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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Numa altura em que se multiplicam investigações e processos judiciais que colocam em causa o sistema político, o regime e os seus protagonistas, as magistraturas e as polícias, e aos quais só escapa a Presidência da República – embora em tempos não muito distantes também se tenha envolvido em múltiplas e lamentáveis polémicas –, os portugueses ficaram ontem a saber que a classificação do país no índice de percepção da corrupção elaborado pela Transparency Internacional e relativo a 2024 voltou a piorar.
Portugal tem hoje o pior resultado de sempre desde 2012 em matéria de percepção da corrupção e isto não é grave: é gravíssimo. Desde 2015 que não paramos de nos afundar.
Porém, apesar dos múltiplos apelos de organizações da sociedade civil e de vozes isoladas que há largos anos insistem no combate a esse flagelo que destrói países, instituições e corrói as entranhas da democracia, minando a confiança dos cidadãos, destruindo os pilares da confiança política e social, os partidos políticos portugueses, os seus dirigentes, as elites políticas e empresariais em geral, para já não falar de muitos autarcas que continuam a fechar os olhos ao problema e a assobiar para o lado, continuam a não prestar a devida atenção e a não fazerem tudo o que devem para irradiar, na medida do possível, esse fenómeno.
Em vez de progredirmos, aproximando-nos dos lugares cimeiros, continuamos irremediavelmente a descer no índice de percepção da corrupção, como se um submarino à procura de estabilizar lá mais abaixo, na negritude das profundezas, de onde já não se regressa e só se sai para o caixão de um regime autocrático, puxado por um punhado de vermes apostados em devorar-nos as entranhas.
A corrupção apresenta-se com variadas roupagens, manifesta-se de múltiplas formas, nos mais diversos ambientes, para no fim atingir sempre as mesmas vítimas, que somos nós, os que resistem, os que não se conformam, que são todos os que cumprem, e os contribuintes em geral, que acabam sempre a pagar o preço desse cancro que ninguém vê, mas todos conhecem e sabem onde ele está.
Os partidos políticos e os seus dirigentes são hoje os principais responsáveis por esta situação que desprestigia Portugal e envergonha os portugueses e as suas instituições. Não há um que se safe. Um único.
O próximo Presidente da República não poderá deixar de prestar atenção ao problema da corrupção e fazer todos os esforços no sentido de ajudar a encontrar soluções que nos retirem deste lodaçal em que caiu o regime e a política interna.
Fazer do combate à corrupção e figuras conexas – com um Governo e uma Assembleia da República que está em funções há menos de um ano, vejam lá quantas situações temos, no mínimo duvidosas e a merecerem escrutínio atento – a primeira prioridade de qualquer executivo é mais do que um dever. É uma necessidade para afirmação da nossa sobrevivência e permanência no conjunto das nações civilizadas e dos Estados de direito.
Seria imprescindível procedermos à regeneração do sistema político, do regime político e, em especial, dos seus partidos, começando em relação a estes últimos por extinguirmos as juventudes partidárias, verdadeiras escolas de chicos-espertos e “bandidos”, ao nível das claques do futebol, de onde saíram os principais dirigentes das organizações que temos e que para chegarem onde estão tiraram proveito de esquemas manhosos e beneficiaram do controlo de sindicatos de voto corruptos, sem o que continuaremos a afundar-nos sem apelo nem agravo às mãos de gente estruturalmente desonesta, de arrivistas, de gente boçal e cafres sem carácter.
Dissolver os partidos que temos, criar partidos de raiz, sem juventudes partidárias, que sejam capazes de sem demagogia e populismos de ocasião apresentarem propostas sérias e exequíveis de combate à corrupção e em prol da transparência, é o único caminho. Não podemos fugir daqui. Está mais do que provado que esta gente e estes partidos que nos governam têm todos os vícios, mais alguns que ainda não estão catalogados, e são irreformáveis.
O combate à corrupção não pode continuar a ser um desejo, um sonho, uma miragem. Não será certamente o único caminho para a regeneração, mas pode e deverá ser o primeiro. Tal como para a economia ou o emprego também é preciso fixar metas para o combate à corrupção e dotar o país de legislação e meios que tornem obrigatória e incontornável essa opção, blindando os partidos e as instituições, mas mantendo os alicerces do Estado de direito e da democracia.
Não podemos mudar a natureza humana, poderemos sempre mudar as organizações e os processos. Do recrutamento político aos concursos públicos, dos autarcas aos polícias e aos magistrados.
