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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Uma coisa é certa: pela parte que me toca não apoio projectos sem "c". Mas não deixa de ser triste ver que um tipo milita mais de trinta anos num partido e depois conclui que só com ele é que o socialismo irá, finalmente, "rumar" às pessoas. Não deve ser fácil andar tantos anos à deriva no meio dos animais. Mesmo quando se foi deputado e membro do Governo é preciso ter estômago para aguentar tantos anos a ruminar no meio deles. E ainda por cima de Lisboa.
(Coronel imortalizado por Jorge Amado que espera poder votar nas primárias do PS)
Uma candidata às eleições da Federação Distrital de Braga, apoiada por António José Seguro, escreveu ao JN repudiando declarações publicadas neste jornal que lhe foram atribuídas, esclarecendo que nunca as proferiu. Em causa estavam as afirmações, entre aspas, de que o pagamento de quotas de militantes já falecidos por familiares seria "normal" e de que tal pagamento constituiria uma "espécie de homenagem" aos mortos. Até prova em contrário darei crédito ao desmentido de Maria José Gonçalves.
Só que, entretanto, leio que Álvaro Beleza, outro "segurista" que há um ano considerava as primárias inoportunas e que este ano, devido ao repto de António Costa, rapidamente mudou de ideias, enaltecendo um processo preparado em cima do joelho que só tem servido para o achincalhamento público do maior partido da oposição, veio pedir que o pagamento de quotas deixe de ser obrigatório. Não sei se o objectivo será acabar de vez com a militância, colocando os militantes ao nível dos simpatizantes, americanizando os partidos portugueses, ou se será apenas mais uma tirada de ocasião. De qualquer modo, Beleza, de acordo com o DN, denunciou a existência no partido de um "sistema de jagunços" que funciona "como o nordeste brasileiro no tempo dos coronéis". Apontou o dedo a Mesquita Machado que "ganhou com certeza muitas eleições internas a pagar quotas dos outros".
Como a procissão ainda vai no adro, surge agora Miguel Laranjeiro, a desvalorizar o pagamento de quotas por terceiros, ao mesmo tempo que recusa mostrar os comprovativos dos pagamentos feitos por estes porque, imagine-se, em causa estaria o "sigilo bancário". De caminho, lá por Coimbra, está o caos instalado, aguardando-se o resultado de uma providência cautelar.
Álvaro Beleza, "com certeza", para falar como fala sabe o que está a dizer. E, se assim é, as declarações de Miguel Laranjeiro até serão normais.
Tenho pena, de facto, que a invocação do sigilo bancário sirva, neste caso, para proteger jagunços. Porque para quem apregoa a transparência, a ética e outras coisas que às vezes dão jeito, o primeiro passo seria a denúncia dos jagunços que pagaram as quotas dos falecidos e de, pelo menos, mais vinte militantes. A primeira coisa que um líder sério, cujo poder é posto em causa por um "sistema de jagunços", deveria fazer seria esclarecer essas situações e promover a instauração de processos disciplinares, visando a expulsão de quem pagou as quotas dos falecidos e dos terceiros que, ainda vivos e com voz, se queixaram. Porque é essa jagunçada que descredibiliza a política e os partidos.
Invocar procedimentos incorrectos de ontem - por parte de quem até ajudou Seguro a chegar onde está - para justificar as golpadas de hoje, desvalorizando-as, só prova, afinal, uma coisa: que o sigilo bancário protege os jagunços. E também que as eleições para as federações e as primárias do PS são pouco transparentes e controladas por quem invoca o sigilo bancário para proteger a jagunçada de que fala Álvaro Beleza. Prova de que quanto aos métodos em nada se distinguem de quem noutros partidos usou dos mesmos para chegar à cadeira do poder.
Um tipo lê as coisas que o Tozé agora deu em dizer e no fim só pode tirar uma conclusão. Quando o rapaz estava a dissertar sobre a promiscuidade entre os negócios e a política, quando se referia à linha de fractura entre a nova e a velha política, ao clima de podridão e às meias-tintas, à mistura entre negócios, política e vida pública, afinal não estava a referir-se ao Costa, nem aos gajos da capital que olham com desdém para os que vêm da província. Mas a mandar um recado aos seus apoiantes. Com muito afecto, é claro. Apesar da senhora presidente da Comissão Parlamentar de Saúde não ver nisso qualquer incompatibilidade. Incompatibilidade, para falar verdade, também não vejo. E penso que estas coisas devem ser assumidas sem meias-tintas, de preferência usando a mesma conta bancária para se receber o salário e os bónus que aquela malta (estou a conter-me) foi distribuindo generosamente à gente simpática, educada, disponível e compreensiva do centrão. Vejo é semelhanças. Muitas. Entre o que ele e Passos Coelho dizem e fazem. Como já via com um outro figurão ou com Cavaco Silva. Sempre com o ar mais sério e generoso do mundo. É a política com "p" pequenino. Com "p" de "portugal". De "ps", de "política". E também de muitas outras palavras começadas com "p", sobejamente conhecidas do Tozé, que me abstenho de enumerar para não estragar o domingo a quem tem a bondade de me ler.
Há umas semanas, aqui em Macau, devido a algumas dificuldades com que a Região Administrativa se depara em razão do seu crescimento nos últimos anos, maior afluxo de turistas e novos residentes, vieram para aí uns deputados, filhos de emigrantes e eles próprios residentes recentes, pedir ao Governo que arranjasse autocarros só para os locais, bem como a imposição de limites mais apertados à contratação de estrangeiros, maiores limitações à entrada destes e mais uns quantos disparates.
