Voltar ao topo | Alojamento: Blogs do SAPO
Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
(créditos: Portugal Resident)
Nem de propósito.
Há dias chamava aqui a vossa atenção para os excessos do turismo de massas e a sua perniciosa influência na vida dos residentes, acelerando a degradação dos locais que visitam e das condições de vida dos residentes.
Pela imprensa britânica fiquei hoje a saber que os habitantes de Sintra, pitoresca e acolhedora vila portuguesa, resolveram tomar posição perante os excessos decorrentes da devassa do seu espaço pelo turismo de massas.
O Express titula que “Locals in 'Europe's most beautiful town' threaten 'guerilla action' over 'hell'”. O tablóide Daily Mail escreve que “Europe's war on tourism has now spread to Portugal and Switzerland.”
O jornal Portugal Resident esclarece que a Associação QSintra divulgou um comunicado com o título “Em defesa de um lugar único” sublinhando que “o turismo é importante para Sintra, mas não pode ser um factor de degradação da paisagem e de despovoamento da zona”, referindo que a vila tem todas as condições para ser um “centro cultural e grande qualidade e projecção mundial”, mas que “há demasiada gente, e demasiados carros e autocarros na vila e a serpentear pelas estradas estreitas.”.
Há dez anos, um artigo no The Guardian elencava 6 razões que impunham uma diferente abordagem deste modelo de turismo, o qual já teria ultrapassado o seu auge. E escrevia-se então que o “turismo industrial de massas baseia-se na montagem, distribuição e consumo de produtos embalados”, em que “a mercantilização do que deveria ser reverenciado como único é ainda agravado pela aplicação de estratégias industriais de redução de custos de homogeneização, de estandardização e de automatização que eliminam ainda mais quaisquer vestígios de diferença, quanto mais de mística (...)”. Depois, referia-se que “as baixas barreiras à entrada e a ausência de regulamentação encorajam o crescimento rápido e a especulação”. O “turismo é um produto perecível”, que “não pode ser armazenado”, acrescentando-se que “os visitantes fazem com que os preços da terra, dos alimentos, da água, da habitação e das infra-estruturas aumentem a um ritmo estreitamente correlacionado com o declínio das margens dos operadores turísticos”, tendo como consequência que “mais turismo significa muitas vezes menos benefícios para as comunidades de acolhimento.”
Um destino turístico não deve ser visto simplesmente como “um recurso a ser explorado, mas como um lugar sagrado a ser protegido e celebrado pela sua singularidade”, defendendo-se, em alternativa, “menos volume, congestionamento, incómodo, destruição e danos”, em prol de um turismo com “mais significado, propósito, valor, paz e realização”, pugnando-se por “não mais, mas melhor” turismo.
Perante o que está acontecer em Sintra e em tantos locais de peregrinação turística por esse mundo, o Turismo de Macau continua na idade da pedra e só se entusiasma com cada vez mais gente a entrar. A primeira página desta manhã do jornal Ponto Final informava-nos de que só este ano, até 25 de Julho, já entraram 19 milhões de turistas (pseudo-turistas) em Macau, representando um crescimento de 38,2%. Num dia entraram 135.000 pessoas numa cidade que tem menos de 700.000 habitantes.
Desconheço se os responsáveis turísticos já circularam por Macau, anónimos, pelos locais de maior concentração de visitantes, mas deviam fazê-lo. Para um residente, até uma simples ida à Cinemateca num sábado à tarde se tornou num pesadelo, tantos são os encontrões que leva, a berraria e a fumarada rua após rua.
O próximo Chefe do Executivo, seja ele qual for, deverá repensar o modelo turístico de Macau. E colocar uma alínea sobre este problema no seu programa de governo.
Se a política de turismo do Tibete fosse idêntica à da RAEM aquele paraíso natural e cultural da humanidade já se teria transformado num parque de diversões de montanha, gerando lixo e poluição em quantidades astronómicas. E estou certo de que ninguém quererá isso em Pequim.
Também em relação a Macau, se os responsáveis locais não conseguem perceber o mal que estão a fazer à cidade, ao seu património, às suas ruas, e à qualidade de vida da maioria dos seus residentes, se não conseguem ver isso e contribuir para a existência de política sustentáveis e de longo prazo para o turismo de Macau, então deverá ser o Governo Central a colocar um travão à falta de racionalidade e bom senso para que se possa valorizar e proteger aquilo que constitui património de todos.
