Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]



entrevista

por Sérgio de Almeida Correia, em 03.04.14

Quer queiramos quer não, a entrevista de José Manuel Barroso ao Expresso foi uma excelente entrevista.

Ao contrário de muitos fait divers, reportagens e artigos absolutamente inócuos que preenchem as páginas dos jornais e revistas nacionais, uma entrevista é uma peça jornalística de interesse inquestionável pelo que revela das ideias e personalidade do entrevistado e da argúcia e perspicácia do entrevistador. Dessa perspectiva, a entrevista de Barroso é um tratado que durante muitos e bons anos será objecto de estudo e análise.

Confesso que graças a essa entrevista, pela primeira vez, pude compreender o verdadeiro alcance do pensamento barrosista e a forma como a cartilha maoísta se entranhou no espírito do ainda presidente da Comissão Europeia. Repare-se que a clareza, tantas vezes ausente do discurso de Durão Barroso, esteve agora insofismavelmente presente.

Clareza na forma como fazendo apelo ao interesse nacional - o mesmo que o levou a negociar a sua ida para Bruxelas depois de dias antes ter desmentido com toda a convicção que estivesse de partida ou interessado no lugar, manifestando inclusivamente na ocasião a sua intenção de levar o mandato em que fora investido até ao fim -, afirma a necessidade do próximo Presidente da República ser mais um fruto da trapalhada ideológica e da vacuidade em que medram os partidos do centrão. Estão lá tudo e todos, incluindo o apelo a essa desgraça chamada consenso, espécie de mistura de águas e detritos de variadas origens que conduziu a democracia portuguesa, formalmente inquestionável, à substantiva podridão actual.

Clareza também na afirmação de que não tem qualquer intenção de ser candidato às presidenciais, o que deve merecer tanta credibilidade quanto as declarações de Passos Coelho em campanha eleitoral sobre os cortes dos subsídios de férias e de Natal, a defesa do Serviço Nacional de Saúde, a reforma do Estado ou a redução défice pelo lado da despesa. Ou, se quiserem, colocando as coisas no seu devido lugar, dou-lhe o mesmo valor que às prédicas semanais de putativos candidatos presidenciais e ex-primeiros-ministros em final de sabática.

Clareza igualmente na forma como se predispôs a atacar Vítor Constâncio mais de dez anos depois dos factos que relatou na entrevista e de ter estado calado todo este tempo relativamente aos pornográficos negócios do BPN/SLN, fazendo de conta que o silêncio e a passividade não teriam consequências. A deficiente supervisão de Constâncio e do Banco de Portugal, sobre esse e outros assuntos, embora coloque em causa o seu desempenho e a eficácia da instituição no cumprimento das suas atribuições, em nada belisca a sua seriedade. Daí que não tenha podido deixar de registar, à semelhança de Silva Lopes, Beleza, Vilar, Santos Silva e Teodora Cardoso, o ataque doloso, que alguns diriam canalha, que foi feito ao ex-governador. Tendo sido o próprio Barroso, a fazer fé no relato, quem se quis chegar à frente, querendo substituir-se ao entrevistador na escolha e oportunidade do tema, atirando voluntariamente para a fogueira as achas com as quais pretendia continuar a imolação do infeliz Constâncio, a intenção letal do ataque foi manifesta, colocando-o ao nível de um qualquer desses deputados saídos das "jotas" que se apressam a dar lustro à voz de quem lhes garante o emprego. Atitude que, convenhamos, está ao nível de quem se afadigou em chegar às Lajes a tempo de se acocorar perante um dos mais vis - pelas consequências - ataques à verdade e ao direito internacional de que há memória. 

A entrevista de Barroso ao Expresso, sendo ele um ex-primeiro ministro e ex-titular dos Negócios Estrangeiros, por tudo aquilo que põe a nu, é o espelho da ambiguidade europeia, do permanente desencontro em que vive a União, da ausência de um líder e de um pensamento ideológico estruturado e coerente. Incapazes de encontrarem um líder que a una e prestigie, os burocratas eunucos que mandam na União preferem figuras menores, inconstantes, de pensamento proteiforme e com uma visão enviesada e ajustável à medida dos seus interesses.

Percebe-se, por isso mesmo, que a recente anexação da Crimeia pela Rússia não foi fruto de um acaso. Putin sabia que o barrosismo, digno sucessor do blairismo, tomou conta da Europa e se assume como uma espécie de wilsonianismo tardio e à deriva. Os resultados das municipais francesas são a melhor prova do triunfo da estupidez e do esgotamento da paciência dos eleitores.  

Autoria e outros dados (tags, etc)





Mais sobre mim

foto do autor


Pesquisar

  Pesquisar no Blog



Calendário

Abril 2014

D S T Q Q S S
12345
6789101112
13141516171819
20212223242526
27282930



Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2013
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D



Posts mais comentados