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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
(créditos: Motociclismo)
"No fue solo una victoria merecida, fue más que eso. Fue el triunfo de la humildad, del trabajo, de la dedicación de un tipo que procede de un país sin tradición en las dos ruedas, que carga sobre sí mismo el peso de una bandera y que ha pasado por momentos realmente duros en su trayectoria." (Nacho González - SWINXY, in Miguel Oliveira y la justicia poética)
(Foto Gazzetta Motori)
A consagração de António Félix da Costa como campeão mundial de Fórmula-E, brilhantemente alcançada na pista do antigo Aeroporto de Tempelhof, em Berlim, é o culminar de uma carreira construída a pulso, feita de muito esforço, muito trabalho e muita resiliência.
Sem nunca ter tido os apoios milionários que a maioria dos seus adversários usufruiu, com a instabilidade na carreira associada à falta de músculo financeiro que lhe permitiria ter outro impulso e aspirar chegar um dia à Fórmula 1, o jovem piloto de Cascais é hoje notícia nas televisões e jornais por esse mundo fora (Eurosport, BBC Sport, L’Équipe, AutoSprint, Mundo Deportivo, La Tercera, Redgol, The Sun, The Independent).
Depois de um início de carreira no karting e de ter vencido por duas vezes, em 2012 e 2016, o Grande Prémio de Macau, corrida onde só os melhores entre os melhores conseguem impôr-se, conquistando a Taça do Mundo FIA de F3, e mostrando a quem tivesse dúvidas todo o seu talento e classe, aos 28 anos conquistou, finalmente, um título mundial de pista entrando para uma restrita galeria de pilotos.
E isso é tanto mais brilhante quanto foi conseguido de forma imperial e com uma condução irrepreensível a duas provas do final do campeonato. Apesar da paragem devido à Covid-19, tendo vencido no início do ano na prova de Marraquexe, Félix da Costa repetiu a vitória por mais duas vezes em Berlim, a que juntou um quarto lugar e, ontem, uma subida ao segundo lugar do pódio, colocando um ponto final na discussão do título deste ano.
Num país que vive de e para o futebol, e para as suas miseráveis discussões e negociatas de milhões, como se tudo o mais em matéria de desporto não existisse, em especial em modalidades onde temos conquistado o reconhecimento internacional e títulos olímpicos, europeus e mundiais (atletismo, judo e remo, por exemplo), sem que esses resultados obtenham a projecção merecida nos jornais, rádios e televisões, é reconfortante ver, e também sinal de esperança, António Félix da Costa cumprir o que prometeu e trazer para Portugal um título máximo da sua modalidade.
O que, aliás, acontece, convém referi-lo, no mesmo fim-de-semana em que Miguel Oliveira obteve a sua melhor classificação de sempre numa prova da categoria rainha do Mundial de Motociclismo, alcançado o sexto lugar no Grande Prémio da República Checa, e um outro piloto português, Filipe Albuquerque, tendo conquistado a pole position para a corrida, venceu de forma categórica as 4 horas de SPA-Francorchamps, segunda vitória consecutiva este ano numa prova a contar para o campeonato European Le Mans Series.
Não será por falta de bons resultados e de exemplos vindos dos mais jovens, em modalidades tão competitivas a nível internacional, que os portugueses deixarão de ter o estímulo necessário para serem cada vez melhores e procurarem obter iguais resultados noutros planos da sua vida colectiva. Da política à economia, da educação à produtividade no trabalho. Basta serem capazes de a si próprios imporem alguma ética, disciplina, rigor e seriedade no que fazem. A superação e o reconhecimento virão por acréscimo.
Um homem com a história de vida de Jorge Fonseca merece todo o respeito do mundo. Um homem com a coragem, a perseverança e o talento de Jorge Fonseca é um campeão. Um campeão para o ser não precisa de medalhas. Jorge Fonseca não precisava de nenhuma medalha para ser um campeão. Mas depois de tudo por que passou, e de tudo o que fez, se ainda consegue ser campeão do mundo de judo no Japão, batendo um outro campeão na final, e arrecadando uma medalha de ouro, isso é a conquista do universo. E um homem que consegue conquistar o universo de uma forma tão simples e humilde como ele o fez, que é como quem diz, conquistar a admiração de todos nós, dentro e fora de portas, é um homem que nos emociona, e que tornando-nos ainda mais pequeninos do que já somos nos faz sentir enormes. Quem tem este condão pode ser tu-cá-tu-lá com todos nós. E como isto não se explica, o Jorge Fonseca tem todo o direito de ser recebido como quer, com toda a gente a dançar, até mesmo pelos pés-de-chumbo. E qualquer que seja o resultado que venha a obter nos Jogos Olímpicos de Tóquio, ele entrou para a galeria exclusiva dos meus heróis. Porque os meus heróis têm nome. Este chama-se Jorge Fonseca e a única coisa que posso dizer-lhe é, na minha língua, que é também a dele, obrigado. Ficar-lhe-ei a dever a vida toda, tal como a muitos outros, mas não me importo, e peço-lhe desculpa pela franqueza. Tão simples quanto isto.