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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
(créditos: Portugal Resident)
Nem de propósito.
Há dias chamava aqui a vossa atenção para os excessos do turismo de massas e a sua perniciosa influência na vida dos residentes, acelerando a degradação dos locais que visitam e das condições de vida dos residentes.
Pela imprensa britânica fiquei hoje a saber que os habitantes de Sintra, pitoresca e acolhedora vila portuguesa, resolveram tomar posição perante os excessos decorrentes da devassa do seu espaço pelo turismo de massas.
O Express titula que “Locals in 'Europe's most beautiful town' threaten 'guerilla action' over 'hell'”. O tablóide Daily Mail escreve que “Europe's war on tourism has now spread to Portugal and Switzerland.”
O jornal Portugal Resident esclarece que a Associação QSintra divulgou um comunicado com o título “Em defesa de um lugar único” sublinhando que “o turismo é importante para Sintra, mas não pode ser um factor de degradação da paisagem e de despovoamento da zona”, referindo que a vila tem todas as condições para ser um “centro cultural e grande qualidade e projecção mundial”, mas que “há demasiada gente, e demasiados carros e autocarros na vila e a serpentear pelas estradas estreitas.”.
Há dez anos, um artigo no The Guardian elencava 6 razões que impunham uma diferente abordagem deste modelo de turismo, o qual já teria ultrapassado o seu auge. E escrevia-se então que o “turismo industrial de massas baseia-se na montagem, distribuição e consumo de produtos embalados”, em que “a mercantilização do que deveria ser reverenciado como único é ainda agravado pela aplicação de estratégias industriais de redução de custos de homogeneização, de estandardização e de automatização que eliminam ainda mais quaisquer vestígios de diferença, quanto mais de mística (...)”. Depois, referia-se que “as baixas barreiras à entrada e a ausência de regulamentação encorajam o crescimento rápido e a especulação”. O “turismo é um produto perecível”, que “não pode ser armazenado”, acrescentando-se que “os visitantes fazem com que os preços da terra, dos alimentos, da água, da habitação e das infra-estruturas aumentem a um ritmo estreitamente correlacionado com o declínio das margens dos operadores turísticos”, tendo como consequência que “mais turismo significa muitas vezes menos benefícios para as comunidades de acolhimento.”
Um destino turístico não deve ser visto simplesmente como “um recurso a ser explorado, mas como um lugar sagrado a ser protegido e celebrado pela sua singularidade”, defendendo-se, em alternativa, “menos volume, congestionamento, incómodo, destruição e danos”, em prol de um turismo com “mais significado, propósito, valor, paz e realização”, pugnando-se por “não mais, mas melhor” turismo.
Perante o que está acontecer em Sintra e em tantos locais de peregrinação turística por esse mundo, o Turismo de Macau continua na idade da pedra e só se entusiasma com cada vez mais gente a entrar. A primeira página desta manhã do jornal Ponto Final informava-nos de que só este ano, até 25 de Julho, já entraram 19 milhões de turistas (pseudo-turistas) em Macau, representando um crescimento de 38,2%. Num dia entraram 135.000 pessoas numa cidade que tem menos de 700.000 habitantes.
Desconheço se os responsáveis turísticos já circularam por Macau, anónimos, pelos locais de maior concentração de visitantes, mas deviam fazê-lo. Para um residente, até uma simples ida à Cinemateca num sábado à tarde se tornou num pesadelo, tantos são os encontrões que leva, a berraria e a fumarada rua após rua.
O próximo Chefe do Executivo, seja ele qual for, deverá repensar o modelo turístico de Macau. E colocar uma alínea sobre este problema no seu programa de governo.
Se a política de turismo do Tibete fosse idêntica à da RAEM aquele paraíso natural e cultural da humanidade já se teria transformado num parque de diversões de montanha, gerando lixo e poluição em quantidades astronómicas. E estou certo de que ninguém quererá isso em Pequim.
Também em relação a Macau, se os responsáveis locais não conseguem perceber o mal que estão a fazer à cidade, ao seu património, às suas ruas, e à qualidade de vida da maioria dos seus residentes, se não conseguem ver isso e contribuir para a existência de política sustentáveis e de longo prazo para o turismo de Macau, então deverá ser o Governo Central a colocar um travão à falta de racionalidade e bom senso para que se possa valorizar e proteger aquilo que constitui património de todos.
Isso é que seria muito patriótico. Não o caos e a balbúrdia actuais e que terão no futuro, aliás já no presente, custos elevadíssimos (turísticos, ambientais, e na qualidade de vida e na saúde dos residentes e das futuras gerações) para todos os que aqui vivem.