que a tristeza da notícia se misturou com a alegria e exuberância do momento que vivi. 

De regresso à normalidade dos dias e das noites, pude então recordar a sua memória, levada de forma tão inexplicável, para mim, quanto terá sido pensada e reflectida a sua partida.

Lamento muito. Deus, se existe, saberá quanto. E o que se poderá aproveitar de um testemunho doloroso de uma amizade de corpo inteiro construída nos bancos da faculdade, nas idas a Coimbra, à "Queima", nas noites de estudo e de folia, em tantos e tão vividos momentos. 

Poderei nunca vir a saber o que aconteceu, nem o porquê dessa tarde de 28 de Setembro, no Lubango.

Nem nunca lhe poderei contar como foi a minha experiência de conduzir, em Portimão, o Porsche 911 GT3 CUP. Contá-la-ei ao Zé e ao Palma, quando estiver com eles.

Também será o que menos interessa.

Porque aqui, o que importa, é mesmo recordar o que foi uma bela amizade, entre o seu sentido prático da vida e o meu lirismo sonhador, que ele tão bem transmitiu ao nosso caricaturista quando fui confrontado com a surpresa de ver na projecção da minha sombra os traços do autor da Ode Marítima. Foi o Alexandre quem teve a inspiração de dizer ao caricaturista quais os pontos a destacar na minha figura. E eles ficaram. Até hoje. Perseguindo-me como uma segunda pele. Vida fora, por muito errante que fosse.

Durante todos esses anos fomos companheiros inseparáveis. Estudávamos juntos, partilhávamos sebentas e livros, a minha casa foi a dele, e vice-versa.

A bem dizer, eu, que fui seu amigo, e continuarei a ser, irremediavelmente até ao fim da minha hora — porque se há alguma coisa que seja eterna, para lá dos abraços da Mélita, é a verdadeira e fraterna cumplicidade de um amigo, de uma amiga, aqui ou em qualquer outro lugar por onde passe —, irei "falar nisso a todos, / Com um orgulho legítimo, com uma confiança invisível", porque no relatório e contas do Além, repescando o que o outro escreveu, "tudo isso terá um sentido"; "um sentido mais belo e mais vasto Que apenas o ter-se perdido o barco onde" ele ia.

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chalana

por Sérgio de Almeida Correia, em 11.08.22

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(10/02/1959 - 10/08/2022)

Todos aqueles a quem sentaste ao longo da vida, com a classe, a perfeição e o brilho do teu génio, levantam-se hoje em tua homenagem. Até à Eternidade. 

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jorge

por Sérgio de Almeida Correia, em 01.08.22

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Ainda há semanas tinha pensado nele. Era um daqueles amigos que raramente encontrava. Via-o pouco, mas era sempre uma festa. A Mélita gostava muito dele. Conhecia-lhe a família toda. Ele fora companheiro e amigo do Ricozé desde o tempo em que andaram juntos nos Maristas. Sempre bem disposto, sempre simpático e atencioso, bonacheirão, de sorriso largo, farto e ingénuo; às vezes malandro, rindo muito por debaixo dos óculos e da barba. Já me tinha dito para ir visitá-lo ao Alentejo, à sua herdade, seu refúgio desde antes de se reformar e onde gostava de estar entre oliveiras e animais sempre que fugia de Cascais. Os jardins do Casino devem-lhe muitas horas de atenção e cuidado. Todos perdemos alguma coisa. Hei-de voltar a tomar um copo com o Jorge Pinto Basto quando chegar a minha vez. Um vinho de estalo. E voltaremos a rir-nos, saudavelmente, de nós próprios e dos outros, com mais amigos. Até lá, irei ter saudades dele.

 

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francisco

por Sérgio de Almeida Correia, em 27.05.21

Uma situação estranha para os leigos, incompreensível para todos, como algo que escapa definitivamente à lógica dos dias e das maleitas habituais. 

Um dia veio buscar-me ao escritório. Não sei ao certo de quem partira a ideia de incluir o meu nome. Se dele, se do Óscar, se da Filipa, embora o simpático convite viesse desta última. E lá fui fazer a apresentação do filme num ciclo de cinema cujo leitmotiv era a Justiça. Conhecêramo-nos havia algum tempo, mas creio que foi pela sétima arte que nasceu um maior entendimento mútuo.

Para além do direito e do cinema, em comum havia o gosto pelo futebol e a paixão pelo mesmo clube.

