por Sérgio de Almeida Correia, em 06.08.18
O texto em língua inglesa, que vem na sequência daquele que foi publicado em 27 de Julho sobre o direito de circulação nos casinos ("ON THE RIGHTS OF MOVEMENT WITHIN CASINOS"), saiu no Macau Daily Times, de onde veio a foto que ilustra este texto, com o título "CASINO GAMING CONCESSIONS: WHAT LIES AHEAD".
A versão em língua portuguesa deste último fica agora disponível para quem quiser tirar dúvidas.
CONCESSÕES DE JOGO: O QUE TEMOS PELA FRENTE
"(...) salvo a ocorrência de uma crise económica gravíssima ou outro evento comparável, tudo aponta para a realização de um novo concurso em 2021. O cenário mais desejável é a atribuição de novas concessões" – Jorge Godinho, O futuro das concessões de jogos de fortuna ou azar em Macau, policopiado, s/data (2017)
Sei que depois de ter tido acesso ao texto de onde consta a citação anterior, o Prof. Jorge Godinho, um especialista sobre as questões do jogo em Macau, deu uma entrevista onde defende que "[f]azer um concurso público para seis concessões é um absurdo, ou seja, tem que haver algo novo para ser posto a concurso" (HojeMacau, 23/05/2018).
Discordo liminarmente desse entendimento, o que já vem de trás, até porque pode sempre aparecer gente interessada em obter uma concessão e disposta a oferecer algo de novo a Macau, que lhe seja útil e possa contribuir para uma renovação do status quo.
De qualquer modo, seja para seis ou mais concessões, para empresas a actuarem no mercado ou novas, o problema da sua atribuição sem concurso foi expeditamente resolvido em 22/07/2018 pelo Secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, o responsável governamental pela área do jogo. Leong acabou com a especulação ao anunciar o concurso público. Ainda bem.
Uma vez que esta questão do concurso está arrumada, e dela houve eco internacional, convém não perder mais tempo e equacionar o que é preciso fazer a seguir.
- Com o desfasamento existente entre os prazos da concessão/subconcessão da SJM/MGM e dos restantes operadores (Galaxy/Venetian e Wynn/Melco), com a primeira a terminar em 2020 e as outras em 2022, pergunta-se se faz sentido recorrer ao disposto no n.º 2 do art.º 13.º da Lei 16/2001 (Lei do Jogo), para se proceder a uma prorrogação do respectivo prazo até 20 anos, prazo máximo permitido pela lei. O facto de na concessão originária ter sido previsto um prazo de 18 anos deixa de fazer sentido face ao prazo de 20 anos fixado para os demais operadores. Parece ser um dado adquirido que, independentemente do passado, não há qualquer vantagem em que as concessões de jogo em casinos sejam tratadas com prazos diferidos, havendo toda a justificação para que, atenta a igualdade de regime e por uma questão de reposição de justiça relativa entre todos, os calendários das concessões sejam acertados.
- Acertados quanto a este ponto, isto é, há conveniência (para todos os efeitos não se trata de uma necessidade) na perspectiva do interesse da RAEM na prorrogação do prazo da concessão/subconcessão da SJM/MGM para 20 anos, levanta-se um outro problema: essa prorrogação deve ser objecto de uma negociação que permita o encaixe de contrapartidas adicionais, ou não?
- Nada impede que a prorrogação seja acompanhada da introdução de alterações contratuais, seja por via de um aumento das existentes ou da introdução de novas. O Prof. Godinho, no texto citado, também esclarece que a prática anterior de prorrogação das concessões da STDM reforça esta perspectiva, uma vez que todas as prorrogações envolveram sempre contrapartidas adicionais, designadamente o aumento do imposto do jogo.
- Se isto é verdade, convém saber se por um prazo tão curto – dois anos – e numa altura de transição, eventualmente para um novo modelo, se justificam mudanças a esse nível. Pessoalmente entendo que não há razão para mexer no que está em vigor por um prazo tão curto e sem que ainda se saiba o que irá ser definido pelo Governo da RAEM. Por tais razões dever-se-á proceder à prorrogação da concessão/subconcessão da SJM/MGM por mais dois anos nos preciso termos em que está a funcionar.
