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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Os anos passam e o Festival Internacional de Música de Macau regressa sempre na mesma altura. E isto é bom.
Na sala ouve-se a voz de alguém que convida em português a responder aos inquéritos que são distribuídos pelas assistentes. Para as pessoas se habilitarem a “valiosos prémios”.
Porém, suspeito que os subalternos só queiram falantes de língua chinesa a habilitarem-se aos prémios. Porque os inquéritos são distribuídos exclusivamente nessa língua. E só a opinião de quem responde aos inquéritos em chinês deve ser importante.
Em Jixi ou Xining também só distribuem à população inquéritos em chinês. Compreende-se. Um país é mais importante do que dois sistemas, como já nos ensinaram.
Fico é na dúvida se o FIMM será um evento internacional. Pergunto para mim se é verdade que existem duas línguas oficiais na RAEM. E, também, se num evento internacional com algum público que só fala inglês não seria conveniente que os inquéritos, além de incluírem as duas línguas oficiais, não deviam ser também em inglês? Tal como os programas dos espectáculos são trilingues.
As pessoas erram muitas vezes sem terem consciência de que erraram, só se apercebendo disso mais tarde. Os que têm a graça de um dia descortinar o erro. De o admitir e de o corrigir. Normalmente quando o mal está feito.
Deve ser esse o caso. Mas repetindo-se a asneira com uma impressionante regularidade não creio que seja incompetência.
Há quem me diga ser essa mais uma manifestação de patriotismo iluminado. Fará parte de uma estratégia.
Eu penso que é apenas, mais uma vez, um problema agrícola. Isto é, de cultura. De cultura intensiva da estupidez. Por isso se semeia e reproduz anualmente com tanta facilidade nos eventos musicais com a chancela do ICM. A terra é fértil.
No final lá virá o louvor. Toca a todos.
Muito mal andam as coisas quando o mais Alto Tribunal de Macau tem necessidade de escrever que: "a Administração está vinculada a praticar os actos determinados pelo acórdão recorrido, isto é, de proceder a novo cálculo da pontuação final, apurar qual a proposta que obtém pontuação mais elevada, que se faz com meras operações aritméticas, e, em consequência, adjudicar a empreitada em causa a concorrente que apresentou a proposta que seja classificada em primeiro lugar, tudo em conformidade com as regras e critérios de avaliação previamente definidos no Programa de Consulta, que devem ser rigorosamente seguidos. Não tem a Administração nenhuma margem de livre decisão nem espaço de discricionariedade."
O Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no Processo n.º 26/2018 (Recorrente: Chefe do Executivo; Recorrida:China Road and Bridge Construction) ao confirmar a decisão anteriormente proferida pelo Tribunal de Segunda Instância, quanto à Empreitada de Construção da Super-estrutura do Parque de Materiais e Oficina do Sistema de Metro Ligeiro – C385R”, de anular o Despacho do Chefe do Executivo da RAEM de 25 de Julho de 2016, é a todos os títulos lapidar, apesar das pressões que hopje em dia se exercem, ainda que de forma velada, sobre a Justiça.
Não porque esteja em causa o acatamento de decisões judiciais por parte do mais alto responsável da RAEM, visto que o direito ao recurso é um direito que a todos assiste, ou por ter sido colocada em risco a actividade da Administração e do Governo de realizarem as obras que devem ser concretizadas para o bem de todos.
O que torna tal decisão lapidar é, por um lado, a forma como coloca a nu a incapacidade de quem manda para perceber de que lado está a razão e o interesso público em matérias sensíveis e prementes, tão fácil seria de ajuizar o disparate que se levou a cabo com a adjudicação que se fez. Em causa estavam, como escreve o TUI, "meras operações aritméticas"! Ou seja, fazer contas de somar, subtrair, dividir e multiplicar. O básico.
E de nada serviu que o Tribunal de Segunda Instância já tivesse dito o que necessitaria de ser feito para que a adjudicação da empreitada voltasse a entrar nos carris.
Numa outra perspectiva destaca-se a falta de senso de quem decide atropelando regras elementares dos concursos públicos, ao jeito almeidista ou vieirista do "quero, posso e mando", e ainda insiste e se permite ir a juízo defender a arbitrariedade e a estupidez da decisão, que além de ilegal vai custar ao erário da RAEM.
E tudo para quê? Para não "perderem face"? Para não prejudicarem os amigos? O Acórdão do TUI não o esclareceu, mas cada um que ajuíze.
Que pensarão disto o Governo Central e o Grupo de Ligação?
