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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Há muitas formas de olhar para os resultados das eleições europeias de ontem, mas independentemente das leituras mais ou menos enviesadas que cada um faça consoante a cor da lente que utilize, há alguns factos que me parecem indesmentíveis.
Começando pela abstenção, que tanta celeuma tem provocado, dir-se-á que o que aconteceu confirma a tendência dos últimos anos, agora com a agravante de que se verificou um alargamento do universo eleitoral. Recorde-se que em 1999, 2004, 2009 e 2014 a percentagem de votantes por referência aos cadernos eleitorais foi, respectivamente, de 39,93%, 38,6%, 36,77% e 33,67%. Se este ano a taxa de votantes se tiver fixado nuns míseros 31,4%, isso só significa que o problema persiste sem solução à vista com os actuais partidos e actores, sendo manifestamente insuficientes os apelos do Presidente da República ou dos líderes políticos para que ocorra uma inversão da tendência.
A abstenção em Portugal é de há muito superior à média europeia, sem que os partidos se preocupem verdadeiramente com isso, e voltou a sê-lo. Os portugueses só querem saber da Europa se daí lhes vierem dividendos. Reflexo do espírito dos tempos e do mercantilismo político e moral.
E se há quem tenha ficado em casa para protestar contra o actual estado de coisas, fazendo campanha por uma abstenção ainda superior à verificada, não me parece que daí se retire, ou se tenha retirado, qualquer benefício. Esses vão continuar a falar sozinhos ainda que inundem as redes sociais de invectivas ao regime, aos políticos ou à macrocefalia urbana e litoral.
Quanto aos resultados obtidos, embora houvesse quem quisesse que os portugueses mostrassem nas eleições europeias um cartão amarelo, laranja ou vermelho ao Governo, assim antecipando a formação de uma onda que culminaria nas legislativas de Outubro próximo, o certo é que são o Governo e António Costa que saem reforçados.
Com uma abstenção maior ou menor, visto que com o seu aumento é a legitimidade de todos os partidos que fica penalizada, e não apenas a dos partidos no poder, a leitura que houver de ser feita tem de cingir-se aos números. E, quanto a estes, é incontestável que foi o PS o grande vencedor das eleições. Qualquer que seja o critério utilizado. Não vale a pena inventar. Se em 2014 a vitória do PS ainda tinha sido “poucochinho”, em 2019 mais do que duplicou a diferença em relação ao segundo mais votado (PSD). Se antes a diferença era de cerca de 4 pontos, ontem fixou-se em quase 11,5%. Será difícil transformar isto numa derrota, mas daqui até uma maioria absoluta vai um longo caminho.
Por outro lado, se Pedro Marques era uma má escolha para cabeça-de-lista, e eu considero que não era a ideal por diversos motivos (políticos e de estilo do próprio candidato), então as dos partidos da oposição foram um desastre completo. A escolha de Paulo Rangel era natural que tivesse o resultado de ontem. Não mudei um milímetro de opinião sobre o que dele pensava em 2010. E o resultado voltou a ver-se nas urnas. Há coisas que não se disfarçam. A gente não é estúpida. Rui Rio pode, pois, começar a fazer as malas para largar o barco em Outubro, se não quiser ser atirado borda fora, mais a sua tralha, a que herdou e a que levou para lá, pois que ou me engano muito ou o banho vai ser ainda maior.
Nuno Melo, um político empenhado e que deixara boa imagem no Parlamento nacional antes de rumar a Bruxelas, optou por mudar o registo. Sempre que possível cavalga a onda populista e hortícola, cometendo algumas gaffes pelo caminho para poder ir dando o braço à líder do CDS/PP, cujo discurso, cada vez mais histriónico, correndo ao sabor do que ouve nas feiras e desfasado da realidade, só podia dar bons resultados junto das velhinhas que saem da missa dominical ou frequentam os convívios da linha do Estoril. Os ataques ad hominem contra António Costa nos encontros quinzenais não lhe trouxeram quaisquer proveitos e deram-lhe cabo de uma imagem em tempos moderada e sensata. Se o CDS/PP ainda não consegue voltar a caber todo num táxi, pelo menos já pode dividir um Uber com o PAN. Isto é, enquanto este não precisar de mais espaço para acomodar todos os vadios e descontentes que legitimamente vai recolhendo. Ao contrário do PAN, cujo resultado se pode considerar espectacular (de 1,72 sobe para 5,08%), e que poderá vir a ser consolidado com a eleição em Outubro de pelo menos mais um deputado, ao CDS/PP não se vislumbra grande futuro com a actual direcção. Os sinais de exaustão são evidentes. A sua bancada parlamentar já pouco se distingue da do PCP em falta de imaginação e veterania.
Nas eleições de 2009, PSD e CDS somavam 40,07%. Em 2014, coligados na Aliança Portugal, os dois partidos atingiram 27,73%. Este ano, pese embora o aumento de quase um milhão e meio de eleitores e o desgaste dos partidos do governo, os dois partidos não passaram de 28,13%. Isto deve querer dizer alguma coisa.
