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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
O relato da Agência Lusa, transmitido para vários órgãos de comunicação social, entre os quais a TSF, sobre o que se passou com a elaboração da acta relativa à XIV Conferência de Ministros da Justiça da CPLP, designadamente sobre o desacordo final (quem diria!) quanto à sua redacção e a escolha da grafia "oficial", representa, lamentavelmente, bem mais do que aquilo que à primeira vista possa parecer. À partida não está em causa, apenas, uma simples discordância sobre a forma de grafar um termo com um sentido comum a todos os países lusófonos. Uma acta é um documento em que se descreve e regista aquilo que de relevante se passa numa reunião. Em causa está, desde logo, por simples falta de vistas, teimosia, estupidez e ausência de sentido de Estado, digo eu, mais um acto (com "c") de desprezo para com Portugal - leia-se o seu poder político legítimo - por parte dos seus pares na CPLP.
O simples facto de todos os funcionários públicos em geral, os militares, os magistrados e os diplomatas, como servidores públicos que são, serem obrigados a cumprir com todas as instruções que um poder político que não sabe conjugar o verbo haver lhes dita, conformando-se com o que de mais tolo e contra a natureza das coisas lhes é imposto, já de si seria triste. Que numa matéria como a da língua se chegue perante os demais Estados que compõem a CPLP a passar por um tão grande absurdo, sujeitando-se um ministro da Justiça de um Estado soberano desde a Conferência de Zamora, em 1143, a ter de ouvir o que, com toda a razão, lhe foi recordado pelo representante de Angola, assume contornos de humilhação política. Era perfeitamente evitável que Portugal tivesse de passar pela situação de lhe ser recordado que o Acordo Ortográfico não foi ratificado por Angola, também ele um estado soberano lusófono, não podendo por isso mesmo ser utilizado no documento em questão. Esse já não foi um acto de humilhação do País e de desprezo pelo seu poder político. Aí, e isso é que é mais grave, é já a própria língua portuguesa, aquela que recebemos dos que nos precederam e que os angolanos agora defendem, que está a ser objecto de humilhação e chicana com a conivência do Governo português.
A notícia da Lusa não nos diz qual terá sido o papel do representante de Portugal nesta contenda. Nem se ao representante da Guiné-Equatorial, um novo Estado "lusófono" ditado pela mais mercenária e subserviente "diplomacia económica", por algum momento passou pela cabeça apontar a solução castelhana de se utilizar o substantivo feminino "acta" (do latim acta) para resolver a disputa que culminaria com a caricata, mas salvadora solução de compromisso proposta por Cabo Verde e que serviu para evitar maior vergonha, de se usar num texto internacional a grafia do novo Acordo Ortográfico "como base e, em cada caso, a grafia pré-Acordo Ortográfico, entre parêntesis", numa verdadeira salganhada linguística da qual só Portugal sai mal.
Quando numa cimeira entre Estados lusófonos se chega à situação de que a Lusa dá conta, talvez seja este o momento de se voltar a perguntar aos que em Portugal, à viva força e contra todas as evidências, se afadigaram a impor o (des)Acordo Ortográfico de 1990, se a solução a que se chegou não recomenda um apelo à inteligência e ao bom senso, antes que este tipo de danos, que não são colaterais, se multiplique. Para vergonha de todos os cidadãos que em todo o Mundo se expressam na língua que lhes é mais querida, naquela que lhes revela os afectos, as paixões e as lágrimas da saudade, e que os torna dignos da herança daqueles que, como Vasco Graça Moura ou Maria Lúcia Lepecki, dedicaram toda uma vida a lutar pela divulgação e pela dignidade do único e verdadeiro património que a História nos legou.
Património que ao longo dos séculos permitiu a convivência - e o amor - entre povos das mais diversas origens, ultrapassando as suas minúsculas fronteiras naturais para se enraizar mundo fora sem que para tal se trocassem os substantivos pelas formas verbais. Tudo bem longe da paupérrima visão e dos despachos da casta de amanuenses que há séculos ocupou o Terreiro do Paço, convencida de que a decência e a respeitabilidade de uma nação milenar se compram com euros, submarinos, computadores e bandeiras chinesas na lapela dos casacos.
"O bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique recebeu hoje com "tristeza" a notícia da adesão da Guiné Equatorial à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e questionou a utilidade da organização para os cidadãos dos estados-membros".
A CPLP morreu pela mão de Cavaco Silva e Passos Coelho para que alguns possam fazer os seus negócios com os torcionários de Malabo, como antes já faziam com a Indonésia de Suharto. Felizmente que os povos dos países que compõem a CPLP, as suas ainda incipientes sociedades civis e o seu sentido da História não nos confundem, a nós portugueses, com aquele trio de moribundos políticos que foi a Díli fazer figura de capacho.
O que é relatado pelo Público e conhecido das instâncias internacionais e organizações dos direitos humanos devia ser mais do que suficiente para que o Governo Português e o conjunto dos países que compõem a CPLP fizessem marcha atrás e corressem com o Presidente da Guiné-Equatorial da ronda que irá ter lugar em Díli e onde aquela organização lusófona e o MNE português se preparam para receber de braços abertos o líder de um regime sanguinário que espezinha os direitos humanos e mente descaradamente aos seus parceiros internacionais.
Os portugueses deviam ser os primeiros, mesmo tendo presentes as dificuldades que atravessam, a manifestarem-se nas ruas de Lisboa contra o apoio que o Governo de Passos Coelho está a dar ao catre imundo onde aquela sinistra personagem mantém cativo o seu povo.
Não há petróleo nem realpolitik que obriguem Portugal e a CPLP a aceitarem a recorrente conduta de Obiang e do respectivo gangue de verdugos e crápulas. Mas já que alguns articulistas que convivem demasiado com o poder não têm tempo para, entre uma condecoração e um artigo laudatório ao primeiro-ministro, escreverem sobre isto, aqui fica a minha repulsa.
Como português e cidadão recuso-me a aceitar esta pulhice que representa a entrada da Guiné-Equatorial na CPLP e ofende a memória de todos quantos sofreram dentro e fora do país por uma terra livre, sem presos políticos, onde os direitos humanos fossem integralmente respeitados. Confesso que tenho vergonha do ministro dos Negócios Estrangeiros e do primeiro-ministro de Portugal, sendo-me indiferente que Obiang tivesse sido antes recebido por Sócrates e Cavaco Silva, em Lisboa, porque já então me manifestara contra isso.
Gente de bem não convive com canalhas. Nem se cala perante uma infâmia que desacredita Portugal perante o mundo civilizado.
Neste momento ainda não sabemos se Passos Coelho terá conseguido bater as votações norte-coreanas de José Sócrates, de Paulo Portas ou de António José Seguro, mas quando um secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros admite a entrada do estafermo da Guiné Equatorial na CPLP, um crápula cujo filho tem inclusivamente pendente o cumprimento de um mandado de captura internacional, só pode estar a pensar na aprovação de um novo acordo ortográfico, que adapte o português "acordês" ao "espanholês" de Obiang.
Mas, pergunto eu, em vez de se admitir Obiang na CPLP não seria mais prático, e consentâneo com os valores da "nossa" República, dar-lhe um "golden visa" enquanto o secretário de Estado pede à National Geographic e à Human Rights Watch que o elucidem sobre a exacta localização no mapa da Guiné Equatorial e o cadastro da família Obiang?