Entretanto, passaram dois anos, durante os quais fomos ouvindo os mesmos de sempre, por vezes com alguma sobranceria e fastio de cada vez que vão à Assembleia Legislativa, a dizerem que fizeram tudo de acordo com os cânones legais.
Como se as pessoas não percebessem o que está em causa em todas estas decisões que têm vindo a ser tomadas de há uns anos a esta parte. É tudo e mais um par de botas. Tudo menos o amor à Pátria e a Macau. Quer dizer, o básico.
O tema, à partida, afigurava-se interessante. O orador é um reconhecido intelectual de direita, homem culto que sempre assumiu com coragem as suas convicções. Discutir o populismo e a democracia, compreender fenómenos como o Brexit, Le Pen e Trump não poderia ter mais actualidade. Sobre estes temas e outros idênticos já eu próprio participei num debate público e tive intervenções versando esses temas num programa de rádio onde regularmente intervenho. E, pergunto eu, que poderá haver de mais estimulante, mesmo para quem professe ideias contrárias, do que debater com um intelectual da craveira de Jaime Nogueira Pinto essas questões da actualidade política, questões que por esse mundo dividem a direita da esquerda, o pensamento neo-liberal e conservador do socialismo democrático, os radicalismos extremistas dos diversos modelos de democracia?
Confesso que tanto me faz que a intolerância venha da direita xenófoba e racista, de uma "associação de estudantes" de "orientação maoista" (ainda há maoistas?; eles sabem o que é o maoísmo?) ou de um triste Sousa Lara.
Como uma vez mais se prova, a estupidez não tem cor política. Aquilo que aconteceu na Universidade Nova de Lisboa, uma respeitável instituição de ensino, com excelentes professores e pensamento crítico, é mais uma evidência de que muitas vezes os piores sinais vêm de onde menos se espera. De onde não podem vir. Uma academia, uma universidade, é um espaço de excelência para a troca de ideias, para a discussão e o debate, para a divulgação de experiências e conhecimentos. Sem debate e discussão não há pensamento crítico, não há inteligência, não há luz.
Como qualquer homem livre, avesso à intolerância, às trevas e à estupidez – esta passagem dá para perceber o nível dos censores: "[n]ão compactuamos com eventos apresentados como debates sob a égide de propaganda ideológica dissimulada de cariz inconstitucional" (sic) –, adepto de um bom debate, de uma discussão acalorada em torno de um punhado de ideias, quero aqui deixar registada a minha indignação e tristeza pelo que aconteceu na Universidade Nova de Lisboa.
Jaime Nogueira Pinto não será um novo Savonarola ou um Giordano Bruno. Ele merece a nossa solidariedade e eu espero que possa apresentar as suas ideias, para que possam ser discutidas, criticadas e apoiadas por quem quiser, tão breve quanto possível numa qualquer outra instituição universitária onde os estudantes se comportem como tal.
Porque só isso poderá ser salutar para a universidade, para a democracia e para a liberdade. Porque as ideias combatem-se com ideias, e não com a estupidez ignorante. Porque a intolerância não é esquerdista. A intolerância é pura e simples estupidez. E só no reino da estupidez é que a manifestação de uma opinião, seja de direita ou de esquerda, é um crime ou um delito. Portugal já tem estupidez que chegue.
Ainda um luto não acabou e de novo o pranto recomeça. E quando as lágrimas ainda frescas se preparam para ir secando na face, logo os olhos se humedecem de novo. Ultimamente, há sempre qualquer coisa nos céus que se abate sobre a Terra. Seja por causa do combustível, da cegueira ou de um tufão. Deus é grande, a gravidade incontornável e a estupidez humana incomensurável. Alguém que lhes diga que a segurança tem um preço.
Em Portugal é "dia de reflexão". Em Macau vota-se desde as 8h da manhã. E amanhã, salvo algum cataclismo, continuar-se-á a votar. Isto quer dizer que fora de Portugal os eleitores não precisam de reflectir. Ao fim destes anos todos, os partidos continuam a tratar os cidadãos-eleitores como menores sujeitos a tutela ou mentecaptos. Em qualquer caso, como uns desgraçados que necessitam da protecção do Estado no dia que antecede os actos eleitorais para poderem votar em consciência. Os partidos prestariam um serviço a todos se acabassem com ele. Se há coisa mais anacrónica, sinal maior de um perene e intransponível atavismo, é esta coisa do dia de reflexão. Melhor seria chamá-lo dia da estupidez.