Discordávamos sempre em matéria de forma de governo. Ele era um monárquico profundo, zeloso da tradição, do peso da história e das instituições como cimento da unidade nacional em democracia, defendendo as suas posições com a educação, a elevação e o conforto próprios de quem se sente bem na sua pele e acredita que para lá das divergências só respeitando o outro se consegue passar a mensagem.

Admirava-o por essa sua franqueza, por vezes ingenuidade, simplicidade e cativante simpatia com que sempre terçávamos armas. E mesmo quando se posicionava do outro lado da barricada, o que algumas vezes aconteceu, nunca deixou de registar publicamente o seu apreço pelas posições que sempre defendi.

Parte cedo, muito cedo. E é sempre demasiado cedo quando se está na força da vida e se tem tanto para dar.

Que o seu Deus, em cuja generosidade sempre acreditou, e que tão injusto se mostrou para com ele e tantos outros, todos os dias, seja capaz de o acolher com a nobreza que merece, e olhe por aqueles que colhidos pela dor da sua súbita partida nos recordarão que continuará presente.

Como sempre permanecem todos aqueles que mesmo longe contribuem pela sua memória para tornarem menos penosos os nossos dias terrenos.

Que descanse em paz.

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morricone

por Sérgio de Almeida Correia, em 06.07.20

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O mundo foi hoje surpreendido com o falecimento de Ennio Morricone, vítima de uma queda com uma idade (91 anos) em que devia ser proibido cair.

O aclamado compositor e maestro italiano, vencedor de dois Óscares (2007, pela carreira, e 2016, pela banda sonora de “The Hateful Eight”), foi autor de algumas das mais inesquecíveis melodias para o cinema, tendo trabalhado com inúmeros realizadores.

Primeiro com Sergio Leone, de quem foi colega de escola, a partir da década de 60 do século passado, nos chamados Western Spaghetti, depois com quase todos os grandes nomes da realização. Bertolluci, John Carpenter, Brian de Palma, Giuseppe Tornatore (no inesquecível “Malèna”), Barry Levinson ou Quentin Tarantino foram apenas alguns.

De “Por um punhado de dólares” a “Cinema Paraíso”, de “O bom, o mau e o feio”, a “Era uma vez na América”, de “Frantic” a “Os homens do presidente”, sem esquecer “Sacco & Vanzetti”, a “Missão” ou “Kill Bill”, foram mais de quinhentas composições e bandas sonoras para o cinema.

Estudou na Academia de Santa Cecília, em Roma, onde se diplomou em trompete. Reconhecido em todo o mundo pela excelência do seu trabalho, a banda irlandesa U2 dedicar-lhe-ia uma música (Magnificent).

Em Outubro de 2007 fez uma incursão pela política italiana, integrando a lista de Walter Veltroni. Participou nas primárias e acabou eleito para a então Assembleia Constituinte do Partido Democrático.

Parte o homem que, como alguém disse, não era apenas um compositor de música para filmes, mas um grande compositor.

Ficará a saudade, e  uma obra monumental que continuará a ser ouvida até ao fim dos tempos

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integridade

por Sérgio de Almeida Correia, em 21.02.20

image-14-1-678x381.jpeg(Miguel Marques/Global Images via Expediente Sínico)

Não convivi muito com o Pedro Baptista, mas estivemos juntos vezes suficientes para perceber a sua estirpe.

Conheci-o há uns anos em casa de amigos comuns, e não obstante a divergência clubística, rapidamente ganhei admiração pelo tipo.

Até então tinha dele, o que era compreensível atenta a diferença de idades, apenas as referências públicas à sua luta política no tempo da outra senhora, ao papel desempenhado na fundação da OCMLP, ao seu trabalho como deputado na Assembleia da República, pelo PS, e como ensaísta e escritor. 

Quando lhe perguntei, na altura em que estava a iniciar o trabalho de campo da minha tese de doutoramento, se estava disponível para que o entrevistasse, logo se disponibilizou para o efeito, dando largas à sua generosidade.

Confesso que devo ter tido com ele algumas das mais interessantes e estimulantes conversas sobre a vida política portuguesa, a democracia, os partidos e a militância partidária, da qual ele havia sido um dos expoentes máximos em Portugal, antes e depois da revolução.

