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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
A notícia de que o Chefe do Executivo da RAEM não autorizou a prestação de depoimentos em juízo do seu antecessor, bem como do actual e anterior secretário para as Obras Públicas e Transportes, é mais uma machadada na credibilidade do sistema de justiça da RAEM e um prego no caixão da transparência e da luta anti-corrupção do Presidente Xi Jinping.
Dois antigos altos dirigentes das Obras Públicas estão a ser julgados depois de terem sido pronunciados pela prática de crimes de branqueamento de capitais, corrupção e associação criminosa. A natureza dos crimes e das imputações é de uma tal gravidade que teria evidentemente de ser investigada e clarificada até ao osso. Se múltiplas vezes, no decurso do julgamento, são imputadas responsabilidades ao anterior Chefe do Executivo e a outros nas decisões tomadas pelos arguidos no exercício de funções públicas, não se percebe de todo qual a razão para que fique tudo no limbo.
A decisão tomada por Ho Iat Seng de impedir os depoimentos dos visados não protege a RAEM, não dá àqueles a oportunidade de se defenderem de acusações eventualmente injustas que contra eles estejam a ser feitas pelos arguidos, além de que não protege o próprio Chefe do Executivo em funções e vai contra o interesse público na realização da justiça.
A luta contra a corrupção, contra o tráfico de influências e por uma maior transparência na realização dos negócios públicos não pode bastar-se com uma investigação superficial dos factos, limitando-se a apanhar alguns "ratos" que tiraram partido do sistema vigente para enriquecer ilegalmente, iludindo-se a opinião pública, deixando-se escapar o "polvo", e colocando a salvo outros envolvidos que tivessem responsabilidades públicas. Afinal, todos aqueles de quem os governados esperam que tenham mais probidade e seja maior o grau de exigência e responsabilização no exercício dos cargos para que são escolhidos e em quem todos confiam.
Não se percebe qual o receio da verdade material. Nem o que se teme quando se decide proibir a prestação dos depoimentos de quem é acusado publicamente de estar no topo da cadeia de comando das decisões ilegais que foram tomadas.
A verdade acabará por ser conhecida de todos. E nessa altura ninguém será poupado.
Por uma notícia de hoje da Rádio Macau, fiquei a saber da publicação do Despacho n.º 112/2020, do Chefe do Executivo, pelo qual este procedeu à extinção do Centro de Arbitragem de Administração Predial. Esta estrutura havia sido criada em 2011 por decisão do seu antecessor.
O notável não está na extinção dessa entidade; antes no facto de não ter resolvido um único caso, que aliás nunca lhe foi submetido, durante toda a sua existência.
Quer isto dizer que nunca serviu para nada daquilo que esteve na base da sua criação, isto é, "promover, através da conciliação e arbitragem, a resolução de litígios na área da administração predial". Limitou-se durante nove anos a dar resposta a pedidos de informação.
Para quem se fartava de apregoar e promover a necessidade de "decisões científicas", a secura do despacho de extinção diz bem da cientificidade da decisão que esteve na base da sua criação e da qualidade dos "cientistas" e "talentos" que projectaram a necessidade do Centro de Arbitragem de Administração Predial.
O Centro foi uma verdadeira inutilidade. Para além de não ter contribuído para a difusão e promoção da arbitragem, serviu para se perder tempo e gastar dinheiro, e é demonstrativo da necessidade imperiosa de ser conferida racionalidade à decisão político-administrativa, coisa que há mais de uma década estava prescrita na RAEM.
Ho Iat Seng vai, pois, por bom caminho. Espera-se que continue, para já, no processo de eliminação de inutilidades, apêndices e excrescências antes de reformar de alto a baixo a pesada, e em muitos casos ineficiente, estrutura da administração pública de Macau. A ver se isto começa a funcionar.
Esteve bem, muito bem, o Chefe do Executivo na resposta que deu na Assembleia Legislativa ao deputado Mak Soi Kun.
