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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Primeiro o aquecimento, por onde desfilaram Arvo Pärt (Frades para Violino, Cordas e Percussão), Weinberg (Concertino op. 42 para Violino e Cordas), excertos de A Arte da Instrumentação: Homenagem a Glenn Gould, com dedicatória a J.S. Bach, com peças de Silvestrov, Zlabys, Tickmayer e Kissine. A última peça já deixava antever o que aí viria. Terminado o intervalo, Kremer reduziu-nos à nossa condição, trazendo Igor Loboda, no seu Requiem para a Ucrânia, dedicado aos refugiados ucranianos, a abrir o seu projecto Rússia: Máscaras e Rostos, antes de estrategicamente se resguardar e deixar a Kremerata Baltica entregue a Mussorgsky, a si própria e ao talento dos seus geniais intérpretes. A anteceder as despedidas uma soberba execução da Serenata para Violino de Silvestrov, onde a estrela de novo brilhou muito alto. Toda a segunda parte foi um profundo exercício introspectivo, sublinhando a miséria moral do maniqueísmo e a necessidade de olharmos com olhos de ver para o sofrimento alheio, de nos revermos nas nossas contradições perante a dureza das nossas acções ante a fragilidade e efemeridade da vida. Quando de repente se deixou de ouvir falar dos refugiados, dos milhares que demandaram a Europa Central nos últimos meses e dos muitos que pararam junto às vedações de arame farpado ou dos canhões de água, eis que Kremer veio recordá-lo, trazendo consigo para encher o fundo e nos deixar ainda mais incomodados as fantásticas imagens de Maxim Kantor.
Naquele que foi e será, posso afiançá-lo, um dos momentos mais sublimes desta edição do XXIX Festival Internacional de Música de Macau, a nota negativa vai para a organização. Nem que fosse necessário oferecer bilhetes à porta a quem fosse a passar ou distribuí-los gratuitamente pelas escolas, é lamentável que um violinista da craveira de Kremer e um naipe de músicos de outra galáxia se apresente em Macau com uma sala meio-vazia.
Sabendo-se das queixas que têm sido feitas a muitos espectáculos em que são anunciadas lotações esgotadas e depois se verifica haver muitos lugares vagos, não posso deixar de apontar o dedo à organização. Alguém devia ser responsabilizado pelo que aconteceu. Receber Gidon Kremer e a Kremerata Baltica com pouco mais de meia-casa pode não ser um crime, mas uma indignidade para Macau e para o FIMM sê-lo-á, e foi, com toda a certeza. Valeu a satisfação e a emoção de quem os ouviu.