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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Ouvi com bastante atenção as palavras do Secretário para a Administração e Justiça na conferência de imprensa de ontem. De acordo com uma notícia do Macau Daily Times, André Cheong é o presidente da Comissão que conduzirá o concurso que no final atribuirá as concessões para a exploração dos jogos de fortuna ou azar nos próximos dez anos.
Devo dizer, o que vem na linha do que anteriormente aqui e noutros locais escrevi e disse, que estou de acordo em muitos pontos com aquela que é a perspectiva do Governo Central e do Governo de Macau para o futuro do jogo. Posso discordar é do caminho a seguir e da forma como as coisas vão sendo feitas.
A operação de limpeza que se iniciou há algum tempo ainda não acabou. Temo que comece a perder fôlego à medida que a crise cresce em Macau, que o desemprego aumenta, que as empresas fecham e que as reservas financeiras encurtam a um ritmo impressionante. Não basta encontrar um ou dois bodes expiatórios, é preciso, como diz um querido amigo meu, ir até ao osso.
Gostava, por isso mesmo, de poder acompanhar o optimismo do presidente da Comissão, mas não estou nada convencido de que venha aí uma "nova era". A última que aqui apareceu foi nas carreiras de autocarros e foi tudo menos o que se apregoava. Muita parra, pouca uva, aumentos de preços, acidentes e mau serviço.
Sem que sejam dadas garantias quanto à abertura de fronteiras e um regresso à normalidade, estou muito curioso quanto às propostas que poderão vir a ser apresentadas pelos concorrentes.
Tenho dúvidas que alguém, um investidor sério, se não souber, nem tiver quaisquer garantias quanto à data em que tal poderá vir a acontecer, sem uma ideia aproximada sobre o número de visitantes que poderão entrar na RAEM nos próximos tempos, digamos, dois ou três anos, e sem andar a conversar às escondidas, se abalance a fazer propostas mirabolantes. E não estou a pensar naquele cantinflas patusco que quer uma concessão para ele e para a rapaziada amiga e que se farta de prometer volumes de investimento proporcionais ao mau gosto daquilo que por aqui tem edificado. A Covid-19 continua aí, o vírus vai-se mutando alegremente e a política de "tolerância zero dinâmica" é tão lúcida quanto os seus defensores.
De qualquer modo, olhando para o Despacho do Chefe do Executivo n.º 136/2022, de 27/07 (Boletim Oficial n.º 30, I Série, 2.º Suplemento, de 28/07), pode-se dizer que o que foi dito na conferência de imprensa – desenvolvimento sustentável da RAEM, novo patamar para a economia e a sociedade, estrutura de clientes pouco saudável, desenvolvimento de elementos não-jogo, etc. – corresponde a uma inversão da ordem de importância dos factores de selecção que constam do despacho.
O que consta do despacho como primeiro factor de avaliação dos concorrentes é o "montante da parte variável do prémio proposto", sendo que o último (sétimo) é a indicação pelos concorrentes de quais "as responsabilidades sociais que pretendem assumir". E se virmos os demais factores intermédios referidos no despacho, então é caso para dizer que há qualquer coisa que não bate certo.
É que seria muito mais interessante, na minha perspectiva, que é aquela que penso seja a preferida pelo Governo Central e que mais interessa a Macau, que a ênfase tivesse sido colocada, em primeiro lugar, nas responsabilidades sociais que as concessionárias pretendem assumir.
Depois viria a proposta de fiscalização e prevenção de actividades ilícitas – que é aquilo que verdadeiramente preocupa Pequim desde há vários anos e com toda a razão –; a seguir o plano de gestão dos casinos, o interesse para a RAEM dos investimentos em projectos relacionados e não relacionados com o jogo, o critério da experiência, as propostas de expansão em mercados estrangeiros (ainda que quanto a estas, no actual contexto, seja discutível o lugar que lhe cabe entre as prioridades) e, finalmente, em último lugar, o critério do montante da parte variável do prémio proposto. Esta, que deveria ser a última preocupação, surge como sendo, afinal, ao fim deste tempo todo e de toda a conversa dos últimos anos quanto à diversificação e à responsabilidade social das concessionárias, como aquela que continua a ser a preocupação-mor do Governo.
Sei que vícios antigos têm dificuldade em eliminar-se, mas não devia ter sido muito difícil colocar as coisas noutros termos. Ainda se vai a tempo de emendar a mão.
Por agora, vamos aguardar para ver até onde nos irá levar esta "Nova era". E com quem.