É verdade que Ho Iat Seng disse o óbvio, mas isso, neste momento, não será de menos tendo em atenção o passado recente. Fez bem em dizer, sem rodeios e direito ao assunto, ao que vem.
Primeiro vieram os peões de brega, que aliás andam por aí há já alguns anos em seminários, conferências e quejandos, queixando-se da carga fiscal. Ficámos cheios de pena.
Como não desse o resultado esperado, veio então o senhor deputado, qual bandarilheiro de Semana Santa, que ainda há um mês dizia que “as empresas do sector do jogo, (...), ganham muito dinheiro todos os anos, mas precisam que alguém lhes fale para assumirem as suas responsabilidades sociais durante a ocorrência de grandes incidentes", e sem que se percebesse se de um acto de contrição se tratava ou se de uma falha de memória, fazer umas chicuelinas e gaoneras perante a afición casineira e a da própria AL.
Caiu mal. Muito mal.
Há muito que disse, e também o escrevi, e não foi hoje nem ontem, sobre o que pensava relativamente à responsabilidade social das concessionárias e o que importava vir a fazer no futuro em matéria de jogo.
Estou por isso inteiramente de acordo com o Chefe do Executivo quanto às preocupações que manifestou a esse nível, bem como no que concerne à manutenção do nível de tributação sobre os lucros decorrentes do exercício da sua actividade de exploração do jogo.
Se olharmos ao valor dos investimentos realizados, aos prazos de retorno e aos lucros gerados nos últimos quinze anos — não vale a pena perder tempo com o que está mais para trás —, isso basta para se perceber que aquilo que as operadoras do jogo receberam foi incomparavelmente superior ao que investiram. E se alguém tivesse falado num aumento da sua tributação daí também não viria escândalo.
Não serei eu a propô-lo, mas não deixarei de dizer que quem ganhou o que ganhou à custa do jogo, antes e depois da liberalização, deveria demarcar-se dos pedintes que em seu nome falam, seja para reduzirem a taxa do imposto especial ou solicitar "apoios" assim que estala a borrasca.
A RAEM não tem feito outra coisa, há um ror de décadas, que não seja apoiar a indústria do jogo. E todos os que vivem à volta dessa manjedoura, fechando os olhos ao que ia acontecendo à cidade e aos seus residentes. E até acomodando a lei "à prática" para distribuir mais uns sacos de rebuçados a quem não se qualificou para os receber.
Está na altura da indústria do jogo, salvo raras, honrosas e pontuais excepções, assumir as suas responsabilidades, perder a sobranceria, e dar a Macau o equivalente ao que tem sacado com pouco ou nenhum esforço.
Manter postos de trabalho numa altura de crise não é nenhum favor que as concessionárias estejam a fazer à RAEM ou à sua população quando o seu mercado está há décadas garantido.
E já que continua a haver quem não tenha vergonha para ver o óbvio antes de estender a mão para ir ao pote, foi bom que o Chefe do Executivo dissesse ao que vem, caso não tivessem ainda percebido.
O tempo dos corsários e do saque acabou. A responsabilidade social de quem mais beneficiou com o laxismo, a corrupção e a incapacidade para governar não pode continuar a vir de empurrão.
E quem não gostou do que ouviu, a começar pelos ganaderos locais, poderá sempre ir abrir casinos no Alasca. Ou na Líbia.
Certamente que não faltarão por lá os ursos e os camelos, nem os esquimós e os beduínos com que se habituaram a lidar para lhes encherem os elevadores, as escadas rolantes e os cofres, deixando as gorjetas para se pagarem campanhas eleitorais fora de portas.
Os primeiros cem dias do mandato do Ho Iat Seng como Chefe do Executivo (CE) da RAEM foram devidamente assinalados pela generalidade dos órgãos de comunicação social e constituíram objecto de breves comentários sobre a sua actuação.
O elogio foi consensual. Há razões para isso.
