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perversidade

por Sérgio de Almeida Correia, em 22.07.20

3581-2020-07-22.jpg(Macau Daily Times)

Se há coisa que o chamado processo do IPIM, onde estão a ser julgados antigos dirigentes desse organismo, tem revelado é a perversidade da actuação de alguns responsáveis e funcionários por ignorância, má-fé ou incompreensão dos mecanismos procedimentais, dos seus deveres e do alcance das exigências legais.

Quem tem acompanhado as peripécias do julgamento, em boa hora abundantemente relatadas pela comunicação social, não pode deixar de se interrogar sobre a formação que foi dada a alguns dirigentes antes de se alcandorarem às posições que exerceram ou ainda ocupam.

Considerar que os critérios da Administração Pública não podem ser conhecidos, por secretos ou confidenciais, e que os cidadãos não devem ser esclarecidos sobre o que devem fazer e como fazer para preencherem as condições que devem ser cumpridas para obterem aprovação nos  processos administrativos em que são interessados, porque tudo é "secreto" e "confidencial", é revelador de uma formação muito deficiente, de uma mentalidade policial, ignorante, arcaica, irresponsável e desrespeitadora da lei.

Mas se, para além disso, houver quem, além de considerar tudo isso como normal, ainda admita que existem regras, ao arrepio da lei, não escritas e de natureza confidencial e secreta, a regularem vulgares procedimentos administrativos, remetendo para o domínio da arbitrariedade pura aquilo que de todos deverá ser conhecido, então já se está no domínio da perversidade.

A aplicação da lei e as regras da sua interpretação e aplicação na Região Administrativa Especial de Macau são em cada dia que passa cada vez mais esotéricas, não obstante não haver ninguém com poder de decisão que não esteja sempre a invocá-la, tal e qual como algumas beatas que estão constantemente a invocar os nomes do Senhor e dos Santos para tudo e mais alguma coisa.

E o que é mais triste, e revoltante, é que tal acontece não apenas ao nível da actuação da própria Administração Pública. Essa contaminação é agora vulgar, como tem sido denunciado e é visível pela simples leitura dos jornais, em muitos casos da actuação das polícias, do Ministério Público e, pior do que isso, da forma como alguns julgamentos são conduzidos e as decisões fundamentadas.

Se virmos bem, o entendimento que a testemunha Irene Lau tem das regras que regem a actuação de um ente público e das suas chefias vai ao encontro das teses de um proeminente académico da Universidade de Pequim, Jiang Shigong, quando considera que o constitucionalismo chinês só pode ser entendido numa perspectiva de uma constituição não-escrita, que esta é que corresponde à verdadeira Constituição, pois que inclui as doutrinas e comentários do Partido e dos líderes do Estado, bem como os relatórios e decisões do Comité Central sobre as questões constitucionais (Jiang Shigong, 2010, in Modern China, 36/1, 12-46). Ou seja, o que não vem na Constituição, o que não vem na lei também serve conforme as circunstâncias.

Aqui em Macau a lei relevante também começa a ser a lei não-escrita. Isto é, a que resulta da interpretação, da apropriação e do uso que dela seja feita pelos responsáveis políticos, administrativos e policiais.   

Primeiro passámos do legal para o domínio do surreal. Neste momento torna-se evidente, até pelo depoimento prestado em juízo pela madame Lau, que se confirma o que há muito se suspeitava, ou seja, que já vivemos no campo do arbítrio (louvado) sob uma capa de legalidade.

A aproximação ao primeiro sistema está praticamente concretizada. Quando todo o sistema judicial, o legislativo e a Administração Pública estiverem ao serviço de quem exerce o poder, a segurança nacional estará totalmente garantida. O resto não conta.

É esta a perspectiva. E a última prova que faltava de que a formação de quadros locais por parte da Administração portuguesa no período de transição foi um rotundo fracasso.

Formatar autómatos, mesmo com viagens pelo meio a Portugal, não é o mesmo que formar bons dirigentes e bons quadros técnicos, incutindo-lhes uma mentalidade e uma ética de serviço público e de verdadeiro respeito pela lei.

E isto também se aplica, cada vez mais, pelo que se tem visto, à formação de advogados, polícias e magistrados.

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