Voltar ao topo | Alojamento: Blogs do SAPO
Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Passada a fase da provocação, essencial para se manter o humor, a sanidade e ver o modo como as almas penadas reagem à jocosidade do escriba, convém que de quando em vez se volte a falar de temas mais sérios, deixando a contabilidade futebolística dos debates para os reclusos – no sentido virtual e real – e para os comentadores encartados e pagos.
Um dos aspectos em que José Sócrates, quando foi primeiro-ministro, se mostrou politicamente mais infeliz foi na radicalização do seu discurso e na posse do animal feroz que muitos aplaudiam e em que os seus acólitos se reviam (e revêem, como ainda recentemente se viu numa acção de campanha).
Essa radicalização, que se acentuou ao longo do tempo, permitiu depois a Passos Coelho, com o apoio do PR, ir-se distanciando, à medida que o país também se ia apartando de Sócrates e do PS. Num primeiro momento a radicalização funcionou a seu favor, depois contra si. O agravamento da situação do país em 2010 e 2011 aumentou a tendência radicalizadora. Deve haver quem ainda se lembre disso. Passos Coelho e o PSD trilharam o seu caminho na esteira desse clima e dele viriam a colher frutos, optando ainda hoje por um registo semelhante, ultimamente temperado por razões eleitorais, mas pronto a explodir assim que rodeado da sua malta e vislumbre a oportunidade de colher mais uns votos.
A derrota de Sócrates em Junho de 2011 e a agudização da crise funcionaram como um estímulo para a criação do espírito de trincheira que está em Portugal tão presente nas mais pequenas coisas. Da crónica jornalística aos comentários nos blogues. De um lado e do outro acentuaram-se as clivagens. A amargura funcionou como um estímulo de um lado e do outro, e os mais pequenos ganhos nas discussões parlamentares ou nos confrontos televisivos eram vistos como parte de uma jornada gloriosa que acabaria por aniquilar o adversário. O azedume que cresceu dos dois lados fechou a porta aos entendimentos necessários.
Isso também se viu nos debates entre Passos Coelho e António Costa. Em Outubro, Cavaco Silva vai receber uma batata quente nas mãos. E não vai poder largá-la porque sem maioria absoluta não há posse – presumo que o homem ainda se recorde do que disse – e vai ter de ser ele a resolver o problema para cuja agudização tanto contribuiu com a sua inépcia.
António Costa já disse que não viabiliza um orçamento da coligação PSD/CDS-PP, o que pode ter deixado muita gente estupefacta, não ter qualquer sentido nesta altura e, em meu entender, só pode ter sido mais um conselho que sobrou de um daqueles senhores que idealizaram os etéreos cartazes.
Pergunta-se agora, e com razão, quais as soluções possíveis? Um governo de iniciativa presidencial está fora de questão. Com uma eleição presidencial a escassos meses, com um Presidente em queda acentuada e perfeitamente desacreditado como futuro interlocutor do que quer que seja, qualquer solução para um impasse criado por uma vitória eleitoral sem maioria absoluta obrigará a acordos de incidência parlamentar. Estes são sempre possíveis, embora duvide que tal possa acontecer com os actuais líderes.
Mas se uma coligação à esquerda ou entre os partidos do centrão é pouco provável, então como desfazer o nó górdio?
Passos Coelho e Paulo Portas querem continuar a governar. É natural. As sondagens têm-lhes sido amigas, eles querem puxar por elas, até aí tudo bem. Mas estão longe de uma maioria absoluta e sem esta como vão formar governo? E com quem? Com o PCTP/MRPP? E quem lhes dará posse? Bruno de Carvalho?
António Costa também pede uma maioria absoluta. E por aí faz bem. Saber se com aquela primeira linha que levou a Vila Real chegará lá é outra história. De qualquer modo, se for o PS a vencer as eleições, essa poderá ser a solução mais conveniente em termos de governabilidade. Se não conseguir essa maioria, a alternativa vai depender da votação do Livre, porque não creio que, apesar das sondagens, o BE entre nestas contas. Apesar de tudo nunca se sabe e ainda faltam muitos dias.
Se a votação do Livre não for suficiente para formar uma maioria, então a alternativa poderá vir de onde menos se espera. A mudança de líder no PSD, com um eventual congresso extraordinário e a chamada de Rui Rio, com quem Costa já mostrou que se entende razoavelmente bem, não me parece plausível no imediato. E leva tempo. Além de que qualquer derrota eleitoral do PSD quando está no poder, se for de novo o caso, faz o partido entrar em transe.
A solução que resta pode estar no CDS/PP. O interesse nacional, ou o instinto de sobrevivência do partido, pode levá-lo a distanciar-se da coligação logo após as eleições. Na AR será cada um por si. Resta saber se os deputados do CDS/PP serão suficientes para formar uma maioria de governo com o PS e manterem o partido no poder. A hipótese é menos estrambólica do que poderá parecer. As hostes centristas não enjeitam, nunca, uma possiblidade mesmo remota de se manterem no poder. Estamos no campo da lucubração, eu sei, mas não custa nada ir pensando nisso. E desta vez não estou a gozar.
A solução, por vezes, vem de onde menos se espera. E num país onde os candidatos a primeiro-ministro se fazem acompanhar nas acções de campanha por quem não devem, dançam o vira e bebem vinho "Amnésia", enfiando os pés pelas mãos quando se trata de falar de uma coisa tão comezinha como a segurança social, enfim, num país há muito sem solução, todas as hipóteses que à partida possam resolver problemas são plausíveis. E ainda quando não se queira discuti-las, por serem inconvenientes, não há nada que proiba que sejam encaradas.
P.S. Costa patinou no segundo debate quando instado a esclarecer onde iria arranjar dinheiro para poupar 1020 milhões de euros nas prestações sociais não contributivas. Passos Coelho tem patinado todos os dias e a toda a hora, mesmo sem debate, como ainda agora se viu quando afirmou que Portugal iria antecipar um pagamento ao FMI ou quando remeteu para a mesma concertação social a que António Costa se referiu o valor do plafonamento que tanto apregoou, revelando-se de novo como um fala-barato impreparado, embora tenha criticado o adversário e esteja há mais de quatro anos ao leme da governação, o que lhe deveria dar outro conhecimento de uma matéria tão essencial e delicada.