Isso é que seria muito patriótico. Não o caos e a balbúrdia actuais e que terão no futuro, aliás já no presente, custos elevadíssimos (turísticos, ambientais, e na qualidade de vida e na saúde dos residentes e das futuras gerações) para todos os que aqui vivem.
Os táxis voltaram à ordem do dia. Não quer isto dizer que alguma vez tivessem deixado de ser tema de conversa, crítica, indignação por parte de residentes e visitantes. Mas desta vez trata-se da ordem do dia do plenário da Assembleia Legislativa. E não foi essa a primeira vez que o assunto foi levado ao hemiciclo.
Dos deputados à população não há quem há anos não se queixe quer da pura e simples ausência de veículos, quer da péssima qualidade do serviço prestado.
Tratando-se de um problema recorrente, que aliás tem motivado muitas e fundadas queixas por parte de nacionais que vêm do interior da China até Macau, é difícil compreender a inércia, falta de vontade, resistência ou simples incapacidade do Chefe do Executivo e do seu Governo para resolverem este problema.
O serviço de marcações não funciona. Acontece muitas vezes ser feito um agendamento, dizerem que será confirmado e que no próprio dia, cerca de dez minutos antes da hora marcada, entrarão em contacto com o utente, quando na realidade sucede que nesse dia e à hora prevista ninguém diz nada, ninguém telefona ou atende os telefones e não é dada qualquer justificação para a ausência da viatura. Um drama para quem tem de viajar para o exterior e se arrisca a ficar pendurado em Macau por falta de táxis e de transportes públicos capazes.
Depois, nas ruas, muitas vezes é o salve-se quem puder. Veja-se o que se passa, por exemplo, na Taipa, com dezenas e centenas de pessoas a aguardarem a sua vez por um táxi e com os motoristas a largarem os passageiros antes ou depois do local destinado para esse efeito, de maneira a que não tenham de esperar e possam negociar directamente preços com quem está fora das filas, muitas vezes nas barbas dos polícias que nada fazem, fechando os olhos e ignorando a confusão gerada.
A indignação de muitos viajantes que chegam de Hong Kong e do interior do país é notória. Alguns manifestam, como sucedeu recentemente numa reportagem da TDM, a sua insatisfação e incompreensão perante uma situação que não se verifica do outro lado da fronteira.
Como se tal não bastasse, sabe-se que há períodos do dia em que é quase impossível apanhar um táxi, pois parece que vão todos tomar as refeições e render à mesma hora. É o que acontece entre as 18 e as 20 horas, e nos dias de chuva então é melhor nem dizer nada.
E o problema da falta de táxis em Macau não se resolverá com um aumento de tarifas, com a "legalização" das irregularidades ou a atribuição de "prémios de desempenho", como peregrinamente sugeriu o deputado Ma Io Fong.
A única solução viável para o problema da falta de táxis e a recorrente má qualidade do serviço é o desmantelamento do lobby que manda nos táxis e a liberalização dos serviços com a introdução de mais concorrentes, já que também continua a ser incompreensível a ausência de outros serviços do tipo UBER à semelhança do que existe em Hong Kong, em muitas cidades chinesas e em quase toda a Ásia.
Quando há dias ouvi o dirigente de uma associação de táxis local considerar que a atribuição de mais 500 licenças seria um exagero, aconselhando-se prudência na sua atribuição, lembrei-me dos dados publicados pela revista Macau Business que salientavam ser o número de residentes e turistas por táxi de 19086 em Macau, de 3491 em Hong Kong, de 388 em Taiwan e de 1814 em Singapura, números que dizem tudo sobre a irracionalidade do serviço de táxis que temos e a condescendência dos responsáveis governamentais, há um ror de anos, perante esta inqualificável bagunça que não tendo sido, seguramente, herdada do tempo colonial, nada abona a favor do patriotismo e talento dos dirigentes locais.
A incompetência, a incapacidade governativa para a resolução do problema dos táxis e o seu arrastamento ao longo de anos com conversa fiada não têm nada de patriótico. Pelo contrário, dão cabo da imagem da pátria perante quem nos visita, prejudicam e exasperam a população, colocam a reputação da cidade nas ruas da amargura, causam múltiplos transtornos aos residentes, mancham a imagem do turismo, são fonte de conflitos nas ruas e colocam Macau ao nível do caos.
