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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
(créditos: Macau Daily Times)
A imprensa fez eco esta manhã de mais um problema – grave – no IAM relativamente ao chamado “caso das placas toponímicas”.
Do que saiu nos jornais resulta que o IAM abriu um concurso para substituição ou manutenção de placas toponímicas. Que nos termos do respectivo caderno de encargos as que deviam ser substituídas deveriam sê-lo por azulejos vidrados. Em vez disso foram utilizados autocolantes. Uma vergonha.
O problema da falta de transparência no funcionamento do IAM e, em geral, de toda a Administração Pública, com a permanente falta ou escamoteamento de informação fundamental que devia ser do conhecimento público em todos os momentos do processo administrativo, não decorrem apenas de procedimentos incorrectos e da má interpretação das leis vigentes, mas é fruto de uma cultura de súbdito, de lideranças impreparadas, do compadrio e clientelismo instalados, de ausência de cultura cívica e de uma mentalidade de casta e medrosa que cultiva o secretismo por ter dificuldade em encarar os problemas de frente, assumir responsabilidades e responder pelas suas decisões.
E isto é tão verdade no caso das placas toponímicas, como mais recentemente no concurso para atribuição das concessões de jogo em casinos ou antes na escandalosa renovação da, entretanto defunta, concessão do Macau Jockey Club.
Dizer que se vai instaurar um inquérito não resolve o problema. Como não garante que não volte a acontecer. Aliás, importa perguntar quantas situações idênticas terão ocorrido no passado sem que a população tivesse conhecimento?
De igual modo, dizer que “o IAM tem diferentes listas de fornecedores qualificados para adjudicação em diferentes tipos de obras, referindo que um total de nove empresas concorreram para a obra em causa, e que a referida empresa foi adjudicada pelo seu baixo preço e outros factores” não atalha às dúvidas. Quais outros factores?
É preciso deixar de procurar no pessoal subalterno os bodes expiatórios, e que a população de Macau tenha conhecimento dessas listas, dos nomes das empresas, dos respectivos sócios e dos critérios de inclusão. Alguém as aprova e decide as adjudicações. E também é preciso saber em que termos essas listas são revistas, por quem e obedecendo a que tipo de procedimentos.
E quanto aos azulejos e autocolantes, o que o comunicado do IAM devia referir era quando foi aberto o concurso, que empresas concorreram, quais os critérios de adjudicação para além do “baixo preço”.
Acusar a empresa de burla é fácil, mas é preciso também saber se as condições para a burla não decorrem de procedimentos incorrectos, da incompetência de quem decide e está à frente dos processo de escolha. Isto é, se a burla não é consequência das condições criadas para a sua prática. Não seria novidade atenta a forma como muitas empreitadas de obras públicas e prestações de serviços foram conduzidas e adjudicadas na RAEM nas últimas décadas.
Acresce que também seria bom esclarecer:
(i) Quais os valores das propostas rejeitadas dos outros concorrentes que se apresentaram a concurso, para se poder perceber da disparidade de preços e se quem adjudicou não deveria ter logo desconfiado da bondade da proposta vencedora, eventualmente pedindo esclarecimentos ao concorrente;
(ii) Quando é que se iniciou a obra (um matutino escreve que o IAM "procedeu, nos últimos meses, à substituição de cerca de 400 placas, cujas obras ainda não foram examinadas e aceites"), durante quanto tempo decorreu a sua execução e se alguém a fiscalizou durante esse período, tendo-se ela prolongado durante meses;
(iii) Se depois de concluída a obra adjudicada, e antes do pagamento, houve alguém que verificasse o trabalho efectuado, e em caso afirmativo se quem o fez elaborou algum relatório sobre aquele, e, finalmente;
(iv) Se a obra foi considerada em boa e devida forma antes de ser dada a ordem de pagamento, e quem deu esta última.
Quer-me parecer que o Dr. Sam Hou Fai, futuro Chefe do Executivo, vai ter muito trabalho pela frente se quiser que a Administração Pública e o IAM entrem nos eixos. O caos está instalado e segue em roda-livre.
Vai ser necessário rever procedimentos.
E, penso eu, correr com muito inepto que “à pala do patriotismo” depaupera os cofres da RAEM, e com a “conivência do sistema” contribui para que outros “patriotas” menos escrupulosos enriqueçam sem apresentarem trabalho que preste, lesando o interesse público e a todos prejudicando.
Impõe-se que o futuro Chefe do Executivo acabe de uma vez por todas com a falta de transparência nos concursos públicos e nas adjudicações por ajuste directo e se dê uma forte machadada no chico-espertismo, no comodismo e na incompetência generalizada que se instalou com a complacência de alguns.
A casa tem de ser limpa para poder funcionar decentemente. Convém acabar com as baratas, com os mosquitos, com as pragas de roedores e com os lambedores da cúria. Não bastar mudar alguns inquilinos deixando as teias de aranha.
Só assim é que o princípio “um país, dois sistemas” faz sentido hoje e continuará a ter futuro.