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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.

Nada é eterno. Menos ainda o que é perecível por natureza. E todos concordarão que o melhor projecto, depois de concretizado, admirado e premiado, por muito bem que seja construído, se não tiver manutenção e renovação adequadas estará condenado. O tempo não esquece e não perdoa.
Quando nasceu – vi-a nascer do lado de dentro e acompanhei-a nos primeiros anos – , a Air Macau correspondeu à resposta a uma necessidade imperiosa de desenvolvimento e a um projecto de abertura da região ao mundo.
Rapidamente foi acarinhada pela população, afirmando-se como símbolo da futura autonomia de Macau e do princípio “um país, dois sistemas”. Cultivou rotas internas e externas, inseriu-se regionalmente, trouxe muita gente de fora. Vieram profissionais, dos melhores, do interior do país, de Portugal muitos, de França, da Nova Zelândia, gente com passado em Angola e em Moçambique. Gente do melhor a nível mundial. A Air Macau tornou-se numa marca da cidade, da fusão cultural e das suas gentes.
Com a transferência de administração ainda continuou a ser assim durante mais um bom par de anos. Só que as mudanças ocorridas nos últimos tempos a nível interno e da sua estrutura accionista também alteraram o seu posicionamento, as relações humanas e laborais. Cultivaram-se outras opções, privilegiaram-se novas rotas. E parceiros.
Os resultados não estão a ser brilhantes. O desinvestimento, ainda que em regime de monopólio, tem sempre custos elevados.
A última década mostrou que se perdeu muito daquilo em que se apostou. Com excepção dos padrões de segurança, creio, aumentou a rotação de pilotos e tripulantes. Entraram uns, saíram outros. Perdeu-se cultura de empresa. Ganhou-se cinzentismo, conflitualidade e indiferença.
Hoje, quase à beira dos trinta anos de vida – a sociedade constituiu-se em 13 de Setembro de 1994 e a companhia completará em 9 de Novembro de 2025 três décadas de operações comerciais – é notória a degradação de alguns aviões e do serviço oferecido aos passageiros, roçando o nível de algumas más transportadoras aéreas de baixo custo. Mais grave porque em causa estão rotas internacionais de e para um "Centro Mundial de Turismo e Lazer".
Os atrasos são mais frequentes. Há cadeiras em tão mau estado que se vai sentado na estrutura. Muitas comunicações transmitidas aos passageiros pelo sistema interno das aeronaves (PA System) são praticamente inaudíveis. A comida é um horror. Há dias deram-me uma salada que só tinha pepino. Era tão picante e com um aspecto tão assustador que reparei haver muitos passageiros que nem lhe tocaram. A água distribuída a bordo é da Bonaqua (como será possível a Melco associar-se a isto?). O sabor péssimo. O café ou o chá ausentes. Um desastre num voo que já vinha com cerca de hora e meia de atraso.
As revistas de bordo estão invariavelmente em péssimo estado. Muitas vezes apresentam-se sujas, pegajosas, dobradas e com falta de folhas. Passaram a trimestrais. Talvez isto explique o aspecto com que se oferecem aos passageiros após tanto manuseio. Depois de se lhes tocar é conveniente lavar as mãos. E se possível desinfectá-las.
Há casas de banho em que o material está tão gasto que as portas do equipamento vão batendo, abrindo e fechando alegremente ao longo do voo.
Desconheço quanto é que hoje pagam aos administradores da Air Macau, mas admito que lhes paguem o suficiente para comprarem um bilhete de ida e volta para um voo internacional (já nem digo interno) em classe económica. Para verem como as coisas funcionam. Fazendo as viagens como qualquer outro passageiro. Podia ser agora, ainda durante o mês de Agosto, nalgumas das rotas mais concorridas. Incógnitos ou simplesmente disfarçados, como fizeram no passado os donos e responsáveis de outras companhias aéreas.
Ao pessoal não há nada, rigorosamente nada, a apontar. Dos pilotos ao pessoal de cabina, pese embora as fardas e aventais das hospedeiras sejam assustadores e haja algumas a calçarem sapatos dois ou três números acima, sendo por isso obrigadas a chinelar, fazem o que podem com o pouco que lhes dão. E fazem-no com todo o profissionalismo, simpatia e paciência para com alguns bárbaros com quem os passageiros normais são obrigados a partilhar o voo e a respirar o mesmo ar.
A Air Macau precisa de evoluir. De se renovar. Sem deixar de ser uma companhia interna, se não quiser e não puder deixar de o ser, a Air Macau necessita de ser urgentemente muito mais do que um conjunto de camiões para transporte de manadas por via aérea.
A Air Macau, se quiser sobreviver num regime aberto quando for aprovada a nova lei da aviação civil e terminar o monopólio, não pode ser apenas mais uma empresa dirigida por funcionários acomodados que se limitam a receber o salário todos os meses.
A Air Macau tem de se modernizar. Tem de internacionalizar-se como uma grande companhia aérea de uma região com um dos mais altos PIB per capita do mundo. Não apenas como mais uma transportadora incaracterística, com aviões velhos, desconfortáveis, com os assentos puídos e voando a desoras.
Macau e as suas gentes merecem muito mais do que aquilo que neste momento a Air Macau e os seus responsáveis lhes oferecem.



(créditos: Macau News)
Embora não seja ainda conhecido o texto do diploma que o Governo da RAEM vai enviar para a Assembleia Legislativa, registo com particular satisfação a decisão do Chefe do Executivo de terminar com o monopólio da Air Macau, em vigor desde 1995, quando o aeroporto começou a funcionar, liberalizando finalmente o sector da aviação civil.
Trata-se de uma excelente notícia, que há muito tardava, para a região e os seus residentes, atentas as oportunidades que vai gerar e a previsível redução do custo das viagens de e para Macau.
Acompanhei, desde os primeiros passos, quer a construção do aeroporto, quer a chegada da TAP, da CNAC, da Singapore Airlines, da EVA, da Malaysia Airlines e de outras companhias, algumas das quais entretanto partiram, e a constituição da própria Air Macau com a chegada dos primeiros aviões, pelo que foi com tristeza que vi o caminho que se seguiu e a forma como aos poucos, em virtude do monopólio e das vistas curtas, um aeroporto que se queria internacional se tornou praticamente num aeroporto que servia apenas para voos internos e alguns poucos regionais. Houve quem disso tirasse partido, mas não foram certamente os residentes de Macau.
Depois, também assistimos à progressiva sinicização da companhia, especialmente visível no seu modesto e pouco amigo site, na dificuldade que muitas vezes se encontrava em conseguir comunicar com alguém noutra língua que não fosse em chinês. A companhia perdeu carisma, dinamismo, oportunidades e também pessoal muito competente que por cá passou. Longe vão os tempos dos Caldas que por aqui andaram.
Pode ser que a partir de agora as coisas possam melhorar e a companhia volte a ter uma gestão mais internacional, mais virada para o exterior e para os interesses da população de Macau, de maneira a que possa servir efectivamente a RAEM, contribuindo para a sua maior internacionalização e o afluxo de gente de outras paragens. De gente que sirva para elevar o nível do turismo que temos tido, de gente mais interessada em conhecer a história, a cultura e as tradições locais do que em provocar rixas em casinos, em acrescentar problemas aos que já cá temos ou que fomente uma oferta turística para montanheses e pobres de espírito, que é a vigente desde há mais de uma década e que apenas serviu para a RAEM estagnar e embrutecer.