As declarações desta tarde da Chefe do Governo de Hong Kong podem ajudar a esclarecer alguma coisa sobre o que se está a passar, mormente quanto à sua consistente falta de aptidão para resolver a crise política e social em que a Região Administrativa Especial de Hong Kong está mergulhada.
O caos está instalado há várias semanas. Pelo que hoje se ouviu estará para continuar.
Diz Carrie Lam que até ao momento nunca apresentou a sua demissão ao Governo Central, que jamais discutiu com este essa possibilidade, e que a decisão de continuar, não se demitindo, é exclusivamente dela.
Nada disto, e a forma veemente como o afirmou, permite a alguém concluir que não seja assim. Daí, talvez, que a própria refira que não quis escolher o caminho mais fácil – admito que para ela e para Pequim –, preferindo ficar e prosseguir com a sua equipa e "o povo de Hong Kong".
Sem querer dar toda a razão ao cronista Alex Lo (Hong Kong: a failed political experiment), quando categoricamente nos diz que Hong Kong é um falhanço tão grande que conseguiu colocar de acordo "mainlanders" e chineses de Taiwan, talvez que a explicação do desastre – visto não em termos teóricos, pois continuo a pensar que o princípio "um país, dois sistemas" tem virtualidades, mas em termos práticos – resida na admissão de factos, por parte da senhora Carrie Lam, que não têm qualquer correspondência na realidade.
Fê-lo noutras ocasiões. Repetiu-o hoje para confirmá-lo.
Quando a Chefe do Executivo assume que não se demite porque quer continuar o caminho com a sua equipa e o povo de Hong Kong, isso estará muito certo quanto à sua equipa. A sua equipa foi convidada, aceitou o convite, foi nomeada, e é paga (bem) para isso. Mas quanto ao povo de Hong Kong, quem é que lhe perguntou se queria a senhora Carrie Lam a mandar? Quando é que o povo se manifestou? E perante a crise actual, e com toda a inaptidão revelada pela senhora e a sua equipa, alguém perguntou ao povo de Hong Kong se queria prosseguir com a actual Chefe do Executivo? Pagaram ao povo de Hong Kong para aceitá-la?
A mim parece-me que a Chefe do Executivo de Hong Kong se predispôs, uma vez mais, a transportar no seu veículo passageiros que há semanas não se cansam de berrar, e alguns até de vandalizarem vidros e estofos, para vincarem a sua posição. Isto é, que não querem prosseguir a marcha nas actuais condições; e ainda menos se conduzidos pela senhora. E acrescentam entre gritos e choro que só continuarão dentro daquele veículo à custa de muita pancada.
Poder-se-á sempre dizer que o povo de Hong Kong não escolheu, e que também não manifestou oportunamente a sua oposição à solução negociada. E que até poderia tê-lo feito no tempo colonial. Em todo o caso, quanto a este ponto, penso que como qualquer pessoa de bem e de boa fé confiou no que lhe foi prometido, tanto pelo tutor colonial que lhe foi imposto após a Guerra do Ópio, como pelo mãe biológica da qual fora apartado há mais de 150 anos.
Vinte e dois anos depois da transferência de soberania, embora tivesse começado a dar sinais anteriormente, a confiança desmoronou-se de vez.
Como num qualquer contrato de casamento, um dos cônjuges, neste caso o povo, fartou-se das juras e das promessas não cumpridas pelo outro, o Chefe do Executivo de HK. Juras e promessas avalizadas pelo sogro que vive em Pequim. Vê-se por aqui que não se trata, obviamente, de uma relação entre mãe e filho, ao contrário do que candidamente pensava Carrie Lam, ainda em Junho, em mais uma leitura distorcida da sua situação, digamos assim, político-familiar.
A senhora Carrie Lam, mais a mais sendo pessoa evangelizada e habituada a ouvir homilias, devia saber que por mais que os anos passem um casamento por conveniência só será eterno se a ele não sobrevir o sofrimento e a infelicidade de uma das partes. Se a estes se juntarem depois os maus tratos físicos, verbais e psicológicos por parte de um cônjuge autoritário e dominante, então estarão criadas as condições para a louça se começar a partir e os móveis voarem pelas janelas e varandas. Tudo perante a revolta dos filhos trintões que, não conseguindo arranjar casa para se mudarem, se sentem injustiçados e estão fartos de assistir às cenas de insulto e de estalada à hora da novela. A paciência destes é igualmente um recurso finito.
