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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Desconheço se o comunicado de ontem de Luís Filipe Vieira, pelo qual anunciou que tinha riscado da lista da sua "Comissão de Honra" todos os apoios de titulares de cargos públicos, foi previamente combinado com os visados, ou com algum destes, ou se foram todos apanhados desprevenidos pela decisão e as palavras do presidente do Sport Lisboa e Benfica.
O desconsolo do candidato com o que se está a passar é compreensível. Foi mau para ele e foi mau para o clube qualquer que fosse a justificação. Mas esta é outra questão, que não foi a que gerou a polémica e a indignação de muitos. Com razão, diga-se de passagem.
O que o episódio do comunicado destaca é o crédito e a forma como hoje são olhados e tratados políticos e titulares de cargos públicos. E de quem é a culpa? Dos energúmenos das claques? Dos clubes? Dos presidentes destes? Da comunicação social?
É claro que de nenhum destes. Também não são eles quem marca almoços no parlamento para celebrar as conquistas desportivas dos seus clubes com os senhores deputados.
E saber se houve um telefonema antes, se foi o primeiro-ministro que pediu para ser retirado da lista, ou se foi uma decisão pessoal do candidato, é de todo irrelevante para o que interessa.
Ter entrado já tinha sido mau.
Se pediu para sair sem ter tido a iniciativa de sair pelo próprio pé, e depois de ter defendido a justeza do seu direito, isso seria ainda pior.
Se não pediu para sair e o candidato é que resolveu correr com ele e com os outros da sua "Comissão de Honra" dá ainda uma pior imagem, porque se fica com a sensação de que queriam e não se importavam de ficar e agora acabaram escorraçados saindo pela porta dos fundos.
Discutir um qualquer código de conduta dos membros do governo, que ainda por cima refere expressamente ser apenas "um compromisso de orientação" assumido no exercício das suas funções pelo membros do Governo e dos respectivos gabinetes, ou instrumento semelhante, também não ajuda à resolução do problema.
O simples facto de existir uma coisa dessas, oficial, já demonstra o nível a que se desceu e a estirpe de quem necessita de ter um guia para se comportar à altura dos cargos que ocupa numa república.
Alguns não se importarão com as figuras que fazem. Muitos não irão lá nem com mil códigos. Estão habituados ao estilo, ao convívio com "os gajos da bola", e com outros muito piores. E por isso também conseguiram chegar onde chegaram. Até falsificando habilitações e qualificações.
Não será esse o caso do primeiro-ministro, o que torna ainda mais incompreensível a sua atitude de se prestar a integrar a tal "Comissão de Honra" e, depois de verificada a argolada, ainda insistir na sua posição. Será que não tem nenhum spin doctor decente com quem falar? Alguém civilizado, com bom senso e sentido crítico que possa dar-lhe uma ajuda? Só tem carreiristas, seguidistas, "tralha do partido" e yes men(*) para o aconselharem?
Aqui há uns anos houve um artigo (76.º, n.º 1) que foi eliminado do Estatuto da Ordem dos Advogados por uns negociantes que acharam que não valia a pena dizer que um advogado devia "no exercício da profissão e fora dela, (...), mostrar-se digno da honra e das responsabilidades que lhe são inerentes". Ainda estou para perceber o que conseguiram com a sua eliminação.
O que aconteceu agora foi, com as devidas distâncias, uma reedição disto na nossa vida pública. Uma coisa é o que faço enquanto primeiro-ministro e líder do partido, outra coisa é o que faço na minha vida privada.
Não creio, como neste caso, que seja fácil fazer a separação dos planos, em especial quando são tantos e tão recorrentes os maus e os péssimos exemplos, muitos deles vindos de um passado não tão distante quanto isso e que tão, e bem, criticados foram.
Parece-me evidente, pese embora o exagero, que um tipo que se comporta normalmente como um trafulha, que faz da vigarice um modo de vida, jamais deixará de o ser se um dia lhe acontecer exercer um cargo público. Em especial se tiver uma oportunidade de dar o golpe saindo impune. Porque não há separação possível entre o que fazia, e certamente continuará a fazer, na sua vida privada e o exercício da função.
Poderei estar errado, e admito que sim, pois muitas vezes também erro nas minhas escolhas e nos meus juízos. Todavia, nem por isso deixo de assumir a responsabilidade pelas minhas acções. E se erro procuro corrigir, e não reincidir.
É que no extremo a separação entre vidas e papéis pode levar a que um tipo faça figuras tristes no exercício de cargos públicos.
E aí o problema não será apenas dele.
Não vale a pena dar exemplos. Todos os conhecemos.
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(Editado para substituição de "conferência de imprensa" por "comunicado" porque o anúncio foi feito pela segunda via)