Precisamos de outros partidos, de uma outra cultura cívica e política, precisamos de outra gente. Precisamos de um país onde seja possível fazer o que a revolução de Abril não conseguiu. Temos de construir um país em que a sua classe política, os seus dirigentes e os seus empresários se afirmem pelos valores, pelo mérito, pelo trabalho, pelo respeito convicto pela legalidade, coisa que hoje não acontece com muitos dos exemplos que nos chegam, e não pela chico-espertice e pelos esquemas trabalhados nas “jotas” e pelas chamadas “universidades de Verão”, verdadeiras escolas de formação de rufias diplomados que aos poucos penetraram todo o tecido político-social, espalhando a sua viscosidade pelas sedes e secções partidárias, escolas e universidades, inundando empresas e autarquias, investindo na administração pública e expondo o governo central, os tribunais, o desporto, as igrejas e os sindicatos à voragem dos mais afoitos, dos menos escrupulosos, dando gás ao populismo, colocando-nos à mercê dos tenebrosos aparelhos partidários e dos verdadeiros gangues organizados que medram à sua sombra e se incrustaram nas suas fundações.
Sem que seja restaurada a confiança nas instituições e nos partidos políticos não haverá democracia digna desse nome que sobreviva. Estaremos condenados a afundar-nos ano após ano em todos os índices de percepção da corrupção, apoucando a nossa auto-estima, o nosso sentido de comunidade, a nossa afirmação nacional e hipotecando as perspectivas de futuro.
O primeiro-ministro, os líderes dos partidos da oposição deviam ter vergonha. E pedir desculpa aos portugueses pela sua inépcia. Desde 2015 que Portugal continua a cair. Estamos a bater no fundo.
Será que não vêem isso? O que é que ainda não perceberam? Vamos continuar a tirar selfies, a fazer arruadas e a percorrer o circuito da carne assada de norte a sul do país? Uma latrina malcheirosa com vista para o mar não deixa de ser uma latrina. Em que país querem viver? Querem continuar a assoar-se na gravata enquanto borrifam uns pingos de água-de-colónia e comem uma sardinhas ao sol de Maio?
Há que ter coragem. Há que afirmar um movimento nacional, um partido que faça da sua primeira bandeira o combate à corrupção.
Temos de nos livrar dos eunucos deslavados e medíocres paridos pelas juventudes partidárias, dos viderinhos, beatos, pastores, virgens e laparotos que nos trouxeram até este buraco. Portugal precisa de partidos democráticos limpos, de gente decente, normal e sem cadastro, de gente que seja capaz de olhar em frente, de cortar a direito, que se comprometa a colocar o país no top 3 dos países onde é mais baixo o índice de percepção da corrupção.
Esta seria uma meta exequível. E em relação à qual todos os portugueses poderiam sentir no seu quotidiano os resultados. Por algum lado há que começar. Amanhã já será tarde. Mostrem que estão vivos, mostrem que existem. E que não vegetam em democracia. Mexam-se.
Acordem, porra!
(créditos: South China Morning Post/Getty Images)
Há pouco mais de dois meses, o deputado Ron Lam questionou o Governo na Assembleia Legislativa, através de uma interpelação escrita, sobre o verdadeiro custo do transporte de cadáveres em Macau, queixando-se do preço. O assunto foi abordado numa interpelação escrita e resultou de, nas últimas semanas, a empresa com o monopólio do transporte de cadáveres ter aumentado o preço do serviço de 1.500 patacas para 2.200 patacas.
Há muito que a população se queixa, também, do custo dos serviços de cremação. Não havendo um crematório em Macau, esse serviço só pode ser prestado em Zhuhai.
Todos sabemos que a existência de monopólios favorece as más práticas, pelo que se é absolutamente incompreensível que os residentes de Macau estejam sujeitos aos preços que são praticados pela única entidade que presta esse serviço.
No início deste mês de Agosto, o referido deputado quis agendar um debate na Assembleia Legislativa sobre a criação de um crematório permanente em Macau e a situação dos táxis. Ambos os debates foram rejeitados, escreveu o atento jornalista João Santos Filipe, em razão, explica-se, "da conjugação dos votos entre as associações tradicionais, deputados eleitos indirectamente e deputados nomeados". Isto é, os que não respondem democraticamente aos eleitores no sufrágio directo.
Em relação ao crematório por haver, disseram alguns, falta de soluções locais e devido ao aumento do número de mortos cujos familiares recorrem aos serviços de cremação.
Quer dizer, como há uns indígenas que entendem que não há solução, nem sequer se discute o problema e as possíveis alternativas que sejam mais benéficas para a população.
No que aos táxis diz respeito houve quem dissesse que a população não quer saber dos táxis e está preocupada é com a existência de mais passeios públicos, embora, como quem não quer a coisa, reconhecesse que a situação dos transportes não é boa.