- Importa ter presente que Lionel Leong, aliás dando seguimento ao que foi defendido por alguns juristas, entre os quais me incluo desde a primeira hora, o regime jurídico em que assenta a atribuições de concessões/subconcessões terá de ser necessariamente objecto de revisão. É fundamental trazer para dentro da lei o que actualmente está fora.
- De maneira a não criar instabilidade, preservar a imagem internacional e manter um rumo claro e transparente em todas as fases do processo que será conduzido pelo Governo da RAEM, cujo pontapé de saída foi dado pelas declarações de 22/07/2018, o anúncio da prorrogação da concessão/subconcessão da SJM/MGM deverá fazer-se no mesmo momento em que se anuncie o calendário de revisão das leis do jogo. Esta revisão deverá contemplar, pelo menos, para além da revisão do regime e número de concessões – considero ser desejável que se coloquem a concurso mais duas, elevando o total para oito –, a legislação relativa aos administradores delegados (regime de incompatibilidades), junkets (introdução de um numerus clausus, salas VIP, depósitos em dinheiro, responsabilização, regras de circulação e número de veículos) e ao funcionamento dos chamados "casinos-satélites". Seria bom que nestas matérias houvesse um diálogo prévio com os especialistas e operadores no sentido destes indicarem quais são na sua perspectiva as prioridades, mas cabendo, como é óbvio, a palavra final ao Governo, que nesta matéria tem de ser como a mulher de César e fazer uso de todas as suas prerrogativas.
- Um instrumento fundamental de qualquer concurso público é o seu Caderno de Encargos. Isto é, a definição das suas regras, dos objectivos que se tem em vista e dos requisitos que os concorrentes à obtenção de uma concessão deverão preencher. Tudo isto tem de ser de tal forma claro no Caderno de Encargos que se tornem desnecessários futuros pedidos de esclarecimento por parte de potenciais concorrentes e dos habituais habilidosos que gostam de condicionar concursos e decisões. Uma vez mais vai estar em causa a imagem internacional de Macau e da R. P. China pelo que todas as cautelas são poucas, não podendo esse trabalho ser entregue a "patriotas amadores" ou a quem tenha interesses conflituantes com os da RAEM e tenha a tentação de querer acomodar o Caderno de Encargos às suas pretensões ou dos seus "clientes".
- Por fim, há um elemento nesta equação que não pode ser desvalorizado e que diz respeito ao calendário. Quanto a este, dando continuidade ao que acima se referiu, entendo que o anúncio da extensão da prorrogação (SJM/MGM) deverá ocorrer na mesma altura em que for anunciada a data da realização do concurso público, o que só deverá acontecer depois da aprovação por parte da Assembleia Legislativa das alterações legislativas que se mostram prementes.
- Não vejo qualquer dificuldade, dada a prioridade que a matéria tem, em que as alterações ao regime vigente sejam aprovadas até ao final da próxima sessão legislativa (Agosto de 2019) por parte da Assembleia Legislativa. Por outro lado, poder-se-á aproveitar o momento do anúncio da prorrogação para definir desde logo as datas em que será apresentado o Caderno de Encargos e em que deverá estar concluído o processo concursal.
- O futuro concurso público decorrerá sob a égide do próximo Chefe do Executivo, que será entretanto conhecido no final de 2019. Quer isto dizer que o Caderno de Encargos e os novos contratos serão por ele assinados. Ao actual Chefe do Executivo compete apenas assegurar as condições para que a transição para o seu sucessor e o desenrolar do processo de concurso internacional das concessões do jogo ocorra de acordo com padrões rigorosos, elevação e dignidade, respeitando os interesses da RAEM e da República Popular da China. A começar pela sua imagem internacional. Chega de amadorismo e de "chicos-espertos patriotas".