O tempo é curto para se fazerem apreciações detalhadas, em especial porque ainda nem sequer foram apresentadas as Linhas de Acção Governativa. E também porque pouco se sabe sobre as acções para concretização do seu programa eleitoral.
Não obstante, como em qualquer situação da vida, é a primeira impressão que marca e acaba por condicionar o futuro. No caso de Ho Iat Seng, o facto da RAEM ter sido apanhada no turbilhão do COVID-19 serviu para colocá-lo à prova, assim como à sua equipa.
O teste a que o Executivo foi submetido desde o final de Janeiro, e que continua e vai exigir a prestação de provas diárias, a uns mais do que a outros, não foi fácil, mas revelou capacidade de gestão, acerto no controlo da crise e rapidez na tomada de decisão. Nada mau comparado com o que se viu nos últimos dez anos.
De assinalar é a verificação de uma atitude mais aberta na relação com a comunicação social e com a população. A diferença em relação ao anterior CE, que não saía do casulo e fugia das pessoas e da decisão, é abissal.
Essas foram boas surpresas.
As críticas que neste momento poderiam ser feitas a alguns aspectos da acção governativa, como por exemplo sobre a forma como se tratou da situação dos trabalhadores não-residentes, não invalidam o que se afirmou. E certamente que numa outra ocasião poderão ser objecto de análise.
Sabemos que os tempos que correm não se afiguram fáceis, que será necessária uma dose apreciável de resiliência e indispensável uma gestão criteriosa dos recursos para se enfrentarem as vagas que se perspectivam no horizonte a nível local, regional e internacional.
Mas registo com agrado a última conferência de imprensa de Ho Iat Seng e o modo como sem rodeios se dirigiu às concessionárias e subconcessionárias. É mais fácil falar assim quando se tem uma agenda a cumprir, própria ou soprada, e daquelas não se quer depender no futuro.
Posto isto, fique-se por aqui. A procissão ainda não começou e até ao seu final haverá muito que andar. Os calos virão depois.
Aquilo que de mais negativo aconteceu, e que para já se pode apontar, não foi da responsabilidade dele.
Admitindo-se que ninguém lhes encomendou o sermão, Ho Iat Seng não pode responder pela intervenção que Davis Fong Ka Chio, Pang Chuan e Chan Wa Keong resolveram fazer no hemiciclo na passada semana.
É preciso não ter a noção da gravidade do que se disse quando se apela, sem concretizar e sem nomear, à necessidade de mais regulamentação complementar à Lei de Segurança Nacional, para prevenir "actos prejudiciais à segurança nacional", por parte de “determinadas associações políticas e civis em Macau”, apontando como caminho o recurso "a meios jurídicos, à observação perspicaz e a estudos meticulosos".
O desconchavo não poderia ser maior.
Não se disse o que devia ser dito. Que actos tão graves são esses que estão em causa e quais são as associações políticas e civis que colocam em causa a segurança nacional? Haja coragem de o esclarecer.
Desconheço que outro meio haverá para regulamentar uma lei que não seja por "meios jurídicos".
A "observação perspicaz" seria mais aconselhada para ornitólogos, além de que já aqui temos a, inominável, que é feita aos jornais, às televisões e redes sociais pelos inúmeros "espiões", candidatos a censores e bufos de ocasião das mais variadas etnias e em múltiplos idiomas.
E quanto aos "estudos meticulosos", se forem tão meticulosos como a intervenção que conduziram, o melhor seria ficarem quietos porque para desgraça já basta o que se tem visto vindo dali.
Essa intervenção teve, todavia, o mérito de ilustrar, pela boca dos próprios, a necessidade de substituição, se não de todos pelo menos de alguns dos nomeados pelo anterior Chefe do Executivo. Se antes, a avaliar pelo número e qualidade das suas intervenções, para pouco serviam, hoje, com um Chefe do Executivo activo e com uma equipa a funcionar, tornaram-se absolutamente dispensáveis se persistirem em manter o mesmo registo.