Curiosamente, por estes dias tivemos conhecimento de que o Presidente Xi Jinping lançou uma campanha de limpeza da indústria funerária chinesa depois de serem conhecidos casos em todo o país implicando "graves violações da displina do Partido e da lei". Traduzido por miúdos isto significa a existência de um problema generalizado de corrupção.
Pois a mim quer-me parecer que tal como em relação aos junkets e aos negócios de alguns empresários bem relacionados com a classe política, e ultimamente também "educativa", de Macau, será necessário que Pequim dê ordens expressas ao futuro Chefe do Executivo para acelerar a integração e coordenação das políticas da RAEM em matéria de cremações, transporte de cadáveres e serviço de táxis com as seguidas no Interior do país.
Quanto aos táxis, ainda hoje, querendo proceder à reserva de um táxi para um transporte na próxima quinta-feira, fiquei a saber que está tudo "fully booked". Tanto faz ser à meia-noite, às duas ou às seis da manhã. Alguém acredita que isto não seja de propósito e que não haja falta de vontade política das elites locais para resolverem este problema? Ou o das cremações? Ou o das obras públicas de má qualidade?
O combate à corrupção e aos monopólios tem de ser levado a todos os cantos do país. Macau não é excepção. O Governo Central tem de ser capaz de mostrar à população de Macau que os seus representantes conseguem fazer mais e melhor do que o que se fez no passado sobre essa matéria.
É que, entretanto, já passaram quase 25 anos desde a transferência de Macau para a China e a única preocupação visível de integração é ao nível da segurança e dos negócios – como se fosse só isso que tornasse possível diversificar e "salvar" Macau. Importa que essa integração chegue ao quotidiano dos residentes de Macau e se traduza numa efectiva melhoria da sua qualidade de vida. O combate à corrupção tem de ser a todos os níveis, em especial nestas áreas em que a população mais sofre, não podendo poupar as elites locais.
Os residentes de Macau estão fartos de serem explorados pelos monopólios e pelas negociatas das suas elites políticas e empresariais, exploração que nada tem de patriótica.
E também estão fartos de nada verem acontecer por estas bandas de relevante para que se assista a uma política de melhoria substancial dos transportes – mais da oferta e qualidade do serviço de táxis –, com uma oferta plural de serviços, o mesmo sucedendo em relação ao custo do transporte de cadáveres e das cremações.
O que se passou na Assembleia Legislativa, e muitas vezes acontece sempre que estão em causa os monopólios e oligopólios das elites da terra, foi uma vergonha.
É preciso saber quem ganha com esses negócios, e que tem capitalizado à sua sombra com a inércia da Assembleia Legislativa e do Governo. Assim como com as agências de emprego e outras aberrações similares que por aí há e se continua a proteger.
As operações de limpeza interna contra a corrupção têm de chegar mais depressa a Macau. Não são para se ir fazendo aos bochechos para não se incomodar o vizinho, a empresa do primo ou o casineiro. Têm de acompanhar o ritmo imposto internamente. No respeito pelo Estado de direito e pelos legítimos interesses da população.
Isto está a precisar de alguém que não se acanhe, que não seja, ou esteja capturado pelas elites locais, ou próximo de situações de conflitos de interesses, e que dê uma varridela a sério. De alto a baixo. Incluindo na Assembleia Legislativa.
À medida que avança o julgamento do caso de corrupção que sentou no banco dos réus dois ex-directores dos Serviços dos Solos, Obras Públicas e Transportes, nota-se o incómodo das instituições e dos seus titulares. Dir-se-ia mesmo que nesta terra quando as coisas não encaixam no guião se torna mais difícil acomodar os factos à realidade que se quer ver vingar.
Se já em Dezembro passado o Chefe do Executivo não autorizou a prestação de depoimentos por parte do seu antecessor e do Secretário para as Obras Públicas, o que não deixa de ser lamentável quando em causa está apurar a verdade dos factos e perceber quem está a mentir e até onde vai o manto diáfano da alta corrupção, agora foi a Assembleia Legislativa a obstaculizar ao depoimento do deputado Vong Hin Fai, a que se seguirá previsivelmente igual decisão quanto aos deputados Chui Sai Cheong e Chui Sai Peng.
Não deixa de ser curioso que haja tanta gente da mesma família a ser referida por vários intervenientes num único processo, de arguidos a testemunhas, e não haja um esforço mínimo de se apurar a razão ou sem razão da invocação, tantas vezes, desses nomes – que não são pessoas quaisquer –, preferindo-se deixar tudo na opacidade.
