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recomendações

por Sérgio de Almeida Correia, em 15.12.16

palacio-governo.jpgNo próximo dia 20 de Dezembro cumprir-se-á mais um ano sobre a transferência de Macau para a R. P. da China. O 17.º aniversário está já marcado pelo julgamento do antigo chefe máximo do Ministério Público, o ex-Procurador Ho Chio Meng.

O julgamento ainda agora começou, mas tudo que aquilo que já aconteceu nesse processo e o que se está a passar recomendam que neste final de 2016 se olhe com alguma atenção para o caso e para o que este revela sobre o estado de putrefacção da governança da RAEM.

Se no chamado “caso Ao Man Long” o principal protagonista, com a família em paradeiro desconhecido, longe da R.P.C., assumiu uma posição de arguido silencioso e servil, predispondo-se a arcar sozinho com os mandos e desmandos do seu exercício do poder, o mesmo não sucede com o ex-Procurador.

Ciente de que aquilo que aconteceu o compromete irremediavelmente, bem como aos familiares e amigos, e colocará a nu as fragilidades do sistema político e judicial da RAEM, Ho Chio Meng mostrou desde o início não estar disposto a ser imolado na praça pública, assumindo o papel de mais um bode expiatório da forma censurável, ética e moral, por vezes também com contornos criminais, como têm sido conduzidos os destinos de Macau pelos titulares de alguns altos cargos.

Os mais velhos ainda se recordam daquilo que aconteceu em Macau durante décadas, dos abusos a que a sua governação se prestou por parte de alguns dirigentes de má memória e da forma miserável como se portou aos olhos dos cidadãos desta terra e dos seus interesses, em especial no cunhado “último terço” do período de transição.

Esperava-se, por isso mesmo, pese embora o modo como foi criada e se consolidou a elite política local, assente numa teia de relações familiares e empresariais que sempre contou com o poder político português e chinês para se fortalecer e ilegitimamente enriquecer, que a transferência de responsabilidades para a R.P.C. pudesse alterar o figurino habitual do uso e abuso dos poderes públicos e da proeminência dos cargos para moderar a gula devoradora de meia dúzia de titulares de cargos políticos, de altos funcionários, de uma imensidão de arrivistas, sofrendo da síndrome do carro com motorista e sopa de fitas, e de empresários, normalmente sempre os mesmos e com assento em tudo que é conselho consultivo, de administração ou de gaiteiros.

A China vai cumprindo a sua parte dentro daquilo que já era esperado, com as evasivas habituais, mas genericamente em respeito pela população de Macau e pelos compromissos assumidos. Os seus desejos foram prosseguidos, coisa que não se pode dizer dos seus interesses e dos da população de Macau. Nem uns nem outros não foram devidamente defendidos com a autonomia e o auto-governo da RAEM. As sementes era más e sem sol os frutos amadureceram ruins e amargos. Hoje caem de podres.

Quem não cumpriu a sua parte foi a elite política, económica, financeira e empresarial de Macau que aproveitou a dádiva autonómica para alargar a sua rede clientelar, fazendo do abuso um direito e do dever uma circunstância de facto manipulável de acordo com as conveniências do momento.

Os resultados deste modo de estar na vida e desta forma de governar governando-se, estiveram escondidos e foram disfarçados ao longo de anos, começando aos poucos a emergir. O lixo vem sempre à superfície. O caso Ao Man Long foi só o primeiro.

Podia ter servido para alguma coisa. Uma alteração de procedimentos, uma maior consciencialização dos problemas, uma mudança de rumo que dignificasse o exercício do poder e desse razões a Pequim para não se preocupar com o que aqui se passava. Infelizmente, di-lo a História, de elites corruptas pouco se pode esperar a não ser mais corrupção e uma dose acrescida de desvario.

Quando se vê o estado de degradação a que chegaram as instituições que formalmente garantem a autonomia da RAEM, a podridão que atingiu os mais diversos sectores, em que do concubinato ostensivo entre os titulares dos poderes públicos e privados e a promiscuidade entre o poder político e os seus companheiros de viagem é de tal forma incontornável e descarada, temos o processo de Ho Chio Meng para mostrar à população quão indigno é o sentido do exercício do poder por parte de alguns.

Sobre os aspectos estritamente jurídicos do processo há aí quem tenha a obrigação legal de se pronunciar. E outros há mais habilitados que já o fizeram com oportunidade e perspicácia sem com isso comoverem um poder judicial que segue impante nas suas práticas.

A mim preocupam-me os aspectos éticos e morais da forma como a autonomia tem sido exercida, o que me leva de jacto às bizarras justificações apresentadas pela Secretária para a Administração e Justiça sobre um telefonema que fez em tempos ao ex-Procurador a propósito da candidatura de um familiar a um emprego no Ministério Público.

O esclarecimento prestado à imprensa pelo gabinete da antiga responsável pela protecção dos dados pessoais é de molde a colocar em causa toda a confiança no sistema e no seu desempenho anterior. Dizer que em 2008 a Dra. Sónia Chan recomendou um familiar ao ex-Procurador para trabalhar no M.P., mas ao mesmo tempo negando qualquer pressão sobre o destinatário do telefonema, esclarecendo que nem sequer tinha possibilidade de exercer pressão sobre ele e, "muito menos" pretender qualquer "troca de interesses”, acrescentando que acreditava que no processo de recrutamento seriam mais consideradas as necessidades reais do serviço, as habilitações, académicas e a experiência, "entre outros requisitos”, servia então para quê? Combinar uma noitada de karaoke?