A Assembleia Legislativa precisa de gente que compreenda a acção governativa e as suas prioridades. E que, nomeada ou não, seja capaz de apresentar um trabalho de mérito à população. A começar pelas intervenções que se preste fazer.
Certo é que numa próxima oportunidade se aconselharia a dispensa dos patriotas que à força de o quererem ser só desajudem. Como também não escaparão os que se predisponham a funcionar como relógio de ponto ou câmara de ressonância do que ouvem nos fóruns radiofónicos e televisivos sem apontarem soluções adequadas e exequíveis para os problemas que nos afectam.
O JTM dá conta, em primeira página, pelo que se depreende ser uma notícia importante, que "Ho Iat Seng adia formalização por causa de obras".
Lendo a notícia fico a saber que se trata da formalização da candidatura do pré-candidato (futuro?) a Chefe do Executivo da RAEM, e que aquela está atrasada por causa das obras. Nem mais. Inicialmente prevista para 20 de Maio, a data da formalização teve de ser alterada para final de Maio ou início de Junho por atrasos das obras do escritório.
Depois de ter feito o anúncio da sua pré-candidatura em plena Assembleia Legislativa, candidadamente confessando não ter ainda qualquer programa para o cargo que pretende exercer, pode-se dizer que o candidato continua no rumo certo.
Atrasos por razão de obras é o pão nosso de cada dia na RAEM e têm custado muitos milhões ao seu erário. Das obras do Metro Ligeiro à de qualquer beco, sem esquecer o novo Hospital das Ilhas, a Cadeia ou o Terminal Marítimo da Taipa tem sido todo um rol de incumprimentos sem responsáveis conhecidos.
Não é por isso de estranhar que também as obras da sede de candidatura do pré-candidato a Chefe do Executivo estejam atrasadas. Corresponde ao padrão.
Como residente só lamento que o Dr. Ho Iat Seng comece já por não ser capaz de cumprir os calendários que ele próprio para si definiu e deixe transparecer para os cidadãos esta imagem.
E humildemente concluo que, se com o que já vem de trás da condução do processo de suspensão do deputado Sulu Sou e da não renovação dos contratos a dois assessores portugueses da AL, começa assim, com atrasos e adiamentos, numa empreitada tão básica (por ajuste directo, presumo) e com a dimensão do seu próprio escritório (sede) de candidatura; e em relação a uma decisão que deverá ser a mais importante e honrosa da sua vida, a de ser candidato a Chefe do Executivo da RAEM, temo que não fosse por esta amostra que alguém dizia há dias ser ele uma pessoa "altamente competente".
Em todo o caso, uma coisa é certa: se chegando a Chefe do Executivo a sina da RAEM continuar a ser a dos processos mal conduzidos, das desculpas esfarrapadas, das obras e dos atrasos, pelo menos não haverá ninguém a estranhar. Nem aqui nem em Pequim.
(foto do Macau Daily Times)
Os anos que tem passado na Assembleia Legislativa (AL), e o convívio com a gente que tem feito de Macau um negócio pessoal, gozando quer do distanciamento das autoridades chinesas sobre o que verdadeiramente se passa na RAEM, em matéria de promiscuidade entre negócios públicos e privados e gestão danosa do erário público, quer da necessidade que a RPC tem de ir disfarçando os desmandos da governação local para alijar as suas próprias responsabilidades no desastre e, ao mesmo tempo, polir a imagem do "segundo sistema", têm vindo a refinar a actuação do Presidente da AL.
Com um perfil cinzentão, depois de graduado pela Universidade de Zhejiang e constituindo mais um dos muitos "talentos locais" que passou pela Universidade de Jinan (o currículo reza que foi "investigador visitante" embora não se saiba de quê, durante quanto tempo, se em part-time, nem que contributos trouxe à Ciência), foi subindo na hierarquia local à custa dos negócios, ao mesmo tempo que se foi promovendo, como é timbre entre os burocratas dessa linhagem, graças à sua presença na Assembleia Popular Nacional e no seu Comité Permanente, onde permanece desde o início deste século sem que se lhe conheça feito ou obra.