Seria, aliás, necessário esclarecer, posto que isso foi também referido na sessão de ontem do julgamento, que história é essa das listas VIP para aquisição de fracções autónomas com 40% de desconto que eram aprovadas pelo arguido Ng lap Seng.
Recorde-se que este arguido, anteriormente ligado a diversos projectos imobiliários de grande envergadura, parceiro de negócios de alguns outros "tubarões" de Macau, financiador da Fundação Mário Soares, esteve preso durante largo tempo nos Estados Unidos da América exactamente por razões que se prendem com práticas corruptivas.
Saber até onde chegam as suas ramificações, até onde vão os tentáculos do polvo e dos seus parceiros de negócios, quais as razões para a existência dessa lista VIP, quem lá estava e porquê, é assunto de manifesto interesse público.
Qualquer residente de Macau gostaria de ter adquirido, de forma limpa, um apartamento, ou vários, no edifício Windsor Arch com um desconto de 40% e isenção do pagamento de condomínios.
O escandaloso património imobiliário que algumas pessoas "amassaram" em Macau nas últimas décadas devia merecer outra atenção de quem tem por obrigação combater a corrupção, defender a legalidade, o bom nome das instituições e fazer justiça. Já bastou o que se passou no tempo da administração portuguesa com alguns "servidores" públicos.
O que se está a passar agora ultrapassa todos os limites, e é muito mau para quem vê o seu nome referido nos julgamentos em curso e não tem oportunidade de se defender. Mas é também mau para os arguidos e para as testemunhas, perante os quais parece que alguns partem do pressuposto de que nunca falam verdade; como ainda é mau para a justiça que se quer fazer e que se pretende que seja acima de tudo independente, transparente, imparcial e justa, mas é particularmente mau para a dignidade das instituições e o bom nome da RAEM, dos seus dirigentes e da República Popular da China que é quem tem, em última análise, a maior responsabilidade sobre os escândalos de Macau que envolvem dirigentes políticos e altos funcionários da Administração.
Não se percebem quais os receios do Chefe do Executivo e da Assembleia Legislativa para se impedirem os depoimentos dos visados.
Isto está tudo a cheirar demasiado mal há muito tempo e não é só por causa da ausência de uma política ambiental séria e da falta de tratamento adequado dos resíduos líquidos e sólidos.
De um charco saem todos enlameados. Os limpos, os sujos e as instituições.
A notícia de que o Chefe do Executivo da RAEM não autorizou a prestação de depoimentos em juízo do seu antecessor, bem como do actual e anterior secretário para as Obras Públicas e Transportes, é mais uma machadada na credibilidade do sistema de justiça da RAEM e um prego no caixão da transparência e da luta anti-corrupção do Presidente Xi Jinping.
Dois antigos altos dirigentes das Obras Públicas estão a ser julgados depois de terem sido pronunciados pela prática de crimes de branqueamento de capitais, corrupção e associação criminosa. A natureza dos crimes e das imputações é de uma tal gravidade que teria evidentemente de ser investigada e clarificada até ao osso. Se múltiplas vezes, no decurso do julgamento, são imputadas responsabilidades ao anterior Chefe do Executivo e a outros nas decisões tomadas pelos arguidos no exercício de funções públicas, não se percebe de todo qual a razão para que fique tudo no limbo.
A decisão tomada por Ho Iat Seng de impedir os depoimentos dos visados não protege a RAEM, não dá àqueles a oportunidade de se defenderem de acusações eventualmente injustas que contra eles estejam a ser feitas pelos arguidos, além de que não protege o próprio Chefe do Executivo em funções e vai contra o interesse público na realização da justiça.
A luta contra a corrupção, contra o tráfico de influências e por uma maior transparência na realização dos negócios públicos não pode bastar-se com uma investigação superficial dos factos, limitando-se a apanhar alguns "ratos" que tiraram partido do sistema vigente para enriquecer ilegalmente, iludindo-se a opinião pública, deixando-se escapar o "polvo", e colocando a salvo outros envolvidos que tivessem responsabilidades públicas. Afinal, todos aqueles de quem os governados esperam que tenham mais probidade e seja maior o grau de exigência e responsabilização no exercício dos cargos para que são escolhidos e em quem todos confiam.
Não se percebe qual o receio da verdade material. Nem o que se teme quando se decide proibir a prestação dos depoimentos de quem é acusado publicamente de estar no topo da cadeia de comando das decisões ilegais que foram tomadas.
A verdade acabará por ser conhecida de todos. E nessa altura ninguém será poupado.
