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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Numa interessante entrevista à TDM, o presidente da Federação de Indústria e Comércio, Lei Chok Kuan, veio dizer-nos que "há cada vez mais pessoas a consumir do lado Norte da fronteira e que isso é um problema para Macau", referindo que "a disparidade de preços é enorme" e que o Governo devia investigar quais as causas que levam a tão grandes diferenças.
O entrevistado não se ficou por ali; e na extensa e detalhada entrevista que concedeu enfatizou que "o consumo total foi de 75,6 mil de milhões de patacas, o que representa uma diminuição de 15 % em relação a 2023", no que constitui, apesar do considerável aumento do número de pseudo-turistas, uma quebra de receita de "mais de 10 mil milhões de patacas".
O Sr. Lei, do alto dos seus 70 anos, com a sua experiência de vida, um mestrado em Economia e empresas nas áreas da restauração e joalharia, sabe do que fala. Não é por se baterem recordes na entrada de "visitantes" e se esgotarem as tripas nalgumas tabancas que alguma coisa vai melhorar. A estatística só por si não traz qualquer benefício à cidade, nem tem algum interesse para a maioria dos residentes, chegando a ser ridículas e deprimentes as aberturas de noticiários radiofónicos e de telejornais consecutivos com referências aos números de entradas e saídas pelos postos fronteiriços.
A entrevista tem pano para mangas e contém menção a todo um conjunto de problemas que há mais de uma década exigem resposta, sem que os crânios que estiveram em funções até há bem pouco tempo se tivessem apercebido do mal que estavam a fazer à RAEM.
A "batata quente" ficou para Sam Hou Fai que está confrontado com uma série de situações acumuladas, que causaram um sério agravamento das condições económica e sociais, devido à profunda incompetência, nalguns casos, noutros à simples ignorância e má vontade, de quem exercia o poder e controlava as decisões, sempre com continuidade mimética nos subalternos.
Alguns, inexplicavelmente, ou talvez não, por castigo ou vontade de lhes ser dada uma segunda oportunidade, ainda continuam a fazer o que sempre fizeram, criando entraves e problemas sem justificação – verifique-se o que se passa com a acção de alguns senhores nas conservatórias – pelo que nem o Sr. Lei, nem ninguém, irão ver quaisquer melhorias. As perguntas continuarão.
O único que parece ter capacidade e vontade de lhes dar resposta é o Chefe do Executivo, cuja herança não lhe invejo, mas que deverá estar sempre atento e vigilante aos escolhos que se lhe irão erguer pelo caminho.
A resistência à mudança, o medo da inovação, ou o receio de nadar fora de pé são comportamentos recorrentes, enraizados e de difícil afastamento, em especial em contextos cacicais, de ignorância paroquial e vontade de não destoar da carneirada.
Acho muito bem que se questione a razão para as diferenças de preços entre Macau e Zhuhai, embora haja uma que me pareça óbvia e que resulta da falta de intervenção do Governo no mercado da especulação imobiliária, para além da absurda inoperância nos últimos anos do Conselho de Consumidores.
As disparidades de preços são notórias e nalguns materiais, produtos e equipamentos inexplicáveis, sabendo-se que muitos dos aqui se adquirem e são imprescindíveis à RAEM vêm exactamente do Interior do país. O custo da produção e do frete não pode ser superior ao que resulta da importação de produtos que vêm da Europa, de outros países da região Ásia-Pacífico ou até mesmo de Taiwan.
É preciso acabar com a protecção rentista de algumas famílias e dos senhorios sentados na Assembleia Legislativa, pois que sem isso não haverá verdadeiro mercado habitacional ou comercial que permita a introdução de um clima de estabilidade às famílias e/ou às pequenas e médias empresas que assegurem condições para o seu desenvolvimento equilibrado num ambiente de justiça e de onde resultem benefícios sociais para todos.
A preocupação do Sr. Lei com o destino do pessoal dos casinos-satélites é compreensível. Os das associações do sector e de alguns deputados próximos dos sectores tradicionais igualmente. A decisão do seu fim é uma opção política inquestionável e que não poderá ter continuidade sob pena de se voltar a "empurrar o problema com a barriga", tal como antes aconteceu com o Macau Jockey Club, cujo penoso fim só deixou ficar mal o Governo da RAEM, único que tinha uma imagem a proteger.