Quando, como era habitual com todos os entrevistados, depois de ter transcrito a entrevista lhe remeti o texto para que eventualmente corrigisse alguma expressão mais forte, fruto do calor da exposição, da sua tradicional irreverência na forma como verbalizava e abordava as questões, das mais complexas às mais simples, logo me respondeu que não havia nada a corrigir. Era o que lá estava e os visados se quisessem que se queixassem. Porque era tudo verdade. E era, pelo que foi assim que passou ao anexo da minha tese.  

Depois disso encontrámo-nos algumas vezes, uma delas após as eleições presidenciais "estado-unidenses", e não norte-americanas, como ele gostava de sublinhar, num debate na Fundação Rui Cunha para o qual sugeri à organizadora a sua presença.

Pelava-se por uma boa discussão, gostava de política a sério e nos últimos anos tinha uma profunda tristeza e desdém pela nossa classe política. E se ele a conhecia; em especial a da sua cidade. Das golpadas nos partidos às moscambilhas nos negócios, nada lhe escapava.

Por vezes, via nele alguma ingenuidade na forma como acreditava em certas pessoas quando ainda não as conhecia bem, mas isso decorria da sua natural bondade. Não constituía defeito. Até aos vigaristas e aldrabões profissionais da política dava o benefício da dúvida. Depois, quando lhes tirava as medidas, é que eram elas. Punham-se rapidamente a léguas, que o Pedro não se poupava nas palavras, sempre certeiras. 

Ontem, ao final da noite, recebi estupefacto a notícia do seu falecimento, logo no dia em que se preparava para ser inaugurada no museu da sua cidade a exposição "1820, Revolução Liberal do Porto" em que tanto se empenhara, ao mesmo tempo que preparava o seu livro sobre a China que nos últimos anos estudou e percorreu. 

Os livros e os textos que foi publicando ao longo dos anos estão aí para quem se quiser cultivar e aprender alguma coisa com quem conheceu a vida e os partidos políticos por dentro e por fora. 

O Pedro Baptista vai fazer muita falta ao Porto, à cidadania, à nossa democracia. Espero que a sua cidade lhe preste as honras que merece por tudo quanto por ela fez.

E pese embora estas linhas surjam num momento triste, mais do que uma recordação do homem culto, do professor, do filósofo, do político, do amigo, do combatente pela liberdade a quem ainda esperavam algumas batalhas, quero que aqui fiquem como uma homenagem ao espírito livre, irreverente e crítico, em especial à sua integridade de carácter, à sua frontalidade e à nobreza com que sempre se bateu por aquilo em que acreditava.

Espécimes destes são cada vez mais raros. O Pedro Baptista era um exemplar único.

Que descanse em paz.  

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evocação

por Sérgio de Almeida Correia, em 03.01.20

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Natural do Cercal (Alentejo), passou uma boa parte da vida fora do seu país.

Licenciado e Mestre em Sociologia pela Universidade de Paris III (Sorbonne-Nouvelle), com diploma de Estudos Aprofundados da Universidade de Paris VIII, doutorou-se em 1988 com uma tese que tinha por título "I república portuguesa: questão eleitoral e deslegitimação". Leccionou em Portugal e no estrangeiro e foi um dos fundadores da Associação Portuguesa de Ciência Política.

No início deste século, foi ele quem me introduziu nas questões do clientelismo e do caciquismo, mas creio que os seus trabalhos sobre os partidos políticos são o melhor que nos lega. Deu-me a conhecer Panebianco, ajudou-me a melhor compreender Michels, Ostrogorsky, Pareto, Mosca e tantos outros.

Mais tarde viria a ser meu orientador durante o mestrado, tendo-me chegado a propor, com o vasto material que eu na altura possuía, que prosseguisse logo para o doutoramento, o que por razões profissionais e económicas não pude fazer.

Aqui há uns anos, já reformado, estando eu então a fazer o prometido doutoramento, ainda tive o privilégio de o reencontrar, de participar e de o ver conduzir um pequeno seminário na Universidade Nova de Lisboa. De novo sobre os partidos políticos.

Na minha memória, para além das aulas que me deu e de tudo aquilo que me ensinou e deu a ler, ficam as manhãs passadas à mesa da Frolic, no Estoril, quando eu ia do Algarve para com ele me encontrar, aos sábados de manhã, e entre dois cafés me lia as notas que tinha deixado à margem dos meus textos e discutíamos as questões relacionadas com as elites e a minha dissertação. Não me esquecerei do seu sorriso e do abraço que me deu quando os Professores Costa Pinto e Tavares de Almeida anunciaram o resultado da sua paciência.

