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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
(créditos: SAPO/Fabricce Cofrini/AFP)
A cena não é nova. De vez em quando, o tipo amua, torna-se ordinário, e comporta-se como um vulgar badameco desmerecedor do seu talento, sucesso, honras e encómios.
Confesso que não percebo porquê.
Todos temos os nosos egos. De um modo ou de outro vivemos os nossos momentos, os bons e os menos bons. Mas há alturas em que se exige a todos e a cada um de nós a superação. Não tanto enquanto desportistas ou heróis; antes como simples e discretas peças de um todo muito maior, que em cada dia nos obriga a elevarmo-nos, a procurar fazer sempre mais, a dignificarmos a nossa herança e a preparar o futuro das gerações vindouras na base do trabalho, da preserverança e do exemplo.
Vê-lo sair assim do campo, como se a festa não fosse também dele, como se não tivesse contribuído para o êxito, torna-o pequenino e distante. Como se afinal não fosse mais um de nós, um dos poucos que conseguiu elevar-se da medriocridade institucionalizada pela força do trabalho e carácter.
Os portugueses, a Nação, dispensavam estes amuos em final de carreira.
Tudo perdoamos, tudo esquecemos, e muitas vezes ignoramos o que não pode passar despercebido. Porque não somos ingratos e continuamos a acreditar.
Certamente que não deixaremos de fazê-lo, de enaltecer os seus méritos e virtudes, porque os possui, dando-lhe toda a gratidão pelo que de bom fez e tem feito, talvez elevando-nos, algumas vezes, muito acima daquilo de que efectivamente somos merecedores. Mas depois de tudo o que dias antes aconteceu, que de tão feio deverá ser rapidamente esquecido, ao ver a atitude dos seus companheiros, sempre, que nunca lhe regatearam estatuto, apoio e aplausos, exigia-se outra grandeza na hora da celebração, dispensando-se desculpas estafadas, respostas para cretinos.
E quando se olha para a forma como um Hajime Moriyasu se dirigiu aos adeptos que acompanharam a sua equipa na hora da derrota, e o modo como os outros o viram, não deixa de ser penoso e triste, para mim, ver o princípe abandonar o campo da maneira que o fez.
É nos momentos difíceis que se reconhecem os que são capazes de se elevar acima do mundo, os que pela criação se fizeram e aprenderam a perdurar para além do tempo, os que à sua dimensão e no seu lugar, com a sua humildade e génio, foram absolutamente excepcionais. Em quase tudo; sempre no que é essencial, estruturante e nos define.
Eusébio foi um deles. Pelé também, uma espécie de segundo nós quando não havia mais Eusébio.
Gostava que Cristiano também o tivesse sido. E gostava, ainda mais, que fosse capaz de ainda o ser. Para bem dele, dos seus filhos, e satisfação de todos nós quando um dia falarmos dos seus feitos aos nossos, aos que um dia hão-de vir para nos ajudarem a recordá-lo. De sorriso largo e reconfortante. Como tantas vezes o vimos.
Ele pode ser o melhor do mundo, ser insuperável na sua arte, ser um prodígio de força, de técnica e de classe. Mas três bolas de ouro depois, e já condecorado por Cavaco Silva, começa a revelar por que razão títulos, muito dinheiro e prémios não chegam para fazer dele um homenzinho. A condecoração dou-a de barato, estando aliás ao nível de quem o condecorou antes do tempo. Têm sido tantos os condecorados que o seu valor é ridículo. Gostava sim que Cristiano Ronaldo, cujo futebol deveras aprecio, fosse efectivamente um exemplo para a sua geração, em todos os aspectos, mas quer-me parecer que alguma coisa deve estar a tolher-lhe a mente. As exuberantes manifestações de novo-riquismo e frivolidade começam a ganhar terreno ao exemplo do profissional, do futebolista e do homem que serve de modelo inspirador a muitas crianças e jovens. Primeiro foi aquele vermelho directo na sequência de uma estúpida agressão a um colega de profissão. Agora são os detalhes da sua festa de aniversário. Alguns dirão que são isso mesmo, detalhes, e que tudo lhe deverá ser perdoado. Não creio. A um Cristiano Ronaldo tem de se exigir muito mais na imagem que de si próprio quer transmitir para as gerações vindouras, tanto nas suas manifestações públicas como nas privadas que são publicamente divulgadas. E, em especial, perante os seus concidadãos. Numa época em que a crise se manifesta a todos os níveis, era de esperar da sua parte maior contenção, menos exuberância nos gastos, mais discrição na estroinice. Que imagem pode ser transmitida de quem derrete um rio de dinheiro numa noite? O dinheiro que muitas famílias levam anos para ganhar trabalhando arduamente. E se não era para ser divulgado, então devia ter sabido escolher os convivas.
Se é verdade que gastou 400.000 euros num único dia com a sua festa de aniversário, isso não pode servir de exemplo para ninguém. Muito menos para o seu filho. E é mais próprio de um estroina parolo e afectado, a quem por um bambúrrio saiu a taluda, do que de um desportista excepcional, de um homem feito a pulso, cujo exemplo deverá perdurar. Alguém devia dizer-lhe que num tipo como ele há comportamentos que uma exposição pública não tolera. E que só servem para dar cabo, em meia dúzia de minutos, de uma imagem que levou anos a ser construída. Há coisas que a juventude já não desculpa, Cristiano, e que era preferível não terem acontecido. Mas que tendo acontecido seria preferível não se saber.
Nem todos os deuses são magos, mas há magos que se elevam e fazem de deus. No futebol isso também acontece. Cristiano Ronaldo e a armada do Real Madrid cilindraram em Munique os impantes, rudes e sobranceiros bávaros. Os campeões europeus, reforçados com o saber de Pepe Guardiola, encaixaram uns rotundos quatro a zero perante o seu próprio público. A vitória do Real, quer se queira quer não, será sempre vista como uma vitória da Europa do Sul contra a hegemonia alemã, como uma correcção e reequilibrar de forças depois do que aconteceu na época passada. Lisboa e o Estádio da Luz recebê-los-ão como merecem.