Há dois anos, fazendo o balanço do ano legislativo, afirmara não ter pretensões a Chefe do Executivo, por entender não ter "postura, nem feitio" para o lugar e considerar que com a sua idade "a maioria das pessoas já se aposentou", acabando a perguntar "porque é que tenho de continuar?", havendo "tantos talentos em Macau" (Hoje Macau, 29/08/2016).
Bom, isso foi há dois anos. Entretanto, ganhou postura e feitio. Daí o refinamento.
De então para cá tivemos novas nomeações e eleições para a AL e aproximou-se o fim o mandato (desastroso em todo os seus aspectos) do actual Chefe do Executivo.
A AL, face à incapacidade do Governo e da sua Administração na gestão da coisa pública, ao acentuar dos problemas quotidianos da população, ao desperdício público e notório de recursos, e não obstante as baias que a protegem e foram impostas pelo anacrónico sistema eleitoral, foi nas últimas eleições objecto de uma pequena renovação.
Contudo, à medida que as receitas dos casinos e o PIB de Macau cresciam, pioravam as condições de vida da sua população, aumentava a especulação imobiliária, e a contestação social cresceu – em grande parte vinda de sectores chineses tradicionais, fartos de assistirem ao despautério, ao festival de incompetência e aos verdadeiros roubos dos recursos públicos, que levaram dois antigos altos responsáveis à prisão (e muitos mais levaria se não fossem tantos os "intocáveis") – a AL tornou-se numa espécie de nado-morto, que por passividade foi sendo esvaziada do exercício efectivo das suas funções, sem o menor remoque por parte do seu Presidente, que assim se predispôs, para não ter chatices, à mercê da vontade do Chefe do Executivo.
Sem uma direcção efectiva, entregue aos subservientes do poder económico e político, a AL assumiu na presente legislatura o seu papel de chancela de tudo o que vinha de cima, transformada como foi numa cada vez mais grotesca câmara corporativa.
O prestígio que a AL construiu ao longo de décadas sob a batuta de Carlos D'Assumpção, de Anabela Ritchie, de Susana Chou ou de Lau Cheok Va, e onde pontuaram nomes com o calibre e o bom senso de Ho Yin, Ma Man Kei, Chui Tak Kei, Edmund Ho, Roque Choi e Víctor Ng, para já não falar nalguns portugueses que por lá passaram, foi sendo derrubado pela falta de talento de Ho Iat Seng para o lugar.
Incapaz de compreender a sociedade de Macau, as suas instituições e o mundo que o rodeia, manteve apesar de tudo um papel sereno até ao início da sessão legislativa que agora findou. Foi então que se iniciou, com o seu alto patrocínio e de alguns indefectíveis ansiosos por mostrarem serviço (mau) a Pequim, "o ciclo do desastre", tantas e tão más foram as suas decisões e do órgão a que preside. Mal aconselhado por aqueles de quem se rodeou, foram-se multiplicando os atropelos à Lei Básica e ao Regimento na condução dos trabalhos parlamentares, a ponto de chegar a ser publicamente criticado no caso Sulu Sou até por alguém do escritório que patrocinou a AL.
Talvez por via disso, e à falta de melhor candidato que desse continuidade à actual dinastia, garantindo a acomodação no poder e aos negócios das novas gerações ligadas às famílias tradicionais, que têm concentrado riqueza de forma quase pornográfica e pouco transparente, o Presidente da AL deve ter começado a ver aí um furo e a oportunidade de adiar a sua própria reforma com a eleição do próximo Chefe do Executivo.
