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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
O anúncio feito pelas autoridades chinesas de abandono da política de tolerância zero, com o afastamento radical de medidas que ainda há dias eram consideradas essenciais, só foi possível devido à conjugação de duas ordens de razões.
Por um lado, a verificação de que essa política se revelava em cada dia que passava mais desajustada da realidade à medida que os casos aumentavam por todo o país, na ordem das dezenas de milhares, e a situação económica se agravava.
Depois, porque o povo se começou a manifestar nas ruas em múltiplas cidades contestando a política oficial, o regime de clausura que lhes foi imposto há quase três anos e o seu empobrecimento generalizado.
Ao contrário do que aconteceu em Junho de 1989, em que tudo se resumiu a um foco de revolta e contestação de jovens localizado e centrado na Praça da Paz Celestial, o que facilitou o envio de tropas e a "limpeza" que se seguiu, desta vez todos viram que a revolta popular contra a política de tolerância zero e os seus defensores se estendeu a dezenas de cidades, com milhares de pessoas nas ruas. A contestação foi generalizada e começou a assumir contornos violentos, como se viu pelas imagens que nos chegaram do que se passou em Guangzhou e noutros locais, com violência contra as próprias autoridades policiais.
Não fosse isso e não teria havido qualquer inflexão nas medidas. A contestação social generalizada continua a ser o pesadelo de qualquer autocracia.
Recorde-se que ainda há menos de dois meses, no XX Congresso do Partido Comunista Chinês, havia sido reafirmado que a política de tolerância zero seria para manter.
Também em Macau, na Assembleia Legislativa, o Chefe do Executivo manifestava há três semanas a continuação da política de tolerância zero dinâmica e que, ao contrário de Hong Kong, prosseguiriam em Macau as políticas determinadas pelos autoridades centrais.
Tão pouco tempo depois e a RAEM é obrigada a abrir. Era inevitável que o erro teria de ser corrigido. O que ainda há dias era verdade, científico e patriótico, para ser seguido de olhos fechados, afinal hoje já não convém. Num ápice tudo mudou.
A lição a retirar é a mesma de sempre: quando a inteligência, o bom senso e a justiça desaparecem das políticas governativas, para darem lugar ao seguidismo acrítico e à arbitrariedade, e aquelas apenas representam a medida da teimosia, constituindo um espelho da insensatez, do atavismo e do provincianismo, torna-se muito mais difícil dar resposta às necessidades da comunidade. E isto é válido para qualquer governante e qualquer regime independentemente da respectiva latitude.
A RAEM perdeu mais uma boa oportunidade de reconquistar a sua autonomia e mostrar o caminho a tempo e horas.
A derrota da política de tolerância zero é uma vitória da razão e da cidadania, uma derrota da arbitrariedade a coberto da lei.
Tivessem as medidas agora anunciadas, embora insuficientes, visto que as quarentenas para quem chega do estrangeiro continuam, sido tomadas há um ano, quando em todo o mundo se percebeu que o vírus tinha vindo para ficar e era preciso mudar de políticas para salvar a economia e o ganha-pão da maioria, e ter-se-ia encetado o caminho da mudança muito mais cedo, com muito menos prejuízos e poupando a todos os elevadíssimos custos sociais, económicos e financeiros que nos foram impostos.
É preciso voltar à vida rapidamente. Sem medo, não chorando sobre o tempo perdido. Quem não se vacinou que se vacine, que se proteja, e que acorde para a realidade. O mundo não pára, não espera por nós.