Entretanto, esta manhã dou como uma notícia do Diário Económico que, referindo declarações do líder do PS, vem dizer-nos que aquele propõe a criação de um "tribunal com uma competência especializada para apreciar os conflitos emergentes das relações contratuais onde está envolvido investimento estrangeiro". Não sei porquê fiquei a pensar se a proposta era para Portugal se para Macau. Depois, prestando um pouco mais de atenção apercebi-me do alcance das suas palavras.
Quando a troika chegou a Portugal uma das suas preocupações foi acelerar os processos que estavam parados nos tribunais administrativos envolvendo litígios de valor superior a um milhão de euros. Ao dar-se cumprimento a esse objectivo, o que se fez foi introduzir uma distorção ainda maior entre aqueles que recorreram aos tribunais. De um lado ficaram as grandes empresas e os ricos que discutiam milhões com o fisco, do outro os contrbuintes individuais que discutiam montantes de valor inferior à nova bitola que passou a distinguir o que era "importante" do que "podia esperar"; como se para um contribuinte singular a obtenção do rembolso do imposto indevidamente cobrado ou a impugnação de colectas abusivas em sede de processos de execução fiscal, suportando cauções e prestando garantias absurdas durante anos, não tivesse custos associados, nem fosse para os pequenos tão ou mais gravosa quanto seria para os grandes litigantes.
A proposta que o líder do PS agora veio fazer tem tanto de absurda quanto de discriminatória e não será o facto de alguns palermas aplaudirem sem saberem o que aplaudem que me fará deixar de dizer o que penso.
O problema da morosidade dos tribunais e da ineficiência do sistema de justiça tem evidentemente de ser resolvido. Mas esta declaração, associada àquela outra de tipo comicieiro de que o PS vai reabrir todos os tribunais que vão ser fechados, é um perfeito disparate. Como se as opções que se vierem a tomar não devessem ser antes estudadas, ponderadas, enquadradas por quem sabe numa verdadeira reforma da justiça a propôr ao eleitorado, ao invés de depois serem introduzidas em programas de governo avessos à realidade, feitos em cima do joelho por jotinhas ignorantes e por quem sempre viveu nos gabinetes e assessorias, desconhecendo o que se passa do outro lado da vida e em sentido totalmente contraditório com os anseios dos eleitores e os dados pelos seus próprios sinais e propostas transmitidos antes das eleições.
Que o filho do emigrante vindo do interior da China, que chegou a Macau nos anos 80 ou 90 do século passado, com uma mochila e uns ténis contrafeitos, sem educação nem dinheiro, tenha enriquecido depressa e rapidamente se tenha esquecido de onde veio, a ponto de querer agora correr com os estrangeiros e reservar habitações, empregos e transportes só para residentes, culpando os outros pela incapacidade política e ignorância dos seus próprios dirigentes, ainda posso compreender. A vida está cheia de ingratos e palermas é coisa que infelizmente abunda na política. É de todos os tempos.
Que um candidato a primeiro-ministro, líder de um partido socialista europeu, democrático e com preocupações sociais, apresente propostas tão disparatadas, é que não é minimanente aceitável. Já bastaram a reforma da acção executiva ou os erros cometidos na (necessária) privatização do notariado, que redundou na desformalização de actos que nunca deveriam ter saído da alçada dos tribunais ou em "esquemas" manhosos envolvendo bancos e imobiliárias, e que recentemente se manifestou em comunicações enviadas via fax para a China por quem nunca me passaria que fizesse tal coisa, com a oferta de serviços e a promessa de chorudas comissões em processos ligados aos "golden visa".
Não sei se António José Seguro ou os seus assessores sabem que, por exemplo, um simples problema que opõe no Algarve dois ex-cônjuges a propósito de uma simples embarcação e de um motor fora de borda, coisas que não valem € 5.000 e foram "desviadas" do património do desfeito casal para um terceiro, para ser resolvido implica a propositura de uma acção judicial em Lisboa porque esta é a única cidade onde do Algarve até à capital existe um tribunal com competência para resolver assuntos que envolvam embarcações.
Compreendo a necessidade de atrair investimento estrangeiro, mas a última década política em Portugal está recheada de exemplos que não devem ser seguidos, de péssimas decisões, de declarações irresponsáveis, de erros que custaram muito caro a todos por pura ignorância, estupidez e teimosia. Do líder do maior partido da oposição eu esperaria propostas sensatas e equilibradas. Do líder do meu partido eu esperaria propostas sérias e justas que pudessem contribuir para melhorar a vida dos portugueses. De todos e não apenas de alguns. E jamais a reedição do passado presente e próximo.
Sei que a asneira é um mal universal com o qual a humanidade terá sempre de conviver, mas isso não desculpa a canhestrez de quem por natureza devia ser capaz de ver à distância e de ler nos sinais dos dias o que outros não lêem.
A amplificação dos erros decorrentes da falta de visão e impreparação de um líder político, por muito simpático, afectuoso e educado que seja, vem normalmente associada a efeitos calamitosos. E uma coisa é certa: a universalização e banalização da asneira não autoriza ninguém a que continue indefinidamente a asneirar. A paciência tem limites. A asneira também.