(foto daqui, do Macau Daily Times)
Numa terra onde os arguidos em processos criminais normalmente escusam-se a falar e a esclarecer, preferindo a opção pelo direito ao silêncio, registam-se as declarações prestadas em juízo pelo anterior director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
Que tenha rejeitado as imputações de culpabilidade que lhe foram feitas pelo Ministério Público, e se tenha declarado inocente da prática dos crimes por que vem acusado, não é nada que se estranhe.
Importante é, todavia, o facto de se ter declarado inocente apontando responsabilidades, quanto às decisões tomadas e a todos os atropelos verificados no projecto de Alto de Coloane, a Chui Sai On e ao actual Secretário para as Obras Públicas, acusando o primeiro de ter dado as ordens para o reinício das obras e "coordenado pessoalmente" o processo, com instruções específicas para que andasse depressa, logo no primeiro dia no cargo.
É público que a escolha do ex-director das Obras Públicas foi uma opção pessoal de Raimundo do Rosário, secundada pelo anterior Chefe do Executivo. Na altura em que essa decisão foi tomada, o próprio Chui Sai On justificou a escolha dizendo que Li Canfeng foi escolhido depois de avaliadas "a sua disciplina, as suas habilitações e a sua experiência", critérios que foram tidos em consideração. Chui Sai On ainda acrescentou que Li Canfeng foi nomeado pelo secretário em consideração a tais critérios, e que embora tivesse sido testemunha no processo de corrupção que envolveu o ex-secretário Ao Man Long "nunca foi arguido". Saiu, pois, em sua defesa.
Recorde-se que no processo de Ao Man Long, a então testemunha evidenciara preocupantes sinais de falta de memória. Agora vê-se que recuperou. Eu congratulo-me com isso. Ainda bem que assim foi. Urge tirar partido desse facto antes que o arguido volte a ter falhas de memória, apurando-se com urgência todas as responsabilidades.
A prudência, e tudo o que aconteceu naquele processo que ditou a prisão do antigo secretário, aconselharia a que quem directa ou indirectamente tivesse estado envolvido naquela pouca vergonha nunca mais pusesse os pés na Administração Pública e no Governo da RAEM, ou que para este trabalhasse, fosse como dirigente, a apresentar projectos ou a fiscalizar obras. Mas não foi isso que se viu. Fizeram-se ouvidos moucos a todas as suspeições e críticas.
Para quem está de fora, olhando para os factos conhecidos, os "artistas" – alguns que antes eram amigos dos arguidos e disso se ufanavam continuam inexplicavelmente na sombra – e as noticias publicadas ao longo dos anos, verifica-se que corresponde tudo ao mesmo padrão de actuação, aos mesmos esquemas, que acabavam sempre com o enriquecimento de uns quantos figurantes, respectivas famílias e amigos. Sempre os mesmos.
Seria por isso importante que perante a gravidade das acusações feitas – até porque poderá haver gente de boa fé envolvida na lama contra a sua vontade, por temer represálias, e que tem o direito de ver o seu bom nome protegido, seja o secretário ou o contínuo, o caso Sun City ainda não acabou e os negócios desta empresa cruzaram-se múltiplas vezes com a acção governativa e diversos departamentos, evidenciando-se ao longo dos anos ligações múltiplas e extensas ao poder político –, se investigasse tudo até ao fundo.
Isso também poderá ajudar a avivar a memória de mais algumas pessoas, evitando-se que pelo meio haja quem procure atalhar a que se saiba o que não é conveniente, para alguns, para assim se impedir que a verdade a que todos os residentes têm direito não seja integralmente conhecida.
O Ministério Público tem a obrigação de investigar tudo, a começar pelas denúncias feitas em juízo, mandando extrair certidões e iniciando novos processos, mesmo que isso envolva anteriores administrações ou gente ainda em funções, apurando-se eventuais pressões ilegais ou enriquecimentos injustificados dos próprios, das respectivas famílias e dos seus amigos e parceiros de negócios.
O combate à corrupção tem de ser integral e não pode proteger ninguém. Muito menos quem no passado tiver praticado actos com contornos criminais que provocaram, a diversos níveis, o empobrecimento da RAEM.
Macau e as suas gentes já foram demasiadamente prejudicadas. É urgente esclarecer.
Em 2009 escrevi isto:
O Ministério Público pode ficar desconfortável com a proposta de Noronha Nascimento mas ela é séria, justa, frontal e tem de ser ponderada desde já. Aliás, há um argumento decisivo que vai muito para além da boa vontade dos magistrados do MP: é que os resultados conhecidos nos processos mais mediatizados deixam muito a desejar. E quando os resultados são maus para todas as partes, a começar para a própria Justiça, aquilo que há a fazer é mudar, corrigir, alterar. E depois é deixar as coisas estabilizarem, as investigações prosseguirem os seus rumos, evitando-se as constantes mexidas na legislação. Mas para isso acontecer seria bom que pudesse ser feito por quem sabe, por alguém que vivesse no mundo e que não tivesse de descer à terra. Poupava-se no vaivém e dava-se descanso aos deuses e aos curiosos que puseram esta gaita de pantanas."
