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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Há muito que é uma arte. Como disciplina da dança, do culto da estética, do movimento, da cor, da forma, o Flamengo, cujas origens remontarão a algures entres os séculos VII e IX, não precisa de promoção. A sedução pela forma e pela simplicidade são um testemunho da sua extraordinária capacidade para expor a carne, a sua volúpia e acomodação ao espectáculo. A Andaluzia é a sua pele, a sua energia, a afirmação da auto- regeneração que o mantém, e a nós, seus modestos amantes em permanente conúbio, numa saudável mancebia, que nos faz ser parte de todo o seu esplendor. A guitarra mostra-lhe o caminho, orienta-lhe os gestos, dá-lhe graça, numa estranha efemeridade que se prolonga no tempo, eternizando-se na memória depois das luzes se apagarem. Seja num poema de Lorca, na guitarra de Lucia, num filme de Saura, nas Bodas de Sangre do inesquecível Antonio Gadès e da salerosa Cristina Hoyos, o Flamenco como arte conseguiu ser sempre mais do que uma arte porque se tornou na recriação da vida. O que Pagés conseguiu com Utopia está para lá da arte, da própria recriação da vida. Na voluptuosidade das formas niemeyerianas, servido por um naipe de bailarinos e músicos de altíssimo calibre, majestosamente enquadrados pela voz de Ana Ramón e Juan de Mairena, nos quadros de Maria Pagès ele torna-se na recriação da própria arte, elevando a música a mais do que um excepcional sapateado. Não o tinha visto antes. Vi-o hoje. E o que vi foi o tablao andaluz despojado de superlativos para exportação. A arte em forma de gente numa inesgotável manifestação da Criação servida pelos seus servos. A paixão segundo María. A Pagés. Uma espécie de extensão de Deus em forma de mulher, servida como prenda num Natal que, por força dos desígnios desse mesmo Deus, se tornou mais triste, infinitamente sombrio e cada vez mais distante. Até quando?