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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Sem palavras. Foi um campeonato à Ayton Senna. Saímos à frente e chegámos à frente, sozinhos. Como é próprio de quem alumia o caminho dos outros. Com uma chama imensa.
Jogar de amarelo não é normal. Na Liga dos Campeões ainda menos. E se me perguntassem o que penso disto iria certamente começar a adjectivar. Mas hoje não há adjectivação. Só factos. E estes estão à vista de todos. Não há muito para dizer. É mesmo melhor que cada um guarde para si o que tem a dizer e se limite a viver o momento. A senti-lo. Porque há muitos anos que não se via nada disto. E só nós sentimos assim. Disse-o um dia o Mário Coluna. E sabia o que estava a dizer. Este é um desses dias. Que seja eterno enquanto dure. A bênção, Senhor.
Com a qualificação para os oitavos de final da Liga dos Campeões garantida com classe e distinção, após um percurso imaculado e uma jornada épica na catedral da Luz, é tempo de voltarmos ao essencial.
O campeonato está de volta.
Regressemos à terra, pois, concentremo-nos no essencial, e sigamos o exemplo de Roger Schmidt, deixando as "peixeiradas" para outros.
Ah!, e já agora, deixem os meninos e os rapazes em paz, dêem-lhes espaço.
Deles será o futuro. Para já, enquanto bem jovens, ganharam tudo o que de importante havia para ganhar: Campeonato Nacional, Champions League (UEFA Youth Cup) dos pequeninos e a Taça Intercontinental de Sub-20. A final contra o Peñarol, no Estádio Centenário, em Montevideu, e perante 40 mil pessoas, reeditou velhos encontros dos graúdos. Há ali muito talento, muita esperança e muito trabalho. Espero que não se percam. Hoje estão de parabéns, inteiramente merecidos. Esperemos poder repeti-los amanhã com outros troféus.
(créditos: @Paulo Novais/Lusa)
A época futebolística do Benfica terminou como começou. Isto é, em humilhação e vergonha.
Humilhação porque uma equipa que vale centenas de milhões de euros, com um investimento de início de época de mais de cem milhões, recheada de jogadores com experiência internacional, pagos a peso de ouro e que são titulares nalgumas das melhores selecções do mundo, não podem jogar tão pouco como o que demonstraram ao longo da época. Ainda porque aquilo que foi prometido aos sócios e adeptos foi que a equipa iria jogar muito mais do que com Bruno Lage, que iria conquistar títulos, ter uma presença europeia à altura dos seus pergaminhos e ser dominadora a nível interno.
Não foi nada disso o que se viu.
Durante toda a época os jogadores do Benfica apresentaram um futebol miserável, que apenas melhorou a espaços durante alguns jogos e em períodos curtos, tendo a equipa sido incapaz de segurar resultados e tirar partido dos momentos em que ganhou algum ascendente, como aconteceu no jogo para o campeonato com o Sporting, já depois deste se ter sagrado campeão nacional, e em que depois de estarem a ganhar por 3-0 e 4-1 andaram completamente aos papéis.
As escolhas de jogadores e as tácticas para os jogos foram um desastre. A defesa nunca chegou a acertar. Retirou-se a titularidade da baliza a um grego excepcional entre os postes e com potencial. Mudou-se a forma de jogar habitual da equipa para um figurino com três centrais do qual não se retirou nenhum proveito. O treinador teimosamente insistiu. As alterações durante os jogos raramente e só por mero acaso surtiram algum efeito. A maior parte dos reforços não passou de uma promessa permanentemente adiada ou de um erro de casting. Jogadores lentos, apáticos, jogando sem qualquer inteligência, prontos para a quezília e a discussão sem razão. Uma linha média que parece estar sempre cansada, ausente, trapalhona, fazendo faltas sem necessidade e a destempo, atrás de uma frente de ataque desacertada, que se esforça e corre muito sem proveito, e que falha ainda mais, normalmente de forma escandalosa diante das balizas adversárias.