E é claro que chamar o vizinho, só porque é um primo bem colocado na polícia, com amigos em Macau e da confiança do sogro, para bater no cônjuge queixoso e nos filhos incompreendidos, em vez de procurar acalmá-los e resolver o problema sem violência, como gente civilizada, também poderá não ser a melhor solução. No limite zangam-se todos, não fica nada de pé, e ainda correm o risco de chegarem a 2047 deserdados pelos tios que têm o negócio das antiguidades e velharias.
Em termos sucintos é assim que estão do outro lado do delta do rio das Pérolas.
O que se passa nas ruas e estradas de Macau é impossível de descrever em meia dúzia de linhas.
Dos acessos às pontes de Sai Van e da Amizade aos engarrafamentos quase permanentes na Avenida dos Jogos da Ásia Oriental, da Rotunda Ouvidor Arriaga à Rotunda do Istmo, sem esquecer a Avenida Marginal Flor de Lótus o caos é total.
As obras não param, os buracos e as barreiras são em todo o lado, crescem como cogumelos, os condutores das carrinhas dos junkets, motoristas de táxis e autocarros e camionistas fazem o que querem e como querem. Não respeitam nada nem ninguém, ignoram sinais de mudança de direcção dos outros veículos quando as vias estão parcialmente obstruídas, e mal sinalizadas, e os outros condutores querem mudar de faixa. Entram por onde lhes apetece, encostam à direita para depois voltarem à esquerda atravessando-se à frente de quem segue na faixa do lado, por sinal a do meio, à sua esquerda, obrigando tudo e todos a seguirem o seu estilo de condução se se quiserem safar. Na Taipa, ao circular da Avenida do Governador Albano Oliveira em direcção à Avenida dos Jogos da Ásia Oriental é normal apanhar motoristas de táxi a saírem em contra-mão dos acessos ao Hotel Roosevelt em direcção à rotunda onde está a bomba de gasolina da Mobil só para não terem de se meter no engarrafamento e darem a volta. Até hoje não houve um acidente por puro milagre, sendo certo que os acessos ao referido hotel também foram mal projectados.
Quanto à PSP não sabe como orientar o trânsito. Tão depressa impede a circulação nas rotundas, sem qualquer critério, como manda todos os veículos avançarem ao mesmo tempo de maneira a que ninguém consiga circular e todos fiquem parados. Onde devem estar quando são precisos nunca estão e depois de criarem a confusão montam nas suas motas e vão até outro lado verificar parquímetros e deixar mais uns talões de multa.
A falta de civismo de quem anda na estrada explica muita coisa, mas é, todavia, ainda assim insuficiente para também abarcar a péssima condução de muitos, a começar pelos que vêm do outro lado da fronteira em grandes SUV e carros topo de gama, cuja indisciplina e arrogância em matéria de condução estradal ultrapassa todos os limites, colocando em causa outros veículos, mas em especial os condutores de motociclos e os peões, incluindo nas passadeiras.
Com o estado a que chegamos, com um Secretário para os Transportes em exaustão e sem paciência nem vontade para corrigir as coisas, com um Chefe do Executivo meramente para cerimónias protocolares, ao cidadão só resta ter paciência.
E rezar, se for crente, para que nada de grave aconteça, para que não haja mais tufões, nem calamidades, e chegue depressa uma nova equipa governativa com alguma capacidade de decisão e de gestão.
O interesse pelos assuntos da Região, a discussão pública das matérias de interesse público e a justa indignação cívica pelo que de mais aberrante sobressai da actuação do Governo e do que se tem legislado, salvo momentos pontuais, não têm constituído ao longo dos anos marcas da participação dos cidadãos de Macau nas questões que lhes dizem respeito. Tornam-se por isso mais noticiadas as acções que fujam ao padrão e que se traduzam em manifestação pública de descontentamento. Foi o que aconteceu no passado dia 8 de Janeiro com um desfile convocado por um grupo de "cidadãos revoltados" que contou com o apoio de alguns deputados e a logística da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau a propósito da entrada em vigor dos Despachos do Chefe do Executivo n.ºs 525 e 526/2016, ocorrida ao cair do pano sobre o ano transacto.