Daí que, quando foi a Pequim, em Março deste ano, deva ter começado a sentir-se inchado com as movimentações de quem, vendo o tapete fugir-lhe debaixo dos pés desde o tufão Hato, lhe começou a soprar aos ouvidos que ele seria o candidato ideal para a manutenção do status quo. Logo nesse momento se viu que começou a perder o habitual resguardo e se tenha lembrado de, sem contenção, criticar em directo os membros do Governo de Macau que também estavam em Pequim. O trambolhão foi imediato: os membros do Governo da RAEM não tinham lá ido por sua iniciativa pedir audiências ao Governo Popular Central; tinham ido, sim, chamados por este.
Não contente com a pública humilhação de que foi alvo, aceitou continuar a ser utilizado como peão, no que foi apenas mais um passo até se assumir, definitivamente, como proto-candidato a Chefe do Executivo. Se em Março já deixara em aberto a possibilidade de se vir a candidatar, ontem dissiparam-se as dúvidas que restavam, quando na surrealista conferência de imprensa que deu nas instalações da AL, para balanço da sessão legislativa, o seu vice-Presidente, irmão do Chefe do Executivo, afinçou reunir Ho Iat Seng todas as condições para ser Chefe do Executivo. Todas e mais algumas. Um portento.
Chegados a este ponto impõe-se sugerir ao Governo Popular Central que peça a gravação da conferência de imprensa de ontem para que possa aperceber-se em todo o seu esplendor da dimensão da tragédia grega que ali se consumou.
Num local e perante uma plateia que anualmente se repetem, desta vez, o Presidente da AL necessitou de ser acompanhado pela presença tutelar do vice-Presidente. De nada lhe valeu. O descarrilamento foi total e em directo.
Como quando ao referir-se à absurda, e maldosa, decisão de dispensa dos assessores jurídicos da AL, Paulo Cardinal e Paulo Cabral Taipa, quis fazer humor; assumindo o tom paternalista de que um "despedimento" é uma nova oportunidade para quem já passou os cinquenta anos, fez toda a sua carreira naquela casa, com apreciável sucesso e manifesta competência, e assim se vê obrigado a procurar uma nova vida noutro lado para continuar a sustentar a família. Como se fosse razoável pedir a juristas consagrados, especializados e de mérito reconhecido, dentro e fora de portas, que fossem agora iniciar uma carreira na advocacia (convém dizer ao Dr. Ho Iat Seng que os advogados não são "empresários", embora haja empresários que também "exercem" a advocacia), inscrevendo-se para fazerem exame na Associação dos Advogados de Macau e preparando-se para irem fazer defesas oficiosas, porventura como estagiários do Dr. Vong Hin Fai.
O cinismo que transparece de tais declarações é uma prova, penso eu, da desatenção de Pequim ao que se passa em Macau. Não estivesse o Governo Popular Central tão assoberbado com a guerra comercial com os EUA e com os tweets de Trump, e o Grupo de Ligação a acompanhar com pouca atenção os assuntos da RAEM, e Ho Iat Seng teria sido poupado ao seu próprio harakiri.
Tal acto foi a última evidência de que se há alguém que deva ser reformado, por manifesta desadequação ao lugar e à vida pública, é o actual presidente da AL. Ele e a clique que o protege, aproveitando-se para isso o final de mandato de Chui Sai On. O tal que um ano volvido sobre a data do tufão Hato nem uma cerimónia de homenagem às vítimas que perderam a vida pela incúria da Administração da RAEM foi capaz de promover, ausentando-se em gozo de férias (ademais imerecidas para quem pouco ou nada faz em prol da comunidade de Macau e dos interesses da RPC).
A machadada final foi dada quando Ho Iat Seng referiu que a não renovação dos contratos daqueles dois juristas não se deveu a razões políticas, nem pelo facto de serem portugueses, o que só confirmou o arbítrio e torna ainda mais incompreensível a razão para a emissão de "cartas de recomendação". Aquele ar de gozo fala por si.
Pequim devia mandar descansar o Dr. Ho Iat Seng. Por patriotismo, para protecção da sua imagem e das instituições da RAEM.
