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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
(foto Macau Daily Times)
Oportuna e corajosa. É o mínimo que se pode dizer da entrevista dada pelo Presidente da CESL-ASIA e publicada no jornal Macau Daily Times, no mesmo dia em que se inicia o Fórum e Exposição Internacional de Cooperação Ambiental de Macau, conhecida em inglês pelo acrónimo MIECF (Macau International Environmental Cooperation Forum and Exhibition).
Já todos, os que aqui residimos, sabíamos da situação ambiental assustadora que se vive em Macau. E da forma como a incompetência se foi arrastando ano após ano, sem que os enfeudados às famílias e poderes tradicionais e aos seus negócios tomassem as medidas apropriadas para defesa do interesse público. De tal forma que para se exercer o poder e manter o status quo se conseguiu arruinar a qualidade de vida dos cidadãos de Macau, aquele que era o seu bem mais precioso, transformando o seu dia-a-dia num inferno poluído, sujo, doentio e mal cheiroso.
Inferno que, embora possa ser mascarado, a bem dizer envergonha localmente a República Popular da China e o Governo Central. E é uma humilhação para Macau e as suas gentes quando vê a sua governança colocada ao lado de uma cidade como Shenzhen, que com muito menos milhões e sem os recursos proporcionados pelo jogo, é incomparavalmente melhor gerida, e onde não existem os aterradores problemas ambientais de Macau, lugar em que até os peixes, dizem os serviços oficiais, morrem aos milhares por falta de oxigénio na água.
Triste, muito triste e revoltante.
Do que foi dito por António Trindade retive algumas considerações que, pela sua pertinência e manifesto interesse público, aqui traduzo, desde já me penitenciando por qualquer lapso de tradução:
"Eu diria que mais de 80% da água de esgoto produzida em Macau é descartada, sem tratamento, em águas costeiras, e isso significa que não há possibilidade de uma economia marítima. Mas o problema é muito mais amplo, porque não são apenas os peixes que morrem. É que depois surgem problemas de saúde como, por exemplo, gastroenterite, que aumentam quando ocorrem tufões e inundações. Toda essa poluição afecta o meio ambiente e o lugar em que vivemos”;
"Infelizmente a situação está a deteriorar-se e precisamos de ter uma solução";
“Essa poluição não aparece por acaso; ocorre porque nenhuma das estações de tratamento de esgoto [ETARs] funciona adequadamente, e está provado que a Administração sabe disso há muito tempo e confunde a opinião pública sobre a verdadeira situação”;
"Trindade observou que, ao contrário da poluição resultante dos resíduos plásticos, o impacto das águas residuais não tratadas tem consequências diretas e imediatas, embora a maioria da população não tenha consciência da gravidade da sua exposição";
“Não estamos falando apenas de gastroenterite, há muitas coisas envolvidas. Houve explosões ocorrendo no esgoto de Macau há alguns meses [devido a concentrações de gás metano], o que poderia ter conseqüências muito piores ”. O CEO da CESL Asia também disse que outros casos estão sendo relatados. Por exemplo, as pessoas que ficam intoxicadas por gases residuais em suas próprias casas são uma situação que normalmente ocorre durante a noite, quando há menos uso da tubulação de esgoto, disse ele. "O mesmo acontece com as toneladas de peixe que morrem a cada semana ou mais e a administração responde que isso se deve à falta de oxigênio, que é uma afirmação quase grotesca." "As pessoas comuns provavelmente não sabem, mas os especialistas sabem que a falta de oxigénio é um termo técnico para a poluição extrema";
“Há 15 anos, Macau era considerado um centro de excelência em termos de infra-estrutura ambiental pública. Os problemas foram claramente identificados, mas infelizmente nada mudou ”;
"(...) passados mais quatro ou cinco anos, não há ETAR e não o teremos - pelo menos nos próximos três ou quatro anos. Então, o que estamos vendo é um atraso que chega a quase 10 anos, algo completamente impensável ”;
“Macau não pode ser transformada em um Centro Mundial de Turismo e Lazer para a Grande Baía em condições tão precárias”.
Recorde-se que o número dois da CESL-ASIA, e também seu accionista de referência e membro do Conselho de Administração, é o antigo deputado Dominic Sio, actualmente membro do 13.º Congresso Popular Nacional da RPC.
Dada esta sua qualidade, responsabilidades que tem na RAEM e perante a sua população e inerente sentido patriótico, certamente que não deixará de colocar ao corrente do que se está a passar em Macau a liderança chinesa em Pequim, a qual deverá extrair todas as consequências do trágico quadro actual (que deverá incluir ainda uma análise séria sobre a situação da saúde pública local, em que inclusivamente doenças praticamente erradicadas aparecem em força e numa instituição hospitalar privada largamente subsidiada pelo Governo) quando chegar o momento de emitir as suas "instruções" para a escolha do futuro Chefe do Executivo.
Se ao quadro ambiental actual juntarmos aquele que foi apresentado pelo Comissário Contra a Corrupção (CCAC), no seu último relatório, onde se denuncia o aumento de casos de abuso de poder, burlas e fraudes, roubos de materiais e até férias pagas com dinheiros públicos, mais o que se sabe sobre a falta de profissionais qualificados a todos os níveis – de médicos e enfermeiros a motoristas –, atraso e derrapagem nas obras públicas, crítica a diligências de altos titulares para admissão de familiares na função pública, então o panorama na RAEM, em final de ciclo do actual Chefe do Executivo, é o de um verdadeiro filme de terror.
Uma coisa é certa: persistir nas soluções do passado, apenas porque estas têm o apoio de alguns ricaços maiorais locais, que há muito perderam a vergonha e apenas possuem um sentido patriótico de fachada para garantirem os seus privilégios em prejuízo de todos, só vai servir para agravar os problemas.
Hoje falta na água o oxigénio aos peixes. Em matéria de decisão política e boa administração, a avaliar pelo deserto de ideias, há muito que também vem rareando o oxigénio. Esperemos que amanhã o oxigénio não acabe de vez para todos os outros que não têm culpa nenhuma e que nem sequer podem escolher os seus governantes.