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indignidades

por Sérgio de Almeida Correia, em 26.04.20

Cumpre-me deixar aqui um agradecimento especial à TDM e, em especial, à jornalista Rita Tavares-Teles, que apresentou a reportagem sobre a situação, absolutamente inqualificável, em que se encontram cerca de 150 trabalhadores não-residentes (TNR) de origem vietnamita a cujos contratos de trabalho foi colocado termo em razão da actual situação económica e de saúde pública vivida na RAEM por causa do COVID-19.

Esse agradecimento é devido porquanto sem o serviço público que ambas prestaram, a estação de televisão e a jornalista, jamais teríamos conhecimento do que se está a passar com aqueles TNR.

Que tivesse sido colocado termo aos contratos desses trabalhadores numa altura de crise e incerteza, já de si seria mau.

Mandá-los para o desemprego e largá-los sem qualquer apoio durante meses numa altura em que não lhes é possível sair de Macau, por razões a que são totalmente alheios e não lhes podem ser imputadas, com poucos ou nenhuns meios de subsistência, sujeitando-os à ajuda de amigos e conhecidos e de instituições de solidariedade social, obrigando-os a alimentarem-se pessimamente, permitindo que numa região riquíssima sejam tratados de acordo com padrões infra-humanos, revela a falta de um sentido mínimo de amor ao próximo e total ausência de humanidade. É nestas ocasiões que se revela a falta de vergonha e de responsabilidade social de algumas concessionárias do jogo.

Independentemente de se tratarem de pessoas como nós, o simples facto daqueles TNR terem trabalhado para concessionárias cujos lucros têm sido astronómicos no contexto mundial, contribuindo para o seu engrandecimento e para a elevada qualidade de serviço que os hotéis e restaurantes dessas empresas e Macau oferecem a residentes e turistas, mantendo lugar cativo nos rankings internacionais da hotelaria e restauração, coleccionando prémios, estrelas e referências elogiosas, tal deveria obrigar as suas entidades patronais a tratarem-nos de outra forma.

Mas sabendo-se que recebem salários baixíssimos trabalhando imensas horas, com poucas ou nenhumas regalias sociais, vivendo quase em permanência no limbo, durante anos a fio, como quase todos os TNR, e que a alimentação e o alojamento atingem valores incomportáveis para a sua maioria, impondo-lhes muitas vezes viverem em condições de conforto e higiene discutíveis, quando não miseráveis, o mínimo que se poderia esperar das concessionárias era que, tendo feito cessar unilateralmente os contratos de trabalho não abandonassem aquela gente à sua sorte.

Não lhes garantir refeições decentes, um alojamento, assistência médica e apoio nas difíceis situações em que todos vivemos, até ao momento em que possam regressar aos seus locais de origem, sabendo que entre esses seus ex-trabalhadores há inclusivamente duas grávidas, que devido ao facto de não haver ligações de Macau para o Vietname, de não poderem utilizar o aeroporto de Hong Kong para regressar, e dos sucessivos adiamentos (ao longo de meses) dos seus voos serem da responsabilidade de outra concessionária, a Air Macau, daqui não podendo sair, o que acontece contra a sua vontade, é revelador de uma desumanidade grotesca, indigna de pessoas de bem.  

E repare-se que ficámos a saber da situação destes desgraçados depois de vários avisos do Chefe do Executivo nas últimas semanas relativamente ao papel que se espera das concessionárias do jogo.

Quanto à Melco Resorts & Entertainment (ex-Melco Crown), a reportagem esclareceu-nos que, para além do alojamento concedido, depois de contactada pela TDM anunciou que ofereceria refeições aos seus ex-trabalhadores até saírem de Macau. Menos mal.

O outro operador de jogo nem sequer respondeu ao contacto da jornalista para se pronunciar sobre o assunto. Isto também é revelador do nível desta classe empresarial do tipo e que gravita em redor da Sands e de Sheldon Adelson, um dos homens mais ricos do mundo, quando se trata de assegurar em Macau, onde a sua riqueza cresceu desmesuradamente (pelo seu empreendedorismo, mas também pela mãozinha que lhe foi dada no concurso e pelas condições que lhe foram oferecidas), os mínimos em termos laborais e humanos.

No entanto, sempre que há uma câmara de televisão por perto, ou para comprarem páginas em jornais e revistas, estas concessionárias estão prontas para fazerem flores, mostrarem as máscaras que interesseiramente oferecem ao Governo da RAEM ou os milhões que “doam” à caridade, quando esta pode ser publicitada e servir os seus interesses promocionais para comprarem a simpatia dos residentes e o apoio das autoridades.

É por estas e outras que as concessionárias — umas mais do que outras —, têm de entrar na linha. Doa a quem doer.

Quem permite que situações como as descritas, sem haver motivo para tal, aconteçam tem de ser punida. Por isso é tão importante mudar as leis laborais e introduzir alterações aos futuros contratos de concessão que acautelem estas situações.

Os deputados que na Assembleia Legislativa acompanham as questões laborais, e todos os outros que têm impedido a alteração da legislação, deviam cobrir-se de vergonha perante o que se viu e ouviu.

O Chefe do Executivo, o Secretário para a Economia e os serviços que lidam directamente com as concessionárias não lhes podem dar tréguas.

E o Governo da RAEM tem de assumir as suas responsabilidades perante esta desafortunada gente quando as concessionárias falhem, exercendo depois os seus direitos de regresso contra elas.

Não se pode tratar ninguém da forma que aqueles seres humanos têm sido tratados pelas referidas concessionárias e pela transportadora aérea. Se esta não pode levar os 150 de volta para o Vietname, as concessionárias que fretem um avião e repartam os custos, sendo depois compensadas pela Air Macau.

A RAEM tem a responsabilidade de assegurar que todas as pessoas que para aqui vêm trabalhar sejam tratadas com dignidade desde que chegam, enquanto cá estão, e até que regressem a suas casas e às suas famílias.  

Nem os galgos foram tão mal tratados quando a Anima e o Albano Martins conseguiram colocar um ponto final nos “serviços” que esses animais prestavam à indústria do jogo.

É uma indignidade para todos nós, como residentes e como pessoas dotadas de sentimentos de solidariedade e amor ao próximo, assistir a reportagens como a que a TDM exibiu.

E dói ver pessoas sem meios, indefesas, que deram o seu melhor, serem tratadas como se fossem uns párias.

Não é, nunca foi, da tradição de Macau tratar mal as pessoas. Por mais miseráveis que fossem. Se não havia antes razão para isso, quando não havia a riqueza que hoje há e muita gente atravessou o Canal dos Patos para ficar rica, sendo-lhes emitidos documentos para aqui residirem e serem hoje patrões de TNR, agora há ainda menos razões.

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4 comentários

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De Sarin a 26.04.2020 às 18:45

Obrigada por trazer tais notícias a este lado de cá do mundo.

Uma pena que não divulgue os nomes - quem os ler talvez se lembrasse deles numa eventual e futura viagem. Os pequenos boicotes são pequenos, mas não deixam de ser boicotes.
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De Sérgio de Almeida Correia a 27.04.2020 às 17:00

Olá Sarin,

De nada.
É provável que tenha razão, mas deixo essa parte para outros.

Obrigado.
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De Pedro Coimbra a 27.04.2020 às 04:43

O canal em Português de TDM dá voz a quem não a tem.
Jornalismo a sério!
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De Sérgio de Almeida Correia a 27.04.2020 às 16:58

Sem dúvida, Pedro.
Temos a sorte, apesar da escassez de meios, de haver quem por lá não perca uma oportunidade de mostrar o seu profissionalismo.

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