Eliminados numa pré-eliminatória da Liga dos Campeões, que arruinou a época financeira, e onde se entrou com a maior displicência para sermos eliminados por uma equipa da segunda divisão europeia sem qualquer currículo. Derrotados de forma categórica na final da Supertaça, corridos da Taça da Liga, afastados da luta pelo Campeonato Nacional com sucessivas desculpas e erros múltiplos, que um treinador espaventoso quis desculpar com a COVID-19, como se esta não tivesse afectado todas as equipas em Portugal e na Europa. Acabou discutindo o terceiro lugar com o quarto classificado na mais importante prova interna, depois de afastado da Liga Europa sem qualquer glória e terminar uma época que se revelou penosa perdendo, uma vez mais, uma final da Taça de Portugal, com jogadores expulsos, sem qualquer fibra nem controlo nervoso, e que deram um espectáculo deprimente durante a maior parte do tempo.
A Supertaça Cândido de Oliveira da próxima época também já ficou perdida porque também não iremos lá depois da derrota de ontem em Coimbra. E Luís Filipe Vieira e Jorge Jesus continuarão a assobiar para o ar, fazendo de calímeros e prometendo mundos e fundos aos papalvos que ainda acreditam no Pai Natal, enquanto alguns empresários amigos vão embolsando milhões em comissões e o nome do clube arrasta-se pela lama que é posta a descoberto pelas investigações judiciais e parlamentares.
Os únicos benfiquistas campeões no futebol profissional masculino foram-no noutra equipas. Fosse em Portugal, em Espanha, em Inglaterra ou em França. A esses, e aos nossos adversários que em Portugal, com inteiro mérito, conquistaram troféus, só há que reconhecer que foram melhores e dar-lhes os parabéns, fazendo votos de que no que a nós diz respeito não se volte a repetir.
Gostava de poder pensar que para a próxima época será diferente, mas tenho dúvidas que tal seja possível. E tenho pena porque gostava de voltar a ter esperança.
Por agora tenho somente vergonha. Não tanto pelas derrotas, mais pela forma como se perdeu, e pelas deprimentes conferências de imprensa do nosso treinador. Embora tenha consciência de que enquanto para os lados do meu clube continuar a imperar, dentro e fora das quatro linhas do futebol profissional, uma cultura desportiva assente num novo-riquismo esbanjador, chico-espertista, parolo, convencido e mal-educado será difícil esperar mais e melhor.
Por muitas lágrimas e muito suor que escorram pelos rostos dos mais novos e dos mais inconformados.
Se olharmos para os últimos nove jogos do Benfica (já nem falo do jogo com o Belenenses em que estivemos no trapézio), verificamos que a equipa perdeu no Dragão em 9 de Fevereiro (3-2), a seguir perdeu em casa com o Braga (0-1), logo depois voltou a perder com o Shaktar (2-1), e a partir daí limitou-se a vencer um único jogo, ao Gil Vicente (1-0), empatando sucessivamente com Shaktar (3-3), Moreirense (1-1), Setúbal (1-1), Tondela (0-0) e, finalmente, ontem, com o Portimonense (2-2). Estar a ganhar por 2-0 ao intervalo não serviu de nada porque depois sofremos golos como se estivéssemos num jogo de subbuteo, em que os jogadores estão imóveis, não saltam e chegam sempre atrasados.
Luís Filipe Vieira continua a dizer que vai dar um penta, que vai ganhar uma grande competição na Europa, que o Lage tem confiança renovada, e por aí fora. O Lage diz que estão a trabalhar bem e que agora é preciso olhar para o próximo jogo. Vira o disco e toca o mesmo.
Percebo que seja necessário motivar a malta, embora não me pareça que seja essa a forma mais acertada para consegui-lo. Não é preciso ser um special one para ver que a equipa não joga o que devia, que a defesa é uma renda de bilros, e que ultimamente são tantos os trapalhões em campo que há momentos em que aquilo parece um espectáculo de circo.
Qualquer equipa profissional com um mínimo de brio e um décimo do orçamento que temos conseguiria empatar cinco jogos seguidos sofrendo sete golos. E se a culpa não é do Vieira, nem do Lage, nem dos jogadores que estão a trabalhar muito bem, muito menos dos árbitros que não rematam à baliza, dos adeptos também não é.
Gostava de poder voltar a ser campeão, e de ter gosto em ficar acordado madrugada fora para ver a equipa jogar, mas pelo andar da trotineta vou começar a recuperar horas de sono. Há coisas mais úteis para fazer do que perder tempo à espera do título de campeão dos empates.