Reparar-se-á que as poucas manifestações de desagrado que se têm verificado têm resultado, a pretexto da protecção de interesses muito específicos, alguns de duvidoso interesse comunitário, da introdução de maiores factores de distorção, dentro de um espaço relativamente pequeno, dos sinais de equilíbrio, proporcionalidade, justiça e bom senso que durante anos aqui prevaleceram.
A contestação gerada pelos despachos do Chefe do Executivo acima referidos, que agravaram de forma leonina alguns dos valores da Tabela de Taxas e Preços da Direcção dos Assuntos de Tráfego e para a remoção e depósito de veículos nos silos e parques de estacionamento, foram desta vez o mote. Mas vejamos o porquê da situação.
Qualquer agravamento de taxas ou coimas é sempre encarado com desconfiança pelos cidadãos. Se as primeiras são tecnicamente a contrapartida pela prestação de um serviço, as segundas constituem um modo de penalizar atitudes e/ou comportamentos que não são suficientemente graves para serem considerados crimes e cujo desvalor não será visto, nem por quem governa e as decide, nem pelo sentimento maioritário da comunidade, como sendo susceptível de colocar em causa os seus valores essenciais. Por isso, também, muitas vezes, embora sejam vistas com desagrado pelos destinatários não geram grandes reacções públicas, nem levam as pessoas à rua com cartazes e palavras de ordem para vincarem o seu desagrado.
O problema acontece quando o agravamento dessas taxas e coimas é apenas a face mais visível da falta de bom senso de quem governa e o resultado de condutas autocráticas e incompetentes por parte dos poderes político e legislativo que têm repercussão directa e imediata no quotidiano dos cidadãos, que estando, à partida, predispostos a acatarem as decisões legitimamente emanadas das autoridades competentes, num dado momento sentem que aquelas violam o sentimento de justiça dominante e colocam em xeque o fiel da balança em que assentam os equilíbrios sociais.
Posto isto, é compreensível a indignação de quem saiu à rua para protestar contra os despachos do Chefe do Executivo. Se os aumentos em si já são perfeitamente absurdos, constituindo argumento para mentecaptos vir justificar aumentos de taxas e multas que vão dos 50 a mais de 1000% com a falta da sua actualização, sabendo-se que não há inflação que o justifique, a generalidade dos cidadãos não teve aumentos dessa ordem de grandeza, não houve qualquer melhoria na prestação dos serviços em causa e a qualidade de vida da comunidade é infinitamente pior, torna-se ainda mais aberrante pensar que esse tipo de medidas seria aceite pela população sem ondas quando a actuação das autoridades tem sido mais penalizadora para segmentos específicos, em regra os mais desfavorecidos e com menos meios para fazerem face aos constantes ataques que lhes são dirigidos pelo poder político e empresarial, os quais colocam em causa a sua capacidade de compreensão e sancionam em termos gravosos e irremediáveis a sua qualidade de vida.
Tudo estaria bem se os cidadãos ao longo dos anos tivessem contado com uma gestão séria, sensata e competente da coisa pública. Se fosse esse o caso, hoje estariam todos mais disponíveis para reconhecerem o esforço de quem governa e compreenderem o sentido de algumas decisões. Infelizmente, não foi o que aconteceu. E que teima em persistir.
