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dsal

por Sérgio de Almeida Correia, em 11.08.22

Há vários serviços da Administração Pública de Macau que deviam ser objecto de reforma ou encerramento pela simples razão de que não cumprem cabalmente a respectiva função. A Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) é um deles.

O que tenho visto da actividade dessa entidade, onde a língua portuguesa está proscrita, tem sido de molde a ficar sempre com a pior das opiniões, tal a forma altamente burocratizada, ineficiente e perturbadora das relações laborais, e não raro contra os trabalhadores, como exerce a sua actividade. 

Se todos se recordam, e esse é um problema que afecta muita gente, por ocasião do confinamento imposto pelo Governo durante o mês de Julho, aliás na linha do que o Secretário para a Economia e Finanças dissera em Maio na AL, a DSAL veio logo a terreiro, quase que se diria que a pedido das entidades patronais, dizer que era legal e legítimo baixar salários e descontar os salários dos trabalhadores. No caso do Secretário, Lei Wai Nong tinha ido à AL dizer, perante a crise, que os trabalhadores deviam aceitar "as actuais regalias e salários" e que os "empregadores têm de apresentar um salário de acordo com o mercado", quase como que justificando, concordando e aceitando uma alteração unilateral às regras fixadas na lei e nos contratos de trabalho.

Passadas uma semanas, logo veio a DSAL esclarecer através de uma nota de imprensa, de que os jornais de 22 de Julho deram conta (Ponto Final e JTM), de que terminado o período de confinamento parcial se manteria o princípio de que os empregadores não são obrigados a remunerar os funcionários. Adiantou a DSAL que "se orientações de prevenção epidémica causarem a suspensão de uma empresa trata-se de “um caso de força maior”, e que não sendo a suspensão causada pelo trabalhador, nem pelo empregador "o trabalhador fica impossibilitado de prestar trabalho, portanto, trata-se de uma falta justificada e o empregador não tem o dever de pagar o vencimento”.

Também se referiu, como que a dar uma no cravo e outra na ferradura, que "tanto os empregadores como os trabalhadores devem negociar de boa fé e de acordo com a situação real da empresa".

Ora, há aqui dois pontos em que a DSAL, e também o senhor que a tutela, estão profundamente errados.

O primeiro diz respeito à interpretação, abusiva, ilógica e ilegal que foi feita pela DSAL do artigo 50.º, n.º 2, alínea (9) da Lei das Relações de Trabalho. Diz a DSAL que, perante uma determinação do Governo, note-se, as faltas dos trabalhadores devem ser consideradas justificadas e que o empregador não tem de pagar o vencimento.

Ora, para que houvesse falta justificada do trabalhador era primeiro preciso que a empresa estivesse aberta. Se as empresas estão fechadas por decisão do Governo não há qualquer falta justificada ou injustificada ao trabalho que dê lugar a corte nos vencimentos. O trabalhador mesmo que quisesse cumprir não o poderia fazer porque a empresa estava de portas fechadas. Não há aqui qualquer falta do trabalhador que tenha de ser justificada porque aquele até podia estar à porta da empresa que esta não iria abrir para ele picar o ponto. 

A DSAL, quando emite comunicados como aquele que atirou cá para fora, fala para ignorantes, para gente que está habituada a ser maltratada pelos patos-bravos desta terra, partindo de um pressuposto sem qualquer cobertura legal, desligado da realidade e de cujo único beneficiário é o patrão. Além do mais, se houvesse força maior para o trabalhador também a haveria para a entidade patronal, e não se vê porque tem de ser a parte mais fraca a suportar o prejuízo do risco, da "força maior", de uma decisão do Governo da RAEM para cortar sem qualque base legal os salários dos trabalhadores. O princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, o velho favor laboris ou favor laboratoris para alguns autores, estaria a ser fortemente vilipendiado. Acresce aqui, ainda, o art.º 4.º n.º 2 da Lei das Relações de Trabalho, segundo o qual a "lei não pode ser interpretada no sentido de implicar a redução ou eliminação de condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores".

Depois, em segundo lugar, porque quando a DSAL refere que os trabalhadores e os patrões devem negociar de boa fé e de acordo com a situação real da empresa, isso também quer dizer que as empresas não são todas iguais e as soluções não podem ser todas iguais independentemente da situação económica de cada empresa. Se uma empresa tiver uma sólida situação económico-financeira, não obstante a suspensão da actividade imposta pelo Governo, não faz qualquer sentido cortar nos salários de quem já ganha mal. Com isso não se está a diminuir prejuízos, mas sim a aumentar os lucros à custa dos trabalhadores. 

Se o Secretário para a Economia e Finanças e a DSAL queriam ajudar os patrões deviam tê-lo dito claramente, não arranjando uma interpretação aberrante da lei para uma decisão da sua exclusiva responsabilidade, para assim fazerem o jeito aos empresários amigos e prejudicando ainda mais os trabalhadores do sector privado, já que os do sector público estão sempre protegidos. Nessa matéria o Governo da RAEM não faz o que recomenda aos outros, por exemplo, aplicando o mesmo princípio aos trabalhadores da DSAL e descontando-lhes no vencimento os dias em que os serviços estiveram encerrados e não resolvem os problemas das pessoas.

Se a ideia não era essa, então o Governo da RAEM devia pagar aos trabalhadores que viram os seus salários descontados pelos patrões, em razão do confinamento, o valor da diferença, para assim proteger, como se fosse uma seguradora, os lucros dos empresários amigos, e evitando-lhe os "prejuízos" decorrentes da sua actividade empresarial.

As queixas que ouço contra a DSAL são mais que muitas, mas parece que a única coisa que a preocupa são as manifestações de trabalhadores à sua porta. Ainda ontem houve mais uma com trabalhadores da limpeza cujos títulos de permanência foram cancelados pelo prevaricador, embora esteja a dever vários meses de salários e de horas extraordinárias àqueles desgraçados. Para todos os que na RAEM são abusados e explorados até ao tutano, a intervenção da DSAL tem-se revelado um verdadeiro fiasco.

O Gabinete de Ligação da RPC em Macau devia acompanhar com mais atenção a actividade exercida pela DSAL. Esta não pode continuar a ser uma muleta do Governo de apoio aos poderosos patrões locais e contra os trabalhadores indefesos – muitos são "blue card" que vêm do interior da China para serem explorados em Macau.

E também acompanhar a de outras entidades que são um cancro para os direitos dos trabalhadores, em especial dos mais desfavorecidos, como é o caso das agências de emprego e do seu mais do que escandaloso negócio das quotas. Uma especificidade vergonhosa de Macau que tarda em desaparecer porque dá a alguns milhões a ganhar. A estas coisas que interessam a todos e dizem respeito à vida das pessoas normais, e não a outras que não lhe dizem respeito, é que o Gabinete de Ligação devia estar atento. E mexer os cordelinhos.

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