Em 2010 também escrevi isto:
"Dizer nesta altura que tem os poderes da Rainha de Inglaterra não abona nada a seu favor. Quando muito será mais uma evidência sobre a necessidade de extinção da corporação que dirige e da sua premente substituição por uma nova que exerça de facto e de direito os poderes que a dele se mostrou incapaz de cumprir nas últimas três décadas.
Um desastre que demonstra bem o distanciamento da realidade em que vivem os seus membros."
E em 2011, na sequência de um evento onde participei, ainda escrevi isto:
Antes, isto é, nas décadas anteriores, escrevi coisas parecidas.
Passados todos estes anos, conhecida a decisão instrutória do "Processo Marquês" não preciso de acrescentar grande coisa. Nada do que está a acontecer me admira.
Se as pessoas andassem atentas e se tivessem então indignado, promovido abaixo-assinados e exigido mudanças teriam sido poupadas ao espectáculo Sócrates/Marquês/MP/Ivo Rosa.
Era natural que um dia todos os anos de incúria, deixa andar e irresponsabilidade, cavalgados pelo populismo meditático, dessem resultados. Um dia o monstro teria de aparecer.
O juiz de instrução que, por uma vez, cumpriu o seu papel é o bode expiatório da podridão que grassa no sistema de justiça. E já grassava muito antes do biltre aparecer.
Mas nessa altura os Abrunhosas desta vida andavam ocupados a cantar, a fazer negócios, a gozar a vida nas praias e esplanadas, a enriquecerem.
Agora sabem todos de Direito. E indignam-se.
Não é que não haja outros assuntos, menos desagradáveis e menos mal cheirosos, a merecerem atenção, mas, já agora, na sequência da intervenção que anteriormente fiz sobre este assunto, convém deixar algumas perguntas. Pode ser que os responsáveis do Executivo, a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA) ou, quem sabe, talvez o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) – no cumprimento da sua missão de combater “firme e persistentemente a corrupção e a fraude“, fiscalizando os actos administrativos, bem como “a legalidade e a razoabilidade dos procedimentos administrativos, assegurando o estrito cumprimento da lei na actuação administrativa e salvaguardando efectivamente os direitos e interesses legítimos dos cidadãos” –, queiram interessar-se pelo assunto e se predisponham a encontrar respostas às questões que aqui coloco.
Anteontem, a TDM deu conta da conclusão dos trabalhos de substituição de uma conduta (ou seriam várias?) da ETAR de Macau, o que fez com que “as águas residuais fossem descarregadas sem tratamento” durante 24 horas.
Olhando um pouco para trás, verifica-se que em 20 de Abril de 2016 foi publicado, no Boletim Oficial n.º 16, pela DSPA, o anúncio público para o concurso de prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”. O prazo para o contrato relativo a essa prestação de serviços seria de dois anos, isto é, entre 1/10/2016 e 30/09/2018.
Quer isto dizer, conclusão minha, que a substituição da conduta que agora teve lugar, e que obrigou à realização de descargas de muitos metros cúbicos (m3) de águas residuais sem qualquer tratamento, devia estar incluída nessa prestação de serviços. E chego a esta conclusão simplesmente lendo o programa do concurso, onde se podia descortinar o seguinte (sublinhados do signatário):
“1. Executar a O & M [Operação e Manutenção, em português] da ETAR da Península de Macau (incluindo a estação elevatória de efluentes líquidos da ETAR da Península de Macau) e de todas as suas instalações, equipamentos, peças de reserva e ferramentas, etc.;
Realizar as obras de reparação adequada dos edifícios e das instalações edificadas da ETAR da Península de Macau, incluindo mas não se limitando a: bocas de descarga dos tanques, plataformas de trabalho, escadas, escadas laterais, portas e janelas, vedação da ETAR, etc.;
Tratar as águas residuais brutas que entram na ETAR da Península de Macau; o volume de águas residuais que se submetam a processo de tratamento biológico (tratamento secundário) não pode ser inferior a 70 mil m3 por dia;
Descarregar o efluente tratado para os locais identificados pela entidade fiscalizadora. Além disso, na condição de que a qualidade dos afluentes atinja os requisitos projectados, o efluente resultante do tratamento biológico (tratamento secundário) deve estar em conformidade com os requisitos de descarga do efluente da ETAR da Península de Macau (vide IV. Ficha Técnica do Processo do Concurso);
Tratar os odores e gases gerados durante a operação da ETAR da Península de Macau (incluindo a estação elevatória dos efluentes líquidos da ETAR da Península de Macau); depois do tratamento a emissão de odores e gases não deve causar qualquer incómodo no meio ambiente vizinho e deve cumprir os requisitos de emissão dos poluentes atmosféricos no âmbito da ETAR da Península de Macau (vide IV. Ficha Técnica do Processo do Concurso);
Realizar o empacotamento dos sólidos, óleos e gorduras, e areais obtidos nas diferentes fases do procedimento do tratamento da ETAR da Península de Macau e transportá-los para os locais identificados pela entidade fiscalizadora;
Transportar as lamas desidratadas produzidas na ETAR da Península de Macau para a CIRS de Macau ou para os locais identificados pela entidade fiscalizadora (deve ser pago à entidade adjudicante 400 patacas por cada tonelada de lamas transportadas para a CIRS de Macau (…)…), o teor de sólidos das lamas deve estar em conformidade com os requisitos de qualidade (…)“.
