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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
(créditos: Macau Daily Times)
Quando em Setembro de 2021 o Governo da RAEM lançou uma consulta pública sobre as alterações à lei do jogo (Lei n.º 16/2001, Regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino) referiu-se então que tal acontecia "no intuito da promoção do desenvolvimento sustentável e saudável do sector do jogo nos dias vindouros", levando em consideração "as enormes mudanças ocorridas", do ambiente social à situação económica, sem esquecer a dimensão alcançada pelo sector do jogo.
O Governo também esclareceu que o objectivo de rever e optimizar o regime jurídico vigente levava em consideração as "experiências de supervisão adquiridas ao longo dos anos". E não se esqueceu então de mencionar o relatório intercalar de 2016 sobre a exploração do sector do jogo, onde se identificaram uma série de "problemas sociais, a par das questões de desactualização e insuficiência no âmbito da supervisão sobre o sector".
Terminada a consulta pública, elaborado o respectivo relatório, munido dos melhores estudos e de toda a experiência acumulada de duas décadas, ciente das necessidades da RAEM, entendeu o Governo preparar e submeter à Assembleia Legislativa, em 14/01/2022, uma proposta de alteração à Lei n.º 16/2001. Votada no plenário dez dias depois obteve aprovação por esmagadora maioria (30 votos a favor, 1 voto contra do deputado Lam U Tou).
Nessa proposta que a AL aprovou constava expressamente o n.º 3 do artigo 5.º que dispunha o seguinte: "As concessionárias obrigam-se a explorar os jogos de fortuna ou azar em casinos nos locais cujos imóveis são da sua propriedade (...)."
A norma contida na proposta de lei era claríssima e não oferecia qualquer dúvida.
Depois, iniciada a discussão na especialidade, foi revelado que na 2ª Comissão da AL "vários deputados sugeriram a extensão do prazo de transição dos casinos-satélite, de três para cinco anos."
Perante tal sugestão, o Secretário para a Economia e Finanças assinalou que não era sua vontade que os denominados casinos-satélite fechassem, e que esperava que estes tivessem "margem para continuar a operar seguindo a lei”.
Queria isto dizer ser vontade do Governo, fazendo fé na proposta e nas declarações do responsável do sector do jogo, que os casinos-satélites continuassem, mas sendo operados pelas concessionárias.
Na sequência do charivari que se seguiu, e das questões levantadas por alguns deputados que haviam votado sem reservas a proposta de lei, o mencionado Secretário reafirmou a vontade do Executivo, esclarecendo que o período transitório de três anos era "para as concessionárias e os proprietários dos imóveis tratarem das respectivas formalidades, ou seja, tratar das questões dos casinos [satélite]".
Volvido tão pouco tempo, leio hoje que o Governo recuou e "deixou cair a exigência de que os imóveis onde operam os casinos-satélite tenham de ser adquiridos pelas concessionárias de jogo".
Aquilo que era um objectivo fundamental da lei, visando acabar com a balbúrdia reinante no sector e que tantos problemas causou a Macau, deixou de ser importante. E esse mesmo Governo que entrou tão determinado para acabar com os casinos-satélites e "moralizar" o sector, aparentemente, voltou a ser permeável aos interesses de alguns mandarins.
Da errância diz-se ser uma qualidade ou característica de quem é errante, de quem vagueia, de quem anda por aí mudando continuamente de lugar, aparentemente sem saber para onde quer ir, nem para onde vai, um pouco ao sabor do vento e das circunstâncias.
Eu não sei se isto se poderá qualificar como errância, mas a verdade é que não estranho nada disto, muito menos os patrióticos avanços e recuos do Governo, pois que ao mesmo tempo que se vê a cidade morrer fechada, entregue à sua sorte, assiste-se à tentativa de fazer um arroz de cabidela com a única galinha existente na capoeira – e que ainda produzia ovos em quantidade e qualidade suficiente para alimentar os donos da casa, os mordomos, as governantas e todos os serviçais que a mantêm, incluindo os vizinhos – sem antes tratar de se arranjar mais galinhas (e mais uns patos), destinando umas à sangria para as cabidelas, outras à produção de ovos, e as restantes para umas canjas e uns assados que alimentassem quem nos visita e os esfomeados que saem das quarentenas.
O que não esperava era este governar, que por mais estudo ou relatório que se faça, por mais "científicas" que sejam as conclusões e as propostas de lei do Governo, acabam sempre desqualificadas e mutiladas nas comissões da AL às mãos dos interesses de alguns, que não são confundíveis com os interesses de Macau, com os dos seus residentes ou, sequer, com os da China.
Não sei como em Pequim se avaliam estes sucessivos recuos do Governo de cada vez que as suas propostas chegam à AL, nem como se olha para este vagabundear tão pouco compatível com um governar esclarecido, seguro, transparente e visando exclusivamente a prossecução do interesse público.
Mas quer-me parecer que, tal como por estes dias se tem visto em Hong Kong, este já não é um problema de falta de patriotismo.
Concordo, assim, inteiramente com os membros da 13.ª Conferência Consultiva Política do Povo Chinês e com Wang Yang, a quem daqui aplaudo efusiva e entusiasticamente, quando no seu exercício de autocrítica candidamente confessam a existência de "algumas deficiências e fraquezas no desenvolvimento de capacidades das fileiras patrióticas", identificando a necessidade de "reforço da integridade política e da capacidade de governação entre os dirigentes das regiões administrativas especiais", e sublinhando a necessidade de se ajudar os patriotas a melhorarem as suas capacidades, dada a falta de "talentos competentes e profissionais".
Aqui, o que custa é ver o retrocesso, os anos perdidos, coisa que tem muito pouco de patriótico, porque não é normal levar tanto tempo a apresentar uma proposta de lei sobre uma matéria tão importante para Macau, como a da alteração do regime jurídico dos jogos de fortuna ou azar em casino, de tal forma que até obrigou a uma prorrogação excepcional dos prazos das concessões para que a nova lei fosse ultimada e se possa levar a efeito o concurso internacional, para que depois tudo naufrague de forma tão caricata às mãos do presidente da 2.ª Comissão da AL e dos seus pares que antes votaram favoravelmente e sem reservas essa mesma proposta no plenário da AL.
Talvez seja tempo do Governo Central distribuir umas bússolas por Macau e por toda a Grande Baía. Se isso for feito, e ao mesmo tempo se capacitarem os patriotas aprovados para aprenderem a ler os instrumentos de navegação, ensinando-lhes a traçarem um rumo nas cartas de navegação, reforçando-lhes a integridade política e as capacidades de governação de que falava Wang Yang, será possível ultrapassar este período de desnorte, limpar e reformar a capoeira, voltando a ter ovos para tudo e para todos.
Até para vender alguns ovos que nos permitam fazer uma fábrica de bússolas que possam ser exportadas para outros países.
Artesãos, caseiros, gente habituada a estar dentro de capoeiras, enfim, talentos temos de sobra. E quanto a estes, se necessário for, também poderemos exportar alguns para Hengqin, ajudando à tão necessária diversificação.
Há sempre a esperança de que se possam reproduzir do outro lado agarrados a uma bússola. Para depois, adquiridas as competências, os integrarmos aqui.