Ao contrário dos dispensados, com a obra que ele deixa ninguém dará pela sua falta. Na AL ou no Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional. A sua irrelevância política é total.
Mas antes de o dispensarem dêem-lhe um espelho para que se possa aperceber dos sulcos que em apenas um ano o cinismo gravou no seu rosto. É triste que todos os vejamos, menos ele. Tenho pena dele. E é terrível saber que não haverá cirurgia plástica que o safe. Aqui ou em Pequim.
(editado para correcção de gralhas)
Cada vez mais ciente do seu papel dentro da Assembleia Legislativa (AL), no que será também um fruto da experiência, da sua humildade e do refinamento da sua aprendizagem, o deputado José Pereira Coutinho estará, porventura, a ter a sua melhor sessão legislativa de sempre.
Com tal desempenho só têm a ganhar os seus eleitores, os cidadãos de Macau em geral e a própria AL.
A este propósito, refira-se a oportunidade e a saudável contundência da carta que enviou ao Presidente da AL, Ho Iat Seng, sobre as manifestamente despropositadas, parciais e ignorantes afirmações que este produziu no Plenário de 30 de Julho pp. a respeito da intervenção do deputado Sulu Sou.
Ao colocar a (i) tónica no facto do Presidente da AL se ter desviado das questões regimentais para fazer um ataque soez ao deputado da Associação Novo Macau, inclusivamente tocando no ponto da sua remuneração durante o período de suspensão, (ii) sublinhando, como muito bem escreveu, que a AL se limitou a cumprir um dever legal, e não a fazer um favor pessoal a Sulu Sou, Pereira Coutinho deu (iii) uma verdadeira lição sobre o Regimento, o qual devia ser do conhecimento do Presidente da AL e dos seus pares, aproveitando para (iv) lhe recordar as posições que essa mesma AL tomou em ocasiões anteriores, aliás vertidas em pareceres das comissões, sobre a forma como deviam, e devem, ser tratadas as propostas dos deputados para alterações a textos legislativos aprovados na especialidade em comissão até ao período que antecede a votação final global, o deputado esteve em muito bom nível, revelando coragem, conhecimento e generosidade, atributos que têm estado mais ausentes do Plenário do que seria desejável.
Quanto a Ho Iat Seng mostrou, uma vez mais, a sua falta de preparação para o lugar que desempenha de Presidente da AL. A forma como deixou que o verniz estalasse em relação a uma matéria para qual devia de ter um mínimo de conhecimento, sensibilidade e distanciamento deixa qualquer observador estarrecido.
Incapaz de se assumir ao longo de anos como um verdadeiro líder do contrapoder fiscalizador da acção do Chefe do Executivo e do Governo, que a AL devia ser e deixou de ser sob a sua batuta, e depois de ter estado tão mal no processo de suspensão de Sulu Sou, uma coisa ficou clara: se ao fim de tantos anos na AL, numa questão tão básica para quem exerce as suas funções, como é o conhecimento do Regimento, agiu de modo tão desastrado, mostrando-se sem grandeza para o lugar e capaz de perder as estribeiras com tanta facilidade – ademais com uma contundência de sinal contrário à do deputado Pereira Coutinho – para dirigir um ataque pessoal a um deputado, apenas por este ter exercido os poderes regimentais que lhe são conferidos, por aqui se pode ter uma pequena amostra do que seria a sua actuação como Chefe do Executivo da RAEM. Nem é bom pensar nisso.
Está, pois, na hora de Ho Iat Seng se preparar para se reformar no final da presente Legislatura e de lhe agradecermos os serviços, ainda assim, prestados à RAEM.
Ao Presidente da AL faltam-lhe destreza, estatura e nervo para outros voos. Seria bom que todos, incluindo os mais altos dirigentes da RPC, meditássemos nisso antes que um desastre maior aconteça. Mesmo que por aqui tudo seja possível nada o recomenda para futuro Chefe do Executivo. Há limites.