E também da satisfação que lhe deu a orientação do meu trabalho nessa fase inicial, bem como os resultados que entretanto obtive, mas já não irei a tempo de lhe dizer que também hoje dou aulas numa universidade, do outro lado do mundo, fazendo uso e transmitindo aos outros, o melhor que posso e sei, o que com toda a bondade deste mundo me ensinou.

Soube esta manhã da sua partida por uma curta e sentida nota do Prof. André Freire, também este seu discípulo e colega, a quem daqui envio um abraço solidário, extensivo aos seus familiares, colegas e amigos.

Se 2019 terminou triste, 2020 não podia começar pior. Mas espero que ao Professor Fernando Farelo Lopes, lá por onde agora andará, não lhe faltem os livros, nem o sorriso de sempre, nem a disposição para continuar a ver o que por cá vamos fazendo. Pelo meu lado, grato como sempre estou aos meus mestres, continuarei a divulgar a sua obra, onde quer que esteja.

E que descanse em paz.

Partidos-Políticos.jpg

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mamma

por Sérgio de Almeida Correia, em 06.11.19

For Mamma "La Mamma" 

She said, "My son I beg of you
I have a wish, that must come true
The last thng you can do
For yo' mama

Please promise me that you will stay
And take my place, while I'm away
And give the children love each day"

I had to cry, what could I say?

I tried so hard to find a word
I prayed she would not see me cry
So much to say, that should be heard
But ony time to say "Good-bye"
To my mama

They say in time, you will forget
Yet still today, my eyes are wet
And still I try to smile
For my mama

Now soon there'll be another Spring
And I will start remembering
The way she used to love to hear us sing
Her favorite song, "Ave Maria"
Ave Maria

Then I will feel, the deepest joy
Yes, for my mama

And I will feel, so proud that I
Made the wish come true
All for my mama

The family's left, I feel so numb
I should've known this day would come
And still I try to smile
For my Mama

It hurts so much to see them go
They have their lives to lead, I know
Now I can watch their children grow
And hear, again, "Ave Maria"
Ave Maria

And I feel
The deepest joy
Yes, I'll kiss them all
For my Mama

And I will feel
So proud that I
Made the wish come true
All for my Mama

Still, this seems
So small
For all
She done
For me
On my my, Oh my my my, Oh Mama

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niki

por Sérgio de Almeida Correia, em 21.05.19

nikilauda-l-1309306da133f2ff.jpg

Aos 70 anos travou o seu último combate, a derradeira corrida de uma vida plena de sacrifícios, glória, coragem, dor e intransigente respeito pela sua condição de homem e de piloto.

Espalhou classe e desportivismo pelas pistas de todo o mundo, numa época em que a Fórmula Um se fazia com cavalheiros, com homens e não com meninos.

Deu dois títulos mundiais à Ferrari (1975/1977), um terceiro à McLaren (1984), mas se me perguntarem o que de mais vivo tenho na memória, talvez fruto da minha condição de Alfista, foram as vitórias em Anderstop, no Grande Prémio da Suécia (1978), com o Brabham-Alfa Romeo BT 46-B com efeito de solo, e em Monza, no mesmo ano.

A primeira constituiu um duelo entre o motor Cosworth DFV do Lotus 79 de Mario Andretti, que viria a ser nesse ano o campeão do mundo, e o fabuloso motor de 12 cilindros da Alfa Romeo, que conduzido pela lenda austríaca esmagou toda a concorrência. A segunda foi uma corrida atípica, com muitos acidentes e interrupções, num fim-de-semana aziago em virtude do falecimento de Ronnie Peterson.

Lauda deixará mais um espaço por preencher na galeria dos notáveis que nos deixaram muito cedo. Que tenha o merecido descanso.

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david

por Sérgio de Almeida Correia, em 11.01.16

(08/01/1947 -10/01/2016)

 

"I wish I was a sailor a thousand miles from here

I wish I had a future, anywhere"

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king

por Sérgio de Almeida Correia, em 15.05.15

Já não poderá rever The life of Riley, mas estou certo de que lá em cima não lhe negarão o direito de repousar ao som dos blues. As lendas são eternas. Nós é que temos de lhe agradecer e de nos curvarmos perante a sua obra.

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