Macau tem de voltar a ser uma região onde se possa investir com segurança e estabilidade, com qualidade de vida e preços acessíveis à generalidade da sua população, dispondo de uma oferta habitacional, cultural, de entretenimento e educativa de nível internacional, com serviços de saúde, de transporte – não se vêem melhorias no serviço de táxis – e de justiça decentes para todos, cobrindo residentes, não-residentes e simples "blue cards", com produtos e serviços que sirvam os seus moradores, recebendo um turismo civilizado e qualificado, oferecendo incentivos a empresários sérios, com visão de médio e longo prazo, que criem emprego, riqueza, tragam inovação e não andem sempre a pedinchar subsídios e apoios enquanto enriquecem rápida e desmesuradamente ao mesmo tempo que enganam os consumidores.
Alguma coisa, entretanto, começou a mudar. As preocupações manifestadas por quem manda e as recentes iniciativas do IAM, cuja actividade é de novo visível no cuidado com os espaços verdes, e reconhecendo publicamente a necessidade de se melhorar o controlo de pragas, eliminar ratos, baratas e mosquitos, e elevar o nível da higiene urbana, são bons sinais. Mas muito mais será preciso fazer em diversas áreas da actividade governativa.
Os dados recentemente revelados sobre o aumento, em vez da diminuição, do grau de dependência do jogo, mostrando que este atingiu um valor superior a 86%, quando em Janeiro de 2024 o peso dos casinos nas receitas da RAEM era de 70% (vd. Ponto Final, 12/03/2025, pág.ª 7), revela bem o rotundo fracasso das políticas seguidas, que têm de ser questionadas e de ter responsáveis.
Enquanto isto não acontecer será imprescindível que muitos Sr. Lei façam perguntas, em chinês, para que chegue aos ouvidos de quem manda sem necessidade de tradução. E que jamais tenham medo de perguntar e apontar caminhos.
De outro modo continuarão a medrar a inoperância, o conformismo, as más práticas, o desprezo pela comunidade, o ar insalubre e o nevoeiro. Ninguém quer isso.
(foto obtida no sábado, 24/06/2023, pelas 16:18, num supermercado da Taipa)
Desconheço se será pelo facto de alguns produtos populares e de consumo corrente não estarem incluídos no chamado "cabaz básico" que os valores da inflação em Macau continuam tão distantes da realidade de quem frequenta supermercados, mercados, cafés e restaurantes.
Já anteriormente chamei a atenção para essa situação que distorce os números reais, mas que, continuando a passar ao lado das autoridades da RAEM, se agravou bastante durante a pandemia.
A pandemia, entretanto, por artes mágicas, passou a integrar o passado. O mesmo não se diga da realidade inflacionista – sejamos moderados – que continua a florescer sem qualquer controlo depois de abertas as fronteiras e restabelecida a normalidade.
As duas fotos que aqui deixo foram obtidas com um intervalo de menos de 24 horas, em dois estabelecimentos da Taipa que distam cerca de 100 metros um do outro, sendo facilmente identificáveis.
Se há três semanas já existia uma diferença média de MOP$ 10,00 em relação a produtos iguais, sempre com vantagem para a grande superfície, como explicar que de um momento para outro o preço tenha voltado a aumentar no supermercado e a diferença de preços entre os dois estabelecimentos seja neste momento de MOP$ 23,80 e de MOP$ 16.90? No supermercado, que por natureza deveria vender mais barato, as embalagens de salmão fumado custam, respectivamente, MOP$ 101,80 e MOP$ 104,90. Na pequena loja "gourmet" de bairro custam MOP$ 78,00 e MOP$ 88,00.
Não sei se alguém quererá qualificar esta situação que está muito para além da simples especulação. Eu irei abster-me de fazê-lo, deixando aqui apenas os exemplos devidamente ilustrados à vossa consideração.
Recordando um velho exemplo, ocorre-me dizer que se não der para o salmão, então que comprem caviar.
Mas sabendo-se como começam as revoluções, e atendendo à dimensão que a especulação atinge entre nós, que vai dos iogurtes e do leite aos sumos, à carne de porco ou ao salmão, e que até se verifica com produtos agrícolas que vêm do interior da China, espanta-me que os nossos legisladores se tenham esquecido de incluir o crime de especulação alimentar nas últimas alterações legislativas à lei relativa à defesa de segurança do Estado. Imperdoável falta de visão.
(foto obtida no domingo, 25/06/2023, pelas 15:07, numa loja de bairro da Taipa)