Daí que se torne mais difícil aceitar decisões como as que actualmente são objecto de discórdia quando:
a) Em relação aos auto-silos públicos concessionados qualquer pessoa vê que estes estão entregues ao lixo e ao desleixo dos concessionários, que há anos fazem o que querem, sem manutenção, sem investimentos, com renovação insuficiente da atmosfera, com acessos imundos, muitas vezes servindo de depósito de lixo, receptáculo de urinas várias de animais de diversas espécies e de guarida de toxicodependentes, com serviços que continuam a só dar recibos a pedido, constituindo um acto de coragem circular por eles respirando cheiros vários e muitos fumos;
b) A caça à multa é insistente e permanente a qualquer hora do dia em relação aos veículos privados e motociclos, durante a semana, muitas vezes à noite e a intervalos regulares, aos sábados de manhã, domingos e feriados, junto de zonas residenciais e urbanizações privadas (exemplos: One Oasis, Taipa, Rua das Árvores do Pagode, Estrada de Seac Pai Van), não raro em locais onde praticamente não há circulação nesses dias e horas e onde os veículos não causam qualquer estorvo, à porta de escolas, de mercados e de supermercados onde não existem locais públicos de estacionamento;
c) Se vêem múltiplas vezes veículos da PSP que circulam e estacionam em transgressão, como na imagem que acompanha este texto (obtida no sábado, 08/01/2017, entre as 10 e as 11 horas no acesso a um túnel de grande circulação), não utilizando sinais de mudança de direcção, circulando aos ziguezagues pelo meio do trânsito, muitas vezes parando em transgressão para irem multar outros veículos ou estacionando na entrada de auto-silos (ZAPE);
d) Os autocarros das concessionárias de transportes públicos e casinos e os veículos pesados, camiões e betoneiras, não respeitam nada nem ninguém, param onde querem e como querem, entram de qualquer maneira nos cruzamentos, nas vias com mais de uma faixa atiram-se imediatamente para a faixa direita e aí permanecem, como quando circulam nas pontes, impedindo ultrapassagens que acabam por ser consumadas pela esquerda, sistematicamente ignoram os sinais de mudança de direcção, colocando em risco a circulação dos outros utentes da via, e em situações de congestionamento impedem a entrada de outros condutores que estão em vias laterais de acesso, mostrando toda a sua falta de civismo, compreensão e tolerância para com os outros;
e) Enormes nuvens negras continuam a sair impunemente dos escapes de veículos pesados e de táxis;
f) As intervenções pontuais de agentes reguladores causam mais transtorno do que fluidez ao trânsito (caso típico é o das rotundas, como junto ao Hotel Galaxy, no Zape ou na Taipa);
g) São retirados e eliminados locais de estacionamento e não se colocam parquímetros em sítios onde eles deviam existir;
h) Não existe qualquer planificação decente das obras que são levadas a cabo sendo quase permanentes os transtornos à circulação causados pelas múltiplas empresas concessionárias, IACM e/ou DSOPT;
i) O alcatrão continua a estar em péssimo estado na maior parte das ruas (recentemente algumas foram melhoradas) e pontes, são centenas e centenas de tampas de esgotos e de empresas concessionárias que estão desniveladas, as intervenções são realizadas "às três pancadas" e são inúmeros os locais onde o piso abateu sem que haja uma intervenção correctiva;
j) Os táxis continuam sem rei nem roque, rudes, sujos e poluentes, são insuficientes e há horas do dia em que simplesmente não existem porque vão todos comer e render à mesma hora (entre as 18.30 e as 20:00);
l) É normal que táxis, carrinhas e carros de luxo dos "casineiros" parem em segunda fila e à porta de restaurantes de luxo, estorvando o trânsito sem que nada lhes aconteça;
m) Inexiste um sistema decente de transportes públicos, cujos autocarros circulam cheios às mais diversas horas do dia ou não existem quando são necessários, amontoando-se as pessoas nas paragens, na maioria trabalhadores que pretendem ir trabalhar ou regressar a casa no final de mais uma jornada;
n) O sistema de multas está totalmente informatizado, os tribunais continuam a aguardar a informatização, o papel acumula-se e os vendedores de papel e fotocopiadoras continuam a alegremente enriquecer prejudicando o ambiente.
O rol poderia continuar, pois que é imenso e múltiplas as razões de queixa dos cidadãos. Para já basta.
Por aqui se vê como aos poucos vai-se quebrando a harmonia social que fez de Macau um caso único de convivência entre as suas múltiplas comunidades.
Seria bom que os poderes executivo e legislativo e as autoridades policiais, de vez em quando, pensassem nestas coisas. E que quando o fizessem tivessem presente que é sempre melhor desligar o fogão e levantar a tampa para sair o vapor antes da panela de pressão explodir. Mas cuidado, porque se quiserem depois voltar a acender o lume para o polvo ou a dobrada acabarem de cozer estes já não vão amolecer. Nestas situações, a panela pode não explodir, mas depois há dentes que já não resistem ao esforço.
