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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
(créditos: DN/MAI)
O apuramento final dos resultados das eleições legislativas de 18 de Maio, que ontem se concluiu com a divulgação das escolhas dos eleitores nos círculos da Europa e de Fora da Europa, acaba, de certa forma, por lançar novo alerta aos partidos políticos tradicionais, à classe política em geral, e por confirmar o veredicto ditado pelas urnas em quase todo o país.
Embora com menos 4313 votos, com a vitória nos círculos da emigração, o Chega ultrapassou o Partido Socialista (PS) em deputados e será em S. Bento o partido líder da oposição. Não apenas à maioria circunstancial e transitória da AD, mas também ao regime político saído da Constituição de 1976 e a que desde sempre firmemente se opusera.
Quanto ao "sistema", todos perceberam que o Chega já entrou para o seu lado de dentro e conseguiu aceder aos generosos fundos públicos disponibilizados pelos impostos dos portugueses a todos os partidos. O Chega pode consolidar a partir de hoje a profissionalização dos seus quadros, ainda que possa dizer que não o vai fazer, e receberá os mesmos milhões de euros que os partidos políticos por si tão criticados sempre receberam dos contribuintes.
O resultado obtido nos círculos da Europa e de fora da Europa, ao remeter a AD e a aliança PSD/CDS-PP para o segundo lugar aponta o enorme falhanço do discurso montenegrista junto dessas comunidades de portugueses. E destaca a perfeita nódoa que foi a acção de José Cesário e da sua equipa, não obstante as múltiplas, frequentes e na maior parte das vezes inexplicáveis, deslocações que realizou ao estrangeiro para fazer as habituais promessas e segurar o eleitorado potencial da coligação nas suas homilias para analfabetos, sacristãos e defuntos. De nada serviram as cartas enviadas para casa dos eleitores residentes no estrangeiro. E seria bom apurar o número de viagens que Cesário efectuou em menos de doze meses, detalhando-se as que fez já depois do chumbo da moção de confiança, quanto custaram – incluindo as suas ajudas de custo – e que resultados deram, quando se verifica um aumento dos abstencionistas – em 2024 votaram 6.473.789 portugueses, em 2025 apenas 6.317.949, apesar do número de eleitores inscritos ter aumentado em 31.989 – e o número de votos nulos, apesar de ligeira diminuição, continua bastante elevado (172.379 quando o ano passado foi de 189.676).
Em relação aos votos nulos importa referir que a preocupação manifestada pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), que se mostrou alarmada com o facto de nalgumas mesas o seu número ser superior a 40%, é comportamento que revela muita hipocrisia. A CNE estava mais do que alertada para essa situação, a que eu próprio me referi em artigo publicado em 2022. E nem essa entidade nem os Governos de António Costa e Luís Montenegro, este com menos responsabilidades atento o curto período em que esteve em funções, fizeram alguma coisa que permitisse acautelar a repetição do sucedido.
Confirmado que está o reforço substancial da votação no Chega, a vitória de Luís Montenegro, e o reforço da direita parlamentar, torna-se ainda mais evidente o descalabro eleitoral do PS de Pedro Nuno Santos.
Porém, quanto a este convém referir que não está sozinho no afundamento. Nunca será de mais dizê-lo. O líder era mau, mas os que o acompanharam não são melhores. Aquele rebanho de dirigentes oportunistas do PS que salta de secretário-geral em secretário-geral e a todos apoia, por mais diferentes que sejam, transborda de incompetência e desligamento da realidade, retirando qualquer sentido aos apelos pungentes que vêm tarde e a más horas fazer à reflexão. Reflectissem antes, dessem ouvidos a quem queria bem ao PS e ao país.
Todos os barões e baronesas do Largo do Rato que há ano e meio entronizaram, com fanfarra e foguetes, o líder demissionário para comandar uma embarcação que já então vogava à deriva num mar encapelado, e que prenunciava os trambolhões nas vagas que levaram à inundação da casa das máquinas, varreram o convés, entrando pelos camarotes, e atiraram à água o infeliz e tonitruante capitão barbudo, deviam ser corridos.
Todo o Secretariado Nacional e os membros da Comissão Nacional do PS que teceram loas à liderança e assinaram de cruz para garantirem algum protagonismo nas filas da frente são responsáveis. Ninguém sai ileso, embora agora haja uns e umas com menos vergonha na cara e que venham dizer depois da tragédia acontecer que aconselharam o ex-secretário-geral a deixar passar o voto de confiança pedido por Luís Montenegro. Houve mesmo quem tivesse o desplante, em vez de ficar caladinha, de dizer numa entrevista que travou a sua candidatura à liderança do partido para não prejudicar o PS nas autárquicas. Um destes dias ainda vêm dizer que Pedro Nuno Santos chegou sozinho à liderança e que nunca nenhum deles o apoiou. Enfim, é lá com eles.
Seria sim conveniente que em Portugal, que é o que verdadeiramente nos interessa, se começasse por arrumar a casa, fosse rapidamente dada posse a um novo Governo, nas ideias e nas pessoas, removendo-se os emplastros do último, e as coisas voltassem à normalidade. A começar nos aeroportos. O caos que aí se tem vivido também tem responsáveis.
Quanto ao resto, isto é, a democracia, se tiverem juízo e não andarem a perder tempo a rever com todo o folclore o preâmbulo da Constituição, equiparando-se aos dirigentes e às preocupações do Partido Comunista Chinês, como se daí dependesse o futuro da nação, o desenvolvimento do país e a alegria do povo, acabará por se reformar, continuando a acolher todos os que nela se revêem, incluindo aqueles portugueses incógnitos que nas urnas se manifestaram contra a paz podre do regime político, castigando as suas medíocres elites e as aberrações de um sistema eleitoral que teima em não se reformar e prefere continuar a afastar-se dos eleitores, empobrecendo a participação e a responsabilização individual e colectiva.