"El Benfica personifica la nostalgia y el alma de un pueblo, incluso de aquellos que no son aficionados del club. Esto se siente especialmente cuando uno sale de Portugal. No hay en todo el mundo un club así. Además el Benfica tuvo y tiene a Eusébio. También el Real Madrid tuvo a Alfredo di Stéfano o Manchester United a Sir Bobby Charton. Pero Eusébio era otra cosa. Eusébio no era argentino ni inglés. Eusébio era africano, de Mozambique, lo que representaba la vocación universal del Benfica. Eusébio era un chico pobre y humilde con un talento incomparable. Eusébio cargó sobre sus hombros a todo un pueblo en el Mundial de 1966. Y lloró. Las lágrimas de Eusébio dieron la vuelta al mundo y lavaron el alma de todos los portugueses que sufrieron con él." - Revista Líbero, Marzo 2016
A partir de hoje, quando virem este post, já podem começar a fazer o balanço da época nas conferências de imprensa. A época acabou. Uma semana mais cedo do que aquilo que previam. E com mais um golo mal anulado. Essa é que é essa.
Quando eu nasci o nosso Benfica tinha acabado de conquistar a segunda Taça dos Campeões Europeus. Não sei desde quando é que me reconheci como sendo mais um dos que fazia parte da tua tribo, mas lembro-me bem dos domingos passados dentro do carro do pai Eurico, primeiro num Peugeot, esporadicamente num Mercedes, mas a maior parte das vezes dentro do velhinho Fiat 1500 que tantas vezes nos transportou até ao velho campo do Sport Lisboa e Beira, onde o Shéu despontou. Não raro, quando havia festa lá em casa, aproveitava sorrateiramente para sair e ia para dentro do Fiat ouvir o relato. Nessa altura, era através dos relatos da Emissora Nacional, do Rádio Clube e da Radio Pax que eu me encontrava contigo. Não raro quando me descobriam, já a noite tinha caído nas margens do Chiveve, encontravam-me em pranto, agarrado a uma bola vermelha e branca. E quando me perguntavam o que se tinha passado eu explicava que só tínhamos ganho por 3-0, que tu só tinhas marcado dois golos, que isso era imperdoável. Abalado, lá me obrigavam a sair do carro, porque já eram horas de jantar e o menino não podia estar ali no quintal àquelas horas, sozinho, agarrado a uma bola, chorando dentro de um carro. No velho ciclo, de cada vez que marcava um golo, ou quando fugia de casa, na Ponta Gea, do outro lado do Grande Hotel, e ia jogar futebol na praia com a criadagem da zona, o que irritava solenemente a Melita, nunca era eu quem marcava. Quando isso acontecia, instintivamente, eu gritava "Golo do Eusébio!". Tal e qual como fazia o saudoso Artur Agostinho. Naquele momento tu incarnavas em mim e quem marcava eras sempre tu, não eu. Depois, quando o "pequenino" me arrastava para casa, ao final da tarde, para me obrigar a tomar banho antes de jantar, lá seguia satisfeito perguntando-lhe se tinha visto o meu golo, ao que ele respondia que o menino tinha marcado "um golo à Eusébio". Nada me deixava mais satisfeito.
Mais tarde, já a viver em Lisboa, à medida que crescia, ia ouvindo as histórias do nosso Benfica, contadas pelo meu padrinho Fernando Luís. Era eu quem nessa altura, depois dele ter cegado, lhe lia religiosamente "A Bola". Um dia foi a avó Gertrudes que me levou a ver a sala de troféus e me comprou o primeiro emblema. Exultei com a oferta. Foi nessa altura que fiquei a saber tudo sobre a construção do velho Estádio da Luz, do azulejo com o nome numa das torres de iluminação, do falecimento do marido dela em pleno Estádio, a acender um charuto, das epopeias de Berna e de Amesterdão. Da final de 68 ainda me lembro bem. E também de todos aqueles jogos que jamais esquecerei, alguns que tanto me fizeram sofrer como contra o Celtic e contra o Ajax. Eras sempre tu, não Deus, aquele em quem eu acreditava nos momentos de verdadeira aflição. Houve uma altura em que me cruzava contigo muitas vezes na Óscar Monteiro Torres. Tinhas o pequeno Saab amarelo e frequentavas o desaparecido Quartier Latin. Então, eu nadava no Benfica, no Areeiro, e na piscina do Ateneu. Inclusivamente, houve uma ocasião em que tiveste um ligeiro acidente no cruzamento com a Augusto Gil, quando tentavas encontrar um lugar para estacionar. E até nesse dia eu lá estava, apreciando a forma como sem elevares o tom de voz chamavas a atenção para o condutor do veículo que te abalroara sem respeitar a prioridade e ignorava que tinhas jogo no sábado, em Aveiro. Perguntavas repetidas vezes ao infractor o que seria se tivesses jogo naquele dia e tivesses ficado lesionado. E ele, sem saber muito bem o que dizer, perante a tua figura de estrela, pedia desculpas atrás de desculpas.