Quanto a esta parte, tirando os “etc.”, que num programa de um concurso público devem dar imenso jeito, convém ainda tomar nota de que em relação a um pedido de esclarecimento apresentado nesse concurso por um concorrente, foi referido o seguinte:
“De acordo com os dados relativos às águas residuais apresentados entre 2011 e 2015, o volume de águas residuais submetidas ao processo de tratamento biológico (tratamento secundário) foi de 70 mil m3 por dia, pelo que o efluente pode atingir o padrão. No entanto, conforme os dados de águas residuais apresentados pela operadora em 2015 [quem são eles?] foi detectada uma redução do volume de águas tratadas no segundo semestre [é lá, “uma redução de volume“, o que é isto?; de quanto foi essa redução de volume?] e foram ponderados os princípios da imparcialidade e da boa fé assim como a fiscalização de cumprimento de obrigações contratuais pela empresa adjudicatária, pelo que, na condição de que o volume de águas residuais submetidas ao processo de tratamento biológico (tratamento secundário) seja de 70 mil m3 por dia e o efluente resultante desse tratamento não atinja o padrão, a entidade fiscalizadora terá uma comunicação estreita com a empresa adjudicatária antes de aplicar as respectivas sanções. Estas sanções só serão aplicáveis, caso seja verificado que a falta de padrão do efluente seja causada pela empresa adjudicatária, sem razão justificada.”
Agora vamos às dúvidas:
Quais foram os trabalhos de renovação e substituição que, em concreto, foram indicados pela entidade adjudicatária para serem executados durante a prestação de serviços? A substituição da conduta ou tubagens danificadas estava ou não contemplada na prestação de serviços deste concurso? Deviam ou não ter sido programadas pelos concorrentes desse concurso? Eram necessárias? Se eram, ficaram previstas e foram contempladas? E eram nessa altura também urgentes?
O que se fez desde o início desta prestação de serviços para se evitar a situação de ruptura a que se chegou? Porque não foi construída ao lado da estrutura danificada uma outra nova que a substituísse, e para onde fossem depois desviadas as águas, até a velha ser desactivada, de maneira a evitarem-se as descargas sem qualquer tratamento durante o tempo de reparação?
Qual a razão para que no programa do concurso se diga que o tratamento não pode ser inferior a 70 mil m3/dia quando aquilo que nos foi vendido pelos outros senhores, no tempo daquele general de cujo nome só os por ele condecorados ainda se devem recordar, se é que se recordam, foi a de que estaríamos perante uma estação de tratamento projectada segundo as normas europeias para tratar 144.000 m3/dia?
No prefácio do programa de concurso de 2016 refere-se que a ETAR de Macau recebe diariamente 180.000 m3 de águas residuais. É mesmo? Se só se tratam adequadamente 70 mil m3/dia (tratamento biológico), o que acontece aos restantes 110.000 m3? Alguém garante algum tratamento a estes 110.000 m3? Quem fiscaliza? Como?
Durante quantos dias, se é que houve algum, é que quem ganhou esse concurso cumpriu com as especificações contratuais desde 1/10/2016, nos termos que foram exigidos aos concorrentes, isto é, quanto aos 70 mil dos 180 mil que lá chegaram diariamente?
Qual a quantidade de m3 que efectivamente recebe o tratamento devido? Qual a quantidade que só é “passada por água”? Qual a que é descarregada sem receber qualquer tratamento? Quem deve responder pelos milhares de m3 que são despejados anualmente sem tratamento biológico adequado?
Estas obras foram, ou são para ser, pagas por quem? Estavam orçamentadas?