Não sabemos quais fossem esses "outros requisitos". Nem se entre estes se inclui o ser familiar ou amigo de membro do Governo ou da elite política, mas a verdade é que a Dra. Sónia Chan só pela explicação que deu já devia ter sido recompensada com umas férias em Moruroa. Ela, a porta-voz do gabinete e toda a família.

As explicações da Secretária deixam sem perceber para que foi então o telefonema. Se não visava constituir uma forma de pressão sobre o ex-Procurador para dar emprego ao familiar, se havia outros requisitos mais importantes para a contratação, para que serviria o telefonema? Para dizer que estava ali? Isso o ex-Procurador também sabia.. Qualquer pessoa normal que quisesse concorrer apresentava-se a concurso, prestava provas e depois aguardaria a decisão. Se tivessem sido cometidos atropelos ou se se sentisse injustiçada poderia reclamar ou recorrer. Confesso que não percebo a quem é que a Dra. Sónia Chan pretendia dirigir-se com o seu comunicado. A mim não era. Mas parece-me óbvio que quem assim actua no exercício de cargos de tão grande responsabilidade, pensando que os outros só cá estão para lerem as suas propostas, verem-na defender a ferro e fogo o cerceamento de liberdade públicas e ouvirem-na (e ao Dr. Alexis dizer aquelas coisas notáveis sobre a Saúde que não temos e devíamos ter), não possui "talento" nem perfil para os exercer. Pela prática de factos destes, e de outros semelhantes, rolam cabeças do outro lado da fronteira. E de gente muito mais “talentosa”.

Este é o grande drama de Macau. Na gestão da coisa pública não se revelam quaisquer talentos que beneficiem a comunidade e os únicos que nos são dados a conhecer são desvendados em auditorias, investigações policiais e processo judiciais, vindo invariavelmente acompanhados de esclarecimentos delirantes. Os dirigentes “desconhecem” o que se passa sob a sua alçada e organizam excursões familiares à Suíça a expensas do erário público. Acham isso perfeitamente normal porque o superior teve conhecimento e até terá incentivado a passeata. Arrendam imóveis, mas ao contrário de qualquer cidadão normal ou dos inquilinos de alguns poderosos que quando não pagam vão para a rua, eles não pagam nada durante meses a fio, fazendo obras para seu conforto e descanso que duram a vida toda sem que ninguém lhes diga nada, os confronte com os abusos ou considere estranho o que se passa. De caminho dão trabalho a familiares e amigos pelas vias menos ortodoxas, constituem empresas e associações, por vezes depois de deixarem apressadamente cargos dirigentes na função pública, para sorrateiramente beneficiarem da incompetência dos outros "talentos" que lhes distribuem as verbas que o jogo canaliza para os nossos cofres. No fim ainda apresentam justificações que em países sem “talentos”, e onde se come muito mais queijo, quando não desse prisão valer-lhes-ia um merecido prémio num festival humorístico (estranho que com tantos talentos nesta área ainda não haja um festival de dimensão internacional).

Acredito que tudo isto seja compatível com a síndrome do carro com motorista (adoro ver aquelas pilecas verdes do IACM com um tipo sentado lá atrás), mas lamento que a R.P.C. não tenha poupado a população de Macau a este deprimente espectáculo que se prepara para continuar em cena durante largos anos se não forem tomadas medidas rápidas e em força.

As perspectivas abertas pelo comunicado do Gabinete da Secretária para a Administração e Justiça, a senhora que germanicamente guardava os nossos dados pessoais e está pronta para zelar pela igualdade das candidaturas nos processos eleitorais, são tantas em matéria de investigações (concessões, hospitais, obras estradais, polícias, alfândegas, atribuição de subsídios, festivais, etc.) que, penso eu, a TDM devia criar um gabinete para acompanhar o que aí vem em matéria de julgamentos. Depois, com os tribunais a funcionarem ao ritmo dos casinos estou certo de que a estatística poderia continuar a ser anualmente divulgada sem haver o perigo de se envergonharem os guarda-livros ou ser desencadeada a ira do presidente dos advogados.

O que há de salutar em tudo isto é que quando a Longa Marcha do Presidente Xi Jinping finalmente chegar à RAEM já não será preciso desratizar o NAPE, a Praia Grande ou os Lagos Nam Van. Com os ratos todos alinhados diante dos novos altares à espera do espeto, com as ratas exangues e sem parceiros para continuarem a parir ratinhos talentosos, só sobrarão as baratas das saunas. As gordas. As comilonas. As de utilidade turística. Mas com estas não valerá a pena perder tempo nos tribunais.

Não, não defendo uma solução do tipo Duterte, sem uma instância de recurso, suspeições de toda a ordem e uma justiça, quando convém, a todo o gás. Não sou desses. E Macau não funciona assim. Aqui é tudo mais calmo, nada de alarido. Bastaria uma boa traulitada dada por um jornal decente, no sítio certo, no exacto momento em que acabassem a massagem e se passeassem pelas lojas do Cotai. Deixava-as logo espalmadas no mármore, reluzindo as suas curvas, brilhando com os reflexos dos garridos fatos de treino de seda dos estilistas italianos ostentados pelos “nossos” turistas. E ficavam prontas para um dia, quem saberá quando, serem recolhidas pelos porcalhões do lixo.

Desejo-vos um Bom Natal. E não poupem nos presentes. Com esta gente, às vezes, um simples telefonema, mesmo à borla, sai caro.

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