Depois de teres deixado de jogar continuei a ver-te no velho Estádio da Luz, de toalha à volta da mão. E depois no "Tia Matilde", como no dia em que acabei o mestrado e fui lá almoçar, e na nova Catedral onde a Eusébio Cup tinha sempre um sabor especial. E naquela jornada gloriosa de romagem ao Bessa, quando lá fomos empatar para nos sagrarmos campeões. A festa que foi. O autocarro alugado à saída de Cascais com os companheiros de sempre. A família Azevedo Gomes, o Pedro Teodoro, o Catarino, o Zeca e a família, os Borges Coutinho, o almoço na Mealhada antes do jogo, os incentivos que vinham do banco, os cânticos na bancada, o regresso a Lisboa, a festa que foi.
O ano passado, depois de tudo o que aconteceu no campeonato, foram as tuas palavras que me levaram à última hora a embarcar com os outros "fundadores" para Amesterdão, para ir ver a final da Liga Europa. Mal sabia eu que seria a última final europeia a que irias assistir. Quando fomos para lá, depois de eu ter saído na véspera de Faro, ainda pensei que te iria encontrar no aeroporto ou no avião. A ti não te vi, embora tivesse estado com o Toni e tivéssemos tirado uma fotografia juntos. Depois, no regresso, calculo que todos tenhamos sentido o mesmo. Em matéria de lágrimas sempre fomos muito parecidos. Uns chorões, como diria Jorge Sampaio.
Quando hoje ao início da tarde, aqui em Macau, o meu cunhado me deu a triste notícia, confesso que fiquei sem palavras. Não tanto porque tivesses partido numa altura em que ainda tanto nos podias dar. Nem sequer porque aqueles tipos foram incapazes de te dar um título em 2013. Mas porque sei que não poderei voltar a estar contigo, que não me será permitido despedir-me de ti como tu merecias que eu fizesse e eu esperava poder fazer, em especial depois do falecimento da senhora D. Amália. Para te retribuir tudo aquilo que me deste dentro e fora do campo. Pelo exemplo de profissionalismo e humildade mesmo numa altura em que as dores eram recorrentes, pela forma como foste capaz de ultrapassar os momentos mais difíceis com o estoicismo que só os verdadeiros deuses conseguem, ensinando às novas gerações que o futebol sendo um jogo de paixões é também um jogo de gente educada e disciplinada e que no fim podemos todos conviver civilizadamente sem que a clubite nos tolha a razão. Se houve alguém que me tivesse ensinado que o futebol é uma escola de valores foste tu. E por tudo isso só te posso estar agradecido.
Mas saber que te vais embora sem que me dês a oportunidade de te dizer adeus, num momento em que tanta falta nos fazem, a todos, aos portugueses, não apenas aos benfiquistas, referências como tu, é algo que me deixa profundamente triste. Apesar de tudo, conforta-me saber que quando te sentares no trono forrado a ouro que São Pedro te reservou, poderemos contar contigo para finalmente nos iluminares, infiéis incluidos, com toda a tua graça, arte e sabedoria. Pelo menos a partir de hoje teremos a certeza que tu estarás em toda a parte, no meio de nós, dentro e fora do campo, zelando para que se escreva direito por linhas tortas. Se por outras razões não fosse, isso já seria o suficiente para te perdoar todas aquelas lágrimas que verti quando sozinho e em silêncio te escutava dentro do Fiat.