Não estou no grupo daqueles que estão sempre contra a autogestão. Penso, aliás, que a autogestão em período pré-eleitoral, no que diz respeito à actividade de governos, permite aos eleitores aperceberem-se de alguns pormenores que noutras situações passariam despercebidos. Foi assim com alguns governos do PS em fim de ciclo, está a ser assim com o actual governo. No caso das colocações dos amigalhaços em embaixadas e consulados, com a reabertura do que havia sido encerrado por Paulo Portas, bem como em relação aos serviços que andam a ser prestados para fins partidários por diversos organismos da Administração Pública, assim se justificando os impostos que pagamos, é possível ainda encontrar sinais vitais no corpo da coligação PSD/CDS. A profunda sintonia de posições entre as atitudes dos ministros e as propostas políticas dos representantes de cada um dos partidos sobre os mesmos assuntos não permite outras leituras. Mais transparente e mais sincero não há.
Cenas da vida real no Hoje Macau.
Ao ler este editorial do New York Times, depois de tudo o que tem saído por estes dias nas páginas da imprensa estrangeira, que tanto jeito deu a Passos Coelho e Paulo Portas quando se tratou de "enterrar" Sócrates e Teixeira dos Santos por causa da má reputação internacional do país, a tal ponto que foram escritos comunicados em inglês pelo PSD para explicar a situação então vivida, é uma dor de alma ver o estado putrefacto a que conduziram um regime já de si muito desacreditado.
Ainda nos havemos de lembrar por muitos e bons anos da troika dos três cês: Cavaco, Coelho e Costa. Razão tinha o Honório Mau, quer dizer, Novo, enquanto um certo camarada dormia na forma à espera de ser primeiro-ministro.
Lido o excerto da carta do Presidente cessante da Imprensa Nacional Casa da Moeda, publicada hoje no Público (página 18) e que aquele jornal classifica de "insólita", onde entre outras coisas se pode ler que "os últimos meses, por razões internas e externas, foram marcados por um conjunto de dificuldades que não pensava ter de enfrentar enquanto presidente de um órgão colegial" e que "não se pode agradar a gregos e a troianos", seria bom saber o que levou a este triste epílogo que mereceu destaque em Angola e implica para os contribuintes portugueses o pagamento de uma indemnização equivalente ao valor dos salários de toda a administração por conta dos meses que ainda faltavam cumprir até final do mandato de quem sai.
Mas sabendo quem nomeou esta administração, e não tendo sido os administradores exonerados com justa causa, seria muito importante conhecer, até por razões de transparência e accountability, o que se passou de tão grave que vai obrigar o erário público a pagar mais umas dezenas (centenas?) de milhares de euros, pelo menos, a quem deixa de exercer funções. E, já agora, que se esclareça quem são os gregos e os troianos sem que tenhamos todos de ficar "à espera do comboio na paragem do autocarro".
Que diabo, não é por nada, mas tendo sido a administração cessante nomeada pelo actual executivo, não tendo ninguém transitado do anterior órgão de gestão, era imperioso saber o que correu mal que justifique esta inusitada decisão. Não havia um plano a ser cumprido? É que com eleições legislativas daqui a um ano o normal seria, se estavam a trabalhar bem, que terminassem os respectivos mandatos, sem que houvesse duplicação de encargos para os contribuintes numa altura de grave crise.
Sabemos que para lá vai mais um militante do PSD, ou mais do que um, e que a CReSAP deu parecer favorável às escolhas, sendo tudo conforme a lei, tal como aliás já tinha sido feito com anteriores nomeados. Logo, conclusão minha, todos deviam ter à partida currículo, qualificações e competência para as funções. Então, não tendo eu nada contra a competência qualquer que seja a cor política, que correu mal?
Não acredito que a ministra das Finanças, que para lá tinha "despachado" a sua ex-chefe de gabinete, não se entenda com o sempre educado ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares. O facto do PS estar em crise não quer dizer que a opinião pública esteja a dormir. Ou a banhos.
É um problema que por aqui afecta muita gente. Não é o único, mas achei que seria bom começar por esse. Graças ao Hoje Macau e ao Carlos Morais José. Serei mais breve da próxima vez.
A desarmante e incisiva lucidez do discurso coerente casa mal com a demagogia populista. Custa-me ver a forma como se perde o lastro histórico no discurso histriónico. Devia haver uma forma democrática de proteger dos seus próprios excessos quem tanto contribuiu para a redução da nossa infelicidade colectiva.