Quanto ao BE duplicou a sua votação (de 4,56% para 9,82), aproximando-se dos valores de 2009 (10,72). Foi bom, duvidando eu que este valor possa de algum modo ter confirmação em Outubro. O mais provável é vir a ser penalizado nas legislativas pela diminuição da abstenção, pelo voto útil e pelo “caso Robles”. A memória ainda está fresca.
Em descida acelerada rumo ao abismo está a CDU. Passar de 12,69% para 6,88% é obra, constituindo mais um sinal do esclerosamento do discurso do partido (os tais de Verdes só existem para a fotografia), como que a provar que não é por lá porem uns “jovens” que se disfarça o “centralismo democrático”. Os vícios são incorrigíveis. O PCP continua a pensar que é possível mudar o povo em vez de mudar o seu discurso, as suas políticas e os seus rostos. Os vícios transportam-se de geração em geração. É indiferente ouvir Jerónimo, Bernardino ou João Ferreira. Com lentes embaciadas e riscadas, bem podem colocar umas armações tipo “Ray Ban”, mais modernaças e coloridas, que o resultado é o mesmo. Vêem o que viam antes, os resultados são medíocres, e atirar as culpas para os outros só serve para se enredarem ainda mais no discurso madurista.
Os restantes partidos e forças políticas concorrentes continuam a ser quase inexistentes. Registe-se o desastre eleitoral do Aliança, cujo futuro poderá vir a ser decidido nas legislativas, talvez de todos os resultados o menos previsível atento o resultado obtido pelo PAN.
Quanto aos restantes concorrentes mostraram a sua inexpressividade, admitindo-se que alguns figurões, entretanto, a esta hora já tenham descido à terra e regressem às suas vidas sem mais traumas.
Uma nota final: uma reedição dos resultados europeus do PS e do PAN, depois do Verão, pode baralhar as contas de uma nova “Geringonça”. Convém ter em atenção o que entretanto poderá acontecer.
1. Não vejo qual seja o problema de o estudo ter sido coordenado por um economista que um desses avençados já “rotulou” de "liberal". Se fosse socialista era porque era socialista, como é “liberal” e com formação numa prestigiada universidade norte-americana também não serve. Parece-me que o fundamental é que o trabalho, esse ou qualquer outro, seja feito por gente capaz, conhecedora e competente, se possível recorrendo a um leque alargado de pessoas com diferentes visões e experiências de vida. Só assim se poderá encontrar uma solução que sirva aos portugueses e os retire da situação humilhante em que os governos de Sócrates e de Passos Coelho os colocaram.
2. As ideias pareceram-me interessantes e em linha com aquilo que penso em termos globais. Se os números batem certo ou se são atingíveis é outra questão. Como não sou um especialista na matéria, tal como a maioria dos portugueses, deixo isso a quem sabe e confio na seriedade das apreciações que aqueles que me merecem confiança e se dedicam a estudar as questões irão fazendo.
3. Seriedade é coisa que não existe em gente que ainda antes do final da apresentação do relatório, sem o ter lido, já o comentava e desvalorizava as propostas efectuadas. A falta de seriedade de alguns políticos é mais grave do que a sua cegueira ideológica. Como hoje o Público escreve, “[o] deputado Matos Correia não esperou para ler o documento para afirmar que, “se o caminho miraculoso que o PS descobriu tivesse pés para andar, não havia nos países da Europa comunitária a tendência que tem vindo a ser seguida do ponto de vista da consolidação orçamental e da sustentabilidade”.
4. Depois, vir afirmar a fraca qualidade das propostas com base em argumentos como aquele que já vi referido de que se António Costa não sabe tratar das contas do partido e o PS vai pedir um empréstimo à banca para resolver a sua situação interna é porque também não saberá tratar do país, é esquecer que em Novembro de 2014 já o Observador escrevia que ele iria herdar do antecessor mais de 10 milhões de dívida, e que o próprio PSD, até há bem pouco tempo, antes de começar a capitalizar com a ida para o Governo, era o partido mais endividado do país. Com este nível de argumentação, típica de quem cospe para o ar, e susceptível de ser acolhido e aplaudido pelos comentadores blogosféricos de algumas remotas freguesias do interior, bem podem limpar as mãos à parede.
5. Ficarei à espera dos comentários dos entendidos e de todos aqueles que não sendo especialistas leram o documento antes de falar para poderem formar uma opinião esclarecida. Eu também tenho de ser convencido da bondade e exequibilidade das propostas.
6. Aquilo que vivamente aconselho, permitam-me a sugestão, é que alguém que soubesse português, antes de divulgarem e colocarem para consumo no espaço público relatórios deste tipo, procedesse à revisão do texto. Já bastava terem-no escrito em “acordês”. Que tenham pedido a colaboração de um deputado jotinha, presumo, para separar os parágrafos e colocar a pontuação, é que era de todo despiciendo. Seria uma lástima que o Programa de Governo do PS saísse assim, permitindo às pessoas pensar que teria tido a colaboração de um conhecido deputado do PSD que escreve para o Expresso. Ou que pudesse vir a ser criticado por alguém, em razão desse facto, independentemente da justeza das medidas.