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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
No primeiro fim-de-semana de Maio, correspondendo a um convite do Gabinete de Ligação do Governo Popular Central na RAEM, um grupo de advogados de Macau deslocou-se às cidades de Dongguan e Huizhou. A ocasião foi aproveitada para pequenos encontros com as organizações congéneres e visitas a uma das muitas empresas tecnológicas da "Grande Baía Guangdong/Hong Kong/Macau" e alguns locais de interesse histórico e turístico, completados com momentos de confraternização e convívio entre quem em regra não se encontra regularmente devido aos afazeres quotidianos.
O Gabinete de Ligação tem aproveitado estes encontros para fazer passar as suas mensagens, "politicamente correctas", aproveitando para melhor conhecer os advogados locais e dar-lhes a oportunidade de se inteirarem de outras realidades da China que lhes são pouco acessíveis. Na linha, aliás, daquela que tem vindo a ser uma chamada de atenção recorrente nos últimos tempos por estas paragens, assim aproveitando a deslocação para levar os convidados, na sua maioria cidadãos chineses jovens, a locais de interesse histórico, dessa forma também sublinhando a necessidade de alargar-lhes o conhecimento da história contemporânea da R.P. da China e dos seus protagonistas como forma de aprofundarem o "amor pela pátria".
O programa delineado permitiu, igualmente, a quem não tem necessidade, ou dispensa, tais aprofundamentos patrióticos, a oportunidade de visitar locais que não são facilmente acessíveis em jornadas independentes, permitindo ao mesmo tempo acompanhar o desenvolvimento da paisagem urbana, da sua rede de transportes e estradas e das mudanças que a um ritmo impressionante vão ocorrendo. Aquilo que há pouco mais de duas dezenas de anos eram espaços rurais, distantes dos novos mundos tecnológicos e digitais, são hoje cidades modernas, com largas e extensas avenidas, espaços verdes e veículos modernos e muito menos poluentes do que aqueles que constituíam a generalidade dos moventes motorizados. As próprias fábricas são actualmente espaços modernos, organizados e limpos, sem cheiros, robotizados e com tudo o que há de mais avançado, com uma arquitectura agradável à vista e em bairros arborizados. Em Dongguan é produzido um em cada seis dos telemóveis vendidos no mundo. Na fábrica onde estivemos, a Janus Intelligent Group Corporation Limited, empresa cotada na Bolsa de Shenzhen que tem parceiros como a Siemens, a Mitsubishi e a Huawei, há apenas 31 trabalhadores, mas no ano passado obteve, de acordo com os números fornecidos, lucros da ordem dos 600 milhões de yuan.
Dongguan é uma cidade com cerca de sete milhões de habitantes, dos quais mais de cinco milhões vieram de outras áreas do interior do país, como aliás aconteceu com muitas outras das novas cidades que se tornaram em portas de ligação ao exterior e focos de captação de investimento estrangeiro, o que explica que seja cada vez maior a predominância do Mandarim na comunicação do dia-a-dia. Com uma moderna rede de metro, subterrânea e de superfície, a cidade apresenta-se bem organizada, com muitos centros comerciais e lojas de cadeias internacionais, com bairros e condomínios esteticamente arrojados que vão substituindo as velhas construções que marcaram toda a segunda metade do século XX, inúmeros restaurantes e zonas de diversão nocturna, exibindo um parque automóvel digno de qualquer cidade europeia economicamente desenvolvida. Até em Huizhou, que é bastante mais pequena do que Dongguan, e onde ficámos a dormir num moderno, confortável e luxuoso hotel, mesmo para os padrões internacionais e pese embora o manifesto mau gosto – os interiores eram uma espécie de Palácio de Versalhes moderno –, foi possível aperceber-me da velocidade do desenvolvimento, da riqueza gerada e da presença de muitos profissionais ocidentais expatriados. A vasta rede de estradas e auto-estradas construída nas últimas duas décadas, e o desenvolvimento ferroviário, com milhares de quilómetros de alta velocidade, permite que viagens de 200 ou 300 km, que antes levavam dias inteiros por estradas poeirentas e esburacadas, se façam agora em não mais do que duas ou três horas, ganho especialmente importante quando as distâncias são muitas vezes proporcionais à dimensão do país e ao número dos seus habitantes.
Todavia, também continuam bem presentes os sinais do persistente atraso cultural – continua a haver muito lixo mal acondicionado e largado nas ruas, para além de maus cheiros, nas ruas e vielas menos frequentadas. Pelo que me apercebi, o desenvolvimento irá prosseguir sem grande abertura e sujeito a muito controlo: a censura continua presente sendo impossível aceder a alguns sites de notícias ou a aplicações do tipo "Facebook" ou "WhatsApp", desactivadas assim que cruzamos a fronteira. Uma outra mudança de que dei conta foi com o aumento do controlo fronteiriço em Gongbei. No mês passado, por duas vezes, tive necessidade de me deslocar ao outro lado. Desta vez comprovei a introdução de novas máquinas para recolha de dados biométricos logo no momento de exibição do passaporte no posto fronteiriço. A comunicação em inglês continua a ser difícil quando não praticamente impossível. No restaurante de um dos hotéis, de cuja ementa só estavam disponíveis um quinto dos pratos oferecidos, a comunicação fez-se com o auxílio de um tradutor de bolso do pessoal. Gente, diga-se de passagem, simpática e que queria a todo o custo ser prestável e atenciosa embora sem saber muito bem como.
Tendo viajado a convite de uma entidade oficial e integrado numa delegação, não podia, obviamente, gozar da liberdade de movimentos a que estou normalmente habituado, sujeitando-me a percursos e, em especial, a horários de refeições que estão a anos-luz daqueles que pratico. Isso não impediu, contudo, a sempre salutar troca de impressões entre quem convidou e os convidados.
Sem um esforço de compreensão do outro, ainda que muito discordemos das suas ideias, preconceitos, crenças ou imposições superiores não é possível dialogar, esperar que nos ouçam ou que sejam sensíveis a outras visões e culturas. Mas este é o único caminho para se poder avançar no entendimento mútuo, diminuir distâncias e construir pontes que se possam revelar mutuamente úteis.
A campanha do Presidente Xi Jinping, em matéria de asseio e higiene das casas de banho, continua muito distante dos objectivos, sendo notória a falta de sabonetes, líquidos ou sólidos, de papel higiénico, toalhetes ou secadores de mãos em muitos locais de passagem de forasteiros.
A iniciativa do Gabinete de Ligação incluiu ainda uma jornada de "doutrinação patriótica". No âmbito desta teve lugar uma visita ao Forte de Weyuan, no estreito de Humen, no Rio das Pérolas, que foi uma defesa costeira construída em 1835, utilizada durante as Guerras do Ópio e que apesar de estar em ruínas merece uma visita aos seus canhões, bem como ao Parque Memorial e à casa do general Ye Ting (Huyiang, 1896/Shanxi, 1946), herói nacional de origens camponesas que se formou na Academia Militar de Baoding, membro do PCC a partir de 1924, figura chave no levantamento de Nanjing, em 1927, e comandante do 4.º Exército na Guerra Sino-Japonesa, o que o guindou a herói nacional.
A viagem terminou com uma visita ao Museu e à Montanha de Luofu, uma das montanhas sagradas do Taoísmo. A subida, realizada em teleféricos para duas pessoas e com condições de segurança rudimentares, dura 21 minutos e vai quase até ao cimo da elevação (o resto do percurso é feito a pé). As vistas que do topo se alcançam são soberbas, estando o local cheio de pássaros e coberto por uma densa e luxuriante vegetação que valem bem o esforço e o custo.