Ficou tudo resolvido? O que se vai fazer para se evitar que se repita?
Do que se viu e ouviu na reportagem da TDM, até pelas declarações daquele cidadão que diariamente vai fazer exercício físico na marginal, os cheiros e odores continuam, não havendo melhorias.
O actual Secretário para as Obras Públicas não tem que responder pelo que os antecessores fizeram, ou deixaram de fazer, penso eu, mas neste momento seria interessante saber para que serve a monitorização da DSPA, se depois não se tiver conhecimento dos resultados das análises que são feitas e não nos for dado um termo de comparação.
Quando eu faço análises ao sangue sei quais o valores que apresento e posso comparar com os valores normais que me são apresentados ao lado, na folha dos resultados, para saber se estou bem ou mal. É isso que também pergunto ao meu médico. Poder conhecer os resultados das análises, saber quais os valores-padrão adequados e depois poder comparar as análises de Macau com esses valores-padrão e com as que são feitas em ETARs idênticas na República Popular da China, era o mínimo exigível, sendo depois esses dados comparativos trazidos ao conhecimento público e levados ao conhecimento do governo central, para que este soubesse, com dados concretos, da qualidade de vida e do que é imposto à população da RAEM, em especial a que vive naquela zona da Areia Preta, com a gestão que tem sido feita da coisa pública pelos seus capatazes locais, um dos quais já a cumprir pena.
Dizem-me que quem construiu e andou ao longo de todos estes anos a fiscalizar o que se fez, antes e depois de 1999, continua por aí. Não me admira. Penso, no entanto, que a RAEM devia ter uma atitude mais exigente. A esses não deve nada.
E os cidadãos, os jornalistas, os deputados, todos deviam fazer mais perguntas para poderem cumprir com decência o seu papel. Porque com a saúde e os bens públicos não se brinca.
P.S. Espero que, a este propósito, o tratamento que tem sido dado à legionella – bactéria que aparece onde há falta de limpeza e de adequada manutenção – seja efectivo, e que o problema surgido há tempos num hotel/casino esteja totalmente debelado e a ser seguido. A pressão das autoridades sobre o proprietário do hotel/casino onde aquela foi encontrada deverá ser implacável, de maneira a que os cidadãos voltem a frequentar esse local com confiança e toda a segurança. Seria muito desagradável que o problema ainda não estivesse resolvido. Um surto de legionella não colocaria em causa apenas as instalações onde surgisse, mas toda a indústria do jogo pelas repercussões negativas que traria à RAEM, ao turismo e ao espírito de todos aqueles que estariam predispostos a visitar-nos. E, já agora, que tal as autoridades exigirem que as piscinas dos hotéis tenham chuveiros, em quantidade suficiente e localização estratégica, de maneira a que os seus utentes passem por lá antes de se atirarem para dentro de água com os corpos transpirados?
E ao fim de oito anos, aproveitando a quadra natalícia, o processo dos submarinos chegou ao fundo. Ao fundo não, ao fim, pelo que resulta do despacho de arquivamento do Ministério Público que a imprensa de hoje noticia. Ana Gomes já disse que não vai deixar morrer o caso. Eu acho muito bem. A pornografia, a obscenidade, a infâmia, nem sempre são evidentes. Neste caso foram tudo isso, o que se confirma pela confissão de impotência, e também de incompetência para investigar, de que o despacho é prova.
Eu, pelas minhas contas, verifico que também se ficou a saber que do dinheiro retirado aos bolsos dos portugueses para pagar os brinquedos, mais de 30 milhões seguiram para o estrangeiro, acabando pelo menos 27 milhões nos bolsos dos arguidos e membros do Grupo Espírito Santo. A estes espera-os uma consoada tranquila, aliviada, farta, onde em família poderão aquecer-se junto à lareira, empanturrar-se com iguarias e champagne, contarem anedotas sobre José Sócrates e Duarte Lima, enfim, gozarem com o regime e com a figura que o sistema judicial e os seus actores fizeram ao longo destes anos, antes de irem comungar à Missa do Galo.
E, imitando o seráfico sorriso de um conhecido ministro, poderão todos brindar junto a uma janela que espreite o Tejo, vislumbrando lá em baixo, a emergir do estuário prateado do rio, a silhueta de um periscópio. Alguém ajeitará então os botões de punho, comporá o nó da gravata, e sem tirar os olhos do horizonte dirá para consigo, repetindo baixinho, que os submarinos tiveram uma blindagem perfeita.
O segredo de uma corrupção intocável, de um tráfico de influências perfeito, de uma reforma tranquila, está no rigor da sua blindagem. Não há nada como o Natal em Portugal.